Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 207/2014-T
Data da decisão: 2014-10-07  IVA  
Valor do pedido: € 7.000,00
Tema: IVA – Competência do Tribunal Arbitral; Pedido de revisão oficiosa de autoliquidação; Intempestividade
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

A Árbitro Dra. Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 9 de Maio de 2014, acorda no seguinte:

 

       I.     RELATÓRIO

 

                 A sociedade A, E.M., com sede na … Alfândega da Fé, NIPC …, adiante “Requerente”, vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10º n.º 1 e n.º 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por “RJAT”[1], e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulação do Despacho proferido pelo Senhor Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) que indeferiu o pedido de Revisão Oficiosa da autoliquidação de IVA relativa aos períodos de Novembro e Dezembro de 2008, com vista regularizar o IVA liquidado em excesso no valor de € 7.000,00 e consequente declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos em questão.

                 O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

                 Nos termos e para os efeitos do disposto do nº 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi designado árbitro do Tribunal Arbitral Singular a Exma. Dra. Filipa Barros, que comunicou, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

                 O Tribunal foi constituído no dia 9 de Maio de 2014, em consonância com a prescrição da alínea c), do nº 1 do artigo 11.º do RJAT.

                 No dia 1 de Julho de 2014, pelas 15:00 horas, teve lugar na sede do CAAD, a reunião entre a Senhora Árbitro designada e a mandatária da Requerida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT. A Requerente não se fez representar.

                

                 Na referida reunião, tomou o Tribunal conhecimento das exceções invocadas pela Requerida e admitiu resposta da Requerente, por escrito, à defesa por exceção apresentada pela AT. Depois de ouvida a mandatária da Requerida, foi pela mesma dito prescindir de alegações finais orais ou escritas (cf. Ata da Reunião).

 

                 A fundamentar o seu pedido alega a Requerente, no essencial, o seguinte:

 

a)      A Requerente é uma empresa municipal, cujo capital social é integralmente realizado pelo Município de Alfandega da Fé, com o qual celebrou um contrato programa que tem por objecto a prossecução de um conjunto de objectivos de relevo social e económico para o concelho através da garantia da exploração turística integrada da B (atualmente designada C), em articulação com a exploração de outras unidades turísticas da região, bem como a exploração de um centro de manutenção física, nos termos definidos no contrato-programa que vincula as partes.

b)      Para a prossecução das atribuições previstas no contrato programa, o Município de Alfândega da Fé compromete-se a transferir para a Requerente uma comparticipação financeira mensal, ou subsídio, assegurando a cobertura do défice resultante da atividade desenvolvida pela última.   

c)      Aproveitando os últimos desenvolvimentos da doutrina administrativa ao nível do tratamento em sede de IVA aplicável aos subsídios no sector empresarial local, a Requerente efetuou uma revisão dos procedimentos adoptados, em matéria IVA, no âmbito do tratamento conferido ao subsídio atribuído pelo Município, tendo concluído pela liquidação indevida de IVA, determinando, assim, imposto em excesso nos meses entre Novembro e Dezembro do ano de 2008, no montante total de € 7.000,00;

d)     Tendo em vista recuperar o IVA liquidado em excesso, em resultado do que considerou ser um incorreto enquadramento em sede de IVA das sobreditas transferências efectuadas a título de subsídios à atividade da empresa, a Requerente apresentou, em 28.12.2012, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributaria (LGT) e dos n.º 1 e 2 do artigo 98.° do CIVA, um pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IVA efectuada em excesso nas declarações periódicas referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2008.

e)      O Pedido de Revisão Oficiosa foi indeferido, por despacho do Senhor Subdiretor-Geral de 13.11.2013, por subdelegação de competências do Diretor-Geral da Administração Tributária e Aduaneira (AT),c– Dão de Administraçãoçde ransferencias artes.   conforme Ofício nº … de 22.11.2013 da Direção de Serviços do IVA, considerando a AT que a regularização pretendida pela Requerente não podia ser autorizada, por intempestividade do prazo de regularização reivindicado, em virtude de, na data da apresentação do pedido, já ter decorrido o prazo de dois anos previsto no nº 3 do artigo 78º do CIVA.

