Processo n.º 119/2012-T
Acordam os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente), Dr.ª Suzana Fernandes da Costa e Dr. Nuno Azevedo Neves designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral:
1. Relatório
A..., S.A., (anteriormente denominada…, S.A.), contribuinte n.º …, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no art. 10.º do DL 10/2011, de 20 Janeiro (doravante RJAT) tendo em vista:
– a declaração da ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento da Pessoas Colectivas com o n.º …, respeitante ao exercício de 2008, no valor de € 133.772,45 e da decisão de indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado pela Requerente em 1 de Junho de 2012, na sequência da anterior decisão expressa de indeferimento da reclamação graciosa, em que contestou a legalidade de tal liquidação;
– a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC com 2012 …, respeitante ao exercício de 2010, que apura um valor de € 0,00 e da decisão expressa de indeferimento da reclamação graciosa em que contestou a legalidade de tal liquidação;
– a anulação das liquidações adicionais de juros compensatórios respeitantes ao IRC relativo aos exercícios de 2008 e 2010; e
– a condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga com respeito à Liquidação IRC 2008 (€ 134.836,68) no âmbito do processo de execução fiscal entretanto instaurado, acrescida de juros indemnizatórios.
A Requerente defende, em suma, que cometeu um lapso ao apresentar uma declaração de substituição relativa ao exercício de 2004, em que incluiu o valor da diferença do valor patrimonial tributário de um imóvel que adquiriu, por ser superior o valor determinado em relação àquele pelo qual o havia adquirido, e apresentou uma nova declaração de substituição corrigindo esse lapso, em que, segundo refere, por impedimento do sistema informático, não pôde assinalar que a declaração era apresentada nos termos do art. 58.º-A do CIRC, pelo que assinalou que era uma declaração de substituição «normal».
Esta segunda declaração de substituição não foi considerada pela administração tributária o que se reconduziu a que fossem diminuídos prejuízos fiscais relativos ao ano de 2004, com reflexos nas liquidações de IRC dos anos de 2008 e 2010.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente), a Dr.ª Suzana Fernandes da Costa e o Dr. Nuno Azevedo Neves, que comunicaram a aceitação do encargo.
Em 09-01-2013 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 23-01-2013.
Em 28-2-2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defende que os pedidos devem ser julgados improcedentes, com a sua absolvição dos pedidos. Em suma, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a segunda declaração de substituição foi apresentada intempestivamente pela Requerente e que não impugnou a autoliquidação relativa ao ano de 2004, pelo que os prejuízos fiscais que resultariam dessa segunda declaração não poderiam ser considerados para efeitos da determinação da matéria colectável dos anos de 2008 e 2010, cujas liquidações a Requerente impugna. Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a Requerente foi notificada da liquidação relativa ao ano de 2004, que não impugnou.
No dia 11-03-2013, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que se decidiu haver lugar a alegações orais, que vierem a ter lugar em 18-3-2013.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.
Tudo visto, cumpre proferir decisão.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) Em 07-07-2004, a Requerente, então denominada … S.A., adquiriu, pelo montante de € 5.100.000, à sociedade C…, S.A., o prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, descrito na conservatória do registo predial de Lisboa sob o n.º …, freguesia de… e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …, à data com o valor patrimonial tributário (“VPT”) de € 560.842,03 (documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
b) Na sequência de tal aquisição, a Requerente apresentou a respectiva Declaração para a Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (artigo 2.º do pedido de pronúncia arbitral, cujo teor não é questionado);
c) Em 18-05-2005, a Requerente apresentou a sua Declaração de Rendimentos Modelo 22 respeitante ao exercício de 2004, na qual apurou um prejuízo fiscal do montante de € 1.186.473,54 (documento n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
d) Em 25-10-2005, na sequência da apresentação da Declaração Modelo 1 de IMI e da avaliação respectiva, foi determinado o VPT do Imóvel de acordo com as regras do Código do IMI, de onde resultou uma actualização do VPT do Imóvel para € 5.587.860,00 (documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
e) A aqui Requerente foi notificada do VPT fixado na qualidade de proprietária do Imóvel (que relembre-se foi por esta adquirido em 2004).
