Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 225/2014-T
Data da decisão: 2014-10-09  IUC  
Valor do pedido: € 3.398,05
Tema: IUC – Imposto Único de Circulação; Incidência subjetiva
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 05.03.2014, o Requerente BANCO A, S.A., pessoa coletiva nº …, com sede na … Lisboa, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação das Liquidações Oficiosas de Imposto Único de Circulação (“IUC”), identificadas no Anexo A, junto com a petição inicial, relativos aos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012, que somam o valor total de 3.398,05€ .

Peticiona, ainda, a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios pela privação das quantias correspondentes aos tributos em questão, nos termos do art. 43º da Lei Geral Tributária.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo, no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 12.5.2014.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, são, muito sinteticamente, os seguintes:

3.1. A posição da Requerida ao vir exigir os tributos em causa à Requerente, só pode assentar na circunstância de nos meses e anos em que se tornaram exigíveis os tributos em questão, a propriedade dos correspondentes veículos automóveis estar registada em nome da requerente, apesar de vigorar o contrato de locação financeira, o que se afigura errado.

3.2. Apenas assim se percebe que, mesmo tendo conhecimento da existência de contratos de locação financeira – e, inclusive da identidade dos locatários- tenha vindo liquidar o imposto devido.

3.3. Tendo a Requerente celebrado como locadora contratos de locação financeira relativamente aos veículos automóveis em causa, que estavam em vigor na data dos factos tributários em questão, o sujeito passivo de tais obrigações tributárias é o locatário e não a Requerente, pelo que as liquidações que lhe foram efetuadas devem ser consideradas ilegais e consequentemente anuladas.

3.4. A Requerida sabia ou devia saber que os veículos em causa estavam dados em locação financeira, uma vez que os locatários estavam identificados junto da Conservatória do Registo Automóvel.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão do Requerente, defendendo-se por impugnação e por exceção.

4.1. Por exceção, alegou a requerida que a cumulação de pedidos apresentada no pedido de pronúncia arbitral é ilegal, uma vez que, relativamente a cada ato de liquidação cuja anulação se pretende, a Requerente invoca uma circunstância factual distinta, pelo que a cumulação em causa não é permitida pelo nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, uma vez que esta norma exige que a procedência dos pedidos dependa, essencialmente, das mesmas circunstâncias de facto.

 Por impugnação alegou, resumidamente, o seguinte:

4.2. O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3º, nº 1 quem são os sujeitos passivos do IUC, estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontram registados, não se tratando de uma presunção, mas de uma clara opção de política legislativa, acolhida pelo legislador dentro da sua liberdade de conformação legislativa.

4.3. Tendo em vista a liquidação de IUC, a Requerida procede à consulta das bases de dados, quer junto do Instituto de Mobilidade dos Transportes Terrestres, quer junto do Instituto dos Registos e Notariado/Conservatória do Registo Automóvel, como forma de determinar os proprietários ou os locatários financeiros, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra, sujeito passivos do IUC à luz do disposto no artigo 3º do CIUC, conjugado com o art. 6º do mesmo código, sendo o sujeito passivo determinado em função das pessoas em nome das quais o veículo se encontre registado junto da Conservatória do Registo Automóvel.

4.4. O legislador tributário quis, intencional e expressamente, que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.

4.5. A não atualização do registo, nos termos do artigo 42º do Regulamento do Registo Automóvel, será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito ativo deste imposto.

4.6. Não sabe a requerida o que pretende a requerente provar com as cópias dos contratos de locação financeira identificados nos documentos 16 a 30 do Anexo A junto com a petição inicial, pelo que impugna esta prova documental. 

4.7. Em matéria de locação financeira e para efeitos do art. 3º, nº 2, do Código do Imposto Único de Circulação (doravante “CIUC”) é forçoso que os locadores cumpram a obrigação acessória prevista no art. 19º do CIUC, o que não aconteceu, no caso dos autos, com a consequente responsabilização da Requerente pelas custas arbitrais, uma vez que tal omissão deu causa à emissão das liquidações sub judice.

 

5. A Requerida suscitou, ainda, o incidente de intervenção provocada de terceiros, alegando que aos supostos locatários deve ser dada a possibilidade de responderem aos argumentos aduzidos pela Requerente, por os mesmos poderem ter efeitos nas suas esferas jurídicas.

 

6. A Requerente respondeu à exceção suscitada pela Requerente, bem como ao incidente de intervenção provocada de terceiros, pugnando pela improcedência da exceção e pelo indeferimento do incidente.

 

7. Por despacho de 07.09.2014, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, tendo ainda sido dispensada a apresentação de alegações, nos termos do art. 18º, n.º 2 do RJAT, por se afigurarem desnecessárias.

Por despacho de arbitral da mesma data, foi indeferido o incidente de intervenção provocada de terceiros.

 

8. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

9. O tribunal considera provados os seguintes factos:

 

9.1. A Requerente é uma instituição de crédito.

9.2. Uma das suas áreas de atividade é o financiamento do setor automóvel.

9.3. A Requerida efetuou as liquidações adicionais de IUC, identificadas no Anexo A e documentos n.º 1 a 15, juntos com a petição inicial, relativos aos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012, que somam o valor total de 3.398,05 €, tendo como sujeito passivo a Requerente, que efetuou o pagamento das mesmas, após ter sido notificada para o efeito.

9.4. Os veículos a que respeitam as liquidações constantes do Anexo A junto com a petição inicial, nas datas da ocorrência dos factos geradores das obrigações tributárias em causa no presente processo, estavam dados em contrato de locação financeira a clientes da Requerente, com exceção dos veículos de matrícula … e … relativamente às seguintes liquidações:

9.4.1. Liquidações nº 2010 …, no valor de 48,00 €, 2011 … no valor de 49,00 € e 2012 …, no valor de 50,00 €, dos anos de 2010, 2011 e 2012, respetivamente, correspondente à viatura …;

9.4.2. Liquidação nº 2012 …, do ano de 2012, no valor de 31,00 €, correspondente à viatura ….

9.5. Nas datas da ocorrência dos factos geradores das obrigações tributárias em causa no presente processo, todos os veículos a que respeitam as liquidações em causa no presente processo estavam registados na Conservatória do Registo Automóvel a favor da Requerente.

 

10. Factos não provados.

 

Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou.

 

11. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, designadamente nas cópias dos contratos de locação financeira que não foram impugnadas, bem como das afirmações das partes nos articulados apresentados.

Para além de não ter impugnado a exatidão das fotocópias dos referidos contratos de locação financeira para efeitos do art. 368º do Código Civil, entendemos, ainda, que não foi efetivamente impugnada a veracidade da letra ou das assinaturas para efeitos do art. 374º, nº 2, do Código Civil.

Na verdade, relativamente aos mencionados documentos pode ler-se na Resposta da Requerida:

É que a requerente junta alguns contratos de locação financeira mas não diz, em lado nenhum da PI, o que é que os mesmos visam provar, nem estabelece nenhum nexo entre aqueles documentos e a argumentação aduzida por si na PI.” (art. 96º da resposta)

e,

“Assim sendo aquela prova documental é aqui impugnada, não tanto com fundamento na sua falsidade, mas porque não sabemos o que é que a Requerente pretende provar com a mesma.” (art. 97º da resposta)

Emerge, assim, da posição da Requerida, que a mesma não questiona a veracidade do documento, mas apenas sustenta que a requerente não indica na petição inicial os factos que pretende provar com os mesmos, o que significa que, na realidade, não impugna a letra e assinatura dos referidos documentos mas, tão somente, que questiona a sua relevância probatória ou, pelo menos, que entende que a pertinência probatória dos documentos não terá sido explicitada pela Requerente.

No que se refere à ausência de prova da vigência de contrato de locação financeira relativamente ao Veículo de matrícula …, no que concerne aos períodos tributários a que se reportam as respetivas liquidações, a decisão do tribunal resulta de, no contrato de locação financeira invocado (n.º …) constar como vigência do mesmo o período temporal de 30.1.2003 a 30.1.2008, não tendo sido invocado a existência de qualquer outro contrato.