f)       A este respeito, entende a Requerente que o caso em apreço não configura a correção de facturas inexatas, mas antes um erro de direito, e mesmo que por mera hipótese se considerasse uma correção de facturas inexatas, a Requerente disporia de 4 anos para efetuar essa correção, (2 anos sem ser necessária autorização prévia por parte da autoridade tributária, e tratando-se de imposto liquidado há mais de 2 anos, seria necessário pedir essa aprovação, como aliás foi feito);

g)      Por conseguinte, defende que a revisão de atos tributários por iniciativa da administração tributária pode ter lugar no prazo de quatro anos a contar da liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços, considerando-se como tal o erro na autoliquidação, nos termos do n.º 2 do art.º 78.º da LGT. Defende ainda que o artigo 98.º n.º 1 e 2 do CIVA se aplica ao caso em análise independentemente do registo das faturas que suportam as operações.

h)      Assim, o fato das faturas estarem contabilizadas corretamente e em momento anterior à regularização do imposto, não pode obstar à possibilidade de ser efectuada a regularização do imposto pago em excesso, no prazo de quatro anos.  

i)        Concluindo, como se retira do seu pedido, que seja declarada a ilegalidade do ato de autoliquidação e consequente anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, relativa aos meses de Novembro e Dezembro de 2008, no valor de €7.000,00 com as demais consequências legais, designadamente, o reembolso desta quantia acrescido de juros indemnizatórios até integral reembolso.  

 

**************

                 A AT responde ao pedido da Requerente por exceção e por impugnação.

 

                 No âmbito da resposta por exceção é suscitada a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido de pronúncia alegando, em síntese, o seguinte:

A Requerente identificou como ato tributário objecto imediato do pedido de pronúncia arbitral a decisão de indeferimento da revisão oficiosa, em que se peticionava a regularização do imposto que alegadamente pagou em excesso”, tendo por objecto mediato “atos de autoliquidação” referentes aos meses de Novembro e Dezembro do ano de 2008.

Por seu turno, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, em causa nos presentes autos fundamentou-se no facto de o “pedido dever ser indeferido por caducidade do direito à regularização”.

Para o efeito, a AT entende que face ao disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03, verifica-se a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido supra (cf. Artigos 493.º n.ºs 1 e 2 e 494.º, alínea a) do CPC, ex vi, artigo 29.º n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, entendimento que vem corroborado pela recente Jurisprudência do Tribunal Arbitral ao excluir do âmbito da suas competências a apreciação de legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento de pedidos de regularização de IVA, bem como, de proferir autorizações para os sujeitos passivos regularizarem IVA a seu favor.

Defende-se também que a incompetência material do Tribunal Arbitral resulta da causa subjacente ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa. Com efeito, o ato administrativo conducente ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa teve por base a invocação da intempestividade da pretendida regularização de IVA, não sendo, por esse motivo, apreciada a legalidade de quaisquer atos de liquidação /autoliquidação, o que resultaria na insusceptibilidade do ato ser impugnado através de impugnação judicial.

Neste sentido, considera a AT que ainda que por mera hipótese se considere que a legalidade impugnada resulta de um ato de segundo grau “e abrangerá os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação, no caso dos presentes autos tal não acontece já que o fundamento do indeferimento foi o da intempestividade da regularização de IVA peticionada pela Requerente”, ocorrendo incompetência material da jurisdição arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º do RJAT, por ausência de apreciação da legalidade do ato de autoliquidação no âmbito do procedimento de revisão oficiosa. 

Além dos fundamentos referidos, a AT invoca ainda a incompetência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.

Tal impedimento, resultaria da remissão do n.°1 do artigo 4.° do RJAT, para a Portaria n.°112-A/2011, a qual estabelece a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais constituídos nos termos daquele diploma, designadamente, quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

Ora, nos termos do artigo 2º alínea a) da Portaria 112-A/2011, a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais tem por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no nº 1 do artigo 2º do RJAT, “com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”;

Por conseguinte, e atendendo aos termos de vinculação da AT, na situação em apreço impunha-se a precedência obrigatória de reclamação graciosa, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 131º do CPPT, por se defender que a expressão “recurso à via administrativa” não referencia também a revisão oficiosa do ato tributário, literalmente excluída da competência material dos Tribunais Arbitrais e legalmente vedada em sede arbitral. Para este efeito, a AT invoca as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, contidas no artigo 9º do Código Civil, por remissão do nº 1 do artigo 11º da LGT, alicerçando o essencial da sua interpretação no elemento literal da norma, ao concluir que “a letra da lei não pode ser afastada, sendo a principal referência e ponto de partida do intérprete.”

A AT invoca ainda a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral decorrente do facto do ato tributário objecto do pedido se reconduzir à declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação de IVA praticado nos meses de Novembro e Dezembro de 2008, sendo este o objecto mediato do pedido, cuja ilegalidade se pretende reparar.

