Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 643/2022-T
Data da decisão: 2023-03-20  IMI  
Valor do pedido: € 890.863,00
Tema: IMI - VPT, data de conclusão ou modificação dos prédios urbanos
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SUMÁRIO

                                                         

Na determinação da data da conclusão ou modificação dos prédios urbanos, com vista à tributação em IMI, releva a emissão da autorização de utilização, por esta condicionar a possibilidade de uso normal do imóvel.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Jónatas Eduardo Mendes Machado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para constituir o presente Tribunal Arbitral, profere a seguinte decisão:

 

1RELATÓRIO

1. A..., NIF..., residente na Rua..., n.º ..., ..., Estoril, ...-... Cascais, (Requerente) tendo deduzido, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 71.º e 131.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, reclamação graciosa do ato de liquidação do imposto municipal sobre imóveis (IMI) de 2020, no montante de € 8,908.63, veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 15.º e seguintes do Decreto Lei n.º 10/2011, de 20.01 (RJAT), do respetivo indeferimento tácito deduzir impugnação requerendo a constituição de tribunal arbitral, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 25.10.2022.

 

3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro singular, em 16.12.2022.

 

4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Por força do preceituado na alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 03.01.2023.

 

6.A AT, tendo para o efeito sido devidamente notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, apresentou a sua resposta, em 06.02.2023, onde, por impugnação, sustentou a improcedência do pedido, por não provado, e a absolvição da Requerida.

 

7. Tendo sido inicialmente requerida e agendada, por despacho de 17.02.2023, a Reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada e desmarcada por ter sido considerada desnecessária pelo Requerente, em 28.02.2023, com o acordo da Requerida, em 01.03,2023. 

 

1.1Dos factos alegados pelo Requerente

 

 

8. O Requerente adquiriu por escritura pública de 10.11.2014 o prédio urbano denominado “...” situado na Rua..., na freguesia do ..., concelho de Cascais, com o artigo matricial ..., sendo o VPT (valor patrimonial tributário) do dito prédio, constante da matriz em 31.12.2020, de € 537.239,50.

 

9.Subsequentemente, o Requerente realizou no referido prédio um conjunto de melhorias, e constituiu-o em propriedade horizontal – de que resultaram as frações autónomas A, B, C, D e E do artigo matricial ... .

 

 

10. Em 15.02.2021 foi emitido o Alvará de Autorização de Utilização pela Câmara Municipal de Cascais e em 16.03.2021, em conformidade com as melhorias realizadas, o Requerente entregou junto do Serviço de Finanças de Cascais ... a respetiva Modelo 1 – IMI.

 

 

11. Na sequência da apresentação da referida Modelo 1, o Serviço de Finanças procedeu, em 08.04.2021, à avaliação das atuais frações A, B, C, D e E do prédio, fixando os respetivos VPT no valor de € 2,649,758.94 que a liquidação ora impugnada contemplou.

 

 

12. O Requerente recebeu uma notificação para pagamento do IMI de 2020 com coleta apurada de € 8,908.6, liquidado com base no VPT de € 2,649,758.94, tendo apresentado reclamação graciosa em 28.03.2022. 

 

13. Entende o Requerente que em 31.12.2020, os VPT dos prédios de que o Requerente era proprietário não perfaziam € 2,649,758.94, quedando-se o VPT do prédio correspondente às atuais frações autónomas A, B, C, D e E do artigo matricial ..., todas contempladas na liquidação ora impugnada, quedava-se, nessa data, em € 537.239,50, pelo que o  IMI impugnado incidiu sobre os VPT resultantes das avaliações de 08.04.2021 e não sobre o VPT constante da matriz à data do facto tributável, o 31.12.2020.

 

14. Não tendo obtido qualquer subsequente resposta ou reação dos serviços, requereu em 06.09.2022, que o Serviço de Finanças o informasse, nos termos do artigo 67.º da LGT, sobre o estado em que se encontrava o procedimento. Na ausência de resposta em tempo útil, requereu a constituição do presente tribunal arbitral.

 

 

1.2Argumentos das partes

15. Os argumentos trazidos aos autos centram-se na questão da determinação da data de conclusão de obras relevante para a determinação do VPT e do correspondente facto tributário em IMI. 

16. O Requerente sustenta a ilegalidade da liquidação acima mencionada com os argumentos de facto e de direito que a seguir se sintetizam:

 

  1. O n.º 1 do artigo 10.º do CIMI constitui uma presunção legal, pelo que, concluídas as obras num determinado prédio, a lei presume que o prédio logo se torna de imediato apto ao seu aproveitamento económico normal;
  2. Porém. carecendo o prédio, na sequência de obras, da emissão de Alvará de Autorização de Utilização – como sucedeu no caso destes autos – é evidente que, sem o Alvará, ainda que as obras se tenham porventura já concluído, o prédio apresenta-se ainda inapto ao imediato seu aproveitamento económico normal, porque o contribuinte está impedido de o habitar, arrendar ou vender;
  3. Na determinação da data da conclusão ou modificação dos prédios urbanos, com vista à tributação em IMI, releva a emissão da autorização de utilização, por esta condicionar a possibilidade de uso normal do imóvel;
  4. O prédio urbano destes autos apenas se tornou economicamente aproveitável com a emissão do alvará de utilização de 15.02.2021, pelo que deve essa data ser a considerada como a fiscalmente relevante – cfr. n.º 5 do artigo 4.º do RJUE;
  5. O Requerente juntou na sua Modelo 1 do IMI e na sua Reclamação o Alvará de Autorização de Utilização do referido imóvel, emitido pela Câmara Municipal de Cascais em 15.02.2021, pelo que o chefe de finanças não a podia ignorar;
  6. A liquidação impugnada é desde logo ilegal por violação do artigo 10.º do CIMI;
  7. É ainda ilegal por violação do disposto no n.º 1 do artigo 113.º do CIMI, que dita que a base tributável do IMI corresponde aos “valores patrimoniais tributários […] que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita.”, visto que a liquidação foi emitida por referência aos VPT reportados à data da respetiva emissão da liquidação, em 15.06.2021, e não por referência ao VPT reportado a 31.12.2020;
  8. Se assim não fosse, a liquidação de IMI ficaria sujeita a uma situação de total precariedade ao longo do decurso do tempo que corre desde o momento da determinação da base tributária até à liquidação, incompatível com a sua natureza de imposto de obrigação única;
  9. A liquidação impugnada é outrossim ilegal, posto que viola o disposto no n.º 4 do artigo 37.º do CIMI, que determina que a avaliação se reporta à data do pedido de inscrição ou atualização do prédio na matriz;
  10. O pedido de atualização do prédio na matriz for feito em 16.03.2021, pelo que o valor da avaliação de 16.03.2021 não poderia ter sido utilizado para efeitos de determinação de qualquer base de incidência tributária apurada em data anterior, incluindo o IMI de 2020, cuja base de incidência é, como vimos acima, a que conste na matriz no dia 31.12.2020;
  11. Só poderá haver aplicação retroativa do VPT, como previsto no n.º 6 da Portaria 1022/2006 de 20/09, quando as alterações aprovadas por essa portaria resultem em coeficientes mais favoráveis ao sujeito passivo, nunca podendo a liquidação de IMI de 2020 ter utilizado os VPT determinados em 08.04.2021.

 

17. A AT sustenta a manutenção do ato impugnado com base nos fundamentos sinteticamente elencados:

 

  1. O IMI incide sobre o VPT dos prédios rústicos e urbanos situados no território português e é devido pelo respetivo proprietário, usufrutuário ou superficiário, sendo o imposto liquidado com base no VPT e em relação ao sujeito passivo que consta das matrizes em 31.12. de cada ano, nos termos dos art.º 1.º, 8.º e 113.º, todos do CIMI;
  2. A liquidação de IMI de 2020 é contestada no que diz respeito às frações autónomas A, B, C, D e E do artigo urbano ..., da União das freguesias de ... e ... (...), que tiveram origem no prédio urbano inscrito na matriz predial da mesma freguesia sob o artigo...;
  3. Foram realizadas, em 25.03.2021, as avaliações ao artigo matricial U-... frações A, B, C, D e E, provenientes do artigo matricial ..., tendo a Modelo 1 de IMI nº... sido

rececionada em 16.03.2021 com o motivo “3- Prédio Melhorado/Modificado/Reconstruído”, constando do Modelo 1 do IMI a data de 03.07.2020 como conclusão da obra;

  1. Conforme dispõe o artigo 12.º do CIMI, “As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários”;
  2. Determina o artigo 13.º, n.º 1, do CIMI que a inscrição de prédios na matriz ou a atualização desta é efetuada com base numa declaração, prevendo esta norma uma obrigação declarativa tributária que recai sobre o sujeito passivo, sendo que a mesma, nos casos em que já existia uma inscrição matricial, decorre da existência de um evento que alterou física, jurídica e/ou economicamente o prédio inscrito, o qual justifica a atualização da informação matricial para todos os efeitos tributários;
  3. Ao definirem um prazo para o cumprimento da obrigação declarativa, as alíneas do n.º 1 preveem os eventos relevantes que justificam a entrega da declaração, deles se podendo destacar, para o caso em análise, o previsto na alínea d): “Concluírem-se obras de edificação, de melhoramento ou outras alterações que possam determinar variação do valor patrimonial tributário do prédio;”
  4. O art.º 9.º, n.º 1, alínea c) do CIMI prevê que o imposto é devido a partir “Do ano, inclusive, da conclusão das obras de edificação, de melhoramento ou de outras alterações que hajam determinado a variação do valor patrimonial tributário de um prédio.”, pelo que, quando um prédio urbano tenha sofrido modificações no seu elemento físico, deve o sujeito passivo declarar a conclusão dessas obras, através do cumprimento da obrigação declarativa prevista no artigo 13.º, e os impostos que se suportam nesta base cadastral (matriz predial) são devidos para o prédio modificado desde o ano em que tais obras foram concluídas, em respeito pelo referido artigo 9.º do CIMI;
  5. Um imposto periódico de natureza patrimonial é devido desde o ano em que os critérios de incidência objetiva são preenchidos, desde a data em que se constatam os elementos físicos, jurídicos e económicos do prédio, sendo este momento uma referência substantiva para o facto tributário do imposto (no caso do IMI, a ocorrer em 31 de dezembro do ano a que este respeita);
  6. O dever declarativo deve ser cumprido em momento posterior ao da modificação do prédio, baseando-se neste como motivo para a respetiva existência, gerando a data da entrega da declaração efeitos procedimentais, pois é através dela que se inicia o procedimento de inscrição ou de atualização da matriz predial, competindo depois ao chefe de finanças promover a determinação do VPT do prédio;
  7. Esta é realizada através do ato de avaliação, o qual, no caso de prédios urbanos, é executado por avaliação direta (artigo 15.º, n.º 2 do CIMI) e deve observar o disposto nos artigos 37.º a 46.º do CIMI, nomeadamente, a avaliação deve reportar-se à data do pedido de atualização da matriz, isto é, deve atender aos critérios legais vigentes à data desse pedido para os aplicar através da expressão matemática enunciada no artigo 38.º do CIMI.
  8.  O argumento de que, tendo a declaração modelo 1 do IMI sido entregue após 31.12.2020 e as respetivas avaliações ocorrido em março de 2021, não podiam os VPT resultantes das avaliações servir para a liquidação do IMI de 2020, não é defensável face ao quadro legal exposto, pois, tendo os prédios (artigo U-..., frações A, B, C, D) sido concluídos em 03.07.2020, a atualização das matrizes teria de produzir efeitos à data/ano em que as obras de melhoramento do prédio foram concluídas, para assim se dar cumprimento ao disposto no referido artigo 9.º do CIMI;
  9. A liquidação do IMI em causa não podia ter em conta o VPT do prédio anteriormente inscrito sob o artigo ..., da União de freguesias de ... e E..., uma vez que este prédio já não existia física, jurídica e economicamente à data de 31.12.2020, por ter dado origem, em 03.07.2020, às frações autónomas do artigo ... da mesma freguesia;
  10. A liquidação de IMI impugnada, que incluiu os VPT das frações autónomas A, B, C, D e E do artigo ..., freguesia ..., observou o quadro legal existente, pelo que se deve manter na ordem jurídica;
  11. O imposto impugnado, de € 8,908.63 diz respeito a toda a liquidação do IMI, quando o impugnante apenas contesta a legalidade do imposto respeitante aos prédios em referência e não aos restantes dois prédios incluídos na liquidação;
  12. O ato tributário relativo à liquidação de IMI de 2020 não é suscetível de anulação, dado que os valores patrimoniais tributários dos identificados prédios foram corretamente incluídos no valor tributável do imposto, nos termos dos artigos 9º e 113º do CIMI.

 

1.3. Saneamento  

 

 

18. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.

 

19. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT). 

 

20. O processo não padece de nulidades podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.

 

2FUNDAMENTAÇÃO

2.1Factos dados como provados

 

21. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:

 

  1. O Requerente adquiriu por escritura pública de 10.11.2014 o prédio urbano denominado “...” situado na Rua ..., na freguesia do ..., concelho de Cascais, com o artigo matricial ...; (Doc. 4)
  2. O VPT (valor patrimonial tributário) do dito prédio, constante da matriz em 31.12.2020, era de € 537.239,50; (Doc. 5)
  3. O Requerente realizou no referido prédio um conjunto de melhorias, e constituiu-o em propriedade horizontal – de que resultaram as frações autónomas A, B, C, D e E do artigo matricial ...; (Docs. 6 e 7)
  4. Em 15.02.2021 foi emitido o Alvará de Autorização de Utilização pela Câmara Municipal de Cascais; (Doc. 6)
  5. Em 16.03.2021, em conformidade com as melhorias realizadas, o Requerente entregou junto do Serviço de Finanças de Cascais ... a respetiva declaração Modelo 1 – IMI; (Doc. 7)
  6. Na sequência da apresentação da referida Modelo 1, o Serviço de Finanças procedeu em 08.04.2021 à avaliação das atuais frações A, B, C, D e E do prédio, fixando os respetivos VPT nos valores que a liquidação ora impugnada contemplou; (Docs. 8A, 8B, 8C, 8D e 8E)
  7. Em 15.06.2021 foi emitida a liquidação de IMI 2020..., tendo por base os VPT resultantes das avaliações de 08.04.2021, no total de € 2,649,758.94, com coleta apurada de € 8,908.63; (Doc. 1)
  8. O Requerente apresentou reclamação graciosa em 28.03.2022; (Doc. 2)
  9. O Requerente requereu, em 07.09.2022 que o Serviço de Finanças o informasse sobre o estado em que se encontrava o procedimento relativo ao IMI 2020. (Doc. 3).

 

2.2Factos não provados

 

22. Com relevo para a decisão não existem factos não provados.

 

 

2.3Motivação

 

23. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

24. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

25. Assim, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

2.4Questão decidenda

 

 

26. A questão decidenda prende-se, fundamentalmente, com saber qual é a data de conclusão do prédio para efeitos determinação do VPT no âmbito da tributação em IMI, tendo em vista principalmente o disposto nos artigos 9.º, 10º, 13º e 113. do CIMI.

 

27. O IMI é um imposto municipal que incide sobre a propriedade dos imóveis, tributando o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos — cf. o art. 1.º, do CIMI. Nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do CIMI, “[o] imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar”. Nos termos do artigo 113.º, n.º1, do CIMI, “[o] imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita.”

 

28. O artigo 12.º do CIMI dispõe sobre as matrizes prediais, dizendo que as mesmas são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário e a identidade dos proprietários. No n.º 4 deste mesmo artigo diz-se que as matrizes são atualizadas anualmente com referência a 31 de Dezembro. A existência e atualização das matrizes prediais cumprem uma importante função de segurança e paz jurídicas. A referência à atualização representa o reconhecimento do caráter dinâmico que a propriedade imobiliária assume na realidade.

 

29. No caso concreto, foram efetuadas em 2020 obras de melhoramento do prédio urbano situado na Rua ..., na freguesia do ..., concelho de Cascais, com o artigo matricial..., tendo o mesmo sido constituído em propriedade horizontal – de que resultaram as frações autónomas A, B, C, D e E do artigo matricial ... .

 

30. A configuração dinâmica que a propriedade imobiliária pode assumir, aliada ao propósito de estruturar um regime fiscal transparente e previsível, torna necessário deixar bem claras as linhas temporais fiscalmente relevantes. Por isso o CIMI determina, no artigo 9.º, n.º 1, alínea c), que o imposto é devido a partir “do ano, inclusive, da conclusão das obras de edificação, de melhoramento ou de outras alterações que hajam determinado a variação do valor patrimonial tributário de um prédio.”

 

31. Se o imposto é devido a partir do ano, inclusive, da conclusão das obras de melhoramento que determinem a variação do VPT de um prédio, põe-se o problema de saber quando é que se devem dar por concluídas essas obras. Sobre esta matéria, o artigo 10.º, n,º 1, do CIMI, dispõe que os prédios urbanos se presumem concluídos ou modificados na mais antiga das datas: a) Em que for concedida licença camarária, quando exigível; b) Que a declaração de inscrição na matriz indique como data de conclusão das obras; (c) Em que se verificar uma qualquer utilização, desde que a título não precário; d) Em que se tornar possível a sua normal utilização para os fins a que se destina.

 

32. No caso concreto, verifica-se que na Declaração Modelo I, apresentada pelo sujeito passivo em 16.03.2021, diz-se que as obras se concluíram em 03.07.2020. Esta parece ser a data mais antiga, para efeitos do artigo 10.º, do CIMI, visto que o alvará de utilização foi emitido em 15.02.2021, não havendo nos autos outras datas relacionadas com a verificação de uma utilização não precária ou com a possibilitação da utilização para os fins destinados aos imóveis. 

 

 

33. Determina o artigo 13º, CIMI, que "A inscrição de prédios na matriz e a atualização desta são efetuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo", o que se concretiza pela apresentação da Modelo 1 do IMI. No que especificamente diz respeito à questão em análise, dispõe-se nesse mesmo artigo que essa declaração deve ser apresentada no prazo de 60 dias contados a partir da conclusão de obras de edificação, de melhoramento ou outras alterações que possam determinar variação do VPT do prédio.

 

34. Dizendo o artigo 9.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, que  o imposto é devido a partir “do ano, inclusive, da conclusão das obras de edificação, de melhoramento ou de outras alterações que hajam determinado a variação do valor patrimonial tributário de um prédio,” o facto de as obras se terem concluído em 03.07.2020 poderia sugerir, prima facie, que o imposto sobre as novas frações A, B, C, D e E  seria devido a partir de 2020, o ano da conclusão das obras.

 

35. Não obstante, a data de conclusão das obras constante do Modelo 1 do IMI, de 03.07.2020, não corresponde necessariamente à data da conclusão do prédio. Sobre esta questão específica, deve entender-se que, na determinação da data da conclusão ou modificação dos prédios urbanos, com vista à tributação em IMI, releva a emissão da autorização de utilização, por esta condicionar a possibilidade de uso normal do imóvel[1]. E esta última, como foi dito, ocorreu em 15.02.2021.

 

36. Nos termos do n.º 2 do artigo 10.º do CIMI, esta data, de 15.02.2021, poderia ter sido usada pelo chefe de finanças da área da situação dos prédios, em despacho fundamentado, a data da conclusão ou modificação dos prédios, ilidindo a presunção da alínea b), do n.º 1 , desse mesmo artigo, já que dispunha dos elementos que, nesse sentido, lhe tinham sido fornecidos pelo sujeito passivo.

 

37. De resto, o facto de a Modelo 1 ter sido recebida em 16.03.2021 e de o prédio ter recebido o alvará de utilização em 15.02.2021 permite concluir, objetivamente, que o sujeito passivo respeitou o prazo de 60 dias, a contar da conclusão das obras, para o cumprimento das obrigações declarativas que o artigo 13.º, n.º 1, do CIMI, sobre ele faz impender. 

 

38. Só pode haver lugar a tributação na medida em que seja feita prova da verificação dos factos previstos na hipótese da norma, pelo que a verdade apurada no procedimento deve corresponder, o mais possível, à verdade material, motivo pelo qual, a AT deve obedecer ao princípio do inquisitório e verificar a existência dos pressupostos fácticos do preenchimento das normas que impõem a tributação, ainda que daí tal resulte a cobrança de menos imposto.

 

39. As frações A, B, C, D e E, apesar de edificadas, não podiam ter sido utilizadas em 2020 para o seu uso normal, por serem desprovidas da autorização de utilização. O prédio (e cada uma das suas frações) apenas pode constituir fonte de rendimento e, nessa medida, elevar-se a indício de capacidade contributiva, quando se mostre apto ao aproveitamento normal das suas características (prédio urbano), o que depende da emissão da autorização de utilização que garante a possibilidade do uso para o qual foi construído[2].

 

40. Ainda assim, foi com base na Declaração que foi desencadeado o procedimento de avaliação, pois que o artigo 14.º, n.º 1, do CIMI determina que "[o] valor patrimonial tributário dos prédios é determinado por avaliação, com base em declaração do sujeito passivo”, sendo que, nos termos do n.º2, sempre que necessário, a avaliação é precedida de vistoria do prédio a avaliar. Daqui resulta que o VPT se determina, por via da regra, por intermédio dos elementos oferecidos em declaração específica apresentada pelo próprio sujeito passivo. Como a mesma assenta em elementos objetivos, por regra, dispensa-se a vistoria ou inspeção física do prédio.

 

41. A avaliação é direta (artigo 15.º, n.º 1, CIMI), bastando-se que seja efetuada tendo por suporte as telas finais correspondentes ao edificado, e deve observar o disposto nos artigos 37.º a 46.º do CIMI. Ela deve atender aos critérios legais vigentes à data desse pedido para os aplicar através da expressão matemática enunciada no artigo 38.º do CIMI. Com efeito, nos termos do artigo 37.º, nº 4, do CIMI, a avaliação de um prédio para efeitos da sua inscrição ou atualização matricial deve reportar-se à data em que a avaliação é pedida ou oficiosamente determinada[3].

 

42. Significa que o VPT de cada prédio deve ser apurado caso a caso e "incorporar as caraterísticas específicas do mesmo, ou seja, na avaliação direta, há fatores de avaliação previamente fixados e que devem ser aplicados em função das caraterísticas de cada prédio tendo em vista atingir, ainda que de forma indireta e por aproximação, o respetivo valor de mercado".[4]

 

43. Em todo o caso, determinando o artigo 9.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, que o imposto é devido a partir do ano, inclusive, da conclusão das obras de melhoramento que hajam determinado a variação do valor patrimonial tributário de um prédio, e tendo, no caso,  as frações A, B, C, D e E, sido concluídas, para efeitos fiscais, em 15.03.2021, não será o facto de a declaração Modelo 1 apresentar como dada de conclusão das obras a data de 03.07.2020 que impedir este tribunal de reconhecer e aplicar o princípio do benefício, a justiça de tributar quem já pode colher do prédio o benefício que lhe é próprio.

 

44. Na determinação do início da tributação deve considerar-se o princípio do benefício, ou da capacidade contributiva, devendo ser aplicada a previsão de desconsideração das presunções que consta do n.º 2 do artigo 10º, quer essa aplicação resulte numa antecipação do início da tributação (em favor da AT) face ao determinado pelas presunções do número anterior, quer essa aplicação resulte num adiamento do início da tributação (em benefício do contribuinte) face às mesmas presunções.

 

45. Não pode ter-se exclusivamente em conta a realidade física existente, antes deverá ser considerada também a realidade jurídica para se proceder a uma correta aplicação do mandato de não conferir relevância às presunções do n.º 1 do artigo 10º, a qual nunca poderá postergar nem o princípio do benefício, que o n.º 2 e todo o artigo 10.º pretende concretizar, nem os princípios da justiça e igualdade tributária. Não só igualdade, como igualdade de armas, entre a Administração Tributária e os contribuintes, mas também a igualdade dos contribuintes entre si, isto é, por exemplo, a igualdade entre os contribuintes que construíram edifícios que podem utilizar ou aproveitar, e aqueles que construíram edifícios e que ainda não os podem utilizar ou aproveitar.

 

46. Da definição legal de prédio, para efeitos de IMI, resulta a existência de uma fração de território, abrangendo construções nele incorporados, que faça parte do património de uma pessoa determinada e que em circunstâncias normais tenha valor económico, impendentemente da suscetibilidade de produzir (ou não) rendimento. Em face do exposto, a liquidação de IMI de 2020 sobre o prédio em causa deveria ter tido como referência o VPT constante da matriz em 31.12.2020, no montante de € 537.239,50, sob pena de se tributar uma incapacidade contributiva.

 

 

3DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

Julgar provada e procedente a presente ação e anular, por ilegais, o ato de liquidação do IMI de 2020, e o ato de indeferimento tácito da reclamação dele apresentada que o confirmou.

 

4VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 8,908.63, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.

 

5CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918.00, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de março de 2023

 

 

O Árbitro

 

 

Jónatas E. M. Machado

 

 

 



[1] Acórdão do TCA Sul, CT, 1821/11.4 BELRS, 15-09-2022

[2] Nestes termos, Acórdão do TCA Sul, CT, 1821/11.4 BELRS, 15-09-2022

[3] STA, Pleno da secção de CT, 0992/09.4BEPRT 01511/13, 23-11-2022.

[4] António Santos Rocha, Eduardo José Martins Brás, Tributação do património — IMI-IMT e imposto de selo (anotados e comentados), 2.ª Edição Revista, Almedina, 2018, p. 111