f) Em 31-01-2006, pelas 10:13h, a Requerente apresentou, por mero lapso, uma Declaração Modelo 22 de Substituição do exercício de 2004, onde acresceu, nos termos da alínea a) do n.º 3 do art. 58º-A (actual art. 64º) do Código do IRC, o montante daquela diferença (doravante designada como “Primeira Declaração de Substituição”), em que, no quadro 04 (características da declaração) assinalou, quanto ao tipo de declaração, a opção 3 “Declaração de subsituação (n.º 4 do art. 58º-A)”, e incluiu na linha 257 do quadro 7 o ajustamento positivo de proveitos no valor de € 797.860,00 e declarou prejuízos fiscais no montante de € 388.613,54 (linha 239 do quadro 07) (documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
g) No mesmo dia pelas 14:55h, a Requerente apresentou uma nova Declaração de Substituição (doravante designada como “Segunda Declaração de Substituição”) por forma a que a Primeira fosse anulada e o lapso corrigido, mantendo-se a situação respeitante ao exercício de 2004 tal como declarada na Declaração Modelo 22 apresentada em 18-05-2005, isto é, designadamente sem a inclusão de qualquer valor no campo 257 do quadro 7, e declaração de prejuízos fiscais de € 1.186.473,54, no campo 239 do quadro 7 (documento n.º 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
h) Ao apresentar esta Segunda Declaração de Substituição, a Requerente tentou assinalar novamente a opção 3 do quadro 04 da declaração – “Declaração de substituição (n.º 4 do art. 58º-A)”, mas, por não ser incluído qualquer valor de ajustamento na linha 257 do quadro 07, o sistema informático das declarações on line não aceitou a declaração (documento n.º 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral e artigo 9.º do pedido de pronúncia arbitral cujo teor não é impugnado);
i) Como forma de submeter on line a Segunda Declaração de Substituição, a Requerente assinalou a opção 2 (“Declaração de substituição”) do campo 04 e submeteu a declaração repondo a linha 257 do quadro 07 sem qualquer ajustamento (documento n.º 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral e artigo 10.º do pedido de pronúncia arbitral cujo teor não é impugnado);
j) Com base na Primeira Declaração de substituição foi efectuada a liquidação n.º 2006 …, de 14-08-2006, em que se indicam como valor de prejuízos fiscais € 388.613,54 (documento n.º 1, folha 6, junto com a resposta, cujo teor se dá como reproduzido);
k) Com base na liquidação referida na alínea j), foi efectuada, em 7-11-2008, a compensação n.º 2008 … (documento n.º 1, fls. e 5, junto com a resposta, cujo teor se dá como reproduzido);
l) Em 12-11-2008, foi efectuada pela Administração tributária uma transferência bancária no valor de € 191,48, quantia esta calculada através da compensação referida na alínea anterior (documento n.º 1, fls. 5, junto com a resposta, cujo teor se dá como reproduzido);
m) A Requerente não apresentou reclamação da autoliquidação relativa ao exercício de 2004 ;
n) Em 27-05-2009, a contribuinte entregou a declaração modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2008, na qual declarou, a título de prejuízos fiscais deduzidos, o montante de € 6.467.859,46 (artigo 15.º do pedido de pronúncia arbitral e 19.º da resposta);
o) A Administração Tributária corrigiu o valor considerado a título de prejuízos fiscais dedutíveis para € 5.809.706,10 (artigos 15.º e 16.º do pedido de pronúncia arbitral e 20.º da resposta);
p) Em 5-06-2009, a Requerente foi notificada de uma “Correcção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis [no] exercício de 2008”, em que se refere, além do mais, que “O valor do prejuízo fiscal deduzido nos termos do artigo 47º do Código do JRC, evidenciado por V. Exa. na declaração modelo 22 do exercício de 2008, não se encontra de acordo com os elementos constantes da base de dados da administração fiscal e vai ser objecto de correcção na respectiva liquidação conforme evidenciado no quadro anexo”, quadro esse em que se refere:
prejuízo fiscal declarado |
prejuízo fiscal corrigido |
2.509.487,03€ |
2.639.780,39€ |
(documento n.º 11, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
q) Em 23-03-2011, a Requerente foi notificada da Liquidação IRC relativa ao ano de 2008, através da “Demonstração de liquidação de IRC” n.º 2011 …, baseada na liquidação n.º 2011 …, efectuada em 7-3-2011, e na compensação efectuada em 16-3-2011, em que se indica o valor a pagar de 133.772,45 (correspondendo € 111.452,31 a imposto e € 22.320,11 a juros de mora) e a data limite de pagamento de 26-4-2011 (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
r) Em 18-4-2011, o técnico oficial de contas da Requerente enviou à administração tributária a mensagem de correio electrónico cuja cópia constitui o documento n.º 12, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
1º - Entregou o contribuinte a Declaração Mod.22 relativa ao exercício de 2004, em 18/05/2005, a qual apresentava um Prejuízo Fiscal de 1.186.473,54€.
2º - Em 31/01/2006, o contribuinte entregou uma DecLMod. 22 de Substituição, (Exercido de 2004) colocando no campo 257, do Quadro 07, um valor de 797,860,00€, o que alterava o Prejuízo Fiscal de 2004 para 388.613,54€.