Ora, o artigo 10.º do RJAT estabelece, quanto a atos de liquidação e autoliquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para o preceituado no artigo 102.º nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Por conseguinte, o prazo de 90 (noventa) dias teria como termo inicial o dia seguinte ao término do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária, que no caso dos autos, coincidiria com a data da apresentação da declaração periódica (mensal) de IVA, cuja data limite ocorreria no máximo, no dia 10 do mês de Fevereiro de 2009.

Nestes termos, tendo o pedido de constituição do tribunal arbitral sido apresentado em 29 de Outubro de 2013, e não estando este pedido fundado na existência de um qualquer meio de impugnação gracioso do ato de autoliquidação onde tivesse sido proferida decisão a indeferir as pretensões aí formuladas, conclui a AT pela intempestividade do mesmo, impondo-se a declaração de improcedência e a absolvição da instância da Requerida.

AT respondeu ainda por impugnação. Sustentou uma posição contrária à apresentada pela Requerente no que concerne à susceptibilidade do pedido de regularização de IVA poder merecer provimento.

Assim, a AT defendeu a aplicação à situação vertente das normas especiais consagradas no Código do IVA, subsumindo a regularização pretendida ao disposto no n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA – retificação do imposto por outro motivo que não a redução do valor tributável da operação – o que determinaria a caducidade do referido direito à regularização, findo o prazo de dois anos. 

 

Conclui a AT pela absolvição do pedido.

 

 

 

 

       Saneamento do processo

 

                 As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

                

                 Exceção ou questão prévia: a incompetência material do Tribunal Arbitral.

                 Suscita a AT, entre outras questões, a da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido.

                 E funda a sua posição no facto de ser objeto dos autos um pedido de pronúncia arbitral que tem por objeto um ato de autoliquidação – a que a Requerente imputa o vício de ilegalidade – sem que previamente houvesse recurso à via administrativa nos termos dos artigos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, recurso esse exigível pelos termos da vinculação da AT à jurisdição arbitral pela Portaria de vinculação.

                     

                 Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (art.º.13.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT), e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso [art.º 16.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, al. a) e c) do RJAT], importará começar por apreciar a exceção dilatória suscitada pela Requerida sobre a incompetência do tribunal arbitral.

                 Vejamos, em primeiro lugar, os factos e, designadamente, os especialmente relevantes para a prolação da decisão quanto à competência material do Tribunal Arbitral.

 

                 II FUNDAMENTAÇÃO

                 Factos provados:

                 Estão documentalmente comprovados e/ou aceites pelas partes nos respetivos articulados, os seguintes factos:

 

1)      A Requerente é uma pessoa colectiva pública, dotada de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial sujeita à superintendência do município de Alfândega da Fé, tendo o seu capital social sido integralmente realizado pelo Município;  

2)      A Requerente tem por objecto social a promoção e desenvolvimento turístico do Concelho de Alfândega da Fé;

3)      Para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado a Requerente está registada como sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal;

4)      No dia 2 de Março de 2006, foi celebrado um contrato programa entre o Município e a empresa municipal A (cujo prazo de vigência é de 15 anos), que tem como objecto assegurar a prossecução de objectivos sectoriais de relevo social e económico para o concelho de Alfândega da Fé, através da garantia da exploração turística integrada e sustentável da B (atualmente designada C), em articulação com a gestão de sete unidades/apartamentos turísticos situadas nas aldeias de Sendim da Serra, Gouveia, Colmeais, Covelas, Felgueiras, Vales e Cabreira, e também a exploração do D, cf., doc. n.º 1 junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral; 

5)      O referido contrato programa define, assim, os deveres, direitos, garantias e contrapartidas necessárias para que a empresa A, assuma a exploração daquelas unidades/apartamentos, bem como o D, com todas as receitas e encargos inerentes à mesma, designadamente, promoção e divulgação com ações de marketing, prestação de serviços diversos aos clientes (por exemplo, organização de promoções sazonais, eventos desportivos, culturais, etnográficos e gastronómicos, com destaque para as tradições locais), manutenção e limpeza das unidades de alojamento, bem como todas as demais responsabilidades normais decorrentes da sua exploração, cf. doc. n.º 1, junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral; 

6)      Pela assunção, por parte da Requerente, das competências acima referidas, bem com dos encargos e despesas inerentes, o Município comprometeu-se a transferir para a esfera da primeira uma comparticipação financeira mensal, assegurando, assim, a cobertura do défice resultante da atividade desenvolvida;

