Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 628/2022-T
Data da decisão: 2023-03-15  IMT  
Valor do pedido: € 45.543,75
Tema: IMT – Isenções (artigo 7.º do CIMT e artigo 270.º do CIRE); Revisão Oficiosa.
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Sumário:

I - A isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, consubstancia um benefício fiscal automático, resultante direta e imediatamente da lei;

II - A AT deveria ter verificado a isenção antes da prolação da liquidação de IMT.

III - Ao efetuar a liquidação de IMT, a AT pratica um acto ilegal por violação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.

IV - A caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, não extingue ou preclude o direito ao benefício fiscal constante do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.

V - Não existe no ordenamento jurídico princípio que impeça a cumulação de benefícios fiscais distintos.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Hélder Faustino, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 2 de Janeiro de 2023, acorda no seguinte:

 

 

            I.         Relatório

 

A..., LDA., doravante designada por “Requerente”, pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua..., n.º ..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo por objecto a apreciação da ilegalidade da presunção do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, formado a 16 de Setembro de 2022, e, consequentemente, dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) referentes ao ano de 2022, no montante global de € 45.543,75.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Em 20 de Outubro de 2022, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT.

 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

 

O Tribunal Arbitral ficou constituído em 2 de Janeiro de 2023.

 

            Em 6 de Fevereiro de 2023, a Requerida apresentou Resposta, com defesa por impugnação.

 

            Por despacho arbitral de 20 de Fevereiro de 2023, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e, bem assim, a apresentação de alegações escritas. O Tribunal Arbitral designou a data de prolação da decisão arbitral e a Requerente foi advertida da necessidade de pagamento da taxa subsequente.  

 

 

Posição da Requerente

 

Defende a Requerente que o pedido de revisão oficiosa foi submetido tempestivamente, ou seja, dentro do prazo legal de quatro anos consagrado no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) – em 16 de Setembro de 2022, porquanto as liquidações de IMT em causa (2022) resultaram de manifesto erro imputável aos serviços, bem como o presente PPA é tempestivo ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, na medida em que a presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa se formou em 16 de Setembro de 2022, nos termos do artigo 57.º da LGT.

Entende a Requerente que as operações de aquisição dos imóveis em causa são subsumíveis no âmbito do benefício fiscal em IMT consagrado no artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”), por integrarem um plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação, ou sejam praticadas na fase de liquidação da massa insolvente, incluindo-se assim: (i) as vendas, permutas ou cessão da universalidade da empresa ou de estabelecimentos que a constituam; (ii) as alienações isoladas de bens imóveis pertencentes ao activo da empresa insolvente.

Alega, ainda, que a legislação fiscal não obsta a que em relação a uma determinada situação de facto sejam aplicados diversos benefícios fiscais concorrentes entre si.

Estando em causa um benefício que emerge automaticamente da lei, resulta, que as operações de aquisição dos imóveis em causa se encontram abrangidas pela isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE e que, por conseguinte, não poderia ter sido liquidado IMT com referência às mesmas.

Pelo que os actos de liquidação de IMT em causa se encontram feridos de ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto e de direito, cabendo à Requerida, no âmbito do seu poder-dever de repor a legalidade.

 

 

Posição da Requerida

 

            Segundo a Requerida, as condições para usufruir de uma isenção de IMT têm de ser aferidas no momento em que ocorre o facto gerador de imposto, que a isenção visa impedir. Ora, a obrigação tributária em sede de IMT constitui-se no momento em que ocorre a transmissão (cf. n.º 2 do artigo 5.º do Código do IMT).

            A usufruição de uma isenção no momento em que ocorre a obrigação tributária traduz-se na verificação de um facto impeditivo da tributação e invalida (por inutilidade) a aplicação de uma outra isenção.

            No caso concreto, verificou-se que o sujeito passivo optou, no acto translativo do prédio, por invocar outra isenção de IMT para impedir a tributação, que não a agora invocada, ao abrigo artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.

            O acto de concessão de um benefício fiscal está legalmente vinculado e os pressupostos e procedimento de atribuição resultam directamente da lei.