3º - No mesmo dia 31/01/2006, o contribuinte, depois de concluir que o Ajustamento efectuado na Decl. Mod. 22 anteriormente enviada, se encontrava incorrecto, e que na verdade não existia razão para ter sido considerado, enviou nova Declaração de Substituição, a qual voltava a considerar um Prejuízo Fiscal de acordo com a 1º Declaração enviada em 18/05/2005, (Prejuízo Fiscal) de 1.186.473,54€.
4º - Nos exercícios seguintes 2005/2006, continuaram a existir prejuízos Fiscais.
No ano de 2007, existiu um Lucro Tributável de 1.092.549,53€ que foi abatido aos Prejuízos Fiscais de 2001: 2002, 2003 e parte de 2004.
No ano de 2008 existiu um Lucro Fiscal de 6.467.859,46€, que foi abatido aos Prejuízos Fiscais de 2004, 2005 e parte de 2006, ficando ainda por utilizar uma parte do prejuízo de 2006, no valor de 139.706,64€.
5º - Perante a Nota de liquidação 2011. …, o contribuinte conclui que a 3.ª declaração Mod.22 de Substituição enviada no dia 31/01/2006, não está a ser considerada, fazendo assim com que a Administração Fiscal, esteja a solicitar ao contribuinte o pagamento de um valor de 133.772,45€, nos quais está incluído um valor de 22.320.1 1€ de Juros de Mora.
s) Em resposta à mensagem referida na alínea anterior, a Administração Tributária (Divisão de Liquidação da Direcção de Serviços do IRC) informou, através de correio electrónico, o seguinte:
1 - A declaração de substituição entregue para o período de 2004 ficou como não liquidável, justificada pela apresentação dum prejuízo maior do que o apresentado na 18 declaração de substituição para o mesmo período; tal situação decorre do preceituado no art.º 122.º, n.º 2 do Código do IRC.
2 - Pelo exposto nos Prejuízos reportáveis o valor assumido para o período de 2004 foi de €388.613,54.
3 - Assim em 2008 o saldo dos Prejuízos reportáveis e deduzidos após declaração do Lucro de € 1.92.549,53, era de € 5.809.706,10, de que resultou a Matéria Colectável de € 6.581.53,36.
4 - Deste modo os valores constantes da nota de Cobrança questionada encontram-se de acordo com exposto (documento n.º 13, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
t) O Técnico oficial de contas da Requerente enviou uma nova mensagem de correio electrónico à Requerente em que refere, além do mais, o seguinte:
Em resposta ao seu email do passado dia 26 de Abril e após consulta do art. 122º, nº 2 do Código do IRC, não consigo entender porque razão a declaração em questão ficou como não liquidável.
O artigo 122 º, nº 2 diz que " A autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efectivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal".
Um ano a contar do termo do prazo legal terminava em 31 de Maio de 2006. A 2.ª declaração de substituição foi apresentada em 31 de Janeiro de 2006, logo ainda não tinha passado um ano.
Gostaria que V/Exa me explicasse melhor o motivo da recusa da 28 declaração, porque eu não consigo perceber. (documento n.º 14, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
u) A Administração Tributária respondeu à mensagem referida na alínea anterior, através de correio electrónico, dizendo, alem do mais, o seguinte:
No seguimento da troca de esclarecimentos, cumpre-nos informar que a legislação ao tempo, quanto às Declarações de substituição, correspondia ao então art.º 114.º do CIRC, com a redacção que passo a transcrever:
1- ....
2- A autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efectivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar nos seis meses posteriores ao termo do prazo legal.
Esta redacção do então art.º 114.º ainda foi aplicada até ao exercício de 2005, tendo sido alterado pelo Decreto-Lei nº236/2006, de 20.12
Apresentando as nossas desculpas pela falta de rigor na resposta inicial, continuamos a pensar que a situação questionada, se encontra correcta.
v) Em 17-06-2011 a Requerente foi citada no processo executivo n.º …, instaurado por falta de pagamento do montante liquidado na Liquidação IRC 2008 (documento n.º 16, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
w) No mesmo dia, a Requerente procedeu ao pagamento voluntário da dívida exequenda e acrescidos, no montante total de € 134.836,68 (documento n.º 17, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
x) Em 24-08-2011, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2008 (documento n.º 18, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
y) Em 28-03-2012, a Requerente foi notificada do projecto de decisão da reclamação graciosa apresentada (documento n.º 19, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
z) Em 9-4-2012, a Requerente exerceu o seu direito de audiência prévia, contestando a posição assumida pela AT (documento n.º 20, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
aa) Por despacho do Director de Finanças Adjunto, de 26-4-2012, foi indeferida a reclamação graciosa da liquidação de 2008 (documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), que foi notificado à Requerente em 2-5-2012 (artigo 32.º do pedido de pronúncia arbitral);
bb)Em 04-06-2012, a Requerente apresentou recurso hierárquico contestando a liquidação e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
cc) O recurso hierárquico referido na alínea anterior não foi decidido até à data de 29-10-2012, em que Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral (artigos 33.º do pedido de pronúncia arbitral e 35.º da resposta);
dd)Em 30-05-2011, a Requerente apresentou a sua declaração periódica de IRC (Modelo 22) relativa ao exercício de 2010, onde apurou a matéria tributável de € 93.712,33, com base num lucro tributável de € 2.603.199,36 e prejuízos fiscais deduzidos de € 2.509.487,03, sendo € 139.706.64 do exercício de 2006 e € 2.369.780,39 do exercício de 2009 (documento n.º 21, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, especialmente o quadro 9);
ee) A Requerente dispunha, em 31-5-2011, de pagamentos especiais por conta ainda não deduzidos, no valor de € 184.300, deduziu tais pagamentos até à concorrência da colecta, sendo por isso a colecta em valor igual a zero, apurando um valor a pagar de € 54.357,54 que corresponde em exclusivo à derrama e tributações autónomas (documento n.º 21, junto com o pedido de pronúncia arbitral, quadro 10, campos 356, 358, 364, 373, 365 e 367);
ff) Em Junho de 2011, a Requerente notificada pela Administração Tributária do ofício cuja cópia constitui o documento n.º 22, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais o seguinte:
ASSUNTO: Correcção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis
Período de 2010
Nos termos do n.º 10 do artigo 90.º do Código do IRC, a administração fiscal procedeu ao controlo dos prejuízos fiscais indicados na declaração periódica de rendimentos modelo 22.
O valor do prejuízo fiscal deduzido nos termos do artigo 52.º do Código do IRC, evidenciado por na declaração modelo 22 do período de 2010, não se encontra de acordo com os elementos constantes da base de dados da administração fiscal e vai ser objecto de correcção na respectiva liquidação, conforme evidenciado no quadro anexo.
Desta correcção, pode apresentar reclamação ou impugnação nos termos e prazos previstos no artigo 137.º do Código do IRC, quando a liquidação lhe for notificada.
Caso pretenda, no entanto, regularizar voluntariamente a situação, pode fazê-lo mediante entrega de declaração de substituição, nos termos do artigo 122.º do Código do IRC, no prazo de 30 dias contados da presente notificação.
gg) Em 14-02-2012, a Requerente notificada da Liquidação IRC relativa ao ano de 2010, com o n.º 2012 …, datada de 8-2-2012, nos termos que constam do documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, se indica como matéria colectável declarada o valor de € 233.418,97, indicando-se o mesmo valor como matéria colectável corrigida;
hh) Em 9-3-2012, a Requerente requereu que lhe fossem notificados os elementos de fundamentação da correcção que entendeu estarem em falta (documento n.º 23, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
ii) Em 22-3-2012, a Requerente foi notificada, da certidão emitida pela Administração Tributária ao abrigo do art. 37.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), para fundamentar a liquidação de IRC relativa ao ano de 2010 (documento n.º 24, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), em que se refere, além do mais, o seguinte:
1. A sociedade A..., S.A entregou a declaração modelo 22 do IRC do período de 2010 em 2011.05.30, na qual declarou um lucro tributável no montante de E 2,603,199,36, ao qual deduziu prejuízos fiscais nos termos do artigo 52.º do CIRC no total de € 2.509.487,03 e apurou uma matéria colectável no montante de € 93.712,33.
2. Quando do tratamento Informático, a declaração foi submetida ao controlo dos prejuízos fiscais deduzidos tendo sido detectadas divergências entre o montante em saldo e o deduzido no campo 309 do quadro 09 da declaração.
3. Para melhor exposição da conta comente dos prejuízos fiscais ao longo dos vários exercícios elaborou-se o mapa em anexo, o qual faz parte integrante da presente cego
4. A sociedade disponha de prejuízos fiscais susceptíveis de serem deduzidos ao lucro tributável de 2010 apenas os € 2.369.760,39 apurados no ano de 2009 e não os € 2,509.437,03 declarados no campo 309 do quadro 09.
5. A divergência de valores entra os declarados pelo contribuinte e os existentes na conta corrente estão relacionados com os prejuízos apurados no exercido de 2004, dedutíveis nos lucros tributáveis dos seis exercícios seguintes.
6. A sociedade entregou a primeira declaração modelo 22 do exercício de 2004 em 2005.0518 apurou um Prejuízo fiscal no montante de € 1.186.473,54.
7. Posteriormente, em 2008.01.31, a sociedade entregou uma declaração de substituição nos termos do artigo 64.º do CIRC para efeitos de correcção ao valor de transmissão de direitos reais sobre imóveis, na qual o prejuízo fiscal foi corrigido para o montante de € 388.813,54.
8. É este o prejuízo fiscal do exercício de 2004 que se consolidou na esfera jurídica, e só este e não o primeiro é susceptível de ser deduzido aos lucros tributáveis dos seis exercícios posteriores, nos termos do artigo 52.º do CIRC.
9. Consequentemente, e conforme se demonstra no mapa em anexo, já no exercício de 2008 o contribuinte havia deduzido prejuízos fiscais superiores ao saldo que transitou dos exercícios anteriores àquele. Foi por esse motivo que o prejuízo deduzido no campo 309 do quadro 09 da Modelo 22 daquele exercício foi corrigido de € 6.467.859,46 para o montante de € 5.809.706,10, conforme é do conhecimento da sociedade.
10. Assim, no exercício de 2010, a sociedade apenas poderia deduzir os prejuízos apurados no exercício de 2009, ou seja, os € 2.369.780,39, uma vez que os prejuízos de exercícios anteriores a este, haviam sido totalmente deduzidos aos lucros tributáveis até ao exercício de 2008.
11. A correcção aos prejuízos fiscais teve como consequência a correcção da matéria colectável de € 93.712,33 para € 233.418,97 bem como da colecta de € 21.865,58 para € 56.792,24.
12. Lembra-se que a sociedade foi notificada em Junto de 2011 da incorrecção do montante dos prejuízos fiscais declarados no campo 309, e através da mesma notificação foi convidada a entregar uma declaração de substituição no prazo de trinta dias após a notificação, sem que o tenha feito.
13. Lembra-se ainda que os prejuízos fiscais constantes da conta corrente da sociedade foram os apurados pela própria, uma vez que nunca foram objecto de qualquer correcção ou alteração pela administração fiscal.
14. Face ao que antecede e ao contrário do que afirma no ponto 3 da petição, as incorrecções foram praticadas pelo contribuinte conforme se demonstrou, as quais levaram à actuação da administração fiscal, tendo em vista a reposição da legalidade tributária.
15. Julgamos que com estes esclarecimentos, satisfizemos as dúvidas e questões levantadas no vosso pedido de certidão, estando ainda ao vosso dispor, para efeitos de esclarecimentos adicionais sobre alguma questão não totalmente resolvida.
jj) A certidão referida na alínea anterior incluiu, em anexo, um mapa com a conta corrente dos prejuízos fiscais declarados pela Requerente ao longo dos vários exercícios, onde consta, igualmente, a utilização/dedução desses prejuízos nos exercícios seguintes documento n.º 24, junto com o pedido de pronúncia arbitral);
kk)Em 15-5-2012, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação relativa ao exercício de 2010 (documento n.º 25, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
ll) Em 24-08-2012, a Requerente foi notificada do projeto de decisão da reclamação graciosa apresentada, em que a Administração Tributária propôs o indeferimento da reclamação (documento n.º 26, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
mm) Em 31-08-2012, a Requerente exerceu o seu direito de audiência prévia, contestando a posição assumida pela Administração Tributária no projecto de decisão referido na alínea anterior (documento n.º 27, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
nn) Essa reclamação foi indeferida por despacho do Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de …, de 31-8-2012 (documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
oo)Em 05-09-2012, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa cuja (documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
pp) Em 29-10-2012, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (sistema informático do CAAD).
2.1.1. Fundamentação da matéria de facto provada
A matéria de facto foi fixada com base nos documentos indicados em relação a cada um dos pontos, cuja correspondência à realidade não foi questionada, e com base nas afirmações feitas nos articulados, nos pontos indicados, em que não foi posta em causa a correspondência à realidade do afirmado.
2.2. Factos não provados
Não se provou que a Administração Tributária tivesse expedido para a Requerente a notificação da liquidação referida na alínea j) da matéria de facto fixada, nem a notificação da compensação efectuada com base nela, que se refere na alínea k) do probatório.
2.2.1. Fundamentação da matéria de facto não provada
O documento n.º 1 junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a resposta para demonstrar que os números de registo indicados na referida liquidação e compensação foram expedidos não permite concluir que a expedição tenha sido efectuada.
Relativamente à liquidação, constata-se que nela é indicado o registo postal n.º RY…PT (fls. 6 do documento n.º 1 junto com a resposta), que está incluído entre os números de registo privativo inicial (RY…PT) e de registo privativo final (RY…PT) indicados no «print» de fls. 3 do mesmo documento n.º 1, relativo a registos datados de 19-11-2008. No entanto, constata-se que esses números de registo inicial e final abrangem 20.051 registos e a «Guia de Expedição de Registos» relativa a esse dia 19-11-2008 refere apenas a quantidade de 6.966 registos. Por isso, não se pode concluir que esta guia se reporte aos registos indicados naquele «print», e, consequentemente, que os documentos a que os registos se reportam tenham sido expedidos.
No que concerne à compensação referida na alínea k) da matéria de facto fixada, o seu número de registo é RY…PT (fls. 5 do referido documento n.º 1), que se encontra entre o número de registo privativo inicial (RY…PT) e o número de registo privativo final (RY…PT) indicados no «print» de fls. 4 do mesmo documento, relativo a registos com data de envio de 18-11-2008. Isto é, o «print» refere o envio de 539 registos. Constata-se, porém, que a «Guia de Expedição de Registos» relativa a esse dia 18-11-2008 (fls. 1 do referido documento n.º 1) refere a quantidade de 19.980 registos, pelo que não se pode saber se nestes se incluem ou não os registos que são indicados naquele «print».
3. Matéria de direito
Resulta da matéria de facto fixada que a Requerente apresentou três declarações modelo 22 relativas ao ano de 2004.
A primeira foi apresentada em 18-5-2005.
Na segunda declaração (primeira declaração de substituição), apresentada no dia 31-1-2006, a Requerente fez acrescer à matéria tributável, para efeitos da alínea a) do n.º 3 do artigo 58.º do CIRC, na redacção vigente em Janeiro de 2006, a diferença entre o valor por que adquirira um imóvel e o respectivo valor patrimonial tributário, que veio a ser fixado. Nesta declaração a Requerente indicou, no quadro 4, a opção 3, relativa a «declaração de substituição (n.º 4 do art. 58.º-A)».
Tratou-se de um lapso evidente, pois, aquela norma impõe tal obrigação ao alienante e não ao adquirente de imóvel.
Apercebendo-se desse lapso, a Requerente apresentou, no mesmo dia, uma nova declaração modelo 22 (segunda declaração de substituição), indicando os elementos relativos à situação tributária indicada na primeira declaração, designadamente eliminando qualquer valor na linha 257 do quadro 7. Nesta declaração, a Requerente indicou no quadro 4 a opção 2 («declaração de substituição»), por não ser admitida pelo sistema informático a apresentação de uma declaração nos termos do quadro 4, a opção 3, relativa a «declaração de substituição (n.º 4 do art. 58.º-A)» sem qualquer valor na linha 257 do quadro 7.
A Administração Tributária aceitou o que foi indicado na primeira declaração de substituição, mas não atendeu ao que foi referido na segunda declaração de substituição, por entender que ela foi intempestivamente apresentada.
Com base na Primeira Declaração de substituição foi efectuada a liquidação n.º 2006 …, de 14-08-2006, em que se indicam como valor de prejuízos fiscais € 388.613,54.
Da não consideração do que foi referido na segunda declaração de substituição resultou que os prejuízos relativos a 2004 foram fixados em € 1.186.473,54.
De harmonia com o disposto no artigo 47.º, n.º 1, do CIRC, na redacção vigente dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, «os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores».
Assim, pelo facto de não ter sido considerada a correcção efectuada na segunda declaração de substituição, foi efectuado nas liquidações de IRC de 2008 e 2010 dedução de prejuízos inferior em € 797.860,00, no total, à que deveria ser feita se tal correcção fosse considerada.
3.1. Objecto e âmbito do presente processo
Antes de mais, importa precisar o objecto e âmbito do presente processo.
Embora na matéria de facto se façam referências a três declarações relativas ao IRC de 2004, que materializam autoliquidações com fixação de prejuízos fiscais, não é a legalidade de qualquer delas que é objecto do presente processo, pois é pedida apenas a declaração de ilegalidade das liquidações de IRC de 2008 e 2010.
De resto, nem cabe nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º do CPPT [artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que definiu o âmbito da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira àqueles tribunais arbitrais], pelo que é inequívoco, também por esta razão, que este Tribunal Arbitral não pode apreciar a legalidade das referidas autoliquidações.
Da mesma forma, apesar de ter sido efectuada pela Administração Tributária uma outra liquidação relativa ao ano de 2004 [alínea j) da matéria de facto fixada], a declaração da sua ilegalidade também não é objecto deste processo, pois não é formulado qualquer pedido nesse sentido e a Requerente invocou mesmo, em alegações orais, que ela não lhe foi notificada.
3.2. Questão da legalidade das liquidações de 2008 e 2010
Esclarecidos o objecto e âmbito do presente processo, a questão que importa apreciar é a de saber quais os prejuízos fiscais relativos ao ano de 2004 que a Administração Tributária deveria levar em conta, ao efectuar as liquidações de IRC de 2008 e 2010.
De harmonia com o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, do CIRC, relativamente a entidades residentes em território nacional, o IRC é devido por cada exercício, que coincide com ano civil (havendo excepções que aqui não interessam), que o apuramento do lucro tributável das pessoas colectivas é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado e que os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.
Resulta destas disposições que a apuramento da matéria tributável de IRC (lucro tributável ou prejuízos fiscais) se faz com base na regra da anualidade, pelo que não se pode, ao determinar a matéria colectável de determinado ano nos termos do artigo 15.º, corrigir a matéria tributável de anos anteriores.
Esta conclusão é confirmada pelo teor expresso do artigo 47.º do CIRC (na redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, que corresponde o artigo 52.º na redacção do Decreto-Lei n.º DL n.º 159/2009, de 13 de Julho) ao estabelecer, relativamente à «dedução de prejuízos fiscais», que «os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores».
Assim, para determinar a matéria colectável dos anos de 2008 e 2010, a Administração Tributária tinha de levar em consideração os prejuízos que tivessem sido apurados nos seis exercícios anteriores, inclusivamente em relação ao ano de 2004, e não quaisquer outros.
Isto significa que não podia a Administração Tributária, no âmbito dos procedimentos tributários destinados a efectuar as liquidações relativas aos anos de 2008 e 2010, proceder a nova apreciação dos prejuízos relativos a anos anteriores, tendo, antes, de tomar em conta, como pressupostos daquelas liquidações, os prejuízos que tivessem sido apurados nos procedimentos relativos a esses anteriores anos.
Aquele artigo 47.º, n.º 1, impõe que os prejuízos fiscais sejam «apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores», pelo que se pressupõe um acto da Administração Tributária em que se proceda a tal apuramento, designadamente nos casos em que o entendimento da Administração Tributária sobre os prejuízos que devem ser apurados não coincide com o manifestado pelo contribuinte.
No caso em apreço, em que a última posição do contribuinte, manifestada na segunda declaração de substituição, não foi aceite pela Administração Tributária, impunha-se a esta que praticasse um acto em que, fundamentadamente, procedesse à fixação dos prejuízos que entendia deverem considerar-se apurados relativamente ao ano de 2004 (artigo 77.º, n.º s 1 e 2, da Lei Geral Tributária).
É irrelevante, para este efeito, que a segunda declaração de substituição tivesse sido apresentada ou não tempestivamente, pois a intempestividade podia ser um eventual fundamento para a não aceitação da posição manifestada pela Requerente, mas não constitui uma justificação legal para que Administração Tributária não proferisse um acto de apuramento dos prejuízos fiscais relativos ao ano de 2004, em que definisse a sua posição em divergência com a ínsita na segunda declaração de substituição. Na verdade, «a administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo» (artigo 56.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária) e as declarações apresentadas pelos contribuintes são, manifestamente, «meios previstos na lei» para estes apresentarem as suas pretensões à Administração Tributária. No caso, é evidente que a segunda declaração de substituição tinha ínsita uma pretensão da Requerente de que os prejuízos fiscais fossem fixados no valor que dela resultava.
A Administração Tributária veio a praticar um acto em que, de alguma forma, revela que foi efectuado o apuramento dos prejuízos fiscais relativos ao ano de 2004 em divergência com a última posição assumida pela Requerente, que é a liquidação referida na alínea j) da matéria de facto fixada, que consta do documento n.º 1 junto com a resposta, em que se faz referência expressa a «PREJUÍZOS FISCAIS» e se indica, no campo «Regime Geral», o valor de € 388,613,54.
No entanto, como resulta da apreciação da matéria de facto, não se provou que a Requerente tivesse sido notificada desta liquidação, nem mesmo que a Administração Tributária tivesse expedido notificação para a Requerente. Recaindo sobre a Administração Tributária o ónus da prova de que foi efectuada a notificação, um facto que invoca (artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), a dúvida sobre se a notificação foi efectuada tem de ser valorada processualmente contra ela, o que se reconduz a partir do pressuposto de que notificação não foi efectuada.
A posição da Administração Tributária ínsita na referida liquidação, em divergência com a manifestada pela Requerente, afectava os seus direitos, pelo que a eficácia daquele acto em relação à Requerente dependia da respectiva notificação (artigo 36.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Sem estar efectuada tal notificação, a fixação dos prejuízos referidos de forma a afectar o direito à dedução nos termos em que a Requerente pretendia que ele fosse reconhecido não produzia efeitos em relação a esta, pelo que não podia tal acto ineficaz ser utilizado como pressuposto dos actos de liquidação de 2008 e 2010.
Por outro lado, a caducidade do direito à liquidação prende-se com a necessidade de certeza dos direitos e das relações jurídicas dentro de um prazo de tempo tido por adequado e estes objectivos apenas são alcançados, nos casos em que esteja em causa a correcção da matéria colectável de um exercício que não tenha dado origem a qualquer liquidação, mas em que haja prejuízos susceptíveis de se repercutirem em posteriores exercícios, se tal correcção for efectuada também dentro do prazo de caducidade do direito de liquidação. Por isso, nos casos em que o exercício a corrigir não dá origem a qualquer liquidação, mas existem prejuízos fiscais, a Administração Tributária não está dispensada de proceder às correcções e de as notificar ao contribuinte no prazo de caducidade, sob pena de estabilização da matéria colectável subjacente ao acto de liquidação. Aliás, o facto de a lei atribuir expressamente aos contribuintes o direito de impugnarem os actos de «fixação da matéria tributável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo» [artigo 97.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário] confirma que os actos desse tipo não podem deixar de ser notificados aos contribuintes, pois só com a sua notificação estes poderão exercer o direito de os impugnarem. ( [1] )
No caso em apreço, como bem defende a Requerente, os actos de liquidação de IRC cuja declaração de ilegalidade pretende foram praticados em 2011 e 2012 [alíneas q) e gg) da matéria de facto fixada], sem que previamente tivesse sido notificado à Requerente qualquer acto de correcção dos prejuízos fiscais declarados na última declaração que apresentou, pelo que tem de se concluir que as referidas liquidações enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por terem subjacentes prejuízos fiscais diferentes dos resultantes da última declaração apresentada pela Requerente, sem que tivesse sido notificada qualquer correcção.
Conclui-se, assim, que tem razão a Requerente ao defender (artigos 100.º a 105.º da petição inicial) que não podiam ser efectuadas as liquidações relativas aos anos de 2008 e de 2010, sem que tivesse sido praticado um acto de correcção de prejuízos que lhe tivesse sido notificado.
3.3. Outras questões atinentes à legalidade dos actos de liquidação
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base em vícios que impedem a renovação das liquidações impugnadas com os fundamentos que foram utilizados, quanto à relevância de prejuízos fiscais relativos ao ano de 2004, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das demais questões suscitadas.
4. Reembolso do imposto pago e juros indemnizatórios
A Requerente pede o reembolso do montante indevidamente pago de € 134.836,68, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde 16-6-2011, até efectivo e integral reembolso.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago de € 134.836,68, acrescido de juros indemnizatórios.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que as ilegalidades dos actos de liquidação de IRC de 2008 e 2010 é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal, a nível da não consideração dos prejuízos fiscais relativos ao ano de 2004.
Está-se perante vícios de violação de lei substantiva, consubstanciado em erros nos pressupostos de facto e de direito, imputáveis à Administração Tributária
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia de € 134.836,68 e contados desde 16-6-2011, até ao integral reembolso do referido montante.
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento da Pessoas Colectivas com o n.º 2011…, respeitante ao exercício de 2008, no valor de € 133.772,45 e da decisão de indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado pela Requerente em 1 de Junho de 2012, na sequência da anterior decisão expressa de indeferimento da reclamação graciosa, em que contestou a legalidade de tal liquidação;
– julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC com 2012 …, respeitante ao exercício de 2010, que apura um valor de € 0,00 e da decisão expressa de indeferimento da reclamação graciosa em que contestou a legalidade de tal liquidação;
– julgar procedente o pedido de anulação das referidas liquidações adicionais respeitantes ao IRC relativo aos exercícios de 2008 e 2010;
– julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga com respeito à liquidação IRC de 2008 (€ 134.836,68), acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 16-6-2011, até ao integral reembolso do referido montante, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.
Valor do processo: De harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 200.529,23, com base no valor de 199.465,00, (correspondente a 25% do valor dos prejuízos fiscais corrigidos, no montante de € 797.860,00), acrescido de € 1.064,23 pagos no processo de execução fiscal, além da quantia liquidada de € 133.772,65).
Custas: Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 8-4-2013
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Suzana Fernandes da Costa)
(Nuno Azevedo Neves)
( [1] ) Essencialmente neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 9-2-2010, processo n.º 02589/09, cujo sumário se reproduz parcialmente.