7)      Motivada pelos desenvolvimentos da doutrina administrativa ao nível do tratamento em sede de IVA dos subsídios no sector empresarial local, a Requerente procedeu à revisão dos seus procedimentos no que respeita ao enquadramento em sede de IVA do subsídio concedido pelo Município, no âmbito do contrato-programa, de forma a conferir um tratamento mais correto, nesta área, evitando custos desnecessários, cf. Pedido de Pronúncia Arbitral;

8)      Na sequência da referida revisão de procedimentos, a Requerente verificou que havia liquidado IVA indevidamente ao Município, no ano 2008, à taxa normal de 20%, calculada sobre o valor do subsídio recebido nesse mesmo ano, ascendendo o valor do imposto em causa a € 7.000,00, cf. doc. n.º 3, 4 e 5, juntos ao Pedido de Pronúncia Arbitral.

9)      Tendo considerado que as transferências financeiras realizadas pelo Município a favor da Requerente, configuravam verdadeiros subsídios, não sujeitos a IVA, a Requerente procedeu no sentido de corrigir o enquadramento inicialmente adoptado, em sede de IVA, emitindo novos documentos em substituição das facturas/recibos que haviam sido emitidas ao Município com IVA, cf. doc. n.ºs 6, 7 e 8), juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral.

10)   Com vista a recuperar o IVA liquidado em excesso, correspondente a € 7.000,00 a Requerente apresentou, em 28.12.2012, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributaria (LGT) e do artigo 98.° do CIVA, um pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IVA efectuada, solicitando autorização à Autoridade Tributária para regularizar o IVA liquidado em excesso durante o ano de 2008,  cf.  doc. nº 2 do Pedido de Pronúncia Arbitral e PA;

11)  No referido pedido de revisão oficiosa a Requerente expôs as razões de facto e de direito, pelas quais considerava ter sido liquidado IVA em excesso, terminando o pedido de revisão oficiosa requerendo que seja autorizada, ao abrigo do artigo 78.º da LGT conjugado com o n.º 1 e 2 do artigo 98.º do Código do IVA “a regularizar, a seu favor, IVA liquidado em excesso no montante total de € 7.000,00,” cf. pedido formulado no pedido de revisão oficiosa apresentado.

12)  A Requerente foi notificada do indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa apresentado, por despacho do Senhor Subdiretor-Geral de 13.11.2013, por subdelegação de competências do Diretor Geral da Administração Tributária e Aduaneira (AT), conforme Ofício nº … da Direção de Serviços do IVA, constando desse despacho, concordante com parecer e informação nesse sentido (Informação n.º 2377), além do mais, e em síntese, o seguinte [cf. documento nº 8 do Pedido de Pronúncia Arbitral e Processo Administrativo instrutor]: 

 

“IV. APRECIAÇÃO”

 

9. O mecanismo da revisão oficiosa é aplicável ao IVA, como decorre expressamente do n. 1 do art.º 98.º do CIVA e da configuração deste mecanismo impugnatório na LGT. No entanto, a aplicabilidade do art.º 78.º da LGT não prejudica as especificidades próprias do funcionamento do IVA. Em especial, a revisão oficiosa da autoliquidação do IVA não pode prejudicar os pressupostos do direito de regularização, sob pena das normas reguladoras deste direito ficarem desprovidas de qualquer efetividade.

10. Na perspetiva da Requerente, os erros constatados, por serem na autoliquidação, seriam considerados imputáveis aos serviços, nos termos do n.º 2 do art.º 78.° da LGT.

11. No entanto, nesta situação em concreto, será́ difícil admitir a existência de um mero erro na autoliquidação, porquanto os erros são prévios e decorrem da própria faturação das operações pelo sujeito passivo. As autoliquidações praticadas limitam-se a refletir os registos contabilísticos existentes, não dando origem a um erro novo.

12. Ainda que fossem considerados imputáveis aos serviços, nos termos do n.º 1 do art.º 78° da LGT, da existência desses erros não se pode extrapolar, por decorrência, para a afirmação de que é de quatro anos o prazo de revisão oficiosa em situações de erro na autoliquidação do IVA.

13. Na realidade, a equiparação da parte final do n.º 2 do art.º 78.° da LGT opera "sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte". O que, literalmente, permitiria concluir que, em caso de erro na autoliquidação, o sujeito passivo estaria sempre vinculado aos ónus legais de reclamação ou impugnação previstos na lei.

14. Ora, no caso da autoliquidação do IVA, o art.º 131.° do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) estabelece um mecanismo de reclamação graciosa a dirigir ao dirigente do órgão periférico regional no prazo de dois anos após a declaração. Reclamação essa que é, aliás, necessária para efeitos de impugnação judicial.

15. Todavia, deve atender-se à circunstância da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ter assentado no sentido de que o pedido de revisão oficiosa do ato Tributário com fundamento em erro na autoliquidação não estar dependente da prévia reclamação nos termos do art.º 131.° do CPPT, podendo mesmo ser apresentado para além do prazo de dois anos estabelecido naquele preceito do CPPT.

16. Resta saber se, no caso concreto do IVA, o pedido de revisão oficiosa do ato tributário de autoliquidação poderá́ sobrepor-se às normas reguladoras do direito de regularização deste imposto. Por outras palavras, aferir da possibilidade de um sujeito passivo que, eventualmente, nos termos do CIVA, já não pode regularizar o IVA liquidado, atingir o mesmo resultado através da revisão oficiosa prevista no n°1 do art.º 78.º da LGT e n°1 do art.º 98.º do CIVA.

17.A resposta terá́ de ser negativa. Na realidade, a revisão oficiosa do imposto não pode prejudicar a imperatividade das normas que estabelecem prazos especiais para o exercício do direito de regularização. Sob pena destas normas ficarem desprovidas de qualquer imperatividade e daquele direito, na prática, poder ser exercido pelo mecanismo da revisão oficiosa no prazo de quatro anos fixado no n.º 1 do art.º 78.° da LGT.

18. O n.º 2 do art.º 98.º do CIVA fixa um limite máximo de caráter geral a partir do qual o direito de regularização do imposto entregue em excesso já́ não poderá́ ser exercido. Aliás, esta realidade está bem expressa na parte inicial da norma, nos termos da qual o prazo de quatro anos é aplicável "sem prejuízo de disposições especiais". Assim, esse prazo máximo de quatro anos não opera sempre que exista uma norma especial que estabeleça um limite temporal diferente. Foi este, aliás, o entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2011-05-18, processo n.º 966/2010.

19. Tendo concluído que o prazo da revisão oficiosa não se sobrepõe aos prazos de regularização previstos no CIVA, resta saber qual o regime previsto neste Código para o tipo de regularização solicitado pela Requerente.

20. À retificação do imposto por outro motivo que não a redução do valor tributável da operação é aplicável o n. 3 do art.º 78.° do CIVA, segundo o qual, nos casos de faturas inexatas que tiverem dado lugar ao registo a que se refere o art.º 45.°, como é o presente caso em que a questão foi suscitada muito após esse registo, a retificação é obrigatória quando tiver sido liquidado imposto a menos e é facultativa, quando houver imposto liquidado em excesso, mas apenas pode ser efetuada no prazo de dois anos.

21. Assim sendo, a regularização requerida, relativa à correção de IVA liquidado em excesso, só́ pode ser exercida no prazo de dois anos previsto no n.º 3 do art.º 78.º do CIVA.

22. O prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do art.º 98.° do CIVA só́ seria aplicável, por decorrência da inaplicabilidade do n.º 3 do art.º 78.º ou de qualquer outro prazo especial previsto no mesmo Código, se as faturas que fundamentam a regularização não tivessem sido registadas na contabilidade do sujeito passivo.

22. O pedido de regularização apresentado pela Requerente teve lugar muito depois do prazo de dois anos imposto pelo n.º 3 do art.º 76.0 do CIVA. Como exposto, tendo expirado o direito de regularização reivindicado, não pode esse mesmo direito ser exercido pela via da revisão oficiosa do art.º 78.º da LGT.

23. Assim, o pedido de revisão deve ser indeferido por caducidade do direito de regularização. Atenta essa caducidade fica prejudicada a análise de outras questões que pudessem obstar à regularização requerida e, desde logo, saber se, nesta situação, há́ um erro imputável aos serviços.

(...) ”

 

13)  A 28 de Fevereiro de 2014 a Requerente deduziu o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral, formulando os pedidos de pronúncia sobre a ilegalidade do despacho de indeferimento supra e de anulação das autoliquidações de IVA referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2008, - cf. requerimento electrónico submetido ao CAAD.

 

                 III. MOTIVAÇÃO

 

                 A convicção do Tribunal ao estabelecer o quadro factual supra, fundou-se, reafirma-se, na documentação junta aos autos, no processo administrativo instrutor e na aceitação, ou não impugnação pela AT do quadro factual desenhado pela Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

                

                 A incompetência material: termos da sua fundamentação pela AT

Em causa, para apreciação da competência material deste Tribunal Arbitral, está tão só e apenas saber se, no quadro factual descrito, pode ou não concluir-se pela vinculação da AT à jurisdição arbitral.

     Fundamentando a exceção defende a AT, em síntese, que em face do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03, verifica-se a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido da Requerente (cf. artigos 493.º, nºs 1 e 2 e 494.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT), entendimento, aliás, corroborado pela recente Jurisprudência do Tribunal Arbitral ao excluir do âmbito da suas competências a apreciação de legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento de pedidos de regularização de IVA, bem como de proferir autorizações para os sujeitos passivos regularizarem IVA a seu favor.

Defende-se também que a incompetência material do Tribunal Arbitral resulta da causa subjacente ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa. Com efeito, o ato administrativo conducente ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa teve por base a invocação da intempestividade da pretendida regularização de IVA, não sendo, por esse motivo, apreciada a legalidade de quaisquer atos de autoliquidação, o que resultaria na insusceptibilidade do ato ser impugnado através de impugnação judicial.

Neste sentido, considera a AT que ainda que por mera hipótese se considere que a legalidade impugnada resulta de um ato de segundo grau “e abrangerá os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação, no caso dos presentes autos tal não acontece já que o fundamento do indeferimento foi o da intempestividade da regularização de IVA peticionada pela Requerente”, ocorrendo incompetência material da jurisdição arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º do RJAT, por ausência de apreciação da legalidade do ato de autoliquidação no âmbito do procedimento de revisão oficiosa. 

Além dos fundamentos referidos, a AT invoca ainda a incompetência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.

Tal impedimento, resultaria da remissão do n.°1 do artigo 4.° do RJAT, para a Portaria n.°112-A/2011, a qual estabelece a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais constituídos nos termos daquele diploma, designadamente, quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

Ora, nos termos do artigo 2º alínea a), da Portaria 112-A/2011, a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais tem por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no nº 1 do artigo 2º do RJAT, “com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”;

                 Por conseguinte, e atendendo aos termos de vinculação da AT, na situação em apreço impunha-se a precedência obrigatória de reclamação graciosa, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 131.º do CPPT, por se defender que a expressão “recurso à via administrativa” não referencia também a revisão oficiosa do ato tributário, literalmente excluída da competência material dos Tribunais Arbitrais e legalmente vedada em sede arbitral.

                 Vejamos então a questão.

 

                 A competência material dos Tribunais Arbitrais Tributários:

                 O âmbito da jurisdição arbitral tributária resulta, em primeira linha, do disposto no art.º 2.º, n.º 1 do RJAT, que enuncia os critérios de determinação material da competência dos tribunais arbitrais nos seguintes termos:

                 “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

                 a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

                 b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

 

                 Em face deste dispositivo, deve-se entender que a competência dos tribunais arbitrais “restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT”.[2]

 

                 A apreciação da competência do tribunal arbitral envolve um juízo sobre a adequação ao caso sub judice do meio processual da ação administrativa especial ou do processo de impugnação judicial, em atenção ao disposto no art.º 97.º do CPPT, que procede à definição dos respetivos campos de aplicação distinguindo a “impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” (nos termos da alínea d) do n.º 1) e o “recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação” (nos termos da alínea p) do n.º 1), sendo que, nos termos do n.º 2 do art.º 97.º, o “recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos”.

                 Para concretizar tal distinção entre o âmbito de aplicação destes meios processuais, que, por força da al. a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, possui relevo na definição da competência dos tribunais arbitrais tributários, constitui orientação jurisprudencial consolidada que “a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa especial, por força do disposto no art.º 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa especial”, (cf. o acórdão do STA de 25.6.2009, proc. n.º 0194/09).

                 Desta forma, tendo presentes estes princípios básicos, para apurar a competência do tribunal arbitral cabe averiguar o conteúdo do ato impugnado, de modo a verificar se comportou a apreciação de um ato de liquidação ou autoliquidação.

                 Para o efeito, como resulta da expressão “apreciação” utilizada na alínea d) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT, basta que, no ato em apreço, se tenha avaliado ou examinado a “legalidade do ato de liquidação”, mesmo que essa apreciação não seja o fundamento da decisão administrativa (cf., neste sentido, o acórdão arbitral de 06/12/2013, proferido no processo n.º 117/2013-T).

 

                 Subsunção:

                 Ora, como claramente resulta dos autos e do elenco de factos provados está aqui em causa o indeferimento do pedido de revisão oficiosa de autoliquidação de IVA, apresentado pela Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, da LGT e n.º 1 do artigo 98.º do Código do IVA, em 28.12.2012 solicitando autorização à AT para regularizar IVA pretensamente liquidado em excesso (€7.000,00) durante o ano de 2008.