            Admitindo que a Requerente não concordava com a isenção, podia e devia ter requerido o reconhecimento do direito à isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, sendo certo, que do seu indeferimento por parte da Requerida podia recorrer a todos os meios graciosos e judiciais ao seu dispor para fazer valer o seu direito.

            Não o tendo feito, conformou-se com a aplicação da isenção prevista no artigo 7.º do Código do IMT e com os efeitos daí decorrentes, designadamente, a caducidade da isenção e a aplicação do regime regra de tributação, caso o imóvel não fosse revendido no prazo de 3 anos.

            Significa isto que, não tendo a Requerente reagido em tempo, através dos meios de defesa ao seu dispor caducou o direito de acção, e a situação tributária da Requerente, relativamente à isenção aplicada estabilizou, consolidando-se na ordem jurídica, conforme, aliás, decorre do princípio da segurança e certeza jurídicas que enforma a relação jurídico-tributária.

            Conclui a Requerida que, no caso concreto, não está verificada uma coexistência de um direito subjectivo a duas isenções aplicáveis aos mesmos factos tributários, nem qualquer outra circunstância que, de algum modo, possa legitimar um direito superveniente à opção por parte da empresa interessada na isenção de IMT, pelo que o ora alegado, deverá improceder, até porque o direito subjetivo a tal isenção perdeu-se à data do acto translativo do imóvel.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo dirigido à apreciação da legalidade dos actos tributários de IMT, referentes ao ano de 2022 e correspondentes juros indemnizatórios (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não existem excepções de que cumpra conhecer.

 

 

  1. Fundamentação de Facto

 

  1. Factos Provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

  1. A Requerente é uma sociedade cujo objecto social inclui a prestação de serviços de consultoria para a aquisição e gestão de carteiras de crédito ou quaisquer direitos reais, bem como a aquisição e gestão de carteiras de crédito, da titularidade de instituições de crédito.
  2. A Requerente, dedica‐se, ainda, “à compra e venda de imóveis, incluindo a revenda dos adquiridos para esse fim, à gestão e administração de bens imóveis pertencentes à sociedade ou a terceiros, ao arrendamento e a outras formas de exploração de bens imóveis”, entre outras actividades.
  3. No âmbito da sua actividade, a Requerente adquiriu, no âmbito de processos de insolvência de diversas entidades, agindo na qualidade de credor dos mesmos, os bens imóveis identificados em seguida:

 

  1. As operações de aquisição em causa beneficiaram, à data, da isenção de IMT prevista no artigo 7.º do Código do IMT (isenção pela aquisição de prédios para revenda) e, bem assim, de Imposto do Selo.
  2. Verificou‐se, entretanto, a caducidade da isenção de IMT aplicada.
  3. Nos dias 23 de Fevereiro de 2022, 25 de Fevereiro de 2022 e 2 de Março de 2022, foram emitidas, pela Requerida, as liquidações de IMT associadas às operações de aquisição de imóveis em causa, no montante total de € 45.543,75, as quais foram integral e atempadamente pagas pela Requerente.
  4. Não se conformando, apresentou, no dia 16 de Maio de 2022, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, pedido de revisão oficiosa destes actos tributários, onde alega, em suma, que as operações de aquisição dos imóveis em causa deveriam ter beneficiado da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, uma isenção definitiva – e não da isenção de IMT estabelecida no artigo 7.º do Código do IMT e, como tal, nunca estas operações deveriam ter gerado qualquer liquidação de IMT.
  5. O pedido de revisão oficiosa veio a presumir‐se tacitamente indeferido, por inércia da Requerida em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.
  6. Por não se conformar com o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado, a Requerente suscitou a apreciação junto do Tribunal Arbitral da legalidade da decisão de indeferimento, tacitamente presumida, e dos próprios actos de liquidação, requerendo a respectiva anulação, e a correspondente restituição do imposto indevidamente pago, num montante de € 45.543,75.

 

 

            2.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto e Factos não Provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal Arbitral que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.