No que respeita à ausência prova da vigência de contrato de locação financeira relativamente ao Veículo de matrícula …, respeitante à liquidação nº 2012 …, relativa ao período tributário do ano de 2012, a decisão do tribunal resulta de no contrato de locação financeira invocado (contrato nº …) constar como vigência do mesmo o período temporal de 02.5.2006 a 02.5.2011., não tendo sido invocada a existência de qualquer outro contrato.

Assim, relativamente aos veículos … e … não resultou provado a vigência de contratos de locação financeira nos períodos tributários a que respeitam as liquidações referidas.

 

 

-III- O Direito aplicável

 

 

Exceção

 

12. A primeira questão a solucionar prende-se com a exceção de cumulação ilegal de pedidos suscitada pela Requerida.

O art. 3º, nº 1, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante “RJAT”) dispõe que “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

O art. 104º do Código de Processo e Procedimento Tributário regula a mesma matéria nos seguintes termos:

Na impugnação judicial podem, nos termos legais, cumular-se pedidos e coligar-se os autores em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão.”

Cotejando as duas normas verifica-se que o regime do “RJAT” é mais generoso na admissibilidade da coligação de pedido, não exigindo, por um lado, a identidade da natureza dos tributos e por, outro, a identidade dos fundamentos de facto e de direito invocados, mas tão só que a procedência dos pedidos dependa essencialmente das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

A utilização do advérbio “essencialmente” não pode deixar de significar que não é exigida a total coincidência das circunstâncias de facto e das normas aplicáveis.

Como escreve, sobre esta temática, Fernando Lança Martins [1](…) Para aferir da identidades dos factos relevantes será pois necessário considerar a factualidade da qual resulta, no entender do contribuinte, a ilegalidade dos actos objecto do processo.

Neste contexto, será necessário considerar os elementos materiais dos factos tributários subjacentes aos actos tributários controvertidos ou a actuação da Administração Tributária no procedimento tributário subjacente à emissão desses actos.

Na medida em que, para aferir da legalidade de ambos os actos tributários seja necessário considerar uma única realidade material transversal aos diversos factos tributários em questão, ou a uma única actuação procedimental da Administração Tributária da qual resultam os vários atos tributários em litígio, a matéria de facto a apreciar para aferir a ilegalidade desses actos poderá ser essencialmente a mesma.

Assim, as diligências probatórias necessárias para aferir a legalidade de um dos actos poderão ser aproveitadas para aferir a legalidade de outro acto objecto do processo, assim potenciando a uniformidade das decisões relativamente à mesma questão de facto em benefício da segurança jurídica que deve nortear a resolução de litígios no âmbito do processo de arbitragem tributária”.[2]

 

13. No caso em apreço, verifica-se que as circunstâncias de facto são essencialmente as mesmas, uma vez que os factos invocados pela Requerente são, relativamente a todos os atos tributários, contratos de locação financeira, para mais elaborados a partir de formulário idêntico.

A cumulação de pedidos relativa aos atos tributários de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral mostra-se, assim, admissível em face do art. 3.º, n.º 1 do “RJAT”, uma vez que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, que se analisarão de seguida, pelo que se indefere a exceção de cumulação ilegal de pedidos, formulada pela Requerida.

 

O Mérito da causa

 

14. Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC, “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”

Dispõe o nº 2 do mesmo preceito que “São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”

No caso concreto, relativamente a treze veículos, provou-se que os mesmos estavam dados em locação financeira, no momento do facto gerador da obrigação tributária.

Do nº 2 do art. 3º do CIUC emerge com clareza que, nas situações em que se verifique a vigência de contrato de locação financeira, o sujeito passivo será o locatário e não o proprietário do veículo.

 

15.Esta solução está em sintonia com o princípio da equivalência consagrado no art 1.º do “CIUC” ao dispor que “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

Outras normas reforçam e concretizam o peso deste princípio no sistema interno deste imposto. Desde logo o art. 3º, nº 1, da Lei que aprovou o “CIUC” (Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho), concretizando esta ideia de equivalência determina que: “É da titularidade do município de residência do sujeito passivo ou equiparado a receita gerada pelo IUC incidente sobre os veículos da categoria A, E, F e G, bem como 70 % da componente relativa à cilindrada incidente sobre os veículos da categoria B, salvo se essa receita for incidente sobre veículos objecto de aluguer de longa duração ou de locação operacional, caso em que deve ser afecta ao município de residência do respectivo utilizador.”

E, para efeitos de concretização efetiva desta intenção legislativa dispõe o art. 19º, do “CIUC” que: “Para efeitos do disposto no artigo 3.º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.”

Fica assim bem clara a importância decisiva conferida pela Lei ao princípio da equivalência, quer do lado do causador do custo ambiental e viário, quer do lado do Município que, tendencialmente, suporta tais custos e que, por essa razão é o beneficiário da receita do imposto. Como salienta Sérgio Vasques: “É claramente comutativa também a estrutura do novo imposto único de circulação, que desde 2007 oneram os automóveis em função dos níveis de emissão de CO2, apelando abertamente ao princípio da equivalência e a uma relação de troca com os contribuintes[3].

 

16. O princípio da equivalência aponta, assim, decisivamente para que a incidência subjetiva recaia sobre o utilizador efetivo dos veículos o que, tipicamente, ocorre com os locatários em contratos de locação financeira.

O que significa que, provada a vigência de contrato de locação financeira, tem aplicação o nº 2, do art. 3º do “CIUC” que não exige expressamente para a sua aplicação o registo automóvel de tal contrato. Ainda que se entenda que será de aplicar ao nº 2 do art. 3º do “CIUC” a presunção derivada do registo constante do nº 1 do mesmo artigo, o certo é que, da prova do contrato de locação financeira, resulta a elisão da mesma.

 

Na verdade, vem sendo entendido pela jurisprudência arbitral, uniformemente, que o art. 3º, nº 1, do “CIUC”, consagra uma presunção necessariamente ilidível à luz do art. 73º da Lei Geral Tributária e dos princípios da igualdade tributária e da equivalência. Neste sentido, foram as decisões proferidas, entre outras, nos processos arbitrais números 26/2013-T, 27/2013-T, 14/2013-T, 170/2013-T, 256/2013-T, 286/2013-T, 289/2013-T, 294/2013-T, 168/2014-T, 127/2014-T e 244/2014-T.

Nesta linha foi, também, a decisão arbitral nº 294/2013-T, de 6.06.2014, onde se pode ler[4]:

 “Em caso de locação financeira o sujeito passivo do IUC será o locatário à data do facto gerador do imposto, sendo a titularidade retratada pelo registo automóvel mera presunção juris tantum da respetiva qualidade do titular (proprietário ou locatário financeiro) ”.

 

17. Todavia, no caso sub judice, não resultou provado que as liquidações números 2010 …, no valor de 48,00 €, 2011 … no valor de 49,00 €, 2012 …, no valor de 50,00 € e nº 2012 …, no valor de 31,00 €, respeitem a veículos objeto de contrato de locação financeira à data dos respetivos factos tributários. Relativamente a estas improcede, por isso, a pretensão anulatória, dado que nenhum outro fundamento foi invocado para afastar a presunção resultante do art. 3º, nº 1, do CIUC.

Todas as demais liquidações incidem sobre veículos objeto de contratos de locação financeira à data dos factos tributários, respeitantes às liquidações objeto do presente processo pelo que, relativamente às mesmas, o pedido de pronúncia arbitral não poderá deixar de proceder.

 

18. A Requerente veio, ainda, peticionar o direito a juros indemnizatórios.

Cabe ainda apreciar a pretensão da Requerente, à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Dispõe o nº 1, daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

No caso “sub judice” não foi demonstrado que a Requerida tivesse conhecimento, à data das liquidações, que os veículos em causa tivessem sido objeto de contrato de locação financeira em data anterior à do facto tributário.