                 Este pedido foi indeferido com fundamento em, citando o despacho, “(…) caducidade do direito à regularização” por intempestividade do respetivo pedido, face ao disposto no n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA.

                 Do exposto resulta a conclusão óbvia de que a AT não apreciou a legalidade da liquidação.

                 O ato que se encontra em causa, que constitui o objeto imediato do presente processo, é, consequente e indubitavelmente, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado.

                 Esta decisão de indeferimento, por seu turno, respeita à “revisão oficiosa da autoliquidação do IVA” pelo que incide sobre os atos de autoliquidação do imposto relativos a 2008, sobre cuja ilegalidade a Requerente pretende fundar o seu direito à regularização do IVA liquidado em excesso. 

Por conseguinte, e atendendo aos termos de vinculação da AT, na situação em apreço impunha-se a precedência obrigatória de reclamação graciosa, com a consequente pronúncia sobre o mérito da pretensão apresentada, à luz do disposto no nº 1 do artigo 131.º do CPPT, porquanto e além do mais, a expressão “recurso à via administrativa” não referencia também a revisão oficiosa do ato tributário[3], literalmente excluída da competência material dos Tribunais Arbitrais e legalmente vedada em sede arbitral.

Ou seja, e dito doutro modo: estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a), do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e do artigo 2.º do RJAT.[4]

Sufraga-se assim o entendimento da AT relativo à questão da incompetência material dos Tribunais Arbitrais para apreciação do objeto deste litígio.

Ou seja: considera-se, na esteira e com os fundamentos de anteriores decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral[5], que não se insere no âmbito das competências arbitrais apreciar a legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento de pedidos de regularização de IVA apresentados nos termos do 78º, da LGT nem, como pede a Requerente, proferir decisões anulatórias de autoliquidação de IVA sem precedência de apreciação da legalidade desses atos pela AT, nos termos dos artigos 131.º a 133.º, do CPPT.

Naturalmente que podem ser discutíveis os fundamentos da decisão da AT quando conclui e decide pelo indeferimento do pedido de revisão, utilizando o argumento da intempestividade.

A verdade, porém, é que, ainda que se indiciassem eventualmente nos fundamentos desse despacho que o destino do pedido pudesse ser o deferimento se não ocorresse a intempestividade, tal não retirava ao despacho a sua natureza de não pronúncia sobre o mérito e, consequentemente, o não preenchimento do necessário pressuposto para a competência material dos Tribunais Arbitrais Tributários constituídos no âmbito do CAAD.

Não têm, por isso, sustentação legal os argumentos invocados pela Requerente.

Relativamente à pronúncia prévia da AT noutros procedimentos, para além da reclamação graciosa, faz-se nesta sede referência ao entendimento propugnado num outro colectivo desta jurisdição arbitral (cf. Ac. n.º 148/2014 -T de 19 de Setembro).  

A fórmula “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa e como se viu, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Com efeito, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau (reclamação graciosa) ou terceiro grau (recurso hierárquico), que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

Por conseguinte, admite-se a inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD nos casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efetuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau ou terceiro grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória, por via da referência que é feita naquela norma aos atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais.

Por outro lado, a pronúncia prévia da Administração Fiscal noutros procedimentos previstos na Lei, designadamente no processo de revisão dos atos tributários previsto no artigo 78.º, da LGT[6], só seria eventualmente de considerar [e há, pelo menos, fortes dúvidas, que o possa ser] como equivalente à exigência prevista no artigo 2º, da citada Portaria nº 112-A/2011, de prévio “ (…) recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…)” , no caso de efetiva e real pronúncia quanto ao mérito e/ou ilegalidade do ato de autoliquidação[7].

Se o preenchimento desse pressuposto pudesse ser considerado independentemente duma apreciação de mérito e, designadamente, quando fosse rejeitado ou indeferido liminarmente por intempestividade, estaria desse modo encontrada a forma de abertura da via arbitral: bastaria a apresentação dum pedido de reclamação ou revisão manifestamente extemporâneo e, denegado o pedido, apresentar o requerimento de pronúncia arbitral sem risco de inadmissibilidade por incompetência material do Tribunal Arbitral.

Não foi, naturalmente, esse o objetivo do legislador da citada Portaria quando redigiu a norma em causa, mas antes, e manifestamente, pretendeu excluir da jurisdição arbitral a apreciação e decisão sobre, designadamente, autoliquidação de impostos sem antes ter sido apreciado o mérito dessa pretensão pela AT através dos mecanismos de recurso nos termos dos artigos 131.º a 133.º, do CPPT.

Em face do exposto, considera-se que assiste razão à Requerida, sendo este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub juditio, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT e artigo 29.º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576.º, n.º2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

            IV. DECISÃO

Ponderando a fundamentação exposta, este Tribunal decide:

a) Julgar procedente a exceção de incompetência material deduzida pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, em consequência, absolver a Requerida da instância;

b) Julgar, em consequência, prejudicado o conhecimento das demais exceções e da questão de mérito invocadas.

c) Condenar a Requerente no pagamento das custas (artigo 22.º n.º 4, do RJAT), fixando-se estas na importância de € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

*

Valor do processo:

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 7.000,00.

Lisboa, 7 de Outubro de 2014 

 

 

 

 A Árbitro

 

 

 

 

 

 

 

(Filipa Barros)

 

 

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

[2] Vide, Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105.

[3] Conforme se referirá infra, poderá ser discutível a equivalência da pronúncia da AT em sede de reclamação graciosa à pronúncia, v. g., em sede do procedimento de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º, da LGT.

[4] Cfr Acórdão do STA de 12-7-2006, processo n.º 402/06, no qual se refere que o procedimento de revisão “é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses atos, a deduzir nos prazos normais respetivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração. Essencialmente, o regime do art.º 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do ato de liquidação, e não um meio anulatório, com destruição retroativa dos efeitos do ato. A esta luz, o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando usados em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação). Trata-se de um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de atos administrativos, mas esse esforço encontra explicação na natureza fortemente agressiva da esfera jurídica dos particulares que têm os atos de liquidação de tributo.

 E, prossegue tal aresto, (…) embora o art.º 78.º da LGT, no que concerne a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro «do prazo de reclamação administrativa», no n.º 6 do mesmo artigo (na redação inicial, que é o n.º 7 na redação vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte. Idêntica referência é feita no n.º 1 do art.º 49.º da LGT, que fala em «pedido de revisão oficiosa», e na alínea a) do n.º 4 do art.º 86.º do CPPT, que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviços». É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência e iniciativa sua, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar por sua iniciativa).Por outro lado, a alínea d) do n.º 2 do art.º 95.º da LGT refere os atos de indeferimento de pedidos de revisão entre os atos potencialmente lesivos, que são suscetíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz, aqui qualquer distinção entre atos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efetuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a atos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (art. 268.º, n.º 4, da CRP).

[5] Cf., v.g., Acs. nºs 236/2013-T, 244/2013-T, 148/2014-T in www.caad.org.pt

 

[6] Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de um ato de autoliquidação, como sucede no caso em apreço, é proporcionada à AT, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adotadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa (Cfr, neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07 in http://www.dgsi.pt/)

[7] Tal como já foi entendido em diversas decisões de tribunais arbitrais deste CAAD (cf., por exemplo, os acórdãos de 06/12/2013, proferido no proc. n.º 117/2013-T e de 23/10/2012, proc. n.º 73/2012-T, onde se convoca outra jurisprudência), e não se desconhecendo, muito embora, a existência de entendimento em contrário (vd. o acórdão de 09/11/2012, proc. n.º 51/2012-T), este tribunal também entende que deve considerar-se incluída nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação, pois, por um lado, a fórmula “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a)  do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, compreende quer os casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos, quer os casos em que é impugnado um ato de segundo grau, que mantenha um ato de liquidação, não declarando a sua ilegalidade, e, por outro lado, o teor da al. a) do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, para que remete o n.º 1 do art. 4.º do RJAT, não deve ser interpretado, em atenção à sua ratio legis, no sentido de excluir o indeferimento de pedido de revisão oficiosa, dado que na revisão oficiosa é proporcionada à Administração Tributária a oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, não sendo razoável que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa, pelo que não se justifica afastar a jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa sem prévia reclamação graciosa, com o que se criaria, sem fundamento bastante, uma nova situação de reclamação graciosa necessária privativa da jurisdição arbitral. Todavia, insiste-se, não basta ser comprovado o recurso prévio à via administrativa por quaisquer dos meios mencionados, é também absolutamente necessário comprovar que houve efetiva apreciação pela Administração, do mérito dos pedidos, requisito que, para efeitos de competência do Tribunal Arbitral, não é preenchido quando e se essa apreciação de legalidade foi liminarmente denegada por, v. g., extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa.