Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 212/2022-T
Data da decisão: 2023-03-14  IRS  
Valor do pedido: € 55.177,68
Tema: IRS - Erro imputável aos serviços; Liquidação do IRS; Erro evidenciado na declaração e erro evidenciado na declaração de rendimentos; Art.º 140, n.º 2 do CIRS;
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SUMÁRIO: 

 

I.     A revogação efectuada pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março, que revogou o n.º 2 do art.º 78.º da Lei Geral Tributária, eliminou a presunção “juris et de jure”, de erro imputável aos serviços, no caso dos impostos auto liquidáveis, deixando de lhe ser sempre imputável o erro na autoliquidação;

II.    A liquidação do imposto de IRS é da competência da administração fiscal, sendo feita, por regra, com base na declaração dos sujeitos passivos;

III. O erro imputável aos serviços, ou ao sujeito passivo, afere-se caso a caso em função das condutas das partes, onde não poderá deixar de se apelar às acções e omissões dos sujeitos passivos e à própria actuação da Autoridade Tributária, incluindo os sistemas informáticos de processamento das declarações e as instruções de preenchimento das mesmas;

IV.   Para se impugnar uma liquidação com base em erro na declaração de rendimentos é necessário deduzir reclamação necessária, condição de apreciação do mesmo erro;

 

DECISÃO ARBITRAL

O Árbitro singular Dr. António Pragal Colaço, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 06/6/2022, decide o seguinte:

 

              I. RELATÓRIO

 

1.    A..., casado, titular do número de identificação fiscal ..., residente na ...– ..., ...-... Estoril, (Requerente), tendo interposto um pedido de Revisão do Ato Tributário relativo à Liquidação de IRS n.º 2019 ... e respetiva Liquidação de Juros compensatórios n.º 2019 ..., referente ao IRS de 2018, veio em 28/03/2022, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária “(RJAT)”, em conjugação com o artigo 99.º e com a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de Revisão do Ato Tributário e consequentemente das liquidações de imposto e dos juros respectivos supra identificadas, ainda o reembolso do montante depositado a título de caução, acrescido de indemnização por garantia indevidamente prestada, invocando que se encontra inscrito como residente fiscal em Portugal, ao abrigo do Regime de Residente não Habitual, desde 2016, tendo celebrado um contrato de prestação de serviços com a sociedade B... S.A., sediada na Suíça, tendo os serviços sido aí prestados presencialmente.

Invoca que no momento do preenchimento da Modelo 3 de IRS respectiva, constatou que não está prevista nos Anexos relevantes (em concreto, nos Anexos J e L) a forma de declarar especificamente os “rendimentos que resultaram da propriedade intelectual, industrial ou know-how” contemplada no artigo 81.º, n.º 5 do CIRS, passível de beneficiar de isenção de tributação em Portugal, onde pretendia manifestar os 150.000,00€ de rendimento.

Apesar de aconselhado verbalmente como deveria preencher a declaração e tê-lo feito de acordo com esse aconselhamento, foi confrontado com as liquidações supra identificadas, não tendo estas assumido o seu direito a beneficiar de isenção de tributação daqueles rendimentos.

Pede a procedência do pedido de pronuncia arbitral (PPA), nos termos dos artigos 2.º e 10.º do DL n.° 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação conferida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, (RJAT). 

 

2.    O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 28.03.2022.

 

3.    Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Singular, o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4.    Em 17/05/2022 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

5.    Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 06/06/2022.

 

6.    A Requerida, tendo para o efeito sido devidamente notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, veio em 12/7/2022 requerer a concessão de uma prorrogação do prazo para apresentação da Resposta e junção do processo administrativo instrutor por mais 10 dias, em virtude de dificuldades operacionais da Direcção de Serviços.

Por despacho proferido nesse mesmo dia 12/07/2022 e notificado a ambas as partes, ao abrigo do princípio da colaboração das partes, da informalidade processual e da verdade material, determinou-se que fosse prorrogado o prazo de resposta pela entidade requerida até ao primeiro dia útil após férias judiciais, que foi o dia 1 de Setembro.

A Requerida veio deduzir Resposta por requerimento impetrado no dia 10/08/2022, juntando o respectivo processo administrativo. A Requerida defendeu-se por excepção, (assim o qualificando), invocando a intempestividade do pedido, bem como, de mérito, tendo quanto a este remetido “in totum” para a decisão do CAAD 832/2019-T, advogando assim a improcedência do pedido.

 

7.    Por despacho arbitral proferido em 23/8/2022, foi ordenada a notificação do Requerente para, querendo, se pronunciar sobre as excepções deduzidas ao abrigo do princípio do contraditório, direito que exerceu por requerimento impetrado em 13/9/2022.

 

8.    Por despacho arbitral exarado nesse mesmo dia em 13/9/2022, foi decidida a dispensa da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, com fundamento nos artigos 16°-c), do RJAT e do princípio da proibição da prática de atos inúteis, considerando que (i)se trata, no caso, de processo não passível duma definição de tramites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e (ii) não se revela necessário o aperfeiçoamento dos articulados.

Foi ainda decidida a dispensa da produção de alegações finais escritas, tendo sido relegado o conhecimento das excepções (que assim foram qualificadas), para a decisão final.

Foi também ainda decidido que a decisão final seria proferida e notificada nos prazos previstos no art.º 21.º do RJAT, devendo a Requerente dar oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4°-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributaria [pagamento, antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa arbitral].

 

9.    Em 2/12/2022, foi proferido despacho arbitral de prorrogação do prazo para a decisão por mais 60 dias. Em 3/2/2023, foi novamente proferido despacho arbitral de prorrogação do prazo para a decisão por mais 60 dias.

 

II.   POSIÇÕES DE REQUERENTE E REQUERIDA

 

1.º            POSIÇÃO DO REQUERENTE

 

O Requerente considera que a liquidação de IRS n.º 2019 ... e respetiva Liquidação de Juros n.º 2019..., referente ao IRS de 2018, que lhe foi notificada, se encontram feridas de ilegalidade, porquanto, invoca que se encontra inscrito como residente fiscal em Portugal, ao abrigo do Regime de Residente não Habitual, desde 2016, tendo celebrado um contrato de prestação de serviços com a sociedade B... S.A., sediada na Suíça.

Os serviços foram prestados presencialmente na Suíça. Auferiu em 2018, em virtude do mencionado contrato, o montante de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), o qual declarou em sede de IRS, em Portugal.

Ao preencher a Modelo 3 de rendimentos, o Requerente constatou que não está prevista nos Anexos relevantes (em concreto, nos Anexos J e L) a forma de declarar especificamente os “rendimentos que resultaram da propriedade intelectual, industrial ou know-how” contemplada no artigo 81.º, n.º 5 do CIRS, passível de beneficiar de isenção de tributação em Portugal.

Avançou assim com o preenchimento da declaração nos termos verbalmente aconselhados no Serviço de Finanças de Cascais ... .

Na sequência das liquidações de IRS e Juros e que ascendem a um valor total a pagar de €55.177,68 (cinquenta e cinco mil cento e setenta e sete euros e sessenta e oito cêntimos), o Requerente decidiu apresentar junto da AT um pedido de revisão do ato tributário, nos termos do artigo 78.º da LGT. Não tendo a AT tomado qualquer posição expressa, considera-se o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão do acto tributário, justificando o pedido de pronúncia arbitral.

Já com referência ao ano de 2017 o Requerente se havia confrontado com a mesma inépcia da Declaração Modelo 3 do IRS e respetivos anexos, tendo sido objeto igualmente de uma liquidação de IRS com a qual não concordou e da qual recorreu para o Tribunal Arbitral (CAAD), processo que correu termos sob o número 832/19-T, tendo aí sido decidido que o Requerente não lograra provar que o exercício da atividade que originou os rendimentos em causa havia ocorrido numa instalação fixa colocada à sua disposição no país de origem dos rendimentos, face a insuficiência probatória, pelo que julgou improcedente o pedido arbitral.

Considera agora a Requerente que dispõe de prova inequívoca de que o exercício da atividade que originou os rendimentos auferidos em 2018 ocorreu numa instalação fixa colocada à sua disposição na Suíça (país de origem dos rendimentos).

 

2.º   POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

Na sua resposta, a Requerida AT invocou a excepção de intempestividade do pedido de pronuncia arbitral em 56 artigos, porquanto defende que, apesar da não tão clara redação do referido n.º 1 do artigo 78.º, é hoje pacífico que o pedido de revisão apresentado fora do prazo concedido para reclamar graciosamente, só poderá ser efetuado pelo sujeito passivo se verificado o requisito do erro imputável aos serviços.

No entanto, acontece que a Lei 7-A/2016, de 30/03, revogou o referido n.º 2, deixando de existir uma presunção de erro imputável aos serviços, no caso dos impostos auto liquidáveis, pelo que

deixou de haver suporte legal para aplicar o prazo de 4 anos, caso não se verifique um erro imputável aos serviços, sendo o mesmo aplicável ao caso “sub judice”, pois o acto tributário foi praticado depois de 31 de Março de 2016.

Invoca que a primeira declaração de IRS entregue relativamente ao ano de 2018 tinha originado uma liquidação nula, tendo o sujeito passivo sido isento de tributação nos termos do n.º 5 do art. 81º do CIRS (liquidação nº 2019 ...). A entrega da declaração de substituição e a liquidação que originou, não pode ser imputado aos serviços quaisquer erros relativos à mesma.

No que diz respeito às restantes previsões do art. 78º da LGT, referenciadas na petição do pedido de revisão, injustiça grave ou notória e duplicação de coleta, ambas não servem de fundamento ao caso, porque é o resultado de comportamento eventualmente negligente do sujeito passivo que inviabiliza a apreciação do pedido nos termos do nº4 do art.º 78º da LGT.[1]

Aliás, o Requerente veio na petição assumir que o erro declarativo foi dele, pelo que ao admitir

o erro está a admitir a sua negligência.

Assim, o pedido de revisão do ato tributário em causa apenas seria tempestivo com fundamento em erro imputável aos serviços, conforme dispõe o artigo 78.º, n.º 1 in fine da LGT e não o tendo sido, o pedido de pronuncia arbitral também é intempestivo.

Invocou ainda o incumprimento do art.º 140.º, n.º 2, do CIRS.

Impugnou de mérito, defendendo a legalidade do indeferimento da revisão do acto tributário e do correspectivo acto de liquidação, devendo em consequência o acto impugnado ser mantido na ordem jurídica por entender que o mesmo consubstancia uma correcta aplicação do direito aos factos.

 

III.  DO SANEAMENTO

 

a)    O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciarias, mostram-se legitimas e encontram-se regularmente representadas, (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

O processo não enferma de nulidades.

 

b)    Excepção da intempestividade do pedido

A Requerida suscita questão prévia respeitante à intempestividade do pedido que gravita em função do eventual erro imputável aos serviços, a qual qualificou como excepção.

Torna-se necessário dirimir primeiro, se estamos, ou não, perante erro imputável aos serviços, matéria que é mais de análise factual e posterior inserção normativa dessa factualidade, e da conclusão que daí se retirar poderá advir a extemporaneidade da revisão do ato tributário – dir-se-ia antes, inadmissibilidade/inimpugnabilidade da mesma, pois daqui é que resultará a extemporaneidade, que poderá até ser mais uma improcedência.

Como essa argumentação foi qualificada como excepções, seguiremos o iter que definimos no parágrafo anterior.

 Por conseguinte torna-se necessário proceder já à fixação da matéria de facto relevante para o conhecimento da mesma.

 

IV. Matéria de facto:

 

A.            Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.    A..., titular do número de identificação fiscal ..., residente na ...– ..., ...-... Estoril, (Requerente), é residente não habitual em Portugal para efeitos fiscais.

 

2.    O Requerente e a sua esposa, C...– residentes fiscais em Portugal - apresentaram a declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2018 em 2019-06- 14, declaração de rendimentos com os anexos B, J e L indicando ser residente não habitual, tendo a respetiva liquidação (nº 2019...) resultado num saldo nulo.

 

3.    Posteriormente, procedeu à entrega da declaração de substituição de IRS de 2018 em 2019- 09-09, a qual originou uma liquidação (nº 2019...) a pagar no montante de € 55.177,68 e de uma liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., no montante de 426,00€.

 

4.    Em 27/08/2021 o Requerente apresentou pedido de revisão de ato tributário, referente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares do exercício de 2018, alegando que ao pretender preencher a sua declaração de rendimentos, constatou que não está prevista nos Anexos relevantes (em concreto, nos Anexos J e L) a forma de declarar especificamente os "rendimentos que resultaram da propriedade intelectual, industrial ou know-how" contemplada no artigo 8I.º, n.º 5 do CIRS, passível de beneficiarem de isenção de tributação em Portugal, pelo que efectuou o preenchimento da declaração nos termos verbalmente aconselhados no Serviço de Finanças de Cascais ..., em suma que nos termos do art. 78º da LGT, houve um erro dos serviços pelo que deveria ser apreciado o mérito do pedido.

 

5.    O Requerente preencheu o Anexo B da seguinte forma:

 

E preencheu o Anexo J da seguinte forma:

 E preencheu o Anexo L da seguinte forma:

 

6.    Resultando a seguinte liquidação:

7.    A 3 de janeiro de 2018, o Requerente celebrou um contrato para a prestação de serviços com a sociedade B... S.A., sediada na Suíça, resultando da leitura do contrato, que o Requerente tem um extenso histórico de experiência na área de manganês ligas, gerenciamento de transporte, logística, matérias-primas, commodities e comércio de frete, bem como profundo conhecimento do mercado mundial de manganês e peculiaridades dos Mercados europeus, CEI e asiáticos, tendo sido estipulado que exerceria as suas funções a título de trabalhador independente e de forma não exclusiva.

 

8.    Constam das obrigações contratuais do Requerente que:

O Consultor deverá manter-se à disposição para prestar e, a pedido do Empresa de tempos em tempos, serviços de consultoria para a Empresa, incluindo, sem limitação, aconselhamento e assistência sobre o seguinte:

(a) Recolha e sistematização de dados sobre produtores mundiais de manganês, incluindo mineradores de minério de manganês e produtores de ligas de manganês

(b) Avaliação dos mercados globais de minério de manganês e ligas de manganês em termos de produção e consumo por região

(c) Consolidação do mercado de ligas a granel na Rússia e na CEI

(d) Desempenho do mercado global e europeu de manganês e seu impacto na CEI

(e) Dinâmica dos fretes Panamax e Supramax para entregas de minério de manganês da África do Sul para os mercados do Atlântico e do Pacífico.

(f) Avaliação de novos projetos de mineração de minério de manganês na África do Sul e SWOT análises para aquisição de direitos minerários na África do Sul, Zâmbia e Gabão

(g) Avaliação do potencial dos mercados da Rússia e da CEI para a importação de minério de manganês.

(h) Facilitação de contatos com os principais participantes do mercado mundial de mineração, siderurgia e indústrias de ligas.

 

9.    Os serviços levados a cabo pelo Requerente à Sociedade foram prestados, da seguinte forma:

Em 3 de janeiro de 2018, a Companhia e o Sr. A..., com residência principal em

Rua ..., Moradia ..., Estoril, Portugal (doravante designada por “o Consultor”) celebrou um “Contrato de Prestação de Serviços Relativo à Experiência Adquirida no Setor Industrial e Comercial” (doravante denominado "o acordo");

(ii) O Consultor prestou serviços de consultoria à Empresa, nos termos do Acordo, no período de 03 de janeiro de 2018 a 03 de abril de 2018, e recebeu o compensação nele estipulada;

(iii) Para efeitos da execução dos serviços contratados, bem como de eventuais serviços a serem contratados, a Empresa colocou à disposição do Consultor um escritório em sua sede e local normal de negócios, que em 2018 era na Rue ..., ... Genebra, Suíça e atualmente está na Rue ..., ... Genebra, Suíça;

(iv) Os serviços foram prestados pelo Consultor, pessoalmente, no escritório que lhe foi outorgado pela Companhia e melhor identificados em (iii) presencialmente, num escritório colocado à sua disposição, localizado em ..., ... Genebra - Suíça (conforme atestado por declaração emitida pela Sociedade em 7/1/2021 e junta como Doc. 2).

 

10.  Da liquidação e juros descritos em 3), e que ascendem a um valor total a pagar de €55.177,68 (cinquenta e cinco mil cento e setenta e sete euros e sessenta e oito cêntimos), o Requerente decidiu apresentar junto da AT um pedido de revisão do ato tributário, nos termos do artigo 78.º da LGT.

 

11.  A Requerida não tomou qualquer posição expressa sobre o pedido de revisão oficiosa deduzido pelo Requerente até 27/12/2021.

 

12. O Requerente veio em 28/03/2022, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de Revisão do Ato Tributário das liquidações de imposto e dos juros respectivos supra identificadas.

 

Consideram-se provados todos os factos supra descritos.

 

B.             Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

 

C.            Fundamentação da matéria de facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nem impugnados especificadamente e no acervo probatório carreado para os autos, essencialmente constituído pelo processo administrativo junto pela Requerida, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

Apreciemos a qualificada excepção de intempestividade, nos moldes e pelo iter que acima descrevemos.

 

O Requerente fundamenta o seu pedido ao abrigo do disposto do n.º 1 do art. 78º da LGT, nomeadamente erro dos serviços, para que se pudesse analisar o pedido de revisão de ato tributário.[2]

Dispõe o art.º 78.º da LGT o seguinte:

Artigo 78.º

Revisão dos actos tributários

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.  (Redação da  Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro)

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. (Redação do n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro)

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. (Redação da  Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) (Anterior n.º 4.)

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos. (Redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro)

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização. (Redação da  Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) (Anterior n.º6 .)

 

Os actos tributários podem assim ser revistos nos termos deste inciso, por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.[3]

Vejamos de forma sucinta a evolução histórica jurisprudencial quanto a esta temática.

A questão do contribuinte poder pedir a revisão oficiosa para que a administração tributária espolete a revisão no prazo de 4 anos, foi pacífica e reiteradamente defendida pela jurisprudência.[4]

Estava também jurisprudencialmente solidificada a interpretação segundo a qual, o «erro imputável aos serviços» constante do artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende o erro de direito e não apenas o lapso, erro material ou erro de facto, como aliás veio esclarecer o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, na redacção introduzida pelo artigo 40.º da Lei n.º 55-B/04, de 30 de Dezembro.

O “erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, com ressalva do erro na autoliquidação que, para o efeito, é equiparado aos daquela primeira espécie artigo 78.º, n. 2 in fine ( Acórdão mencionado de 17/5/2006).[5]

Como se refere no acórdão de 12 de Dezembro de 2001, recurso n. 26.233: “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (artigos 266°, n. 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”.[6]

Nem contrariam o exposto os nºs 3 e 4 daquele artigo 78°, uma vez que ressalva “o disposto nos números anteriores”.

Ou seja: pode ser efectuada essa revisão, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo que não exista erro imputável aos serviços.[7]

De outro modo, sairia frustrado o dever da Administração, de plenamente reconstituir a legalidade ofendida, em violação do princípio da legalidade que deve ser observado na actuação administrativa (artigos 266º, n. 2 da Constituição da República Portuguesa e 55º da Lei Geral Tributária).

Aliás, a mesma lei – artigo 78º, n. 2 – considera erro imputável aos serviços, o erro na autoliquidação efectuada pelo sujeito passivo, do qual está liminarmente excluído qualquer erro material praticado pela Administração Tributária (Acórdão citado).[8]

 

Acontece, no entanto, que a alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março, veio revogar o número 2 do art.º 78.º da LGT, que dispunha:

Art.º 78.º

2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.

Argumenta a Requerida no n.º 17 da sua resposta que, “Não obstante a não tão clara redação do referido n.º 1 do artigo 78.º, é hoje pacífico que o pedido de revisão apresentado fora do prazo concedido para reclamar graciosamente, só poderá ser efetuado pelo sujeito passivo se verificado o requisito do erro imputável aos serviços.”

Independentemente de se poderem apreciar outras questões pertinentes, como a aplicação do erro de direito, independente do erro imputável aos serviços, já existe uma pequena abordagem jurisprudêncial do STA sobre os efeitos jurídicos desta revogação do art.º 78.º, n.º 2, da LGT.[9]

No entanto, parecendo ser pacífico que o tema que se encontra em discussão “…é a revisão de um acto tributário e o respectivo indeferimento tácito, tudo gravita em torno da interpretação e aplicação do art. 78º da LGT – o artigo expressamente invocado pela ora Requerente para desencadear os procedimentos que conduzem em linha recta aos presentes autos.”[10]

Conforme se mencionou, o revogado número 2 do art.º 78.º da LGT, equiparava a autoliquidação ao erro imputável aos serviços. Ora, face à transferência das obrigações que deveriam ser originárias da AT para os sujeitos passivos, as designadas obrigações acessórias, os quais não tem de ter conhecimentos técnicos para cumprirem essas mesmas obrigações, permitia-se esta equiparação.

“Era uma justificação que tinha apoio não apenas doutrinal, mas também jurisprudencial: como se referia no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-01-2015, processo n.º 0843/14, “tratando-se de verdadeira liquidação tributária para todos os efeitos, na medida em que o cidadão é utilizado em funções que lhe não são próprias, mas próprias de um funcionário da Administração Tributária, nos casos em que, ao mencionar os factos ou na subsunção dos mesmos ao direito, incorre em erro, esse erro não pode deixar de considerar-se como erro da própria Administração Tributária”[11]

O fundamento doutrinal e jurisprudencial para a revogação deste número, enquadrou-se no objectivo de fazer cessar essa não preocupação do contribuinte por estudar de forma aturada como se preenchem as declarações ou se enquadram os rendimentos que auferiu,(?), mas não podemos deixar de surpreender antes, motivos de resposta à excessiva litigiosidade com base no art,º 78.º da LGT e mesmo preocupações de receita fiscal.

Mas será que uma boa leitura jurídica poderá levar a desconsiderar situações em que não parece que tenha existido negligência, mas apenas inexistente informação adequada por parte do titular do poder originário dos impostos?[12]

Aqui chegados, compreende-se que a questão fulcral a dirimir seja considerar, ou não, com base nos factos dados como provados, que a situação factual seja subsumida a uma normatividade de erro imputável aos serviços, ou de erro imputável ao sujeito passivo. Ora, essa apreciação é quase uma apreciação de mérito e não de forma, se bem que possa originar a intempestividade/improcedencia de um procedimento administrativo.

Teremos assim de apreciar a excepção de intempestividade invocada, por uma perspectiva e qualificação jurídica diferente.[13]

Estando assim em causa “declaração de ilegalidade de atos tributários de liquidação, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar a questão que lhe é submetida.

 

IV.           Do Direito

 

As questões a dirimir nos presentes autos são as seguintes:

 

a)     A liquidação que resultou da entrega da declaração de substituição de IRS de 2018 em 2019- 09-09, a qual originou uma liquidação (nº 2019...) a pagar no montante de € 55.177,68 e de uma liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., no montante de 426,00€, a ser ilegal com base nos pressupostos de direito ou de facto, pode ser considerada “erro imputável aos serviços”?

b)    A ser procedente a primeira resposta, foi cumprido o art.º 140.º, n.º 2 do CIRS? 

c)     Em caso negativo de resposta à questão anterior, quais as consequências? Em caso positivo de resposta à questão anterior, a liquidação enferma de algum vício de facto ou de direito? Cumpriu o Requerente o ónus da prova?

 

Vejamos então a primeira questão.

 

O direito fiscal faz parte do direito público, constituindo um ramo seu com os seus princípios fundamentais definidos em sede constitucional.

No entanto, não pode deixar de “importar” conceitos que fazem parte do direito privado, como são exemplos, a relação jurídica e a obrigação da prestação, neste caso de natureza tributária.[14]

Os deveres de acção dos sujeitos passivos das relações jurídico-tributárias, constituíam-se nas relações jurídicas tradicionais, como meros deveres de prestação pecuniária, com algumas subsidiárias obrigações de conduta.[15]

 A situação alterou-se quando as necessidades de quantificação da obrigação tributária reclamaram uma gestão muito mais complexa para poder ser uma actividade primordialmente efectuada pela Administração. Actualmente, o que sucede é a existência de um complexo feixe de actuações exigidas por lei aos particulares (actos devidos) e a cuja violação correspondem mesmo sanções autónomas, de natureza contra-ordenacional e de natureza criminal, mesmo que não estejamos perante uma dívida de imposto.[16]

É o que podemos designar como obrigações acessórias.

O n.º 2 do artigo 31.º da LGT apenas refere as obrigações acessórias relativas ao sujeito passivo, entendido como a pessoa que deve cumprir a prestação tributária, visando possibilitar o apuramento do imposto a pagar. [17]

Mas as obrigações acessórias do sujeito passivo visam mais do que o apuramento do imposto. Visam também o seu controlo, como se alcança da enumeração exemplificativa que o preceito faz, ao mencionar a apresentação de declarações, onde se inclui a declaração de informação contabilística e fiscal, e ao referir a exibição de documentos, as obrigações contabilísticas, ou de escrituração e a prestação de informações.[18]

Daí que a nosso ver a norma acabe por ter de ser interpretada através de um conceito amplo do apuramento da obrigação de imposto.

Estamos então perante deveres de liquidar e cobrar o imposto, como deveres de calcular o imposto em dívida e de o entregar no prazo que a lei prevê (IRC), ou de declarar todos os rendimentos tributáveis (IRS) e permitir assim à Administração que proceda aos cálculos do imposto que são devidos por qualquer pessoa singular.[19]

Esta distinção é importante em termos de densificação do conceito de auto-liquidação.[20]

Parece-nos inquestionável que, em sede IRC, como era à imagem da Contribuição Industrial do Grupo A, o preenchimento da Modelo 22, corresponde a uma auto-liquidação. Mas o IRS, apesar de se intitular na sua origem como um imposto único, por reacção à estrutura cedular de impostos existentes antes de 1989,[21] caracteriza-se por uma estrutura cedular-categorizada, onde em função da natureza de cada rendimento, este se enquadra em categorias diferentes, possuindo regras próprias de cálculo. Após o apuramento por categoria, procede-se ao englobamento de todos os rendimentos, surgindo assim o rendimento colectável.

“Há autoliquidação quando a liquidação do tributo é feita pelo próprio sujeito passivo, tendo por base a matéria colectável que conste das respectivas declarações, como por exemplo, se prevê nos artigos 89º, alínea a), e 90.º, n.º 1, alínea c)do CIRC. Também relativamente ao IVA, a regra é a cobrança do imposto ser feita na sequência de autoliquidação, nos termos dos artigos 27.º e 41.º do CIVA, sendo o pagamento feito em toda a rede de cobrança do IVA ou à Direcção de Serviços de Cobrança do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (DSCIVA) [artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do DL nº 229/95, de 11 de Setembro].[22]

A categoria B de IRS é uma das categorias mencionadas, a qual visa tributar “grosso modo”, rendimentos de natureza profissional e empresarial, que o art.º 3.º enumera de forma exaustiva e desconcertada, talvez permitindo preenchimentos do seu “Tatbestand” por via jurisprudencial e não por via positiva como “obriga” o princípio da legalidade.[23]

Diz-nos a doutrina que “São tributados na categoria B (não sendo sempre claro se devem ou não   ser havidos como profissionais):

- Rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou cientifico, quando auferidos pelo seu titular originário (art.º 3.º, n.º 1, al. c).

Estes tipos de rendimento apenas são de incluir nesta categoria quando auferidos pelo respetivo titular originário (o autor, o inventor, etc.). Na realidade, podemos então considerar estar em causa a remuneração do trabalho que conduziu a tal obra, invento ou conhecimento.”[24]

A tributação destes rendimentos comerciais e empresariais, ou mesmo profissionais, em sede de Categoria B de IRS, denominado rendimento tributável, no que concerne aos residentes, pode ser efectuada de duas formas:

Ø  Ou pela contabilidade;

Ø  Ou através do regime simplificado de tributação;[25]

No caso em análise interessa-nos o regime simplificado de tributação.

Os sujeitos passivos que sejam residentes em Portugal e obviamente o sujeito passivo que seja residente não habitual é considerado residente, que obtenham rendimentos da categoria B que não excedam determinado limite (de réditos), poderão ficar sujeitos ao regime simplificado (art.º 28.º, n.º 2, do CIRS.[26]

O rendimento tributável da Categoria B obtido por sujeitos passivos residentes – quer seja apurado através do regime de contabilidade organizada, quer seja através do regime simplificado de tributação, é objecto de englobamento obrigatório, conforme resulta do art.º 22.º, n.ºs 1 e 3, alínea b) a contrário do CIRS.[27]

No caso dos residentes não habituais em território português, os rendimentos líquidos da Categoria B, por estes auferidos em actividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, definidas na Portaria 12/2010, de 7 de Janeiro, encontram-se excluídos do regime de englobamento obrigatório, sem prejuízo da opção de englobamento. Estes rendimentos estão sujeitos à taxa especial de tributação autónoma de 20%, nos termos do art.º 72.º, n.º 10 do CIRS.

No entanto, no caso em análise trazendo à colacção a matéria de facto dada como provada, extrai-se que o único rendimento que o requerente obteve foi o correspondente a 150.000,00€, auferido na Suíça.[28]

E o mesmo inseriu esse valor no Anexo B, que respeita exactamente aos rendimentos da Categoria B, no campo 1304 do Quadro B, não tendo inscrito nenhum valor nos quadros 401 a 414 do quadro 4 A.[29]

Lê-se nas instruções:

QUEM DEVE APRESENTAR O ANEXO B 

Este anexo é individual e, em cada um, apenas podem constar os elementos respeitantes a um titular, devendo observar-se o seguinte:

i) No caso de o titular ser o sujeito passivo (sujeito passivo A ou sujeito passivo B), deve incluir no respetivo anexo B a totalidade dos rendimentos obtidos em território português;

E concatenando com o Quadro 4 da declaração, verificamos que o mesmo se intitula:

Assim, esta declaração do Anexo B, não deveria em princípio ter sido preenchida, porque os rendimentos não foram obtidos em território Português.

No entanto, as instruções do preenchimento da declaração Modelo 3 a qual foi criada pela Portaria 34/2019, de 28 de Janeiro, diz o seguinte sobre o Anexo B:

“Quando os rendimentos da categoria B forem obtidos fora do território português, devem ser mencionados no anexo J. Nesta situação, o anexo B também deve ser apresentado com os quadros 1, 3, 13B e 14 preenchidos, sendo, também neste caso, aplicável o disposto no parágrafo anterior para as situações em que o titular dos rendimentos é um dependente que integra o agregado familiar.”

Quanto à declaração do Anexo J – Rendimentos obtidos no Estrangeiro, correspondentes aos Quadros 6 A e B, tendo-o sido, nos termos dados como provados.[30]

Lê-se nas instruções do Anexo J:

“QUEM DEVE APRESENTAR O ANEXO J

Os sujeitos passivos residentes, quando estes ou os dependentes que integram o agregado familiar, no ano a que respeita a declaração, tenham obtido rendimentos fora do território português ou sejam titulares, beneficiários ou estejam autorizados a movimentar contas de depósitos ou de títulos abertas em instituição financeira não residente em território português ou em sucursal localizada fora do território português de instituição financeira residente, nos termos do artigo 63.º A da Lei Geral Tributária.”

QUADRO 6B — INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES PARA CATEGORIA B

Relativamente aos rendimentos declarados no quadro 6A e respetivas naturezas, devem ainda ser fornecidos no quadro 6B alguns dados complementares para efeitos da aplicação das regras de tributação e de eliminação da dupla tributação internacional, previstas nas Convenções para Evitar a Dupla Tributação celebradas por Portugal e no artigo 81.º do Código do IRS.

Na primeira coluna deve ser indicada a linha do quadro 6A a que corresponde a informação complementar a inscrever neste quadro 6B.

Para rendimentos dos códigos B03 e B04 — Profissional e independente e nas situações em que tenha sido declarada a não existência de estabelecimento estável ou instalação fixa deve assinalar-se na coluna respetiva se o número de dias de permanência do titular no país onde o serviço foi prestado foi inferior a 183 dias ou igual ou superior a 183 dias (ou a 9 meses, no caso de aquele país ser o Panamá — código 591 da Tabela X).

O Requerente não preencheu o Quadro 6B.

Identificou como código do rendimento B05, que nas instruções se designa por:

[31]

E o País como código 756, retirado do título X das instruções, tendo indicado que possuía estabelecimento estável ou instalação fixa.

Preencheu ainda o Anexo L – Residentes não Habituais, no Quadro 6 B, indicando que se aplicava o método de isenção na dupla tributação internacional.[32]

Pareceria assim resultar deste preenchimento, que o requerente utilizara erradamente anexos à modelo 3 de IRS. Mas não deixa de ser verdade que no Anexo B à modelo 3, apenas preencheu o campo 1304 e não os campos 401 a 414, qualquer que ele fosse e o sistema não detectou essa omissão!

“O pressuposto maior consagrado na lei é que aquele pedido tem de ser fundamentado em “erro imputável aos serviços”, tendo a sentença sustentando a esse propósito que «“O conceito de erro imputável aos serviços a que alude o artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer vício (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só erros, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial. (…)” - acórdão do TCA Sul de 23/03/2017, proc. 1349/10.0BELRS. (sublinhado nosso).

O Tribunal não desconhece a devida interpretação jurídica sobre o funcionamento dos sistemas informáticos, sendo público e notório que, exemplificativamente, o sistema da segurança social no que respeitou ao lay-off nunca teria funcionado se náo fosse a enorme ajuda da Ordem dos Contabilistas Certificados. [33]

O Requerente já tinha tido experiência no que concerne ao IRS do ano de 2017 e deveria ter tido ainda mais especial atenção aquando da entrega da declaração do ano de 2018.

Não se consegue compreender também a lógica da entrega de uma declaração dentro do prazo com liquidação nula e posteriormente entregar-se uma declaração de substituição originando a “confusão” exposta.

Não podemos assim deixar de considerar que o erro se deve a conduta negligente do Requerente e não pode ser imputável aos serviços.

Aqui chegados, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil por aplicação do artigo 29.º do RJAMT, o Tribunal Arbitral não se encontra obrigado a apreciar todos os argumentos alegados na petição inicial pelo Requerente, nem, na resposta efetuada pela Requerida, quando a decisão fique prejudicada pela solução já dada e que se traduz na legalidade da liquidação.

É exactamente aqui que chegámos.

Mas a questão também arguida do não cumprimento do art.º 140.º, n.º 2 do CIRS tem de ser abordada que densifica ainda mais o erro imputável ao Requerente.

A Requerida invoca ainda na sua resposta “…que podendo usar o prazo previsto no art. 140º n.º2 do CIRS (apresentar reclamação até fim de junho de 2021), e tendo obtido o resultado do CAAD 832/2019-T em Julho de 2020, o qual era referente ao ano de 2017 mas com o mesmo fundamento da presente impugnação, o sujeito passivo tenha apenas reagido em 27/08/2021 (atendendo à data de apresentação do pedido de revisão).”

No período de 2018, o artigo 60.º do CIRS, na redação em vigor dada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, consagrava no seu número 1 – “A declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º é entregue, por transmissão eletrónica de dados, de 1 de abril a 30 de junho.

O pedido de revisão de acto tributário considera-se apresentada, em 27/8/2021, (documento 7 junto com o PPA), afigura-se INTEMPESTIVA, quanto ao período de 2018, na medida em que, nos termos do n.º 2 do artigo 140.º do CIRS, deveria ter sido o pedido de reclamação graciosa apresentado até 30/6/2021.[34]

O Tribunal não descura que a reclamação graciosa e a revisão do acto tributário são duas formas procedimentais diferentes. Mas tem de analisar se o Requerente deveria ter interposto primeiro o que podemos designar por reclamação necessária, para poder vir discutir o erro na declaração.

O inciso foi construído para erros na declaração e não erros na contabilidade, ou na escrita.[35]

O conceito de erro evidenciado nas declarações tem sido objecto de inúmeras abordagens jurisprudenciais.  

No entanto, o legislador fiscal “esquece-se” de utilizar os mesmos vocábulos em compêndios legislativos, criando a dúvida, na maioria aparente, de que pretendeu densificar normativamente uma realidade de forma distinta.

No art.º 45.º, n.º 2, da LGT, diz-se:

 2 - No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos. 

No art.º 65.º, n. 2 do CIRS, diz-se:

2 - A Autoridade Tributária e Aduaneira procede à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o n.º 2, devam ser efetuadas correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.

No art.º 140.º, n.º 2 do CIRS, diz-se:

2 - Em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração.

No art.º 87.º, n.º 2 do CIVA, diz-se:

2 - As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações podem resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua.

Por sua vez o art.º 131.º, n.º 1 do CPPT, diz-nos:

1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.

Temos então os seguintes vocábulos:

LGT - erro evidenciado na declaração;

IRS - erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto e 

Erro na declaração de rendimentos;

IVA - As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações;

CPPT - erro na autoliquidação;

Desde logo excluímos a previsão constante do IVA, porquanto as mesmas estão pensadas para actuações da Autoridade Tributária:

Artigo 87.º

Rectificação das declarações e liquidações adicionais

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 90.º, a Direcção-Geral dos Impostos procede à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença.

2 - As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações podem resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua.

Quanto ao erro na autoliquidação, o mesmo só pode ser compreensível se abrangermos nele, quer as inscrições que são realizadas nas declarações de rendimentos, quer a própria autoliquidação em si, pois, exemplificativamente, no IRC, ao contrário do IRS, procede-se ao cálculo aritmético do lucro tributável e da colecta a pagar, sendo consentâneo então com a autoliquidação.

Restam-nos então os vocábulos previstos na LGT e IRS, respectivamente, - erro evidenciado na declaração e - erro na declaração de rendimentos. Quereria o legislador fiscal dizer o mesmo?

A apreciação do sentido de erro evidenciado na declaração, significa “que se trate de erro que é detectável mediante simples análise dessa declaração, por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa”.[36]

É o que nos dizem também vários Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente o proferido no âmbito do Processo n.º 0991/15, de 24-05-2016, Conselheira Isabel Marques da Silva, II - O critério legal para a redução para três anos do prazo de caducidade não é o da desnecessidade de recurso a fiscalização externa, antes o de se tratar de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”, o que pressupõe que se trate de erro “que é detectável mediante simples análise dessa declaração”, de erro “que a Administração tributária possa detectar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspecção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza”, pois que “Só quando o erro resultar exclusivamente do exame da declaração e seus anexos se justifica o previsto encurtamento do prazo de caducidade, porque o próprio contribuinte pôs de imediato à disposição da Administração Tributária os meios necessários a uma atempada detecção do erro”. 

Não existem assim quaisquer razões para interpretar de forma diferente o conceito que se encontra previsto no art.º 140.º, n.º 2 do CIRS, com o conceito constante do art.º 45.º, n.º 2 da LGT. E é por essa razão que o art.º 65.º, n.º 2, nos dá a distinção entre :

No art.º 65.º, n. 2 do CIRS, diz-se:

2 - …(i) correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, (ii) de omissões nelas praticadas ou (iii) correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.

O caso dos autos “cai” no âmbito do primeiro conceito.

 

Quais as consequências dessa omissão?

Conforme reproduzimos supra, reza o art.º 140.º, n.º 2 do CIRS:

2 - Em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração.

Estamos na presença do que podemos designar por reclamação necessária.[37]

O artigo 140.º, n.º 2, do CIRS estabelece que «em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração».[38]

Cremos assim ser inequívoco que a impugnação contenciosa de liquidações de IRS com fundamento em erros na declaração de rendimentos depende de prévia reclamação graciosa.

Esta obrigatoriedade significa que as liquidações de IRS não são directamente impugnáveis com fundamento em erro na declaração de rendimentos.[39]

A obrigatoriedade de impugnação administrativa prévia tem como objectivo desonerar os serviços da justiça, optimizando o acesso ao direito, com a apreciação de acções em que não há um verdadeiro litígio entre a Administração Tributária e o contribuinte, por aquela ainda não ter assumido qualquer posição sobre a sua pretensão. Por isso, aquela obrigatoriedade não afecta o acesso ao direito, sendo, antes, uma forma de majorar a eficácia dos serviços de justiça. No caso de, com a impugnação administrativa, se gerar um litígio, por a Administração Tributária não aceitar a pretensão do contribuinte, o acesso aos meios contenciosos é assegurado, pelo que não é afectado o acesso ao direito.

Por isso, no caso em apreço, não tendo sido apresentada reclamação graciosa, verifica-se a falta de um pressuposto processual, a impugnabilidade da liquidação com a referida causa de pedir (erros na declaração), o que justificaria também a absolvição da Administração Tributária da instância, em consonância com o preceituado no artigo 89.º, n.º 4, alínea i), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2019, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.[40]

Ora, toda esta conduta não fere a imputabilidade ao Requerente de negligência na sua conduta, bem pelo contrário, reforça-a e foi nessa perspectiva que se procedeu à sua análise. 

 

Ficam também prejudicados os conhecimentos do reembolso do montante depositado a título de caução, acrescido de indemnização por garantia indevidamente prestada.

 

V.   Decisão

 

Pelo exposto, decide este Tribunal o seguinte: 

 

a.     Julgar procedente a excepção invocada, porquanto o erro na declaração é imputado ao Requerente e resulta das suas condutas, tendo incumprido o cumprimento do art.º 140.º, n.º 2 do CIRS, falta de um pressuposto processual, o que justifica a absolvição da Administração Tributária da instância, em consonância com o preceituado no artigo 89.º, n.º 4, alínea i), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2019, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT;

b.    Julgar improcedentes os pedidos do reembolso do montante depositado a título de caução, acrescido de indemnização por garantia indevidamente prestada;

c.     Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter o acto tributário impugnado objecto dos autos e

d.    Condenar o Requerente nas custas do processo.

 

VI. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de EUR 55.177,68, (cinquenta e cinco mil, cento e setenta e sete euros e sessenta e oito cêntimos);

 

VII.                Custas

 

Nos termos dos art.s 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em EUR 2.142,00 EUR (dois mil, cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 14 de Março de 2023

 

O Árbitro Singular

 

 

António Pragal Colaço

 



[1] Desde já se diga que o Requerente, conforme escreveu no art.º 20.º do seu pedido de revisão do acto tributário, o fundamento da mesma se circunscreveu apenas ao erro imputável aos serviços:

“20.º

Deste modo, estamos perante um caso que se enquadra no n.º1 do artigo 78.º infine, i.e. um ato tributável que, com fundamento "em erro imputável aos serviços", pode ser revisto por iniciativa do contribuinte no prazo de quatro anos apos a liquidação.

[2] Cfr. Art.º 20.º e segs. do pedido de revisão oficiosa. Por sua vez, a Requerida responde a todas as possibilidades previstas e tipificadas no art.º 78.º e na resposta às excepções, a Requerente trouxe à colação a injustiça grave, ou notória; 

[3] Cfr. corpo do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 01007/11, de 14-03-2012, DULCE NETO, in.www.dgsi.pt;

[4] Cfr., entre outros, Ac. de 20/03/2002, Proc. 26.580; de 19/11/2003, Proc. 1181/03; de 17/12/2002, Proc. 1182/03; de 29/10/2003, Proc. 462/03; de 02/04/2003, Proc. 1771/02; de 20/07/2003, Proc. 945/03; de 30/01/2002, Proc. 26.231; de 28/11/2007, Proc. 0532/07 e de 21/01/2009, Proc. 0771/08, Cfr. Corpo do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 01007/11, de 14-03-2012, DULCE NETO, in.www.dgsi.pt, O Requerente também o escreveu no art.º 23.º da sua revisão do ato tributário;

[5] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 0771/08, datado de 21-01-2009, LÚCIO BARBOSA;

[6] Cfr., no mesmo sentido, e por todos, os acórdãos de 6 de Fevereiro de 2002, recurso n. 26.690, de 5 de Junho de 2002, recurso n. 392/02, de 12 de Dezembro de 2001, recurso n. 26.233, de 16 de Janeiro de 2002, recurso n. 26.391, de 30 de Janeiro de 2002, recurso n. 26.231, de 20 de Março de 2002, recurso n. 26.580 e de 10 de Julho de 2002, recurso n. 26.668; 

[7] A questão da discricionariedade de revisão dos actos tributários era muito discutida no âmbito do Código da Contribuição Industrial, especialmente aos sujeitos passivos do Grupo B e C. Haverá obrigatoriedade da Administração repor uma situação ilegal, mesmo que não seja por si criada?

[8] Cfr. Acórdão do STA, supra citado, Processo 0771/08;

[9] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 02030/16.1BEBRG, datado de 21-04-2022, PEDRO VERGUEIRO e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 087/22.5BEAVR, datado de 09-11-2022, JOSÉ GOMES CORREIA in.www.dgsi.pt;

[10] Cfr. Acórdão da CAAD, Processo nº 610/2021-T, de 2022-06-02, in.https://www.caad.org.pt;

[11] In. Ibidem;;

[12] Não falamos em taxas, ou contribuições financeiras que hodiernamente são uma importante fonte de receita e sobre as quais o douto Tribunal Constitucional, tem considerado como conformes à Constituição;

[13] Durante infindáveis anos e ainda hoje, discute-se nos Tribunais Civis a diferença entre legitimidade processual e legitimidade substantiva. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4/10/2021, Processo 1910/20.4T8PNF.P1, EUGÉNIA CUNHA

Sumário:I - Ao apuramento da legitimidade processual - pressuposto processual que se reporta à relação de interesse das partes com o objeto da ação e que, a verificar-se, conduz à absolvição da instância - releva, apenas, a consideração do concreto pedido e da respetiva causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última e do mérito da causa. A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, e é nestes termos que tem de ser apreciada.

II - A legitimidade substancial ou substantiva respeita à efetividade da relação material. Prende-se com o concreto pedido e a causa de pedir que o fundamenta e, por isso, com o mérito da causa, sendo requisito da procedência do pedido. A verificação da ilegitimidade substantiva leva à absolvição do pedido.

III - Apesar de a Autora ser dotada de legitimidade ativa, pressuposto processual já considerado, pacificamente, verificado, em termos tabelares, no despacho saneador, bem decidida se mostra a questão diversa, da falta de legitimidade substantiva, dada a manifesta falta do direito que pretende fazer valer e a manifesta inviabilidade das pretensões, por resultar dos autos se não ter gerado o dano na sua esfera jurídica, mas na de terceiro, proprietário do imóvel objeto do incêndio, nada podendo obter para si relativamente a reparação/indemnização relativa a imóvel alheio;     

[14] Cfr. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, LEX 1998, pãgs. 105 e segs.

[15] In. Ibidem, pág. 107;

[16] In. Ibidem;

[17] O art.º 31.º, n.º 2 da LGT foi alterado pela Lei n.º 7/2021, de 26/02, que acrescentou à primeira parte do texto na expressão São obrigações acessórias do sujeito passivo, - o termo - designadamente, …

O acrescentar deste advérbio de modo, comum em muitas alterações legislativas constitui um factor exógeno maléfico à boa hermenêutica jurídica, obrigando mesmo os Tribunais a apreciá-lo:  

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 01802/02, de 15-05-2003, Relator CÂNDIDO DE PINHO

Sumário: I - O advérbio "designadamente" tem um sentido especificativo e indicativo com que se pretende particularizar algo ou alguém, de entre uma série de elementos indiscriminados de um conjunto.

II - Se um Ministro delega no Secretário de Estado as suas competências relativamente a uma determinada Direcção-Geral, ao mesmo tempo que expressamente faz preceder o conjunto das matérias envolvidas do advérbio "designadamente", está a conferir ao elenco a ideia de exemplificação, indicação e inclusão: todas as suas competências no âmbito daquela Direcção-Geral, incluindo as exemplificadas, fazem parte do objecto da delegação.

[18] Cfr. Américo Fernando Brás Carlos, Impostos Teoria Geral, A relação jurídica-tributária. pág. 86 e segs.;

[19] In. Ibidem, pág. 108;

[20] A liquidação do imposto é da competência da administração fiscal, sendo feita, por regra, com base na declaração dos sujeitos passivos, in. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, pág. 201, 2016, 3ª Edição;  

[21] O Imposto Profissional, o Imposto de Mais Valias, Imposto sobre a Indústria Agrícola,  a Contribuição Industrial, sobre o qual incidia a título de sobre posição o Imposto Complementar que possuía duas secções; 

[22] In. Guia da Arbitragem Tributária, Coordenação: Nuno de Villa Lobos – Tânia Carvalhais Pereira, 2ª edição, p.116;

[23] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte

Processo:00148/06.8BEPRT

Data do Acordão:18-06-2020

Tribunal:TAF do Porto

Relator: Ana Patrocínio

Sumário:I - Apenas podem configurar mais-valias os ganhos que, além de tipificados, não reúnam condições, características, que os tornem passíveis de integrarem a categoria de rendimentos do tipo empresariais e profissionais, de capitais ou prediais.

II - “O conceito jurídico de actividade comercial ou industrial, para efeitos de IRS, há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros”.

III – No caso dos autos, o circunstancialismo de facto evidencia que a actuação dos Recorrentes, desde a aquisição até à alienação dos imóveis, revela uma prática intencional de actos de valorização dos mesmos, com reflexo no seu património, a qual não se mostra consentânea com os ganhos de natureza fortuita e inesperada. Tratou-se de uma actuação inserida no exercício de actividade de natureza comercial e económica, concretamente o exercício de actividades de mediação entre a oferta e a procura desde 1989, actividade de “Mediação Imobiliária” (não cessada fiscalmente), em que os “ganhos” alcançados resultaram de valorização intencional produzida nos bens imóveis, com o propósito preestabelecido de revenda, com reincidência, abrangida pelo disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º, conjugado com a alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º do Código de IRS, cujos rendimentos são enquadráveis, em sede de IRS, como “Rendimentos da Categoria B – Rendimentos Empresariais

[24]Seguiremos de muito perto, Rui Duarte Morais, ob. cit. pág. 78 e segs;  

[25] In. Ibidem pág. 84; 

[26] In. Ibidem, pág. 86;

[27] As alterações legislativas quanto ao englobamento de rendimentos de não residentes passou a ser uma constante quase anual:

Lei 106/2017 de 4/9, até Setembro de 2019

3 - Não são englobados para efeitos da sua tributação:

a)     Os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.os 8 e 9 do artigo 72.º;

Lei 119/2019 de 18/9, até Março de 2020

3 - Não são englobados para efeitos da sua tributação:

a)     Os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.os 12 e 13 do artigo 72.º; (Redação da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro);

Lei 2/2020 de 31/3, até Junho 2022

3 - Não são englobados para efeitos da sua tributação:

a)     Os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.os 13 e 14 do artigo 72.º; (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março);

Redacção em vigor Lei 12/2022, de 27 de Junho:

3 - Não são englobados para efeitos da sua tributação:

a)     Os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.os 13 e 15 do artigo 72.º; (Redação da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho);

Nota: (segundo o art.º 280.º da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho)

“7 - As alterações aos artigos 22.º, 55.º e 72.º do Código do IRS, na redação dada pela presente lei, aplicam-se aos rendimentos auferidos a partir de 1 de janeiro de 2023.”​

[28] Sem ter obtido qualquer outro rendimento;

[29] A inscrição de valores no Anexo B, campo 1304 do Quadro B, mesmo não tendo inscrito nenhum valor nos quadros 401 a 414 do quadro 4 A, já é suficiente, ou manual ou automaticamente, para a liquidação ir buscar o valor e considerá-lo como rendimento. Um dos problemas está em que o sistema está construído em termos de algoritmos para calcular esses rendimentos, apenas para determinação da taxa, o que significa que em casos em que não exista qualquer outro rendimento não faz sentido essa determinação de taxa;

[30] É conhecida a conduta em que, os contribuintes que não tinham num determinado ano qualquer rendimento e que precisavam de uma certidão, preenchiam o Anexo A com o valor de 0,01€, para poderem ter uma liquidação que permitisse uma certidão;

[31] Questão que não será dirimida no presente processo porque não invocada pela Requerida, é a eventual qualificação dos rendimentos em causa como rendimentos da propriedade industrial, ou, como resultantes de uma prestação de serviços;

[32] Não preencheu certamente o quadro 5, porque considerou que estando perante “rendimentos que resultaram da propriedade intelectual, industrial ou know-how”, os campos do quadro 5 seriam apenas para rendimentos provenientes de rendimentos de actividades de elevado valor acrescentado;

[33] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 01462/17, de 31-01-2018, ANA PAULA LOBO

Sumário: I - Os sistemas informáticos existem para facilitar os procedimentos com o objectivo de pouparem recursos materiais e humanos quer aos contribuintes, quer à Administração Tributária.

II - Nem sempre são dotados da maleabilidade necessária para serem acedidos por contribuintes menos afoitos nas lides informáticas, a quem se presta uma informação cibernética algo diversa de uma verdadeira comunicação na medida em que se mostre incapaz de levar a mensagem ao seu destinatário, sem ruídos e omissões.

III - Os contribuintes não têm o dever legal de terem específica formação informática para cumprirem as suas obrigações fiscais, e, por mais «friendly» utilização que os sistemas informáticos possam facultar haverá sempre necessidade, aqui e ali, da intervenção humana, nos termos da lei, e, para alcançar a justiça do caso concreto, ultrapassando os desvios de comunicação ou utilização que apareçam neste contacto entre os contribuintes e a Administração Tributária.

[34] E dizemos reclamação graciosa porquanto, se tivesse sido deduzida revisão oficiosa a mesma poderia ser convolada em reclamação graciosa, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo  01377/14 de 17-01-2018, DULCE NETO;

Sumário:I - No caso do Imposto do Selo que incide sobre os actos ou contratos previstos na verba 1.1 da TGIS, os sujeito passivos (art.º 2º do CIS) têm de apresentar, no serviço de finanças ou por meios eletrónicos, uma declaração modelo oficial devidamente preenchida (artºs. 19º nº 3 e 20º do CIMT, por remissão do art.º 23º nº 4 do CIS), a qual serve de base ao acto de liquidação, considerando-se, para todos os efeitos legais, que o acto é praticado no serviço de finanças competente (art.º 21º do CIMT por remissão do art.º 23º nº 4 do CIS).

II - Não se tratando de uma autoliquidação, não lhe é aplicável o prazo para reclamar graciosamente previsto no art.º 131º do CPPT (dois anos), mas, antes, o prazo geral (120 dias) previsto no art.º 70º do CPPT, razão por que é intempestiva a reclamação graciosa apresentada.

III - Não obstante essa intempestividade, constitui um poder/dever para a Administração Tributária convolar o procedimento de reclamação em procedimento de revisão oficiosa previsto no art.º 78º da LGT caso na data em que aquela foi apresentada ainda não estivesse esgotado o prazo dentro do qual esta revisão podia ser pedida e ordenada. 

[35] Estes sim, passíveis de fundamento a um pedido de revisão tributário deduzido para além do prazo de 2 anos;

[36]   Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo:00671/15.3BEPRT, de 08-02-2018, Pedro Vergueiro

IV) Tendo presente que o critério para a redução para três anos do prazo de caducidade, ao invés do prazo-regra de quatro, não é o da desnecessidade de recurso a fiscalização externa, antes o de se tratar de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”, o que pressupõe que se trate de erro que é detectável mediante simples análise dessa declaração, por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspecção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza, pois que só quando o erro resultar exclusivamente do exame da declaração e seus anexos se justifica o previsto encurtamento do prazo de caducidade, porque o próprio contribuinte pôs de imediato à disposição da Administração Tributária os meios necessários a uma atempada detecção do erro, não pode proceder o exposto pelos Recorrentes, dado que, não está em causa um erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, mas uma omissão declarativa de rendimentos tributáveis, sendo que tal omissão não resulta evidente da própria declaração do sujeito passivo, antes se tendo evidenciado, in casu, pela consulta da Modelo 11, declaração prevista no art. 123º do CIRS, art. 49º e 51º do IMT e art. 63º do Código de Imposto de Selo;

[37] A substituição da obrigatoriedade da existência de um acto definitivo e executório que só assim poderia ser objecto de impugnação, pela existência de lesividade para ser imediatamente impugnável, dista já muitos anos, apesar do art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa lhe ser muito anterior. A área fiscal ainda resiste;

[38] Seguiremos muito de perto o Acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 838/2019-T, in.www.dgsi.pt; 

[39] Artigo 95.º-A do CPPT

Procedimento de correcção de erros da administração tributária  

1 - O procedimento de correcção de erros regulado no presente capítulo visa a reparação por meios simplificados de erros materiais ou manifestos da administração tributária ocorridos na concretização do procedimento tributário ou na tramitação do processo de execução fiscal.

2 - Consideram-se erros materiais ou manifestos, designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexactidão ou lapso.

3 - O procedimento é caracterizado pela dispensa de formalidades essenciais e simplicidade de termos.

4 - A instauração do procedimento não prejudica a utilização no prazo legal de qualquer meio procedimental ou processual que tenha por objecto a ilegalidade da liquidação ou a exigibilidade da dívida.

(*Aditado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro)

[40] É curioso e a nosso ver bastante interessante, o oficio circulado de 3 de Março de 2021, número 60310/2021, dos Serviços da Autoridade Tributária:

“Assunto

Atestado médico de incapacidade multiuso – documento superveniente nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 70.º do CPPT

Visando a uniformização de procedimentos quanto à admissibilidade do atestado médico de incapacidade multiuso que confirme um grau de deficiência fiscalmente relevante, ser considerado documento superveniente nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 70.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), foi por despacho da Senhora Diretora Geral, de 26 de fevereiro de 2021, sancionado o seguinte entendimento: 

O atestado médico que confirme um grau de deficiência fiscalmente relevante, reportado a anos anteriores ao da sua emissão, é documento superveniente nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 70.º do CPPT.

Sendo o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso um documento superveniente, não é legalmente exigível ao contribuinte provar, para o exercício do direito de reclamação graciosa, a impossibilidade em obter o documento dentro do prazo geral de reclamação graciosa aplicável, seja este prazo, o prazo regra (geral) contido no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT ou o prazo regra (especial) do n.º2 do artigo 140.º do Código do IRS (CIRS), porque até à respetiva emissão pela Junta Médica, o documento (atestado) não existia, e o facto subjacente – a incapacidade fiscalmente relevante - não era do conhecimento do contribuinte, o que inviabiliza que este pudesse antecipar a sua obtenção.

No caso particular da reclamação de IRS, a que se aplica o n.º 2 do artigo 140.º do CIRS: O prazo regra (especial) para a interposição de reclamação graciosa, com vista a provocar a anulação total ou parcial da liquidação de IRS, com fundamento em deficiência fiscalmente relevante não declarada, conforme atestado médico de incapacidade multiuso, é de 2 anos nos termos previstos e regulados no n.º 2 do artigo 140.º do Código do IRS.

O regime regra (especial) previsto no n.º 2 do artigo 140.º do Código do IRS, não afasta, porém, o regime especial (geral) previsto no n.º 4 do artigo 70.º do CPPT.

Assim, caso o contribuinte obtenha o atestado médico de incapacidade multiuso cujos efeitos retroagem a anos anteriores à data da sua emissão, em momento que inviabilize a reclamação graciosa no prazo de 2 anos, previsto no n.º 2 do artigo 140.º do CIRS, pode ainda apresentar reclamação graciosa no prazo previsto no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT, ou seja, no prazo de 120 dias, contado da data de emissão do atestado que lhe confira uma deficiência fiscalmente relevante reportada a anos anteriores, nos termos do n.º 4 do artigo 70.º do CPPT.

Com os melhores cumprimentos,

A Subdiretora-Geral

Ana Cristina Bicho”