Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 422/2022-T
Data da decisão: 2023-03-13  IRC  
Valor do pedido: € 20.894,35
Tema: IRC – Benefícios Fiscais – DLRR – Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos
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SUMÁRIO:

 

  1. Os Benefícios Fiscais previstos no CFI, designadamente, a DLRR, visam a prossecução de objetivos económicos e políticos a nível Nacional e Comunitário, recaindo sobre o sujeito passivo efetuar investimentos para a prossecução desses objetivos, em conformidade com as respetivas regras.
  2. Em sede da DLRR, elencada nos artigos 27.º e seguintes do CFI, a mesma visa promover a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento, no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, al. d), da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, e 2.º, parágrafo 49), alínea a) e 17.º, n.º 3, ambos do RGIC, que definem as quatro tipologias que podem subsumir-se ao conceito de investimento inicial, para efeitos do presente benefício fiscal.
  3. A mera substituição de equipamento não implica um investimento “inicial”, ex novo, nos termos dos normativos supra indicados.
  4.    O incumprimento ou não preenchimento das regras de atribuição destes Benefícios Fiscais resulta na sua não atribuição. Cabe ao sujeito passivo, nos termos do artigo 74.º, da LGT, e dos artigos 6.º e 7.º da citada Portaria, o ónus da prova dos factos que lhe conferem o direito ao Benefício Fiscal.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

A árbitra, Susana Mercês, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído a 26.09.2022, decide o seguinte:

  1. RELATÓRIO
  1. A..., SA., com o número de identificação fiscal ..., com sede sita na Rua ..., ...-... ... (doravante “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2022..., referente ao exercício de 2019, e demonstração de acerto de contas n.º 2022..., no montante global de €20.894,35 (vinte mil oitocentos e noventa e quatro euros e trinta e cinco cêntimos), na parte respeitante à desconsideração da dedução por lucros retidos e reinvestidos (“DLRR”) e respetiva liquidação de juros compensatórios.
  2. A Requerente peticionou, ainda, o pagamento de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, requereu o depoimento de parte do seu administrador e juntou oito documentos.
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Requerida em 15.07.2022.
  4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º e da alínea a), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, a qual comunicou a aceitação do cargo no prazo aplicável.
  5. Em 06.09.2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação de árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
  6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 26.09.2022.
  7. No dia 09.11.2022, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual se defendeu por impugnação, requereu a dispensa de prova testemunhal e protestou juntar aos autos o processo administrativo.
  8. Em 24.11.2022, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

Veio a Requerente, em sede de petição inicial, requerer o depoimento de parte do seu administrador, B..., nos termos do artigo 452.º, do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), indicando especificadamente os factos sobre os quais o mesmo haveria que recair.

Considerando que o n.º 3, deste mesmo artigo, dispõe que, “cada uma das partes pode requerer não só o depoimento da parte contrária, mas também o dos seus compartes”, resulta claro que este meio de prova serve em princípio o interesse da parte contrária, de molde a conseguir que esta deponha sobre o conhecimento de factos que lhe sejam desfavoráveis, não admitindo a lei, dada natureza específica deste meio de prova, que o mesmo tenha lugar nos termos pretendidos pela Requerente.

Termos em que se indefere o peticionado pela Requerente quanto a este meio de prova.

  1. Em 30.11.2022, a Requerida juntou aos autos o processo administrativo.
  2. No dia 30.11.2022, a Requerente apresentou requerimento, cujo teor se transcreve:

1. A Requerente concede que, no caso em apreço, o depoimento de parte, quando tenha carácter confessório, requerido ao abrigo do artigo 452.º n.º 2 do CPC, possa não ser admissível, não obstante o n.º 1 do mesmo preceito legal venha a admiti-lo quando o mesmo ocorra por iniciativa do juiz.

 

2. Contudo, tal situação não obsta a possibilidade de o depoimento de parte ser admitido e livremente apreciado quando não tenha carácter confessório.

 

3. Tal possibilidade decorre expressamente do artigo 466.º n.º 1 do CPC, o qual prevê a prestação de declarações pelas partes fora do regime da confissão, desde que estejam verificados os seguintes pressupostos legais:

a) A prestação de declarações seja requerida pela própria parte que irá prestar as declarações; b) O requerimento seja formulado até ao início da fase das alegações; e c) Que as declarações se reportem a factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto.

 

4. No caso em apreço, os pressupostos legais mencionados em a) e b) acima estão verificados com a apresentação do presente requerimento.

 

5. O pressuposto legal mencionado em c) encontra-se igualmente verificado, uma vez que a instalação da nova linha de serragem e a aquisição dos respetivos componentes, incluindo a aquisição da linha do traçador e a serra dupla automática, os quais no entender da Requerente qualificam como investimento inicial para efeitos da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (“DLRR”), foram direta e pessoalmente coordenadas pelo administrador da Requerente,  B... .

 

6. No caso em apreço, pretende-se provar que não ocorreu uma mera aquisição isolada de ativos com o fim de se proceder a uma mera substituição de equipamento, mas uma aquisição de novos componentes que comprovadamente modificaram, em substância, a funcionalidade da linha de serragem, revestindo aquela aquisição um carácter incremental: aumento considerável da capacidade do estabelecimento da Requerente e em consequência as suas vendas.

 

7. Tendo o administrador B... conhecimento das funcionalidades próprias e específicas das máquinas integrantes de linha de serragem em análise, o seu depoimento será da maior utilidade para a descoberta da verdade material.

 

Pelo que, em face do exposto, se requer o depoimento de parte do administrador B... em relação aos factos constantes dos articulados 41º, 42º, 44º, 47º, 50º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 73º, 75º e 76º do pedido de pronúncia, nos termos do artigo 466.º n.º 1 do CPC.

 

  1. Em 07.12.2022, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

1. Notificada do despacho que indeferiu o antes requerido – ao abrigo do disposto no art.º 452.º, n.º 2 do CPC, que expressamente convocou – depoimento de parte do seu administrador B..., veio agora a Requerente A..., SA, requerer “o depoimento de parte do administrador B... em relação aos factos constantes dos articulados 41º, 42º, 44º, 47º, 50º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 73º, 75º e 76º do pedido de pronúncia, nos termos do artigo 466.º n.º 1 do CPC”.

Em fundamento do requerido alegou, em síntese útil:

- conceder que “o depoimento de parte, quando tenha carácter confessório, requerido ao abrigo do artigo 452.º n.º 2 do CPC, possa não ser admissível, não obstante o n.º 1 do mesmo preceito legal venha a admiti-lo quando o mesmo ocorra por iniciativa do juiz” o que, todavia, “não obsta à possibilidade de o depoimento de parte ser admitido e livremente apreciado quando não tenha carácter confessório”, possibilidade que entende decorrer expressamente do artigo 466.º n.º 1 do CPC;

- estão verificados os pressupostos de admissibilidade das declarações de parte previstos no citado art.º 466.º;

- o identificado administrador tem conhecimento das funcionalidades próprias e específicas das máquinas integrantes de linha de serragem em análise, pelo que o seu depoimento será da maior utilidade para a descoberta da verdade material.

Face ao teor do requerimento que ora se aprecia, importa previamente esclarecer que “depoimento de parte” e “declarações de parte” – designações que a Requerente, de forma incorreta, utiliza indistintamente – e podendo discutir-se, de “lege ferenda”, se tal se justifica, constituem, ainda assim, à luz da lei vigente, diferentes meios de prova, funcionalmente dirigidos a fins diversos.

Com efeito, e tal como se esclareceu no precedente despacho, constitui entendimento doutrinária e jurisprudencial dominante, aquele que sustenta ser o depoimento de parte um meio processual através do qual se pode obter e provocar a confissão judicial, sendo esta uma declaração de ciência que emana da parte, na qual reconhece a realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária a quem competiria prová-lo (cf. art. 352.º do Código Civil). Nessa perspectiva, o depoimento de parte só poderá incidir sobre factos desfavoráveis ao depoente.

Não obstante, ainda na vigência do CPC cessante, formou-se uma consistente corrente jurisprudencial no sentido de que o depoimento de parte, na parte subtraída a confissão, poderia, ainda assim, valer como meio de prova de livre apreciação pelo tribunal, nos termos previstos no art.º 361.º do CPC, sem que daí resultasse desfigurada a sua funcionalidade primeira (o que justifica que não pudesse/não possa ser requerido pela própria parte, como resulta do vigente art.º 453.º, n.º 3).

Isso mesmo é dito de forma clara pelo STJ no seu recente acórdão de 22/6/2022 (processo 5419/17.5 T8BRG.G1-A.S1, acessível em www.dgsi.pt), de que se destacam os seguintes pontos do sumário: “III. Nada obstando à valoração de factos favoráveis ao depoente que venham a resultar espontaneamente do seu depoimento de parte, a admissão prévia deste meio de prova encontra-se, todavia, sujeita à verificação dos requisitos legalmente previstos para o efeito. Estes encontram-se intrinsecamente ligados ao objetivo fundamental do legislador aquando da previsão da possibilidade de as partes prestarem depoimento (que não as declarações previstas no art. 466.º do CPC): provocar e obter do depoente uma confissão judicial; IV. No momento prévio em que tem de decidir sobre a admissão deste o meio probatório, o juiz deve analisar os factos que o requerente, de forma discriminada, indica (art. 452.º, n.º 2, do CPC), permitindo apenas o depoimento de parte quanto aos factos desfavoráveis ao depoente”.

No entanto, o reconhecimento de que a proibição da audição da parte fora dos estritos limites de admissibilidade do depoimento de parte era susceptível de conduzir, em variadas situações, a violação do princípio da igualdade das partes,  e que alguns factos, pela sua natureza estritamente pessoal, eram resistentes à prova documental, pericial e testemunhal, levaram o legislador a introduzir no CPC agora em vigor, sob pena de violação do direito à prova, as declarações de parte como um novo meio de prova. A justificação encontra-se na Exposição de Motivos, no qual se refere de forma expressa: «Prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão.»

Mas, reafirma-se, trata-se de um novo, diferente e autónomo meio de prova, que importa não confundir com o depoimento de parte, que visa obter a confissão do depoente – meio de prova com valor vinculado – estando logicamente vedado à própria parte requerer o seu depoimento de parte, como resulta desde logo do disposto no art.º 452.º e sua inserção sistemática na secção I, consagrada à “prova por confissão das partes” (admitindo-se que a parte requeira o depoimento da comparte apenas quando se mostram incompatíveis as suas versões em juízo) e 453.º, n.º 3 do mesmo diploma legal. Daí que o anterior requerimento apresentado pela ora Requerente só pudesse ter sido, como foi, indeferido, por ausência de fundamento legal.

As declarações de parte, por seu turno, caracterizam-se por serem requeridas pelo próprio depoente, e não pela parte contrária (sendo controvertida a questão de saber se podem ser determinadas oficiosamente, não como um pedido de informações ou esclarecimentos às partes sobre a matéria de facto, como previsto nos artigos 7.º, n.º 2 e 452.º, n.º 1, do CPC, mas antes como meio de demonstração de um facto, ao abrigo do que preceitua o artigo 411.º, tal polémica mostra-se irrelevante para a dilucidação da questão que ora nos ocupa), o que se revela essencial para a definição da pessoa que assim haja de ser ouvida. Caracterizam-se ainda, no que constitui uma originalidade, por poderem ser requeridas até ao início das alegações orais, e encontram-se sujeitas à livre apreciação do juiz, vinculando embora as partes ao regime de confissão na parte em que delas resultar o reconhecimento de factualidade desfavorável ao declarante (cf. art.º 252.º, este pertencendo ao CC).

Não relevando por ora a questão de saber qual o valor probatório a atribuir às declarações de parte, deflui do exposto que a lei reconhece à parte o direito potestativo de cariz processual de requerer a própria prestação de declarações de parte, tendo como limite temporal o início das alegações orais.

Deste modo, e no que se refere às agora requeridas declarações de parte ao abrigo do invocado art.º 466.º do CPC – ainda que se assinale a impropriedade da sua designação como depoimento – porque tempestivamente requeridas, vão admitidas.

2.Face ao exposto:

a)     Notifique-se as partes de que a reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT se encontra agendada para dia 30-01-2023, às 14:00 horas, e de que as declarações de parte do administrador da Requerente terão lugar na mesma.

b)    Notifique-se a Requerente para, no prazo de 5 dias, informar o CAAD se o depoente será apresentado nas instalações do CAAD no Porto ou em Lisboa.

c)      Notifique-se as partes para, no prazo referido no número anterior, informarem o CAAD sobre a sua vontade em se deslocar às instalações do CAAD, no Porto ou em Lisboa, ou, em alternativa, participar na diligência on-line, via WEBEX.

  1. No dia 12.12.2022, a Requerida informou os autos que pretendia participar on-line, via Webex, na referida diligência.

13.       Em 12.12.2022, a Requerente apresentou requerimento, no qual comunicou que o seu administrador pretendia prestar as suas declarações presencialmente nas instalações do CAAD, apresentando-se nas instalações do CAAD de Lisboa, para realização da diligência agendada para o dia 30.01.2023, às 14 horas.

14.       No dia 03.01.2023, a Requerente juntou aos autos substabelecimento sem reserva.

  1. Em 30.01.2023, teve lugar a reunião, a que alude o artigo 18.º, do RJAT, na qual o administrador da Requerente, B..., prestou declarações de parte, nos termos do artigo 466.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
  2. No dia 02.02.2023, a Requerente juntou aos autos o comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente, em cumprimento da notificação efetuada para o efeito, na reunião realizada em 30.01.2023.
  3.  A Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações finais, em 14.02.2023 e 15.02.2023, respetivamente, reiterando a argumentação anteriormente expendida, tendo esta procedido à junção, em formato Word, das peças processuais apresentadas no decurso da presente lide, tudo em cumprimento da notificação efetuada para o efeito, na reunião realizada em 30.01.2023.

I.1. POSIÇÃO DAS PARTES

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, em síntese, com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC e demonstração de acerto de contas, na parte relativa à desconsideração da DLRR, o seguinte:
  1. Os investimentos efetuados, em particular a aquisição da linha do traçador e serra dupla automática, não se destinaram, única e exclusivamente, a melhorar o processo de produção, mas tiveram como objetivo conferir à linha de produção da Requerente um carácter incremental.
  2. Esta nova aquisição veio trazer um valor incremental no processo de produção automática de tábuas para paletes face ao equipamento existente.
  3. A Requerente exerce a atividade de fabrico e comercialização de embalagens de madeira, pelo que, qualquer investimento por si realizado, incluindo a aquisição de ativos elegíveis para a DLRR, deverá ter, quase sempre, como consequência a substituição de um qualquer outro equipamento; contudo, o que importa verificar é se a aquisição dos novos equipamentos teve um carácter incremental na linha de produção daquela;
  4. No âmbito de uma estratégia global de investimento, a Requerente tem vindo a fazer investimentos para aumentar a sua capacidade e qualidade de produção de embalagens de madeira e alterar o processo de produção dos produtos, em particular no que respeita à produção automatizada de paletes, investimentos esses que resultaram num aumento expressivo do seu volume de negócios;
  5. Em 7 anos, a Requerente quase que duplicou o seu volume de vendas, tendo, simultaneamente, em todos os exercícios, à exceção de 2015, realizado investimentos sempre superiores ao valor de €400.000,00.
  6. Os investimentos efetuados aumentaram a sua produção em termos qualitativos e quantitativos e, em consequência, possibilitaram o aumento do seu volume de negócios.
  7. Verifica-se que o aumento da capacidade de produção resultante do investimento em equipamento que a Requerente tem vindo a fazer, postulou de forma inevitável um incremento do volume de negócios (em relação a novos produtos ou fabricados em maior quantidade), e neste medida os investimentos da Requerente preenchem os requisitos do artigo 30.º n.º 1 do CFI e configuram um investimento inicial relacionado com o aumento da capacidade do estabelecimento da Requerente (artigo 2.º parágrafo 49) alínea a) do RGIC).
  8. A aquisição da linha do traçador e serra dupla automática não constituiu uma simples melhoria ou benfeitoria do equipamento utilizado na produção, mas permitiu modificar, em substância, a funcionalidade da linha de produção, conferindo um incremento na produção.
  9. Esta nova linha de serragem veio permitir à Requerente alterar o processo de produção automatizado de paletes, ou seja, não acarretou apenas a mera melhoria no processo de produção, mas alterou em substância a linha de produção.
  10. Estes equipamentos vieram permitir um aumento dos paus processados por minutos, passando a haver a possibilidade de aumentar o comprimento da madeira serrada até 1,50 metros (anteriormente apenas era possível até 1,25 metros).
  11. A lei em nada obriga que a totalidade do investimento tenha de ser feita no mesmo exercício, nem tal faria muito sentido, uma vez que os investimentos em unidades industriais, em particular na sua linha de produção, têm quase sempre um grande impacto financeiro, pelo que, sempre que possível, as empresas optam por investir de forma faseada, de modo a poder cumprir as suas responsabilidades financeiras de curto-médio prazo.
  12. Verifica-se que a aquisição da linha do traçador e serra dupla automática não constituiu uma mera aquisição isolada de ativos com o fim de se proceder a uma mera substituição de equipamento, mas que, pelo contrário, consistiu na aquisição de novos componentes que comprovadamente modificaram, em substância, a funcionalidade da linha de serragem, revestindo aquela aquisição um carácter incremental.
  13. Face ao aumento de quase 200% do volume de negócios da Requerente, ocorrido durante o período compreendido entre 2011 e 2018, terá necessariamente de se concluir que a aquisição da linha do traçador e serra dupla automática se qualifica como investimento inicial para efeitos da DLRR, uma vez que estes equipamentos, em conjunto com outros equipamentos adquiridos neste período, introduziram alterações significativas no processo de produção automatizada de paletes, aumentando em muito a capacidade do estabelecimento da Requerente e em consequência das suas vendas.
  14. A Requerente adquiriu máquinas em estado novo para serem integradas numa nova linha de produção automatizada de paletes, isto é, uma nova unidade de produção, as quais aumentaram bastante a sua capacidade de produção em termos qualitativos.
  15. Com a aquisição e montagem destes equipamentos verificou-se um aumento dos paus processados por minuto, passou a haver a possibilidade de aumentar o comprimento da madeira serrada até 1,50 metros (anteriormente apenas era possível até 1,25 metros), melhorar a qualidade das tábuas serradas e por último, e não menos importante, aumentar a segurança dos operários que trabalham na linha de serragem.
  16. Apura-se que o valor de aplicação relevante (€200.000,00) excede o valor de €0 correspondente à soma das amortizações e depreciações dos ativos a modernizar, efetuadas nos três exercícios fiscais anteriores ao do investimento, pelo que também este facto comprova que a aquisição da linha do traçador e serra dupla automática consistiu numa alteração fundamental do processo de produção, comprovando-se assim tratar-se de um investimento inicial, nos termos do artigo 3.º n.º 1 da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, elegível para a DLRR.
  1. Por sua vez a AT contra-argumentou com base nos seguintes argumentos:
  1. Estamos perante uma empresa com largos anos de atividade industrial (constituída em 1952) cujo ativo tangível nomeadamente o seu equipamento básico encontra-se amplamente depreciado (as depreciações acumuladas rondam, em média, os 75% do valor de aquisição daqueles ativos).
  2. Ou seja, no âmbito do normal funcionamento de uma atividade industrial, o seu equipamento básico, tendo inevitavelmente uma vida útil limitada, precisará de ser substituído. Tal é reconhecido pela Requerente, nos artigos 73.º a 75.º do Pedido de Pronúncia Arbitral quando alega que a linha de serragem que inicialmente se encontrava instalada na unidade de ... (a linha ...) foi substituída, por fases, pela linha ..., na qual se inclui o investimento em apreço nos presentes autos, a “linha de traçador e serra dupla”.
  3. Indubitavelmente, a aquisição daquela “linha do traçador e serra dupla” teve em vista a mera substituição de equipamento básico, totalmente depreciado, e antiquado e por equipamento básico novo, para funções similares, tal como reconhece a Requerente no artigo 78.º do Pedido de Pronúncia arbitral.
  4. Ou seja, substituição de equipamento obsoleto, pouco rentável, em razão do decurso do tempo e do normal desgaste de funcionamento no âmbito de uma atividade industrial.
  5. E muito embora, a nova aquisição possa conduzir, genuinamente, a “um valor incremental no processo de produção automática de tábuas para paletes face ao equipamento existente” como alega a Requerente, atendendo ao progresso tecnológico aplicável a este tipo de maquinaria pesada, nem por isso tem enquadramento numa das 4 tipologias do n.º 3 do artigo 17.º do RGIC, pois não estamos perante investimento relacionado com a criação de um novo estabelecimento, um alargamento de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para novos produtos adicionais ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
  6. O equipamento adquirido pelo Requerente vem tão somente substituir o equipamento envelhecido, inseguro e menos rentável até então existente e em funcionamento naquela unidade fabril, e por isso, é um investimento não elegível para efeitos da DLRR, nos termos do artigo 17º n.º 3 do RGIC, artigos 27.º e 30.º n.º 1 do CFI. 
  1. SANEAMENTO
  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
  2. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  4. Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se.
  5. O processo não enferma de nulidades.
  6. Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente desenvolve a atividade industrial de fabrico e comercialização de embalagens de madeira, encontrando-se registada para a atividade principal de fabricação de embalagens de madeira, CAE 16240 e atividades secundárias de serração de madeira, CAE 016101 e silvicultura e outras atividades florestais, CAE 002100.
  2. A Requerente dedica-se à compra de madeira, essencialmente, rolaria/toros de pinho que, posteriormente, é transformada, dando origem a produtos acabados, nomeadamente “paletes” e “casca de pinheiro calibrada”, destinados ao mercado interno e intracomunitário; ou seja, dedica-se fundamentalmente à produção automatizada de paletes, caixas palete (“paloxe”) de várias dimensões/características bem como dos subprodutos resultantes (casca, estilha e serrim).
  3. O processo de fabrico consiste, essencialmente, em separar a madeira e a carrasca dos tolos/rolaria, sendo: (i) a madeira destinada à fabricação de paletes; (ii) a madeira “mais torta” destinada a fabricação de estilha que, posteriormente, permite a produção de platex e aglomerados; (iii) a casca de pinheiro (carrasca) é limpa e calibrada que, posteriormente, é vendida como produto acabado denominado por “casca calibrada”.
  4. A Requerente dispõe de várias instalações fabris localizadas em: (i) ... – sede –; (ii)..., em Tomar; (iii)..., em Salvaterra de Magos e; (iv)..., em Ourém.
  5. No período compreendido entre os exercícios fiscais de 2016 e 2019, a Requerente realizou em todas as unidades fabris investimentos globais num total de €2.123.847,00 (dois milhões cento e vinte e três mil e oitocentos e quarenta e sete euros) (Cf. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  6. A Requerente adquiriu, para a unidade fabril de Salvaterra de Magos, uma nova linha de destroçamento, em 2016 e, em 2018, as máquinas designadas por “linha do traçador e serra dupla automática”, à empresa C..., Lda. (Cf. Documentos n.ºs 2 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  7. A Requerente, antes de tal aquisição, encontrava-se a operar com equipamentos obsoletos – linha de traçador ... (muito antiga) e serra dupla de fita ... (muito antiga) –, com mais de vinte anos, os quais não cumpriam as normas mínimas de segurança, nomeadamente as previstas na Diretiva 2006/42/CE, de 17 de maio (sendo os riscos associados à sua utilização muito elevados para os respetivos operadores); eram pouco eficientes a nível energético e exigiam intervenções constantes (conduzindo a paragens de produção muito frequentes) (Cf. Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido e declarações prestadas pelo depoente).
  8. Os principais objetivos desta nova aquisição de equipamentos – linha do traçador e serra dupla automática –, foram: evitar as sucessivas paragens na linha (para efetuar reparações e/ou intervenções); instalar equipamentos mais eficientes (quer a nível energético, quer a nível de produção) e mais seguros para os seus operadores (por forma a que estes não se encontrassem em risco constante e se cumprisse as normas exigidas por lei), bem como, obter o máximo de aproveitamento dos equipamentos montados a jusante (uma vez que os anteriores estavam a operar abaixo de 60%/70% da sua capacidade, por se encontrarem já obsoletos) (Cf. Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido e declarações prestadas pelo depoente).
  9. A nova linha de serragem veio permitir: (i) o cumprimento das normas, diretivas e regulamentos de segurança; (ii) uma maior rapidez no processo (evitando as reparações e/ou intervenções sucessivas que a antiga linha exigia); (iii) uma redução no consumo de eletricidade; (iv) o aumento de troncos processados por minuto (anteriormente, a Requerente processava 6/7 troncos por minuto ao invés de 11/12, como atualmente) ; (v) a obtenção de tábuas com maior comprimento (1,50 m ao invés de 1,25 m) e; (vi) que as tábuas fossem cortadas com medidas exatas sobretudo nas pontas, sem necessidade de posteriores ajustes (Cf. Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido e declarações prestadas pelo depoente).
  10. No período compreendido de 2011 e 2018, o volume de negócios da Requerente aumentou de €9.079.451,00 (nove milhões e setenta e nove mil e quatrocentos e cinquenta e um euros) para €18.016.393,00 (dezoito milhões e dezasseis mil e trezentos e noventa e três euros); para este aumento contribuíram diversos fatores, tais como: (i) a instalação de mais uma unidade de produção; (ii) a melhoria de expetativas nos mercados nacionais e comunitários (decorrente do aumento efetivo da procura); (iii) a aceleração das exportações; (iv) a evolução favorável ao crescimento económico e; (v) os investimentos de modernização efetuados pela Requerente nas várias unidades de produção. (Cf. Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  11. Durante tal período, os investimentos de modernização efetuados pela Requerente nas suas unidades fabris visaram responder à competitividade dos mercados e manter a sua posição nos mesmos (Cf. Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  12. O valor de aquisição da linha do traçador e serra dupla automática ... é de €200.000,00 (duzentos mil euros) e o valor contabilístico da linha de serragem ..., nos exercícios de 2015 a 2017, é de €0 (Cf. Documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  13. No exercício de 2017, a Requerente constituiu uma reserva no valor de €125.000,00 (cento e vinte cinco mil euros), relativa ao lucro apurado no exercício fiscal de 2016 (Cf. Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  14. No exercício de 2019, a Requerente deduziu à coleta do IRC o valor de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), relativo a 10% do valor da reserva constituída em 2017 (€125.000,00) e cujo investimento foi concretizado, na aquisição das referidas máquinas designadas por “linha do traçador e serra dupla automática”, titulada pela fatura n.º 103426 de 06.12.2018, emitida pela empresa C..., Lda., no valor total de €200.000,00 (duzentos mil euros), sem IVA (Cf. Documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  15. A Requerente foi, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2021..., alvo de um procedimento inspetivo interno, em IRC e IVA, referente ao período de tributação de 2019, no qual foram efetuadas, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém, correções de natureza meramente aritméticas (i) à matéria coletável do IRC no valor de €1.421,52, relativas a amortizações em excesso e (ii) ao IRC a pagar no valor de €19.911,30, com fundamento de que o valor de €125.000,00 não é elegível para efeitos do benefício fiscal relativo à DLRR (Cf. Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  16. A Requerente, notificada do projeto de relatório de inspeção tributária, exerceu o seu direito de audição, aceitando a correção relativa às amortizações em excesso, mas contestando a argumentação aduzida, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém, quanto à correção proposta ao IRC a pagar no valor de €19.911,30, respeitante à não aceitação do benefício fiscal relativo à DLRR (Cf. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  17. Em 07.12.2021, a Requerente foi notificada do Relatório final de inspeção tributária, no qual se mantiveram as correções propostas no aludido projeto, porquanto, concluíram, em síntese, os Serviços de Inspeção Tributária, que, no caso em apreço, tratou-se de uma “(...) aquisição isolada de ativos (...), não estando esta aquisição inserida “numa estratégia global de investimento com a finalidade de atingir o fim subjacente às tipologias do investimento indicadas: “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente” ou “diversificação da produção de uma estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento.” (Cf. Documento n.º 3, fls. 16 e 17, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  18. Nesta sequência, foi a Requerente notificada da liquidação de IRC 2022..., relativa ao exercício fiscal de 2019 e demonstração de acerto de contas n.º 2022..., nas quais se apurou o imposto a pagar no montante de €20.894,35 (Cf. Documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  19. A Requerente procedeu, em 14.04.2022, ao pagamento da dita importância (Cf. Documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  20. O investimento efetuado pela Requerente na aquisição das máquinas designadas por “linha do traçador e serra dupla automática”, tratou-se de uma mera aquisição isolada de ativos, não estando, por isso, integrada numa estratégia global de investimento, com o fim de se proceder à substituição de equipamentos preexistentes já obsoletos, inoperantes, inseguros e pouco rentáveis (Cf. declarações do depoente, conjugadas com a documentação junta aos autos).

III.2 FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não se considera provado:

  1. Que a Requerente, em virtude da aquisição dos novos equipamentos – “linha de traçador e serra dupla automática” –, tenha introduzido novos produtos na sua gama de produção.
  2.  Que a aquisição dos aludidos equipamentos – “linha de traçador e serra dupla automática” –, proporcionaram uma alteração, em substância, do processo global de produção do estabelecimento. 
  3. O aumento do volume de negócios da Requerente nos anos posteriores a 2018.
  4. A correlação entre o investimento efetuado, no período de 2011 e 2018 (nomeadamente, na aquisição das novas máquinas/equipamentos – “linha de traçador e serra dupla automática” –), e o aumento da produtividade da Requerente.
  5. Que as paletes com novas dimensões (maior comprimento) representem 10% do volume de negócios.

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (doravante “CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, da prova por declarações de parte produzida, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e, a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

Já relativamente aos factos elencados supra como não provados, os documentos juntos ao processo e as declarações do depoente (Administrador da Requerente) não lograram provar os mesmos.

No que concerne ao facto dado como não provado no ponto A. acima elencado, o Administrador da Requerente referiu no seu depoimento que a nova linha de serragem, após a incorporação das máquinas designadas por “linha do traçador e serra dupla automática”, permitiu comercializar novos produtos; contudo, quando questionado que novos produtos seriam estes, o mesmo afirmou, que diziam respeito a paletes com dimensões que anteriormente não lhe era possível produzir (ou seja, atualmente, a Requerente consegue produzir paletes com 1,50 m ao invés de, somente, 1,25 m).

Contudo, se a anterior linha de serragem (linha...) e a atual linha de serragem (linha...) se destinam ao mesmo fim – processamento de tábuas para a produção de paletes – (conforme refere a Requerente nas suas alegações), é manifesto que a aquisição das máquinas designadas por “linha do traçador e serra dupla automática” (que incorporaram a nova linha) não veio permitir a introdução de novos produtos na gama de produção da Requerente, pois, em ambas as linhas o produto é, exatamente, o mesmo (paletes).

Assim, atendendo ao depoimento prestado, conjugado com os documentos juntos aos autos (que nada referem quando a esta questão), entende este Tribunal que o facto de as paletes poderem, agora, com a nova linha, ter um comprimento maior, não significa que a Requerente comercialize um novo produto, mas sim, que comercializa o mesmo produto com uma diferente dimensão, tal como a mesma refere nas suas alegações: “(...) incluindo a possibilidade de produção de tábuas com novos tamanhos”).

Dito isto, é convicção do Tribunal Arbitral que a Requerente não logrou concretizar em que medida a aquisição das máquinas em apreço conduziu à introdução de novos produtos na sua gama de produção, nem tampouco que produtos seriam estes.

Por outro lado, quanto ao facto dado como não provado no ponto B. acima elencado, a Requerente afirmou nos seus articulados que o investimento por si efetuado na aquisição das máquinas em apreço (“linha do traçador e serra dupla automática”) alterou em substância o processo de produção, na fábrica de Salvaterra de Magos, uma vez que permitiu: (i) o cumprimento integral das normas de segurança; (ii) um melhor funcionamento da linha de serragem, sem necessidade de intervenções; (iii) um aumento da eficiência energética e; (iv) um aumento da qualidade (as tábuas são, agora, cortadas com medidas exatas, sobretudo nas pontas, sem necessidade de posteriores ajustes) e quantidade de tábuas produzidas (os paus processados por minuto aumentaram de 6/7 para 11/12), incluindo a possibilidade de produção de tábuas com novos tamanhos (até 1,50 m ao invés de, apenas, 1,25m).

Contudo, quer nos articulados da Requerente, quer no depoimento do seu Administrador, foi referido que as máquinas anteriores se encontravam obsoletas, operavam abaixo de 60%/70% da sua capacidade, causavam problemas de laboração (necessitando, permanentemente, de reparações e/ou intervenções), não cumpriam as normas mínimas de segurança (sendo os riscos associados à sua utilização muito elevados para os respetivos operadores) e eram pouco eficientes a nível energético.

Dito isto, somos do entendimento que não se trata de uma alteração substancial ao processo de produção, mas, sim, de uma melhoria significativa deste, decorrente do natural progresso tecnológico deste tipo de maquinaria pesada, que sempre se mostraria necessária, no decurso do processo produtivo.

Naturalmente, que encontrando-se a Requerente a produzir os seus produtos com máquinas obsoletas, depreciadas e antiquadas (com mais de vinte anos) – que operavam abaixo de 60%/70% da sua capacidade, colocavam em risco os seus trabalhadores e exigiam um elevado número de reparações e/ou intervenções – a aquisição de novas máquinas, para o mesmo fim (processamento de tábuas para a produção de paletes), seria imprescindível para o normal funcionamento da sua atividade industrial.

Acresce que, atendendo à evolução da tecnologia, as máquinas adquiridas, sendo recentes, sempre apresentariam melhores condições de utilização; funcionalidades similares, mas, mais avançadas (possibilitam, agora, a produção de tábuas como novos tamanhos e permitem que as tábuas sejam cortadas com medidas exatas, sobretudo nas pontas, sem serem necessários ajustes posteriores); uma maior capacidade (não operam, certamente, abaixo de 60%/70% como as anteriores); uma maior rentabilidade e rapidez – não só não estão sujeitas a reparações e/ou intervenções constantes, como processam mais paus por minuto – e; uma maior eficiência energética (redução do consumo de energia).

Aqui chegados, considera o Tribunal Arbitral que a Requerente, ao adquirir as máquinas em apreço (“linha do traçador e serra dupla automática”) logrou, sim, melhorar/otimizar o seu processo de produção e não alterá-lo, pois, o mesmo (que consiste em, essencialmente, separar a madeira e a carrasca dos toros/rolaria, sendo a madeira destinada à fabricação de paletes) mantém-se, pelo que se dá como não assente o facto constante da alínea B. dos factos não provados.

No que respeita ao facto dado como não provado no ponto C. acima elencado, o Administrador da Requerente afirmou no seu depoimento que o investimento efetuado na aquisição das referidas máquinas permitiram que a fábrica de Salvaterra de Magos contribuísse substancialmente para a faturação da empresa, porquanto, em 2018, a empresa faturava cerca de dezoito milhões de euros e no último exercício, 2022, faturou vinte seis milhões e quinhentos euros.

Contudo, o Administrador da Requerente limitou-se a afirmar aquele aumento na faturação, de uma forma genérica e vaga, sem demonstrar a efetiva ligação, em termos quantitativos, entre a aquisição dos equipamentos em 2018 e o dito aumento da faturação nos anos posteriores; ou seja a Requerente não logrou provar em que medida o investimento efetuado, em 2018, na aquisição das referidas máquinas conduziu a uma faturação, em 2022, no valor de vinte seis milhões e quinhentos euros; nem tampouco juntou aos autos qualquer outro meio de prova que permitisse ao Tribunal Arbitral aferir dessa ligação, pois, não consta dos autos qualquer documento respeitante aos resultados da empresa nos exercícios posteriores a 2018.

Por outro lado, quanto ao facto dado como não provado no ponto D. acima elencado, e conforme se extrai do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral – Relatórios de Gestão – o aumento do volume de negócios da Requerente, de €9.079.451,00 para €18.016.393,00, no período compreendido de 2011 e 2018, teve na sua origem diversos fatores, tais como: (i) a instalação de mais uma unidade de produção; (ii) a melhoria de expetativas nos mercados nacionais e comunitários (decorrente do aumento efetivo da procura); (iii) a aceleração das exportações; (iv) a evolução favorável ao crescimento económico e; (v) os investimentos de modernização efetuados pela Requerente nas várias unidades de produção.

Ou seja, mais uma vez, a Requerente não logrou concretizar qual a expressão efetiva, em termos numéricos, que a unidade fabril de Salvaterra de Magos (na qual foram incorporadas as mencionadas máquinas), teve no dito aumento de volume de negócios e na faturação da empresa, pois, tal aumento decorreu de variados fatores e não, única e exclusivamente, dos investimentos efetuados pela Requerente, que, para além, do mais, foram realizados nas diversas unidades fabris.

Por fim, no que toca ao facto dado como não provado no ponto E. acima elencado, e pese embora, o Administrador da Requerente tenha afirmado no seu depoimento, que as paletes com novas dimensões (1,50 m) representem “cerca de 10%, vamos dizer, do volume de negócios”, não específica se esta percentagem diz respeito à totalidade das unidades fabris ou apenas à unidade fabril de Salvaterra de Magos ou a que período se refere, nem tampouco junta aos autos qualquer outro elemento de prova, posterior à aquisição daquelas novas máquinas, que permita retirar tal ilação.

Face ao exposto, dá-se como não assentes os factos constantes das alíneas C., D. e E. dos factos não provados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

A questão de mérito submetida à apreciação deste Tribunal consiste, nuclearmente, em determinar se o investimento efetuado pela Requerente, relativo à aquisição das máquinas denominadas “linha do traçador e serra dupla automática” tem ou não enquadramento no conceito de “investimento inicial” para efeitos do regime de incentivos/benefícios fiscais, em sede de dedução por lucros retidos e reinvestidos – DLRR –.

Assim, compete analisar em detalhe se a Requerente cumpre os requisitos legalmente previstos para usufruir do benefício fiscal em apreço, respetivamente em sede de DLRR.

Em primeiro lugar, sobre o tema dos benefícios fiscais, é necessário compreender a natureza, objetivo e finalidade política e económica dos mesmos.

A atribuição de um benefício fiscal não se prende somente com o cumprimento das normas, sendo necessário igualmente analisar se esse cumprimento, muitas vezes consubstanciado num investimento pelo sujeito passivo, esta a ser feito para a prossecução da finalidade do benefício.

Nos presentes autos, o benefício aqui em questão – DLRR –, previsto no Código Fiscal do Investimento (doravante “CFI”) tem a sua génese, no Regulamento Geral de Isenção por Categoria – Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014 – (doravante “RGIC”) e na Portaria n.º 297/2015 de 21 de setembro, que procede à regulamentação do regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI) e do regime da dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR), normativos que teremos sempre em consideração, naturalmente, na sua redação à data dos factos.

 

IV.1 DA APLICABILIDADE DO RGIC À DLRR

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”) dispõe, nos seus artigos 107.º a 109.º, o regime jurídico que regula os auxílios de Estado, com a finalidade de proibir a concessão de auxílios por parte dos Estados que ponham em perigo a concorrência dentro da União Europeia.

O estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno integra a reserva de competência exclusiva da União Europeia, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, al. b) do TFUE.

Neste âmbito, a Comissão Europeia, adotou o RGIC (que sucedeu ao anterior regulamento geral de isenção por categoria, o Regulamento n.º 800/2008, de 6 de agosto de 2008), e continuou a simplificação do procedimento autorizado dos auxílios, dispensando os Estados-Membros da obrigação da notificação, desde que verificados determinados pressupostos, orientando-os no sentido de dirigirem os recursos públicos para a realização de objetivos europeus comuns.

O primeiro capítulo do citado diploma – RGIC –, sob a epígrafe “Disposições comuns”, versa sobre as normas comuns a todas as categorias de auxílios aí abrangidas, e consagra “a obrigatoriedade de os Estados respeitarem certos princípios quando se decidem a implementar auxílios sob o seu manto”, incorporando as diretrizes sobre os elementos que os auxílios devem respeitar, para serem considerados compatíveis com o mercado interno e estabelecendo expressamente a obrigação de os auxílios terem um efeito de incentivo (cf. artigo 6.º do RGIC).

Assim, o RGIC, além do propósito de isentar certos auxílios de Estado da obrigação de notificação, define os princípios e diretrizes que devem servir de enquadramento à ação legislativa dos Estados-Membros nesta área, fazendo parte do respetivo quadro regulatório. Os referidos princípios e diretrizes, ao constarem de regulamento adotado pela Comissão Europeia, são obrigatórios em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis em todos os Estados-Membros, como expressamente determina o artigo 288.º do TFUE e reitera o artigo 59.º do RGIC.

A DLRR consubstancia um benefício fiscal regulado no CFI, que opera por dedução à coleta (cf. artigo 29.º do CFI), sendo o próprio direito interno que, no seu artigo 1.º, n.º 2, convoca os “termos do Regulamento”, pelo que, é no contexto institucional e normativo do RGIC que devem ser interpretados e aplicados o CFI e a Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.

Neste sentido, a DLRR (conformada pelo CFI, como um regime de incentivos fiscais ao investimento em favor de micro, pequenas e médias empresas, aprovado nos termos do RGIC – cf. artigo 3.º, n.º 1 e 27.º do CFI e artigo 1.º, n.º 1, al. b) do RGIC) e a aludida Portaria são instrumentos de execução e de densificação do quadro normativo contido no RGIC e nos termos do artigo 107.º a 109.º do TFUE.

IV.2 DA DEDUÇÃO POR LUCROS RETIDOS E REINVESTIDOS (DLRR) – QUADRO NORMATIVO E REQUISITOS APLICÁVEIS –

O âmbito de aplicação e os requisitos de acesso à DLRR (que constitui um regime de incentivos fiscais ao investimento em favor de micro, pequenas e médias empresas nos termos do RGCI) constam do Capítulo IV – artigos 27.º a 34.º do CFI, anexo ao Decreto Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, tendo sido objeto de regulamentação pela Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.

Sobre os critérios que definem o âmbito de aplicação subjetivo (cf. artigo 28.º do CFI), e não sendo essa questão objeto de dissenso entre as partes, é pacífico afirmar que a Requerente preenche os mesmos (é uma PME tal como definida na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003; é um sujeito passivo de IRC residente em território português, exerce uma atividade de natureza industrial; dispõe de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade; o seu lucro tributável não é determinado por métodos indiretos e; tem a situação fiscal e contributiva regularizada).

Assim, e relativamente à DLRR, os sujeitos passivos de IRC identificados no artigo 28.º do CFI e que reúnam cumulativamente as condições nele indicadas podem deduzir à coleta do IRC, até ao limite de 25% da mesma, correspondente a 10% dos lucros retidos, que sejam reinvestidos em ativos tangíveis nos três anos seguintes ao do termo do período de tributação a que correspondam os lucros retidos, conforme estipula o artigo 29.º, n.º 1 do CFI.

A dedução à coleta do IRC a efetuar por aplicação do benefício fiscal em apreço é efetuada no período em que os lucros são retidos, através da criação de uma reserva especial prevista no artigo 32.º, do CFI, a qual tem de ser mantida até ao fim do quinto exercício posterior ao da sua constituição, não podendo ser utilizada para distribuição aos sócios durante esse período (cf. artigo 32.º, n.º 2, do CFI).

Nos termos do artigo 30.º do citado diploma, consideram-se aplicações/investimentos relevantes para efeitos deste benefício os ativos fixos tangíveis adquiridos em estado novo, com exceção dos descritos no referido preceito legal (não aplicáveis ao caso em apreço).

Subsidiariamente, a Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, no seu artigo 11.º, estabelece que: “Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 30.º do Código Fiscal do Investimento, apenas são elegíveis as aplicações relevantes em ativos aí previstos que respeitem a um investimento inicial, tal como definido nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 2.º da presente portaria.” (negrito nosso)

A al. d), do n.º 1, do artigo 2.º, da citada portaria, estatui o seguinte: “Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGCI, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.”; cuja redação está em harmonia com o conceito de investimento inicial previsto na alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGCI, em que o investimento tem de se materializar em ativos corpóreos (nos dizeres do CFI, ativos fixos tangíveis) ou incorpóreos e estar relacionado com: (i) criação de um novo estabelecimento; (ii) aumento da capacidade de um estabelecimento existente; (iii) a diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou; (iv) a mudança (nos dizeres do CFI, alteração) fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.

Todos estes normativos devem, ainda, ser conjugados com a al. a), do n.º 3, do artigo 17.º, do RGIC (aplicável à DLRR), o qual estipula que, a fim de serem considerados custos elegíveis, os investimentos devem incluir: “um investimento em ativos corpóreos e/ou incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, alargamento de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para novos produtos adicionais ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente;”.

Em suma, a subsunção do investimento numa daquelas tipologias é essencial, atentas as considerações anteriores, para que o incentivo em causa seja considerado compatível com o mercado interno e conforme o direito, devendo estar todas as condições previstas satisfeitas.

Atendo o quadro legal exposto e relevante para a situação sub judice, cumpre apreciar se o investimento efetuado pela Requerente nas máquinas designadas “linha do traçador e serra dupla automática” se subsume a alguma das aludidas tipologias, de modo a que lhe seja aplicável o incentivo fiscal em apreço (DLRR); sendo nesta questão que existe o dissenso entre as partes.

IV.3 DO CASO CONCRETO 

No caso em apreço, a Requerente deduziu à coleta de IRC do período de tributação de 2016, o montante de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), a título do incentivo fiscal DLRR, correspondente a 10% dos lucros desse período de 2016 retidos, tendo constituído em 2017 uma reserva no valor de €125.000,00 (cento e vinte cinco mil euros).

Este valor foi reinvestido pela Requerente mediante a aquisição das máquinas designadas por “linha do traçador e serra dupla automática”, titulada pela fatura n.º 103426, de 06.12.2018, emitida pela empresa C..., Lda., no valor total de €200.000,00 (duzentos mil euros), sem IVA.

Sinteticamente, a Requerente defende que o investimento por si efetuado na aquisição das referidas máquinas veio trazer um valor incremental à linha de serragem, parte integrante do processo de produção automática de paletes, não se tratando, pura e simplesmente, de uma mera substituição de equipamentos já existentes, sendo, portanto, elegível para efeitos do benefício fiscal DLRR, por constituir um investimento inicial, relacionado com o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente e/ou com uma alteração/mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente, nos termos do artigo 2.º, parágrafo 49), alínea a), do RGIC.

Por sua vez, a Requerida entende, em suma, que tal investimento teve em vista, apenas, a aquisição isolada de ativos com o fim de se proceder a uma substituição de equipamento básico, totalmente depreciado e antiquado por equipamento básico novo, para funções similares, decorrente do decurso do tempo e do normal desgaste funcionamento no âmbito de uma atividade industrial.

Sobre este investimento, compete, assim, determinar se o mesmo se consubstancia num investimento de substituição ou num investimento inicial.

No que respeita à diferença entre estes dois tipos de investimentos, releva para efeitos de aplicação do benefício fiscal da DLRR, necessariamente, e de acordo com o RGIC, apenas os investimentos iniciais que estão por este abrangidos.

Quanto a esta temática, e em conformidade com os normativos já transcritos supra (artigo 2.º, parágrafo 49), alínea a), 17.º, n.º 3, ambos do RGIC e al. d), do n.º 1, do artigo 2.º), da Portaria n.º 297/2015 de 21 de setembro), o investimento inicial resulta de uma ação substancial da empresa para implementação de um dos seguintes fins:

  1. Criação de um novo estabelecimento;
  2. Aumento/alargamento da capacidade de um estabelecimento já existente;
  3. Diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente;
  4. Alteração/mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente. 

Como tal, é necessário analisar em concreto, se o investimento feito pela Requerente, na aquisição das aludidas máquinas, se enquadra em alguma daquelas tipologias, nomeadamente na constante na al. b) ou na al. d), como pretende aquela fazer crer.

Alega a Requerente, no ponto B) – “Do alargamento da capacidade da fábrica de Salvaterra de Magos” – das suas alegações, que, no âmbito de uma estratégia global de investimento, tem vindo a fazer investimentos para aumentar a capacidade e qualidade de produção de embalagens de madeira e diversificar a sua produção, em particular no que respeita à produção de paletes (paletes de vários tipos e dimensões), investimentos esses que resultaram num aumento expressivo do seu volume de negócios (no período compreendido entre 2011 e 2018 – aumento do volume de vendas de €9.079.451,00 para 18.016.393,00; aumento da faturação, que, em 2018, era cerca de dezoito milhões de euros e, em 2022, de vinte seis milhões e quinhentos euros).

Ora, quanto ao período compreendido entre 2011 e 2018, a Requerente juntou aos autos os respetivos relatórios de gestão – de 2011 a 2018 – (cf. documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral), dos quais se extrai que o aumento substancial do volume de vendas decorre de diversos fatores (instalação de mais uma unidade de produção; melhoria de expetativas nos mercados nacionais e comunitários (em virtude do aumento efetivo da procura); aceleração das exportações; evolução favorável do crescimento económico) e não apenas da realização dos investimentos efetuados pela Requerente, que a própria apelida de “investimentos de modernização”.

Mais, todos esses investimentos, sempre superiores a €400.000,00, à exceção do exercício de 2015, visaram, segundo os aludidos relatórios, responder à competitividade dos mercados, manter a sua posição nos mesmos e modernizar todas as unidades fabris e não, apenas, a unidade fabril de Salvaterra de Magos, onde foram incorporadas as máquinas designadas por “linha de traçador e serra dupla automática”, sendo o investimento efetuado na aquisição destas que está em causa nos autos.

Neste sentido, a Requerente não logrou concretizar em que medida os investimentos realizados, no período de 2011 a 2018 (incluindo os efetuados na unidade fabril de Salvaterra de Magos), concorreram para o aumento do volume de vendas, ou seja, não apresentou quaisquer outros elementos que permitissem fazer a correlação, em termos quantitativos/numéricos, entre aqueles investimentos e o dito acréscimo; Não consta dos autos qualquer meio de prova que possibilite ao Tribunal Arbitral apurar a efetiva contribuição destes investimentos para o respetivo aumento, em relação aos outros fatores indicados nos mencionados relatórios de gestão. 

Já no que respeita ao aumento significativo, em 2022, do volume de negócios da empresa, a Requerente não apresentou quaisquer elementos de prova, referentes aos anos posteriores a 2018, dos quais essa conexão (entre o investimento efetuado na aquisição das ditas máquinas, em 2018 e o aumento do volume de negócios em 2022) pudesse ser inferida, limitando-se o Administrador daquela, no seu depoimento, a afirmar que as paletes com novas dimensões (que, agora, as novas máquinas permitem fazer), representam “cerca de 10%, vamos dizer, do volume de negócios”, mas, sem especificar a que período se reporta e se esta percentagem diz respeito à totalidade das unidades fabris ou apenas à unidade fabril de Salvaterra de Magos.