Ao efetuar as liquidações, a Requerida cumpriu o disposto no art. 3º, nº 1, do “CIUC”, tendo operado a presunção estabelecida nesta disposição legal.

Tendo-se limitado a aplicar o que decorre da referida norma, na ausência de prova que afastasse tal presunção, não se pode concluir que se verifique a ocorrência de “erro imputável aos serviços”.

Assim sendo, improcede o pedido de condenação da Requerida a pagar juros indemnizatórios à Requerente.

 

19. Subsidiariamente, veio ainda a requerida defender, com base no alegado incumprimento pela Requerente da obrigação acessória prevista no art. 19º do “CIUC”, a responsabilização da Requerente pelas custas arbitrais, uma vez que tal omissão, no seu entender, teria dado causa à emissão das liquidações sub judice.

Do probatório não resulta provado o incumprimento pela Requerente de tal obrigação acessória, pois sobre tal matéria nenhuma prova foi feita pelas partes.

Todavia, ainda que tivesse sido provado o alegado incumprimento da Requerente, o art. 535º, nº 1, do Código de Processo Civil, (aplicável à arbitragem tributária por força do art. 29º, nº 1, al. e), do “RJAT”, dispõe que “Quando o réu tenha dado causa à ação e não conteste, são as custas pagas pelo autor”.

No caso dos autos, a Requerida contestou a ação, acrescendo que sempre poderia ter revogado os atos tributários, nos termos do art. 13º, nº 1 do “RJAT”, o que não ocorreu.

Assim sendo, não pode deixar de improceder esta pretensão da Requerida.

 

 

 

 

 

 

 

 

-IV- Decisão

 

 

                                               Assim, decide o Tribunal arbitral:

a)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente às liquidações números 2010 …, no valor de 48,00 €, 2011 … no valor de 49,00 €, 2012 …, no valor de 50,00 € e nº 2012 …, no valor de 31,00 €.

b)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, relativamente às demais liquidações, declarando-se a anulação das liquidações impugnadas.

c)      Absolver a Requerida do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

 

Valor da ação: 3.398,05€ (três mil trezentos e noventa e oito euros e cinco cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, do CPC, 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

 

Custas no valor de 612,00 € (seiscentos e doze euros) a pagar pela Requerida na proporção de noventa e quatro vírgula setenta e seis por cento e pela Requerente na proporção de cinco vírgula vinte e quatro por cento, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT, do art. 122º, nº 2 do CPPT e do art. 527º, nº 2 do CPC.

 

Lisboa, CAAD, 9 de Outubro de 2014

 

 

O Árbitro

 

 

                                   (Marcolino Pisão Pedreiro)

 

 

 



[1] A cumulação de pedidos no processo de arbitragem tributária, in ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, nº1, 2014, (Coordenação Nuno Villa-Lobos – Tânia Carvalhais Pereira) pág. 28.

[2] De referir que, mesmo face ao art. 104º do CPPT, Jorge Lopes de Sousa considera que “Não é necessário para ser viável a cumulação e a coligação que haja uma identidade absoluta de situações fácticas, bastando que seja idêntica a questão jurídico fiscal a apreciar”. (Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, Áreas Editores, 2006, I Vol., pág. 760).

Escrevendo sobre o regime do RJAT, o mesmo autor dá-nos o seguinte exemplo de identidade fáctica fundamentadora da cumulação de pedidos “Assim, por exemplo, um caso em que haja uma liquidação de IMI relativa a um ano em que se considera sujeito passivo deste imposto um titular de direito de uso e habitação de um imóvel será idêntico, para efeitos de pedido de declaração de ilegalidade, a outro em que se trate de apreciar a mesma questão relativamente a outro prédio de que seja titular” (Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, págs. 147-148, sublinhados nossos).

 

 

[3] Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 229.

[4] As decisões arbitrais podem ser consultadas no site ” www.caad.org.pt”.