 

            Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

 

  1. Do Direito

 

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 7.º do Código do IMT, que “[s]ão isentas de IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda”.

 

Por sua vez, o n.º 2 do referido artigo determina que a isenção “não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda”.

 

Sendo que, nos termos do n.º 3 do artigo 7.º do Código do IMT, considera‐se que “o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim”.

Desta forma, a aplicação da isenção de IMT em apreço encontra‐se dependente da verificação de determinados requisitos, a saber:

  1. a aquisição dos imóveis em causa deve ter como finalidade/destino a sua revenda;

 

  1. o sujeito passivo adquirente deve poder demonstrar que exerce habitualmente a

actividade de compra e (re)venda de imóveis.

 

E, de acordo com o n.º 5 do artigo 11.º do Código do IMT, tratando‐se de uma isenção condicionada, caso não se verifiquem os requisitos abaixo, a isenção aplicada deve considerar-se caducada, sendo liquidado o correspondente imposto quando:

  1. os imóveis adquiridos com isenção sejam afectos a destino diferente da revenda;
  2. a revenda dos imóveis pelo adquirente não ocorra no prazo de 3 anos contados da datada aquisição;
  3. a entidade adquirente dos imóveis destine os mesmos a (nova) revenda.

 

Tratando‐se, assim, de uma isenção condicionada, uma vez verificada alguma das causas de caducidade descritas acima, deve ser promovida a liquidação do IMT correspondente à aquisição em causa.

 

Já de acordo com o n.º 1 do artigo 270.º do CIRE que “estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:

a) As que se destinam à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;

b) As que se destinam à realização do aumento do capital da sociedade devedora;

c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores[sublinhado nosso].

 

Por sua vez, o n.º 2 do referido artigo, estabeleceu que se encontram igualmente isentos de IMT, os actos de venda, permuta ou cessão de empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente [sublinhado nosso].

 

 

Atenta a redacção desta norma, cumpre concluir que, paralelamente às situações vertidas no n.º 1, estão também isentas de IMT as aquisições onerosas de bens imóveis que se consubstanciem em qualquer um dos seguintes actos: (i) venda; (ii) permuta; (iii) cessão, da empresa ou de estabelecimentos desta, desde que o acto em apreço:

  1. se encontre integrado num plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação; ou
  2. seja praticado no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

Deste modo, a isenção de IMT ali consagrada é aplicável, por um lado, no âmbito de operações de aquisição integral ou parcial da empresa objecto do processo de insolvência e, por outro, face a meros actos de aquisição de bens imóveis isoladamente considerados realizados na fase de liquidação do activo da mesma [1].

 

Ademais, esta interpretação resulta, desde logo, do preâmbulo que antecede o CIRE, bem como da moldura legal prevista pelo seu antecessor CPEREF.

 

Ora, de acordo com o preâmbulo do diploma legal que aprovou o CIRE, “mantêm‐se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais, bem como à indiciação de infracção penal” [sublinhado nosso] – cf. ponto 49 do preâmbulo do Decreto‐Lei n.º 53/2004, de 18 de Março.

 

A alínea c) do n.º 2 do artigo 121.º do revogado CPEREF determinava a isenção de imposto municipal da sisa as transmissões de bens imóveis que decorressem, entre outros actos, da “autonomização jurídica de estabelecimentos comerciais ou industriais, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa (...)” [sublinhado nosso].

 

 

 

 

A este respeito, esclarecia o preâmbulo daquele diploma legal que “(...) adopta‐se ainda neste decreto‐lei um conjunto de incentivos de natureza fiscal, através dos quais se procura especialmente evitar penalizações indevidas ou graves inconvenientes para as operações jurídicas, económicas ou financeiras em que pode desdobrar‐se o processo de recuperação” [sublinhado nosso] – cf. ponto 10 do preâmbulo do Decreto‐Lei n.º 123/93, de 23 de Abril, que aprovou o CPEREF.

 

Atenta a intenção expressa do legislador relativamente à manutenção dos regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais, impõe‐se concluir que a isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE inclui também as operações de alienação de elementos do activo da empresa no âmbito da liquidação da sua massa insolvente.

 

Qualquer interpretação mais restritiva daquela norma colidiria com a ratio legis da mesma, que assenta na agilização do processo de insolvência, por forma a satisfazer os interesses dos credores.

 

De resto, o STA já se pronunciou sobre esta matéria, concluindo que a isenção em análise deve ser aplicada a “operações de alienação de elementos do activo” – contrariando o entendimento perfilhado pela Requerida, acima descrito.

 

A título de exemplo, no âmbito do Processo n.º 01085/13, de 17 de Dezembro, o STA esclareceu que a previsão normativa em análise visa fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas também do interesse público da retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador, dando um “bónus” a quem adquirir os bens que integram a massa insolvente – compre estes bens que compra mais barato porque não tem de pagar o IMT que seria devido na aquisição de um imóvel similar fora do processo de insolvência – e que serão vendidos em fase de liquidação” [sublinhado nosso].

 

 

Neste contexto, nos termos consagrados no referido acórdão, o STA concluiu que, para aferir sobre o alcance visado com a estatuição da isenção de IMT em apreço, não se impõe recorrer a uma interpretação extensiva da mesma.

 

Na verdade, o STA esclarece que, para o efeito, basta questionar se “faz qualquer diferença que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu activo e o seu passivo, que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, que se esteja a vender bens que integravam o seu património mas não eram utilizados no seu giro comercial – por exemplo um imóvel recebido em pagamento de uma dívida de que a empresa insolvente era credora – para que se esteja perante uma venda que é praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente?” [sublinhado nosso].

 

E, nesta sequência, conclui o STA que: [c]remos que a resposta não pode deixar de ser negativa [sublinhado nosso].

 

Deste modo, o STA decide expressamente que “O n.º 2 deste artigo, não repete a isenção que estatuiu no n.º 1, estende‐a para as pessoas que, exteriores ao processo de insolvência (...) adquiram bens imóveis unitariamente considerados ou integrados na aquisição global ou parcial da empresa[sublinhado nosso].

 

Resulta assim que, ainda que a venda realizada na fase de liquidação do activo da empresa se reporte ao único bem integrante da massa insolvente, a isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE será sempre aplicável.

 

Em paralelo, cumpre destacar a decisão proferida pelo STA no Processo n.º 0949/11, de 30 de Maio, no âmbito da qual veio o Tribunal reconhecer a necessidade de assegurar uma interpretação conforme com os articulados da Constituição da República Portuguesa.

 

 

 

Concluiu o STA que qualquer interpretação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE contrária à interpretação descrita supra colidiria “com o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao Governo ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE, fixado nos artigos 2.º e seguintes da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto”.

 

A questão em apreço tem sido também objecto de inúmeras decisões arbitrais, todas no mesmo e inequívoco sentido – a aplicação de isenção de IMT não apenas às aquisições de empresas ou estabelecimentos destas (enquanto universalidade de bens), mas também às operações de aquisição de elementos do seu activo, ao abrigo do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE (cf., entre outros, Processo n.º 764/2014‐T, Processo n.º 95/2015‐T, Processo n.º 123/2015‐T) [2].

 

Em face do exposto, resulta demonstrado que – ao contrário do entendimento defendido (e reiteradamente aplicado) pela Requerida – a isenção de IMT consagrada no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE é aplicável a operações de transmissão onerosa de imóveis, desde que as mesmas estejam integradas num plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação, ou sejam praticadas na fase de liquidação da massa insolvente, incluindo assim:

  1. As vendas, permutas e cessão da universalidade da empresa ou de estabelecimentos que a constituam, e
  2. As alienações isoladas de bens imóveis pertencentes ao activo da empresa insolvente.

 

Pelo que, resulta evidente que as operações de aquisição dos imóveis em apreço são subsumíveis no âmbito do benefício fiscal em IMT consagrado no artigo 270.º do CIRE e, como tal, não deveria ter havido lugar aos actos tributários de liquidação de IMT, cuja anulação foi requerida no presente PPA.

 

 

 

Ademais, importa ter presente que a jurisprudência também já deixou claro (a título de exemplo, no processo n.º 363/2021‐T) que «[n]ão existe princípio que impeça a cumulação de benefícios fiscais distintos; o seu reconhecimento/atribuição em momentos sucessivos da vida de um imposto ou a “convolação” de isenções. Se a Requerente, no momento da aquisição dos prédios, já beneficiava da isenção de IMT; a AT, ao efectuar a liquidação (de IMT), ignorando a existência da isenção, pratica um ato ilegal – violação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE» [sublinhado nosso].

 

Ora, na análise da questão controvertida, o Tribunal Arbitral começa por mencionar que a legislação fiscal não obsta a que em relação a uma determinada situação de facto sejam aplicados diversos benefícios fiscais concorrentes entre si.

E, acrescenta: «[a] “convolação” de isenções é, até, admitida por parte da AT na doutrina administrativa – Circular 18, de 11/10/1995 da Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património – do seguinte modo: “[a] convolação da isenção é requerível em qualquer altura, mantendo‐se em pleno vigor os restantes condicionalismos e procedimentos evidenciados naquela circular 16/88”».

 

Segundo o Tribunal Arbitral, «[i]mporta [...] determinar se as isenções resultam direta e imediatamente da lei e, por isso, não pressupõem qualquer ato de reconhecimento – artigo 5.º, n.º 1 do EBF. As isenções vertidas nos artigos 8.º, n.º 1 do CIMT e 270.º, n.º 2 do CIRE revestem uma natureza automática, não se exigindo, por isso, qualquer ato de reconhecimento. Paralelamente, estamos perante benefícios cujo direito é verificado à data de ocorrência dos pressupostos, o que exige, para o 8.º, n.º 1 do CIMT, cumulativamente que: i) que o sujeito passivo adquirente seja uma instituição de crédito ou sociedade comercial cujo capital seja direta ou indiretamente por ela dominado; ii) que a aquisição tenha lugar em processo de execução movido pela instituição adquirente; por outro credor; em processo de falência ou de insolvência; e iii) que a aquisição se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas e na hipótese do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, que o prédio tenha, designadamente, sido adquirido no âmbito do plano de insolvência ou no âmbito da liquidação da massa insolvente» [3].

 

Naquele caso, havia sido declarado o benefício fiscal vertido no artigo 8.º do Código do IMT, tendo a liquidação sido realizada com tal pressuposto pelo que, a Requerente beneficiou da isenção durante cinco anos. E, volvidos esses anos sem que os prédios tenham sido revendidos, a caducidade operou automaticamente e com efeitos ex tunc. Porém, como notou o Tribunal Arbitral, «estando em causa um benefício (artigo 270.º, n.º 2 do CIRE) que resulta direta e automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, a AT não poderá deixar de, previamente à liquidação, apurar se ocorrem os requisitos da isenção, pois, em caso afirmativo, o facto tributário não readquire força obrigatória. A reposição do regime regra fica condicionada pela ausência de revenda dos imóveis, como também, pela inexistência de qualquer outra situação de isenção cuja verificação e declaração a lei imponha que a administração perscrute em momento anterior à liquidação que pretende praticar. No benefício fiscal descrito no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE a AT desenvolve uma atividade vinculada; caso se verifiquem os pressupostos, os seus efeitos reportam‐se à data de aquisição do prédio» [sublinhado nosso].

 

Complementou o Tribunal Arbitral que «como ressuma da jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal Administrativo, a isenção não depende da transmissão da universalidade da empresa ou estabelecimento desta, mas também engloba as “[v]endas e permutas de imóveis (...) enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”. Revertendo a referida interpretação para o caso concreto: a Requerente, no momento da aquisição, já beneficiava da isenção de IMT; a AT, ao efetuar a liquidação de IMT, ignorando a existência da isenção, pratica um ato ilegal – violação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE».

 

Com efeito, resulta assim de forma pacífica, reiterada e uniforme [4] que a isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do artigo 270.º do CIRE se aplica, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também às vendas e permutas de imóveis (enquanto elementos do seu activo), desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

Assim, considerando que o n.º 2 do artigo 270.º consagra uma isenção de carácter automático, incumbia à Requerida apurar os seus pressupostos e aplicar o benefício à data da verificação dos mesmos.

 

Por todo o exposto, resulta evidente que, no caso vertente, se encontravam reunidos os requisitos para a aplicação da isenção de IMT consagrada no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.

 

De facto, tal como referido, a isenção em apreço é aplicável a “atos de venda, permuta ou cessão de empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

 

Ora, no caso em apreço, encontram‐se verificados os requisitos legais necessários para a aplicação da isenção, a saber:

  1. As operações de aquisição dos imóveis, realizadas pela Requerente (e que estiveram na génese dos actos tributários em apreço), consubstanciam actos de venda, permuta ou cessão de empresa ou de estabelecimentos;

 

  1. Estas operações foram realizadas no âmbito de processos de insolvência e de processos especiais de revitalização.

 

Resulta, pois, evidente que as operações de aquisição dos bens imóveis em causa se encontram abrangidas pela isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE e que, por conseguinte, não poderia ter sido liquidado IMT com referência às mesmas.

 

Pelo que, os actos de liquidação de IMT ora controvertidos se encontram feridos de ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto e de direito, determina estre Tribunal Arbitral a anulação destes actos tributários e o consequente reembolso do imposto em causa, no valor total de € 45.543,75.

 

Dos juros indemnizatórios

 

A Requerente pede ainda a condenação da Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Requerida, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado na LGT, o artigo 100.º, aplicável por força do disposto no RJAT, artigo 29.º, n.º 1, alínea a).

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do RJAT, artigo 24.º, n.º 5 “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na LGT e CPPT”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas.

 

Nos casos de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto na LGT, artigo 43.º, n.º 3, alínea c), apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do sujeito passivo, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cf., entre outros, os Acórdãos do STA, de 18 de Janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 10 de Maio de 2017, Processo n.º 01159/14).

 

No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 16 de Maio de 2022, pelo que não são devidos juros indemnizatórios, a menos que a nota de crédito venha a ser processada apenas após um ano contado da apresentação do pedido de revisão.

 

 

  1. Decisão

 

            Em face do exposto, acorda deste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido arbitral, e anular as liquidações de IMT respeitantes ao ano de 2022, no montante global de € 45.543,75, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido;
  2. Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago;
  3. Indeferir o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, a menos que a nota de crédito seja processada após um ano contado da apresentação do pedido de revisão.

 

 

VI.      Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 45.543,75, nos termos do disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

VII.     Custas

 

            Custas no montante de € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 15 de Março de 2023

 

O árbitro,

 

 

Hélder Faustino

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Cf. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código dos Processos de Recuperação de Empresa e de Falência Anotado”, 3.ª Edição, pg. 329.

[3] No mesmo sentido, vide a decisão arbitral n.º 742/2015‐T, de 20 de Maio de 2016; a decisão arbitral n.º 174/2021‐T, de 13 de Julho de 2021. Também neste sentido, embora com referência à aplicação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, por caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do Código do IMT, vide a decisão arbitral n.º 20/2018‐T, de 16 de Julho de 2018.

[4] Cf., a decisão arbitral n.º 123/2015‐T, de 1 de Setembro de 2015; a decisão arbitral n.º 599/2015‐T, de 10 de Fevereiro de 2016; a decisão arbitral n.º 95/2015‐T, de 9 de Junho de 2015; a decisão arbitral n.º 99/2015‐T, de 27 de Outubro de 2015; os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: acórdão de 30 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 949/11; acórdão de 17 de Dezembro de 2014, proferido no processo n.º 1085/13; acórdão de 11 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 968/13; acórdão de 18 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 575/15; acórdão de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 1345/15; acórdão de 20 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 1350/15.