Mais, os elementos probatórios juntos aos autos não permitem apurar que os investimentos efetuados, no período de 2016 a 2019, no valor de €2.123.847,00, estejam relacionados com a unidade fabril de Salvaterra de Magos, à exceção da aquisição, em 2016, da linha de destroçamento e, em 2018, das referidas máquinas, que, a ser assim, representam a parcela mais pequena daqueles investimentos.

Também não se infere, in casu, que a aquisição das ditas máquinas estivesse inserida numa estratégia de investimento, porquanto, não foi junto aos autos qualquer documento, com uma identificação clara dos objetivos pretendidos e devidamente enquadrada numa das quatro tipologias do RGIC; que apresentasse as áreas de intervenção concretas, os seus principais investimentos e a necessidade dos mesmos.

Face ao exposto, conclui-se que a Requerente não logrou provar a relação direta entre os investimentos realizados (nomeadamente, na unidade fabril de Salvaterra de Magos) e o aumento da sua capacidade produtiva.

Por sua vez, alega a Requerente no ponto C – “Da alteração fundamental do processo de produção da fábrica de Salvaterra de Magos” –, das suas alegações, que a nova linha de serragem veio alterar o processo de produção automatiza de paletes nesta fábrica, porquanto, modificou em substância a linha de produção, não só em termos de qualidade e diversidade dos bens produzidos, mas também em termos de consumo de energia e da segurança de trabalhadores.

Tal alteração substancial no processo de produção subsume-se, segundo a Requerente, no facto da aquisição das novas máquinas ter permitido: (i) o cumprimento integral das normas de segurança; (ii) um melhor funcionamento da linha de serragem, sem necessidade de intervenções; (iii) um aumento da eficiência energética e; (iv) um aumento da qualidade (as tábuas são, agora, cortadas com medidas exatas, sobretudo nas pontas, sem necessidade de posteriores ajustes) e quantidade de tábuas produzidas (os paus processados por minuto aumentaram de 6/7 para 11/12), incluindo a possibilidade de produção de tábuas com novos tamanhos (até 1,50 m ao invés de, apenas, 1,25m).

Contudo, temos para nós, que não se trata, in casu, de uma alteração substancial ao processo de produção, mas, sim, de uma melhoria significativa deste, decorrente do natural progresso tecnológico deste tipo de maquinaria pesada, que sempre se mostraria necessária, no decurso do processo produtivo.

Em bom rigor, o que a Requerente logrou alcançar, ao adquirir o referido equipamento, foi o melhoramento/otimização do seu processo de produção (que consiste em, essencialmente, separar a madeira e a carrasca dos toros/rolaria, sendo a madeira destinada a fabricação de paletes) e, não, uma alteração ao mesmo, que, na verdade, se mantém igual; ou seja, o procedimento levado a cabo pela Requerente para fabricação de paletes é exatamente o mesmo, sendo a única diferença as máquinas (novas) utilizadas para o efeito, que são, seguramente, mais rápidas, mais rentáveis, mais eficientes e mais modernas.

Evidentemente que, se a Requerente utilizava, para fabricação dos seus produtos, máquinas obsoletas/depreciadas/antiquadas (com mais de vinte anos e com vida útil limitada), que operavam abaixo de 60%/70% da sua capacidade, que colocavam em risco os seus trabalhadores (por não cumprirem com as normas mínimas de segurança), que exigiam reparações e/ou intervenções constantes e que consumiam mais energia, a substituição destas por outras mais recentes e modernizadas, sempre seria indispensável para o normal funcionamento da atividade da Requerente (o qual não é possível sem aqueles equipamentos básicos – “linha do traçador e serra dupla” –); e caso a Requerente continuasse a utilizar os anteriores, sem proceder à sua substituição, nunca iria responder à competitividade dos mercados, nem tampouco manteria a sua posição nos mesmos, sendo, essencialmente, este o seu propósito ao efetuar o presente investimento (cf. documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

Mais, atendendo ao natural progresso da tecnologia, as máquinas adquiridas, sendo recentes (com vinte anos de diferença das anteriores), apresentam, naturalmente, melhores condições de utilização; funcionalidades, que sendo similares, são mais avançadas/aperfeiçoadas; uma maior capacidade; uma maior rentabilidade; uma maior rapidez e; uma maior eficiência.

Daí que seja possível à Requerente, após tal aquisição: operar com máquinas com 100% da sua capacidade (pois, são novas); produzir paletes com novos tamanhos (que não consubstanciam novo produtos, mas sim, os mesmos produtos com outras dimensões); obter tábuas já cortadas com medidas exatas, sobretudo nas pontas, sem serem necessários ajustes posteriores; processar mais paus por minuto e; reduzir o consumo de energia, tudo isto em virtude da constante evolução tecnológica, que se traduz, sempre, numa melhoria de funcionalidades e de condições de utilização.  

Face a todo o exposto, considera o Tribunal Arbitral que a aquisição da “linha do traçador e serra dupla automática” constitui uma mera aquisição isolada de ativos, visando a substituição de equipamento envelhecido, inseguro e menos rentável até então existente e em funcionamento na unidade fabril de Salvaterra de Magos, não integrando aquela (aquisição) um projeto de investimento que pressuponha a existência de uma estratégia global de investimento.

Na verdade, a mera substituição de equipamento não implica um investimento “inicial”, ex novo, que induza ao aumento da capacidade do estabelecimento existente ou à alteração fundamental do processo de produção global do estabelecimento existente. Consubstancia, sim, um investimento necessário que decorre do normal funcionamento de uma atividade, in casu, industrial, bem como do desgasto natural dos equipamentos. Parece inquestionável ser imanente à DLRR, o estímulo a um investimento incremental (que a Requerente não logrou provar – cf. Factos não provados) e não apenas a manutenção de um status quo, mesmo que se adote uma abordagem contemporânea aos benefícios fiscais, no sentido de não terem natureza excecional, mas apenas derrogatória (especial) da disciplina ordinária do respetivo imposto.

Com efeito, tal aquisição isolada não foi associada a um investimento inicial de aumento da capacidade do estabelecimento da Requerente ou de alteração fundamental do processo de produção global do dito estabelecimento, sem prejuízo de respeitarem a equipamentos adquiridos em estado novo e afetos a atividade recorrente.

Desta feita, o facto de se tratar de equipamentos de substituição de outro preexistente comporta a não elegibilidade para o benefício fiscal sob escrutínio (DLRR), nos termos dos artigos 2.º, parágrafo 49), alínea a) e 17.º, n.º 3, ambos do RGCI, artigo 30.º, n.º 1, do CFI e artigos 2.º, n.º 1, alínea d), 3.º, n.º 1 e 11.º da Portaria n.º 297/2015 de 21 de setembro.

Pelo que, face ao exposto, o ato de liquidação de IRC, relativo ao exercício de 2019, e a demonstração de acerto de contas aqui sindicada, emitidas pela AT, na parte relativa à desconsideração da DLRR, e bem assim, a respetiva liquidação de juros compensatórios não enfermam de qualquer ilegalidade, devendo, por isso, ser mantidas na ordem jurídica.

 

V. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Neste sentido, o ato tributário aqui em crise não resulta de erros de facto e/ou de direito imputáveis à Requerida, pelo que não assiste à Requerente o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º, da LGT.

 

VI. DECISÃO

Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, absolver a Requerida do pedido.

 

VII. VALOR DA CAUSA

Fixa-se ao processo o valor de €20.894,35, nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VIII. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €1.224,00, nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de março de 2023

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT)

 

A Árbitra,

 

Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho