Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 73/2022-T
Data da decisão: 2023-02-27  IRC  
Valor do pedido: € 1.617.720,06
Tema: IRC – Determinação do lucro tributável obtido com a compra e venda de imóveis. Prova do preço efetivo de venda. Arts. 64º e 139º do CIRC. Correção efetuada nos termos do art. 64º, nº 5 do CIRC.
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SUMÁRIO:

I - Para efeitos do nº 1 do artigo 139º do Código do IRC, o contribuinte tem de provar que o preço constante do contrato de compra e venda do imóvel foi o preço efetivo da transação, mas não que, por ser inferior ao VPT, há condições anormais de mercado.

II - O não acesso aos dados bancários dos vendedores, que a lei impõe que estes autorizem para efeitos de prova do preço efetivo, vicia a decisão que a AT venha a tomar no sentido de que tal prova não foi feita.

III - Salvo situações especiais, se o sujeito passivo adquire um imóvel por um valor abaixo do VPT, quando o vender tem de deduzir no campo 772 do quadro 7 da declaração Mod. 22 do IRC a diferença positiva entre o VPT definitivo à data de aquisição e o custo de aquisição.

  

                                            DECISÃO ARBITRAL

 

REQUERENTE: A..., S.A.

REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

Os árbitros Prof. Doutor Victor Calvete (Presidente), Dr. José Joaquim Sampaio e Nora e Dr. José Nunes Barata (Relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20/04/2022, acordam no seguinte:

 

 

 

I - RELATÓRIO 

 

  1. AS PARTES. CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO.

 

  1. No dia 11 de Fevereiro de 2022, A..., contribuinte fiscal nº..., com sede no ..., Rua ..., nº ..., ..., ...-... Paço de Arcos, (doravante, abreviadamente, designada por Requerente), apresentou  pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente, designado RJAT), visando a anulação do ato de liquidação de IRC, com o nº 2021..., respeitante ao período de tributação do ano de 2017, no valor €1.617.720,06, praticado pela Autoridade Tributária (doravante, designada, abreviadamente, por Requerida).
  2. No dia 14/02/2022, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
  3. Em 21/02/2022, a Requerida comunicou a designação de juristas para a representar.
  4. Em 01/04/2022, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral, que comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.
  1. Em 01/04/2022, as Partes foram notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar.
  2. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1 do art. 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 20/04/2022. 
  3. Em 30/05/2022, a Requerida, devidamente notificada para os termos e efeitos dos nºs. 1 e 2 do art. 17º do RJAT, apresentou a sua Resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação, juntou o processo administrativo e requereu o indeferimento do pedido da Requerente de produção de prova testemunhal, tendo, no caso do tribunal entender necessário ouvir as testemunhas arroladas, requerido que a Requerente indique os factos sobre que incidirá a audição e arrolado, para esse efeito,  duas testemunhas.

    9.  Em 27/06/2022, a Requerente foi notificada para se pronunciar, querendo, no prazo de dez dias sobre a exceção deduzida pela Requerida, em execução de despacho do Tribunal Arbitral.

  10. Em 11/07/2022, a Requerente apresentou um requerimento de pronúncia sobre a exceção deduzida pela Requerida.

  1. Em 02/09/2022, o Tribunal Arbitral marcou a reunião a que alude o art. 18º do RJAT para o dia 16/09/2022, às 10h e 30m.
  2.  Em 05/09/2022, a Requerente solicitou o adiamento da data da diligência, por indisponibilidade, e indicou os factos sobre que deveriam ser ouvidas as suas testemunhas.
  3.  Em 07/09/2022, o Tribunal Arbitral remarcou a diligência para o dia 14/10/2022.
  4.  Em 14/10/2022, realizou-se a reunião para inquirição de testemunhas, tendo sido ouvidas as testemunhas arroladas pela Requerente – B... e C..., prescindindo a Requerida das suas testemunhas. O Tribunal Arbitral notificou as Partes para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas, no prazo de 15 dias. Também, o Tribunal Arbitral determinou a prorrogação do prazo para a prolação de decisão arbitral, fixado no nº 1 do art. 21 do RJAT, nos termos do nº 2 deste artigo, solicitou às Partes o envio das peças processuais em formato word e advertiu a Requerente para efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente até à prolação da decisão arbitral.
  5. Em 02/11/2022, a Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações escritas, em que se pronunciaram sobre os resultados decorrentes da produção de prova testemunhal e mantiveram as suas anteriores posições quanto à matéria de direito.
  6. Em 19/12/2022 foi prorrogado o prazo para prolação da decisão arbitral.
  7. Em 17/02/2023, tendo em conta a possibilidade de o acerto da versão final da decisão se prolongar para lá da data limite, foi, de novo, prorrogado esse prazo.

 

  1. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

- O Tribunal Arbitral é materialmente competente, conforme se demonstrará, e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1, do RJAT.

- As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

- O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo por ter sido apresentado no prazo previsto no art. 10º, nº 1, alínea a) do RJAT.

- O processo não enferma de nulidades.

- A Requerida deduziu a exceção de incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido, porque, não tendo acedido à informação bancária, por entender ser desnecessário, não poderá o tribunal, caso entenda que o procedimento previsto no art. 139º do CIRC se limita unicamente a comprovar o preço da transmissão, substituir-se à AT e verificar o preço de venda;

- Isto porque, a ser assim, o tribunal iria ter que analisar as contas bancárias da Requerente para, em abono da tese da Requerente, aferir os pressupostos do mecanismo do art. 139º do CIRC;

- Admitir-se que o tribunal arbitral tem competência para essa apreciação e, para, de alguma forma quantificar a matéria tributável, representaria a substituição do tribunal nas competências próprias da AT;

- Inexistindo qualquer suporte legal que permita que os tribunais arbitrais profiram condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, – poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade – não poderá ser proferida decisão que, na prática, reconheça o direito da Requerente de ver reconhecido o preço efetivo na transmissão dos imóveis, o que não pode ser obtido por esta via;

- Por isso, o pedido de pronúncia arbitral não consubstancia o meio próprio para condenar a AT à prática de um ato devido, que, no caso, será a ação administrativa;

- Assim sendo, estaremos perante uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade requerida da instância, atento o disposto nos arts. 576º, nº 1 e 577º, alínea a) do CPC, aplicáveis por força do art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT;

 

Na sua resposta à exceção deduzida pela requerida invocou a Requerente que:     

- A exceção deduzida carece de substrato legal ou factual, pois é a própria Requerida que na sua Resposta reconhece que a Requerente pretende com este PPA “…que seja declarada a ilegalidade da liquidação adicional e a anulação parcial desta.” e que o objeto do pedido é o ato de liquidação adicional de IRC nº 2021... e a respetiva demonstração de acerto de contas, relativos ao período de 2017;

- O pedido formulado pela Requerente foi a anulação do referido ato tributário de liquidação adicional, emitido na sequência do procedimento de prova efetiva do preço previsto no art. 139º do CIRC, que a Requerente considera ilegal, em consequência dos vícios de que padece, não havendo necessidade de o tribunal arbitral validar preços efetivamente praticados ou de se substituir à AT nas suas competências próprias de avaliação desses preços efetivos ou de quantificação da matéria tributável;

- A Requerente considera que o Relatório elaborado ao abrigo do art. 139º do CIRC padece de uma incorreta interpretação e aplicação das normas relativas à determinação da matéria coletável, em sede de IRC, e bem assim, das normas que regulam a prova do preço efetivo praticado nas transmissões de bens imóveis, designadamente, os arts. 64º e 139º do CIRC;

- Essa é a ilegalidade intrínseca do ato e que pode ser invocada em sede de processo arbitral, sob pena de violação do princípio da legalidade e do disposto no art. 97º do CPPT, bem como a negação do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, previstos, entre outros, no art. 20º da CRP;

- O que está em causa é a violação, em face de uma inadequada interpretação da norma vertida no art. 139º do CIRC, por parte da AT, da regra que determina que o sujeito passivo seja tributado em conformidade com os proveitos obtidos e com o seu rendimento real;

- O referido procedimento foi consagrado para prova do preço efetivamente praticado e recebido e não para corrigir erros de transações ou interferir com a autonomia contratual das partes, pelo que não é pedido ao tribunal arbitral que se substitua à AT na verificação dos preços de venda ou na quantificação dessa matéria tributável;

- No presente processo, o que se discute é a legalidade de um ato de liquidação adicional de IRC, em respeito do preceituado no art. 2º, nº 1 do RJAT, pelo que não pode deixar de improceder a exceção de incompetência deste tribunal arbitral para conhecer do pedido, deduzida pela Requerida;

 

Relativamente à exceção deduzida pela Requerida de incompetência material deste Tribunal Arbitral para conhecer o Pedido de Pronúncia Arbitral, cabe dizer o seguinte:

Conforme decorre dos autos, a Requerente formula o seu pedido nos seguintes termos:

- Que seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação de IRC e demais atos impugnados, referente ao ano de 2017, com a sua consequente anulação, nos termos e com os fundamentos expostos.

Nesta conformidade, e dado que o art. 2º, nº 1, alínea a), do RJAT, preceitua que os tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD são competentes para a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, o que ocorre na situação em apreço, dúvidas não existem relativamente à competência deste tribunal para conhecer do presente pedido de pronúncia arbitral.

Soçobra, assim, o propugnado pela Requerida, pois o tribunal, quando se pronuncia sobre a legalidade da liquidação, não se está a substituir à AT, no que respeita à atividade administrativa de determinação do preço de venda dos imóveis, outrossim, aprecia e decide sobre vícios de ilegalidade que fundamentam o pedido, designadamente, a legalidade da aplicação pela Requerida do art. 139º do CIRC.

Tenha-se também em atenção que a exceção invocada pela AT dizia apenas respeito a uma parte dos valores que foram impugnados: os que decorreram do referido processo de prova do preço de venda efetivo dos imóveis transacionados (€5.903.032,77)[1], pelo que sempre a competência se manteria no que diz respeito aos montantes apurados em resultado da análise interna (€1.286.834,16)[2].

Julgada improcedente a exceção, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

 

 

    C. PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS

- A Requerente é uma sociedade que se dedica à compra de imóveis para revenda e gestão de imóveis próprios;

- Durante o ano de 2017, a Requerente alega que alienou diversos imóveis de que era proprietária por valores inferiores aos respetivos Valores Patrimoniais Tributários (VPT);

- A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária interno, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da Ordem de Serviço nº 012019..., plasmado no Relatório de Inspeção Tributária, que lhe foi notificado através do Ofício nº ..., de 05/01/2021;

- No âmbito daquele Relatório, a AT propôs a realização de correções aritméticas, em sede de IRC, nos seguintes termos:

 

 

  1. O valor de €5.903.032,07, respeitante à diferença positiva entre o VPT definitivo dos imóveis alienados e o valor constante do contrato, referente aos imóveis que estão identificados no anexo II ao Relatório (1/35 a 28/35), valor este resultante do insucesso do pedido de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis previsto no artigo 139.° do CIRC, apresentado em 30/01/2018 e incorporado no Relatório da inspeção “para efeitos de se proceder uma liquidação única, para o ano de 2017, em sede de IRC”;
  2. O valor de €1.286.834,16, correspondente à diferença positiva entre o custo de aquisição contabilizado e o VPT definitivo dos imóveis, de acordo com o previsto na alínea b), do nº 3 e do nº 5 do art. 64º do CIRC, valor este resultante do processo de inspeção interna.

Somando essas correções a pagar a mais (€5.903.032,07 e €1.286.834,16[3]), obtinha-se a correção total dos valores declarados, no montante de €7.189.866,93, a que corresponde um montante de imposto a pagar de €1.717.720,06.

 

- Relativamente ao valor de €5.903.032,07 e ao Pedido de prova do preço efetivo, efetuado nos termos do disposto no art.º 139.º do CIRC:

- Para a realização da prova do preço efetivamente praticado nas vendas referidas em a), que constava dos contratos e das escrituras de compra e venda, a Requerente apresentou, em 30/01/2018, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 139º do CIRC e arts. 91º a 94º da LGT, um pedido de prova do preço efetivo, dirigido à Direção de Finanças de Lisboa;

- Este pedido foi instruído com a cópia das escrituras de compra e venda e com os documentos de autorização de acesso à informação bancária da Requerente e dos seus administradores, conforme se encontra previsto no art. 139º, nº 6, do CIRC, tendo a Requerente também indicado o perito que a representaria na reunião a realizar nos termos do disposto nos arts. 91º e 92º da LGT;

- No âmbito deste procedimento, realizou-se, em 29/09/2021, esta reunião de peritos, na qual não houve acordo entre os peritos nomeados pela Requerente e pela AT;

- Através do Ofício nº ..., de 07/10/2021, a Requerente foi notificada pela Direção de Finanças de Lisboa da decisão de indeferimento do seu pedido, por considerar, no essencial, o seguinte:

- A AT considerou que:

- não foi demonstrado de forma clara e inequívoca que os valores constantes das escrituras de compra e venda correspondessem aos preços efetivamente praticados;

- não foram justificadas de forma inequívoca as condições anormais do mercado em que foram realizadas as transmissões de que resultaram as fixações de preço inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos dos imóveis transmitidos;

- Para fundar a sua decisão, a AT remeteu para a doutrina administrativa plasmada no Ofício-Circulado nº 20136, de 11/03/2008, designadamente, no seu ponto 11, que diz que: “a promoção da reunião de peritos, com o intuito de obter um acordo sobre os preços efetivamente pagos pelo adquirente dos bens, não se deve basear só nos elementos de acesso ao segredo bancário, mas também nas condições especiais ou normais de mercado que rodearam a transmissão”; 

- Assim sendo, a AT ordenou a manutenção dos VPT de cada um dos imóveis para efeitos de apuramento da matéria coletável de IRC da Requerente para o exercício de 2017.

- Segundo a Requerente, o ato de liquidação em apreço padece de uma incorreta interpretação e aplicação das normas relativas à determinação da matéria coletável em sede de IRC e, em concreto, às normas que preceituam a prova do preço efetivo praticado nas transmissões de bens imóveis e à diferença positiva entre o custo de aquisição contabilizado e o VPT definitivo dos imóveis, designadamente os arts. 64º e 139º do CIRC;

- A Requerente alega que, no procedimento para demonstração do preço efetivo na transmissão de imóveis, promovido ao abrigo do art. 139º do CIRC, cumpriu  o ónus da prova relativo ao preço efetivo da venda, apresentando para o efeito elementos documentais suficientes  e as necessárias autorizações de acesso às suas contas bancárias e dos seus gestores, sem que a AT tenha cuidado de saber qual o estado dos imóveis, para além de outras circunstâncias que podem justificar preços de venda inferiores aos VPTs, que deveria ter considerado, e consultado e analisado as contas bancárias, em obediência aos ditames legais;

- Segundo a Requerente, a AT não se pronunciou sobre a efetividade do preço na decisão do procedimento previsto no art. 139º do CIRC, limitando a fundamentação da mesma à consideração de que não “foram de forma inequívoca justificadas as condições anormais do mercado”, o que não tem suporte legal pois a Requerente poderia utilizar quaisquer meios de prova do preço efetivamente praticado;

- O que está em causa nesse procedimento é a demonstração de que foi esse o preço efetivamente praticado, o que a Requerente considera ter alcançado, e não se aquele preço corresponde ao valor do mercado;

- Importando que o sujeito passivo seja tributado, em sede de IRC, pelo seu lucro real e verdadeiro e não com base em resultados que sejam presumidos ou fictícios – art. 104º, nº 2 da CRP;

- Trata-se de ilidir uma presunção de rendimento sem pôr em causa a liberdade de decisão económica, conforme jurisprudência que cita;

- Não colhe, também, que a mencionada decisão assente na doutrina administrativa emanada do Ofício-Circulado nº 20136, de 11/03/2009, designadamente, no seu ponto 11, que diz que “a promoção da reunião de peritos, com o intuito de obter um acordo sobre os preços efetivamente pagos pelo adquirente dos bens não se deve basear só nos elementos de acesso ao segredo bancário, mas também nas condições especiais ou normais de mercado que rodearam a transmissão”;

- Como é doutrina comum, com consagração jurisprudencial, estas orientações administrativas, sendo um instrumento unificador das decisões administrativas, não são vinculativas, nem para os particulares, nem para os tribunais, estando sujeitas a um juízo de legalidade, que, no caso, determina que soçobrem, uma vez que a venda de imóvel por preço inferior ao respetivo VPT poderá decorrer, como se disse, de circunstâncias alheias ao próprio mercado, como sejam as circunstâncias próprias do imóvel ou inerentes ao vendedor;

- Pelo que o ato de liquidação em apreço também deve ser anulado com fundamento na violação do disposto no art. 68º-A da LGT, por assentar em doutrina administrativa que, para além de não ser fonte de direito, é ilegal;

- Tendo havido renúncia expressa por parte da Requerente e dos seus administradores ao sigilo bancário para prova do preço efetivo, a decisão da AT de não considerar relevantes as informações bancárias, enferma de vício de violação da lei, por erro sobre os pressupostos de direito, designadamente, erro de interpretação dos arts. 139º, nºs 2 e 6, do CIRC, 68º-A da LGT e 104º, nº 2 da CRP, que justificam a sua anulação;

 

- Relativamente à correção decorrente da diferença positiva de €1.254,198,84 entre o custo de aquisição contabilizado e o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis:

- Resulta do Relatório da Inspeção que, no campo 772 do quadro 7 da declaração modelo 22 de IRC de 2017 foi declarado o montante de €8.902.175,98, em vez de €7.647.977,14[4], por força do disposto no nº 5, do art. 64º do CIRC, que faz referência a uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário positivo e o custo de aquisição e, baseado no conceito de custo de aquisição que decorre da NCRF 18, que determina que os custos dos inventários deve incluir o preço de compra; direitos de importação e outros impostos, custos de transporte, manuseamento e outros custos diretamente atribuíveis à aquisição de bens acabados ou outros custo incorridos para colocar os inventários no seu local e condições atuais;

- Este entendimento, constante do Relatório da Inspeção, determinou que a AT procedesse à já referida correção à matéria coletável da Requerente, relativa ao período de tributação de 2017, no montante de €1.254.198,84;

- Relativamente à correção efetuada nos termos do art. 64º, nº 5 do CIRC, isto é, a correspondente à diferença positiva entre o custo de aquisição contabilizado e o VPT definitivo dos imóveis, entende a Requerente o seguinte:

            - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, devem ser observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, conforme prevê o artigo 11.º da LGT;

            - Neste contexto, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, conforme clarifica o artigo 9.º do Código Civil aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d) da LGT;

            - Na perspetiva da AT, no contexto do ajustamento previsto na alínea b) do n.º 3 do art.º 64.º do CIRC deverá ser comparado o VPT com o custo de aquisição e apenas é admissível deduzir fiscalmente o valor do VPT e não os custos acessórios inerentes à compra;

            - A este respeito, note-se que a norma tributária que prevê as correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis foi introduzida no Código do IRC – i.e., no artigo 58.º-A do Código do IRC (atual artigo 64.º) –, no Capítulo III (Determinação da Matéria Coletável), Secção VI (Disposições comuns e diversas), através do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, diploma que veio concretizar a reforma do património;

            - De acordo com o preâmbulo do referido diploma, a norma tributária em apreço tinha como objetivo “os valores patrimoniais tributários (…) passarem a constituir o valor mínimo para a determinação do lucro tributável (…)”;

            - Trata-se, portanto, de uma norma que, pela sua inserção na sistemática do Código do IRC, tem a natureza de uma cláusula especial anti-abuso, que se destina a dar resposta a situações de flagrante e manifesta subdeclaração dos valores das transações que envolvem direitos reais sobre bens imóveis;

            - Neste contexto, o n.º 1 do artigo 64.º do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos, que permanece inalterada, começa por definir o âmbito subjetivo desta norma, ao indicar que os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos de determinação do lucro tributável, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos VPT definitivos que servem de base à liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto;

            - Tal é reforçado pelo disposto no n.º 2 do mencionado preceito legal, onde se determina que “Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável”;

            - Ou seja, o n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC, ao referir: “Sempre que (…)” não estabelece qualquer caso particular, parecendo sugerir ser de aplicação geral, independentemente das particularidades da transmissão onerosa de imóveis (i.e., permuta, compra e venda, entre outros) e das respetivas partes intervenientes;

            - O n.º 3 do artigo em análise dá corpo à intenção do legislador de sujeitar o alienante a uma correção fiscal na determinação do rendimento e de permitir ao adquirente a adoção do VPT para “(…) determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel”, atento o previsto nas alíneas a) e b) do número em questão, as quais estabelecem o seguinte:

  1. “O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato” – ajustamento previsto no campo 745 da Declaração de Rendimentos Modelo 22;
  2. O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel” – ajustamento previsto no campo 772 da Declaração de Rendimentos Modelo 22.

            - No que concerne ao ajustamento estabelecido em b), é importante notar que, historicamente, nem sempre foi assim, na medida em que a redação em vigor até 31 de dezembro de 2009 estabelecia uma obrigação contabilística de reconhecimento do VPT na contabilidade;

            - Atendendo à divergência que tal redação comportava entre as normas tributárias e as contabilísticas, veio o legislador proceder a uma alteração à norma tributária em análise, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2010, através do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho (sendo esta a redação atual), com o intuito de:

  1. Suprimir a obrigação contabilística de registo que constava da alínea b) do n.º 3 do então artigo 58.º-A do Código do IRC (atual artigo 64.º); e
  2. Exigir ao sujeito passivo adquirente a comprovação, no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º do Código do IRC, da reconciliação entre o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel, para efeitos de controlo futuro, por via do n.º 5 do então artigo 58.º-A do Código do IRC (atual artigo 64.º);

            - É neste contexto que, no entendimento da Requerente, deve ser interpretado o n.º 5 do artigo 64.º do Código do IRC, não cabendo à AT produzir lei, nem distinguir, onde o legislador não distinguiu, em linha com o velho brocado latino ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus;

            - Em face do exposto, considera a Requerente que o racional que serviu de base para o preenchimento do campo 772 da declaração de rendimentos Modelo 22, em consonância com o entendimento que lhe tinha sido, de certa forma, imposto pela AT, não se mostra correto e conforme com a lei aplicável, nomeadamente em face do disposto no artigo 9.º do Código Civil. E não se mostra, nessa medida, correto pelas seguintes razões:

            - Recorrendo ao elemento literal, as regras que determinam o modo como deve ser efetuado o ajustamento previsto no campo 772 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 encontram-se previstas na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, que deve ser aplicada em conjugação com o n.º 2 do mesmo artigo, atenta a remissão expressa no n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC – “Para aplicação do disposto no número anterior

            - O n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC estabelece que, sempre que, nas transmissões onerosas de imóveis, “o valor constante do contrato seja inferior ao VPT definitivo do imóvel”, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável em sede de IRC;

            - O n.º 3 do artigo 64.º (em particular a alínea b), por sua vez, determina que, “para aplicação do disposto” no referido n.º 2 do artigo 64.º Código do IRC, “o sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel”;

            - De acordo com as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, previstas no referido artigo 9.º do Código Civil, o elemento literal constitui o ponto de partida e suporte da interpretação, cabendo-lhe, ainda, a função de a delimitar negativamente;

            - De facto, a letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de seleção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem – cfr. Acórdão do STA de 29 de novembro de 2011 e Acórdão do TCA Norte de 20 de março de 2015;

            - Através da conjugação do teor literal das duas normas em apreço (i.e. n.º 2 da alínea b) e n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC), a Requerente conclui que os sujeitos passivos de IRC adquirentes de imóveis devem efetuar uma correção no campo 772 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão/venda do imóvel, correspondente à diferença positiva, quando esta exista, entre (i) o VPT definitivo à data de aquisição e (ii) o “valor constante do contrato”;

            - Assim, atendendo desde logo ao teor literal dos n.os 2 e 3 do artigo 64.º do Código do IRC, em particular à referência expressa e inequívoca ao “valor constante do contrato” (para efeitos de comparação com o VPT definitivo à data de aquisição e de venda), a Requerente entende que a interpretação veiculada pela AT não se afigura admissível, uma vez que não tem um mínimo de aderência ao teor literal das referidas normas, consubstanciando uma incorreta interpretação da norma tributária;

            - Recorrendo ao elemento sistemático, cumpre notar que o n.º 5 do artigo 64.º do Código do IRC, utilizado pela AT para fundamentar a aplicação do custo de aquisição do imóvel, tal como resulta da NCRF 18, como referência para o ajustamento previsto no campo 772 da Declaração de Rendimentos Modelo 22, consubstancia uma regra acessória que define o modo como o ajustamento em questão deve ser documentado pelos sujeitos passivos de IRC, nomeadamente nos respetivos processos de documentação fiscal;

            - Com efeito, a norma em apreço não define a “mecânica” do próprio ajustamento, (i.e., o modo como o mesmo deve ser apurado), a qual resulta dos n.os 2 e 3 do artigo 64.º do Código do IRC, conforme acima explicitado;

            - Em face do exposto, não parece à Requerente razoável o entendimento da AT de extrapolar a referência a “custo de aquisição”, feita no n.º 5 do artigo 64.º do Código do IRC, para efeitos do ajustamento previsto nos n.os  2 e 3 da mesma norma, sobrepondo essa referência às efetuadas relativamente ao “valor constante do contrato”;

            Por fim, e recorrendo ao elemento teleológico, existe ainda um elemento interpretativo de caráter teleológico que parece relevante à Requerente, que se relaciona com o facto do legislador ter instituído esta norma com o objetivo claro de combater a subdeclaração dos valores das transações que envolvem direitos reais sobre bens imóveis, não só numa perspetiva de tributação do rendimento, como também em matéria de tributação do património;

            - É nesta linha de orientação e pensamento que se tem guiado a jurisprudência, ao entender que o artigo 64.º do Código do IRC deve ser interpretado, em grande medida, em conjugação com as regras do Código do IMT, nomeadamente as regras de determinação do valor tributável previstas no artigo 12.º do referido Código, as quais estabelecem como regra geral que o IMT incide “sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior”;

            - Entende a Requerente que a sua interpretação é a que se afigura correta e em linha com o pretendido pelo legislador ao admitir a dedução fiscal do VPT e dos custos acessórios efetivamente incorridos com a aquisição;

            - Para o efeito, cita jurisprudência do STA e do CAAD;

            - Como nota final, refere ainda que, a admitir-se a interpretação da AT, seria forçoso concluir que as despesas com IMT, Imposto do Selo e outras (suscetíveis de capitalização) fossem também acrescidas ao VPT definitivo dos imóveis à data de aquisição. Caso contrário o ajustamento seria efetuado através da comparação de duas realidades não comparáveis;

            - Assim e em face de todo o exposto, entende a Requerente que não pode aceitar, porque ferido de ilegalidade, o entendimento propugnado pela AT, e que esteve na base dos ajustamentos “forçados” a que acima aludiu, pelo que requer que seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação de IRC em causa, com a consequente anulação;

A Requerente juntou 24 documentos, procuração forense e arrolou 2 testemunhas.

 

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS

 

      A mais da defesa por exceção, já afastada, a Requerida veio defender-se por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte:

 

- A liquidação adicional contestada em que o prejuízo fiscal passou de [€7.540.395,30 (declarado) para €350.528,37] estribou-se em procedimento de inspeção interno levado a efeito pela DF de Lisboa, em que no âmbito da ação “Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis - 2017”, constatou-se que o sujeito passivo, no período de 2017, procedeu à transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, cujos valores dos contratos são inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos dos imóveis;

- No entanto, pese embora o disposto no artigo 64.º n.º 3 alínea a) do CIRC, e ainda que o valor patrimonial tributário (VPT) definitivo dos imóveis se encontrasse determinado à data da entrega da declaração periódica de rendimentos (mod. 22), o sujeito passivo não efetuou o preenchimento do campo 745 do quadro 07 [diferença positiva entre o VPT definitivo do imóvel e o valor constante do contrato - artigo 64.º n.º 3 alínea a) do CIRC], ou seja, não acresceu qualquer desse valor ao resultado líquido;

- Efetuou o preenchimento do campo 772 do quadro 07, com o valor de € 8.902,175,98 [correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão - artigo 64.º n.º 3 alínea b) do CIRC], ou seja, deduziu esse valor ao resultado líquido;

- Preencheu o campo 416 do quadro 11, com o valor de € 6.496.359,79 (referente à diferença positiva entre o valor considerado para efeitos de liquidação do IMT e o valor constante do contrato, nos casos em que houve recurso ao procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC);

- Após solicitação, o sujeito passivo remeteu o extrato de conta respeitante à aquisição/contabilização dos imóveis alienados e o mapa de apuramento do valor declarado no campo 772 do quadro 07 [correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão – artigo 64.º n.º 3 alínea b) do CIRC], referente ao período de 2017;

- Da análise aos referidos documentos, bem como da consulta à lista dos imóveis enviada pelo sujeito passivo (para os quais foi efetuado pedido de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, nos termos do artigo 139.º do CIRC) – Anexo II do relatório de inspeção, e dos elementos existentes na base de dados do sistema informático da AT, a inspeção tributária verificou as seguintes situações:

- O sujeito passivo apresentou em 30/01/2018, pedido de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, previsto no artigo 139.º do CIRC;

- Do cruzamento efetuado entre o referido pedido de prova do preço efetivo e os elementos existentes no sistema informático da AT (IMT), verificou-se também que:

- No ano objeto de análise, para além dos imóveis constantes do Anexo II, o sujeito passivo procedeu ainda à alienação de 2 imóveis cujos VPT definitivos são superiores aos valores dos contratos de compra e venda;

- Não efetuou o preenchimento do campo 745 do quadro 07, para efeitos de apuramento do lucro tributável, conforme determinado no artigo 64.º do CIRC;

- O valor de € 8.902,175,98, declarado no campo 772 do quadro 07 (correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão) corresponde à diferença positiva entre o VPT definitivo dos imóveis e o valor constante dos contratos (Anexo IV do relatório de inspeção); 

- Do cruzamento efetuado entre o documento de suporte ao preenchimento do campo 772 do quadro 07, enviado pelo contabilista certificado do sujeito passivo e dos elementos existentes na base de dados do sistema informático da AT, verificou-se que, para efeitos de apuramento do valor a deduzir no campo 772, o sujeito passivo (Anexo V do relatório de inspeção):

- Por um lado, adota VPT superiores aos VPT definitivos que serviram de base à liquidação do IMT;

            - Por outro lado, utiliza a diferença entre o valor do contrato e o VPT de imóveis adquiridos no âmbito de processos judiciais (nestes casos, não tem aplicação o disposto no artigo 64.º n.º 1 do CIRC, atendendo à regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT);

- Por último, considera o VPT total do imóvel e não o VPT correspondente à quota-parte alienada;

 

- Paralelamente, de análise aos elementos remetidos pelo sujeito passivo, a inspeção tributária constatou que:

            - Os imóveis encontravam-se contabilizados, na conta 32 – Mercadorias (Anexo VI do relatório de inspeção), entre outros, pelo custo de aquisição (valor da escritura + custos de aquisição => custo lançado à data da venda na conta 61 – Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas) de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 26.º do CIRC e da NCRF 18 § 9 a 11;

- O sujeito passivo declarou na IES do período de 2017, o valor de €58.300.232 respeitante a custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (Anexo VII do relatório de inspeção);          

- A Requerente efetuou o preenchimento do campo 772 do quadro 07 com o valor correspondente à diferença positiva entre o VPT definitivo dos imóveis e o valor constante dos contratos e não com a diferença correspondente à diferença entre o VPT definitivo dos imóveis e o custo de aquisição contabilizado, contrariamente ao disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC, conjugado com o n.º 5 do referido Código;

            - Pelo exposto, a inspeção tributária considerou que o sujeito passivo não procedeu à determinação do lucro tributável do período de 2017, nos termos previstos no artigo 17.º do CIRC, atendendo a que:

- À data da alienação, existia uma diferença positiva entre o VPT definitivo dos imóveis e o valor constante dos contratos, sem que esta tenha sido acrescida no campo 745 do quadro 07 da declaração mod.22;

- O sujeito passivo declarou no campo 772 do quadro 07 da declaração mod. 22 de IRC do período de 2017, o valor de €8.902,175,98 quando deveria ter declarado o valor de €7.647.977,14 (correspondente à diferença positiva entre o custo de aquisição contabilizado e o VPT definitivo dos imóveis);

- Assim, a inspeção tributária considerou que o sujeito passivo não acresceu (campo 745 do quadro 07 da declaração mod. 22) ao resultado líquido do exercício o valor de €32.635,32[1] - valor não contestado pelo sujeito passivo - e deduziu no campo 772 do quadro 07 [valor superior ao devido no montante de €1.254.198,84, resultando a correção total no valor de €1.286,834,16, para determinação do lucro tributável nos termos do artigo 17.º do CIRC e n.º 2 e n.º 3, alíneas a) e b) do artigo 64.º do CIRC];

- Donde, no seguimento das correções, foi emitida a liquidação ora impugnada;

 

Relativamente às questões de Direito, considera a AT o seguinte:

- Na transmissão de um direito real sobre um bem imóvel é obrigação das partes contratantes adotar o “valor normal de mercado” para efeitos da determinação do lucro tributável em sede de IRC (artigo 64.º n.º 1 do CIRC);

- Quanto à apreciação do preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 139.º, n.º 1 do Código do IRC, em relação à prova do preço efetivo de venda (inferior ao VPT), para afastamento da presunção ínsita no artigo 64.º, n.º 2 do mesmo Código, constatou-se que:

 

- Não tendo sido possível chegar a acordo no procedimento previsto nos artigos 91º e 92º da LGT, cada um dos peritos lavrou o seu laudo;

- Nos termos do nº 6 do art.º 92º da LGT, na falta de acordo, o órgão competente para a fixação da matéria tributável resolverá, de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições dos peritos;

Assim, analisados os pedidos de prova dos preços efectivos na transmissão do imóvel, apresentado pela Requerente e considerando as posições tomadas pelos peritos nos seus  laudos, o órgão competente determinou que:

 

E continua,

 

 

- o artigo 64.º do CIRC estabelece que:

1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos de determinação do lucro tributável (…), valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) (…).

2- Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável (…).;

- Não obstante o estabelecido neste normativo, o legislador não restringe, de todo, a possibilidade do alienante, caso pretenda, fazer prova de que os preços efectivamente praticados nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foram inferiores aos valores patrimoniais tributários que serviram de base às liquidações de IMT, tal como determina o vertido no nº 1 do artigo 139º do mesmo diploma;

- Tais provas, devem, no entanto, ser efectuadas em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao Director de Finanças competente e rege-se pelo disposto nos artigos 91º e 92º da LGT (n.ºs 3 e 5 do artigo 139º do CIRC);

- A remissão efectuada no nº 5 do artigo 139º do CIRC para o meio procedimental dos artigos 91º e 92º da L.G.T., abrange a necessidade de promoção de uma reunião de peritos, com o propósito de obter um acordo sobre os preços efectivamente pagos pelo adquirente dos bens imóveis, baseado, no entender da AT, não só nos elementos resultantes do acesso ao segredo bancário, mas também do exame das condições especiais ou normais de mercado que circundaram a transmissão;

- O ónus da prova, de que os preços efectivamente praticados nas transmissões dos imóveis foram inferiores aos VPT’S, cabe, pois, ao sujeito passivo, aqui Requerente.

- Sendo que, sempre no entender da AT, a prova de que os preços efectivos correspondem aos valores constantes dos contratos depende, pois, da justificação das condições anormais de mercado em que se realizaram as transmissões, de que resultaram as fixações de preços inferiores aos VPT’S definitivos dos bens imóveis;

- Tendo em consideração todos os argumentos apresentados e os documentos exibidos, verifica-se, no entender da AT, que não foi demonstrado pelo sujeito passivo, nem pelo seu perito, que os preços efectivamente praticados nas transmissões onerosas em causa, foram inferiores aos VPT’S fixados, tal como determina o disposto no nº 1 do artigo 139º do CIRC;

- Determina ainda o nº 11 do Ofício-Circulado Nº 20136 de 11.03.2009 da Direção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, que a promoção de reunião de peritos, com o propósito de obter um acordo sobre os preços efectivamente pagos pelo adquirente dos bens, não se deve basear só nos elementos de acesso ao segredo bancário, mas também do exame das condições especiais ou normais de mercado que circundaram a transmissão;

- Efetivamente, no entender da AT, o “valor normal de mercado” tem que ser igual ou superior ao valor patrimonial tributário (VPT) definitivo que serviu de base à liquidação do IMT ou que serviria no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto: dos dois valores prevalecerá o mais elevado (artigo 64.º n.º 2 do CIRC);

            - No artigo 64.º n.º 2 do CIRC, o VPT surge como o referencial mínimo do “valor de mercado”;

            - A ratio legis do artigo 64.º do CIRC, enquanto norma anti-abuso, é a de corrigir o rendimento declarado pelo sujeito passivo, quando ocorra um eventual afastamento de um padrão de normalidade - o designado "valor normal de mercado" - mediante o recurso ao VPT com referência ao imóvel em causa;

- Porém, o n.º 2 do artigo 64.º do CIRC pode não ser aplicado desde que o sujeito passivo faça prova de que o preço efetivamente praticado foi inferior ao VPT que serviu de base à liquidação do IMT (o referencial mínimo do “valor de mercado”), impedindo assim uma correção (artigo 139.º do CIRC);

- O ónus da prova, de que o preço efetivamente praticado na transmissão do imóvel foi inferior ao VPT (o referencial mínimo do “valor de mercado”), nos termos do artigo 64.º n.º 2 do CIRC) cabe ao sujeito passivo;

- No entender da AT, a prova irrefutável das condições anormais de mercado é a condição maior para provar a fixação de um preço efetivo inferior ao VPT, nos termos do artigo 64.º n.º 2 do CIRC;

- No caso em apreço, segundo a AT, não foram de forma inequívoca justificadas as condições anormais de mercado em que foram realizadas as transmissões dos imóveis, das quais resultou a fixação de um preço inferior ao VPT, pelo que não se encontra reunida uma das condições necessárias e exigidas;

- O alienante (a Requerente) não fez prova de que o preço efetivamente praticado foi inferior ao VPT nem da inevitabilidade da decisão de vender abaixo daquele valor, de modo a impedir uma correção pela AT;

- Não foram, assim, cabalmente dissipadas as dúvidas sobre a existência de condições anormais de mercado que determinassem a fixação de um preço inferior ao do VPT, em ordem à efetiva tributação do rendimento real das empresas;

- As instruções administrativas veiculadas no Ofício-Circulado n.º 20136, de 11 de março de 2009 somente explicitam as normas legais (designadamente, as dos artigos 64.º e 139.º do CIRC), e em nada contrariam o sentido destas;

- O referido Ofício-Circulado apenas explicita que o acordo de peritos (acobertado na norma do artigo 139.º n.º 5 do CIRC), sobre o preço efetivamente pago pelo adquirente dos bens imóveis, deve basear-se não somente nos elementos resultantes da informação bancária mas também do “exame” das condições “especiais ou anormais” de mercado que “rodearam” a transmissão em causa, acrescentando que a prova de que o preço efetivo corresponde ao valor constante do contrato dependerá, portanto, da justificação das condições “anormais” de mercado em que se realizou a transmissão, de que resultou a fixação de um preço inferior ao VPT definitivo do bem imóvel transmitido;

- Relativamente à liberdade de decisão económica invocada pela Requerente, a exigência da demonstração dos valores normais de mercado no contexto da determinação da matéria tributável não representa uma intromissão ilegítima na gestão, mas o cumprimento de um requisito legal com suporte no artigo 64.º, n.º 1 do Código do IRC;

- Para sustentar a sua posição, cita e transcreve jurisprudência arbitral;

 

 - Especificamente quanto à liquidação relativa à correção efetuada nos termos dos artigos 64.º e 139.º do CIRC – no valor de €5.903.032,77 – diz a AT o seguinte:

 

- O sujeito passivo (ora Requerente e alienante) declarou nos contratos de compra e venda um preço inferior ao VPT dos respetivos imóveis, o que originou uma correção pela AT no valor de €5.903.032,07 (campo 745 do quadro 07 da declaração mod. 22, como acréscimo ao resultado líquido do período);

- Na transmissão de um direito real sobre um bem imóvel é obrigação das partes contratantes adotar o “valor normal de mercado”, para efeitos da determinação do lucro tributável em sede de IRC (artigo 64.º n.º 1 do CIRC);

- O “valor normal de mercado” tem que ser igual ou superior ao valor patrimonial tributário (VPT) definitivo que serviu de base à liquidação do IMT ou que serviria no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto: dos dois valores prevalecerá o mais elevado (artigo 64.º n.º 2 do CIRC);

- A prova irrefutável das condições anormais de mercado é o requisito maior para provar a fixação de um preço efetivo inferior ao VPT - referencial mínimo do “valor de mercado” -, nos termos do artigo 64.º n.º 2 do CIRC;

- Em caso de apresentação do pedido de prova do preço efectivo, a norma do artigo 139.º n.º 6 do CIRC apenas faculta que a AT aceda à informação bancária do sujeito passivo e dos respetivos administradores para saber se tiveram lugar movimentações patológicas no período de tributação em que ocorreu a transmissão e no período de tributação anterior, caso aquela o entenda necessário, não obrigando a que tal acesso tenha sempre lugar;

- É inequívoco que a Requerente não fez prova de que o preço efetivamente praticado foi inferior ao VPT nem da inevitabilidade da decisão de vender abaixo daquele valor;

 - A Requerente vem juntar prova documental e requerer produção de prova testemunhal em ordem à demonstração de que os preços de venda foram em todas as situações ajustados ao respetivo valor de mercado, o que atesta um deficit probatório quanto à correspondente matéria;

 

- Não tendo a Requerente afastado a presunção do artigo 64.º n.º 2 do CIRC, ónus que sobre si recaía, uma decisão necessariamente desfavorável não significa o desrespeito do princípio constitucional de tributação pelo rendimento real, uma vez que a lei consagra a possibilidade de elisão da presunção, garantindo o direito do contribuinte à demonstração do preço efetivo do bem alienado, quando inferior ao VPT, pelo que este regime assegura a correta determinação da matéria coletável, que está em linha com o imperativo da tributação do rendimento real;

- A exigência de demonstração da prática do “valor normal de mercado” não representa uma intromissão na liberdade de gestão dos agentes económicos, antes configurando um requisito expresso pelo artigo 64.º n.º 1 do CIRC, sendo a atuação da AT modelada pelo princípio da legalidade na proteção do interesse público ou bem comum e pelo exercício de poderes vinculados;

 

- Especificamente quanto à liquidação relativa à correção efetuada nos termos do artigo 64.º n.º 5 CIRC – no valor de €1.254.198,84 – diz a AT o seguinte:

 

- Nesta correção da liquidação efetuada nos termos do artigo 64.º n.º 5 do CIRC (no valor de €1.254.198,84 – campo 772 do quadro 07 da declaração mod. 22, em que se opera uma dedução ao resultado líquido do período), o conteúdo da petição inicial da Requerente afigura-se ininteligível, pois começa por referir que “no entender da AT, a requerente deveria ter declarado o valor de €8.902.175,88 em vez do montante de €7.647.977,14” e também que em opinião da Requerente deveria constar o valor de €7.647.977,14 no campo 772 do quadro 07 da declaração mod. 22;

- Ora, o valor encontrado pela inspeção tributária foi, precisamente, o de €7.647.977,14, sendo a correção de €1.254,198,84 a diferença entre a dedução declarada pelo sujeito passivo e a dedução determinada pelos serviços da AT;

- Sobre a correção no valor de €1.254.198,84 e da diferença positiva entre o custo de aquisição contabilizado e o VPT definitivo dos imóveis resulta do cruzamento efetuado entre o documento de suporte ao preenchimento do campo 772 (correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão) do quadro 07 da declaração mod. 22, e dos elementos existentes na base de dados do sistema informático da AT (Sistema do Património e Selo), através dos quais se verificou que o valor declarado pelo sujeito passivo de €8.902.175.98, corresponde:

 - À diferença positiva entre o VPT definitivo dos imóveis e o valor constante dos contratos de compra e venda ao invés do custo de aquisição [contabilizado de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 26.º do CIRC, conjugado com a NCRF 18 & 9 a 11];

 - À adoção de VPT superiores aos VPT definitivos que serviram de base à liquidação do IMT,

 - À diferença entre o valor constante do contrato e o VPT de imóveis adquiridos no âmbito de processos judiciais (não tendo aqui a aplicação do disposto no artigo 64.º do CIRC, atendendo à regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT que manda considerar o preço constante do acto ou do contrato;

 - À utilização do VPT definitivo total do imóvel e não do VPT correspondente à quota-parte adquirida;

- Se o valor constante do contrato for inferior ao VPT definitivo do imóvel, é este o valor a considerar para determinação do lucro tributável (artigo 64.º n.º 2 do CIRC), devendo o sujeito passivo adquirente adoptar o VPT definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel [n.º 3 alínea b)];

- Para os estritos efeitos do disposto no artigo 64.º n.º 3 alínea b) do CIRC, no caso de existir uma diferença positiva entre o VPT definitivo e o custo de aquisição ou de construção, o sujeito passivo adquirente deve comprovar no processo de documentação fiscal (artigo 130.º) o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel (n.º 5);

- O ajustamento a efectuar no campo 772 do quadro 07 da declaração mod. 22 [Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão] resulta do disposto no artigo 64.º n.º 5 do CIRC, ex vi do disposto no n.º 3 do mesmo artigo;

- Tendo em conta o disposto no artigo 64.º n.º 5 do CIRC, um imóvel deve ser contabilizado pelo custo de aquisição e não pelo VPT;

- Para efeitos fiscais, o VPT é tomado em consideração na determinação de qualquer resultado tributável em IRC que venha a ser apurado relativamente ao imóvel (artigo 64.º n.º 2);

- Consequentemente, quando o sujeito passivo transmitir o imóvel, o resultado fiscal é apurado considerando como valor de aquisição o VPT e não o custo de aquisição que reconheceu no seu ativo, quando aquele valor for superior ao custo de aquisição;

- No campo 772 do quadro 07 da declaração mod. 22 deve ser inscrito o montante da diferença entre o VPT e o custo de aquisição (e não o valor constante no contrato de compra e venda), nos termos do artigo 64.º n.º 5 do CIRC;

- Em face de todo o atrás exposto, soçobra a pretensão da Requerente, porquanto a liquidação ora impugnada e as correções que lhe estão na génese, assentam claramente no correto enquadramento legal;

 

A Requerida juntou o Processo Administrativo.

 

      E. QUESTÕES A DECIDIR 

     Face às posições assumidas pelas Partes, conforme os argumentos apresentados, são as seguintes as questões que cabe apreciar e decidir:

  1. Saber se estão reunidos os pressupostos previstos no art. 139º, nº 1 do CIRC relativos à prova do preço efetivo de venda, abaixo do VPT, para afastamento da presunção estabelecida no art. 64º, nº 2 do CIRC.             
  2. Saber se um imóvel pode ser contabilizado pelo custo de aquisição e não pelo VPT – Art. 64º, nº 5 do CIRC.

Tudo visto, cumpre proferir

 

 II. DECISÃO

II. A. MATÉRIA DE FACTO

 

II. A.1. Factos dados como provados

       Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

1 - A Requerente é uma sociedade que se dedica à compra de imóveis para revenda e gestão de imóveis próprios.

2 - Durante o ano de 2017, a Requerente alienou diversos imóveis de que era proprietária, declarando como preços recebidos valores inferiores aos respetivos Valores Patrimoniais Tributários (VPT).

            3 - A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da Ordem de Serviço nº OI2019..., plasmado no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que lhe foi notificado através do Ofício nº ..., de 05/01/2021.

4 - Daí resultando a liquidação adicional contestada, referente a 2017, em que o prejuízo fiscal passou de [€7.540.395,30 (declarado) para €350.528,37] no âmbito da ação “Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis - 2017”,

            5 – E resultando ainda a constatação de que o sujeito passivo não efetuou o preenchimento do campo 745 do quadro 07 [diferença positiva entre o VPT definitivo do imóvel e o valor constante do contrato - artigo 64.º n.º 3 alínea a) do CIRC], ou seja, não acresceu qualquer desse valor ao resultado líquido,

6 – que efetuou o preenchimento do campo 772 do quadro 07, com o valor de € 8.902,175,98, deduzindo esse valor ao resultado líquido,

7 – e que preencheu o campo 416 do quadro 11, com o valor de € 6.496.359,79, referente à diferença positiva entre o valor considerado para efeitos de liquidação do IMT e o valor constante do contrato,

8 – No decorrer dessa inspeção, após solicitação, o sujeito passivo remeteu o extrato de conta respeitante à aquisição/contabilização dos imóveis alienados e o mapa de apuramento do valor declarado no campo 772 do quadro 07.

9 - Para a realização da prova do preço efetivamente praticado nas vendas, que constava dos contratos e das escrituras de compra e venda, a Requerente apresentou, em 30/01/2018, um pedido de prova do preço efetivo, dirigido à Direção de Finanças de Lisboa.

10 - Este pedido foi instruído com a cópia das escrituras de compra e venda e com os documentos de autorização de acesso à informação bancária da Requerente e dos seus administradores, tendo a Requerente também indicado o perito que a representaria na reunião a realizar nos termos do disposto nos arts. 91º e 92º da LGT.

11 - No âmbito deste procedimento realizou-se, em 29/09/2021, esta reunião de peritos, na qual não houve acordo entre os peritos nomeados pela Requerente e pela AT, pelo que cada um deles lavrou o seu laudo;

12 – Na falta de acordo, o órgão competente para a fixação da matéria coletável indeferiu o pedido de prova do preço efetivo dos imóveis por considerar o seguinte:

- Não foi demonstrado de forma clara e inequívoca que os valores constantes nas escrituras públicas de compra e venda correspondem aos preços efetivamente praticados;

- Não foram de forma inequívoca justificadas as condições anormais de mercado em que foram realizadas as transmissões de que resultaram as fixações de preços inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos dos imóveis transmitido.

13 – Nesta decisão foi invocado o entendimento plasmado no Ofício-Circulado nº 20136, de 11/03/2009, no ponto 11, segundo o qual “a promoção da reunião de peritos, com o intuito de obter um acordo sobre os preços efetivamente pagos pelos adquirentes dos bens não se deve basear só nos elementos de acesso ao segredo bancário, mas também no exame das condições especiais ou normais de mercado que rodearam a transmissão”.

14 – E, o que consta do seu ponto 15, que estabelece os dois requisitos que, cumulativamente, terão de ser preenchidos para que o sujeito passivo possa proceder à “prova do preço efetivo correspondente ao valor do contrato” e que são os seguintes:

- Justificação das condições anormais de mercado em que foi realizada a transmissão, de que resultou a fixação de um valor inferior ao VPT definitivo do imóvel transmitido;

- Renúncia expressa do sujeito passivo e dos administradores ou gerentes à tutela conferida pelo segredo bancário.

15 – A AT prescindiu da análise das contas bancárias.

16 - Através do Ofício nº..., de 07/10/2021, a Requerente foi notificada pela Direção de Finanças de Lisboa da decisão de indeferimento do seu pedido, mantendo-se os VPTs, para efeitos de apuramento da matéria coletável de IRC da Requerente para o exercício de 2017.

17 - Do cruzamento efetuado entre o referido pedido de prova do preço efetivo e os elementos existentes no sistema informático da AT (IMT), esta verificou também que:

- No ano objeto de análise, para além dos imóveis constantes do Anexo II, o sujeito passivo procedeu ainda à alienação de 2 imóveis cujos VPT definitivos são superiores aos valores de preços declarados nos contratos de compra e venda.

            - Adota VPT superiores aos VPT definitivos que serviram de base à liquidação do IMT.

            - Utiliza a diferença entre o valor do contrato e o VPT de imóveis adquiridos no âmbito de processos judiciais.

            - Considera o VPT total do imóvel e não o VPT correspondente à quota-parte alienada.

            18 - Paralelamente, de análise aos elementos remetidos pelo sujeito passivo, a inspeção tributária constatou que:

            - Os imóveis encontravam-se contabilizados, na conta 32 – Mercadorias (Anexo VI do relatório de inspeção), entre outros, pelo custo de aquisição (valor da escritura + custos de aquisição => custo lançado à data da venda na conta 61 – Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas).

            - O sujeito passivo declarou na IES do período de 2017, o valor de €58.300.232 respeitante a custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (Anexo VII do relatório de inspeção).

            19 - No âmbito do RIT, a AT determinou a realização de correções aritméticas, em sede de IRC, no montante global de €7.189.866,93, nos seguintes termos:

- O valor de €5.903.032,07, respeitante à diferença positiva entre o VPT definitivo dos imóveis alienados e o valor constante do contrato, referente aos imóveis que estão identificados no anexo II ao Relatório.

- O valor de €32.635,32, respeitante à diferença positiva entre o VPT definitivo dos imóveis alienados e o valor constante do contrato (artigos R ...-B e ...).

- O valor de €1.254.198,84, correspondente à diferença positiva entre o custo de aquisição contabilizado e o VPT definitivo dos imóveis, de acordo com o previsto na alínea b), do nº 3 e do nº 5 do art. 64º do CIRC;

             20 - Em 11 de fevereiro de 2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral. 

 

II. A.2. Factos dados como não provados 

        Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados. 

 

II. A.3. Fundamentação da matéria de facto provada

           Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada e, ainda, na prova testemunhal produzida pela Requerente.

            As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento muito profundo dos factos.

           A testemunha B... participou ativamente no procedimento de prova do preço efetivo, designadamente como perita, dando conta de algumas especificidades na condução do processo em causa nos autos, em relação a outros processos que acompanhou.

            A testemunha C..., na qualidade de avaliador imobiliário e responsável da Requerente pelas avaliações, demonstrou conhecer os ativos em causa.

 

II. B. DO DIREITO

 

Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.

As orientações arrogadas pela Requerente e pela Requerida e a sua fundamentação estão expostas com detalhe, em síntese, ou com parcial transcrição, nos pontos C. E. e F. D. do Relatório desta Decisão, para os quais se remete.

 

Passemos então à apreciação das questões de mérito.

Conforme resulta dos autos, o objeto do presente PPA é o ato de liquidação adicional de IRC com o n.º 2021..., respetiva Demonstração de Acerto de Contas, do qual resultou o apuramento, com referência ao ano de 2017, de prejuízos fiscais no valor de €350.528,37, sendo pedido pela Requerente a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial deste ato de liquidação.

Esta liquidação resultou do Relatório de Inspeção Tributária, a que a Requerente esteve sujeita, ao abrigo da Ordem de Serviço nº OI2019..., o qual lhe foi comunicado através do Ofício nº..., de 05/11/2021.

No âmbito desse Relatório, a AT propôs, em sede de IRC, a realização de correções aritméticas, no montante global de €7.189.866,93, por aplicação do art. 64º do CIRC, nos seguintes termos:

  1. O valor de €5.903.032,07, respeitante à diferença positiva entre o VPT definitivo dos imóveis alienados e o valor constante do contrato, relativamente aos imóveis, identificados no anexo II do Relatório.
  2. O valor de €32.635,32, respeitante à diferença positiva entre o VPT definitivo dos imóveis alienados e o valor constante do contrato (artigos R ...-B e ...).
  3. O valor de €1.254.198,84 correspondente à diferença positiva entre o custo de aquisição contabilizado e o VPT definitivo dos imóveis.

 

Como já se referiu, a correção indicada em b) não foi posta em causa pela Requerente – estando, pois, fora do âmbito dos presentes autos –, mas as outras duas tiveram uma diferente génese:

- a correção indicada em a) resultou do desfecho do procedimento intentado pela Requerente ao abrigo do disposto no artigo 139.º do CIRC; e

- a correção indicada em c) resultou da análise efetuada no âmbito da inspeção interna realizada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019... .

Vejamos então a primeira situação:

Estando em causa nos presentes autos a interpretação e aplicação de normas do art. 64º do Código do IRC, passa-se a reproduzi-lo:

                                                        Artigo 64º

             (Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre imóveis)

1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos de determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 - Sempre que nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

            3 - Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o valor do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.

4 -  Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do período de de tributação a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.

5 - No caso de existir uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, o sujeito passivo deve comprovar no processo de documentação fiscal previsto no art. 130º, para efeitos do disposto na alínea b) do nº 3, o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel.

6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade da Autoridade Tributária e Aduaneira proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.

Comecemos, então, por apreciar a enunciada questão de se saber se estão reunidos os pressupostos previstos no art. 139º, nº 1 do CIRC, relativos à prova do preço efetivo de venda abaixo do valor patrimonial tributário, para afastamento da presunção estabelecida no nº 2 do art. 64º do CIRC, seguindo de perto a decisão proferida no Processo 294/2021-T[5]:

Conforme tem vindo a ser reconhecido pela doutrina e jurisprudência, a regra estabelecida no art. 64º, nº 2 do CIRC, segundo a qual, sempre que, nas transmissões onerosas em causa, o valor do contrato for inferior ao valor patrimonial tributário definitivo, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável, tem ínsita a presunção de que existe uma simulação de preço.

No entanto, face ao princípio, estabelecido no art. 73º da LGT, de que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, o art. 139º, nº 1 do CIRC veio, expressamente, admitir a possibilidade do sujeito passivo afastar a aplicação da presunção fazendo “prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis”

Para este efeito, o nº 3 deste art. 139º do CIRC veio preceituar que essa prova deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente.

Este procedimento, que na epígrafe do artigo é designado por “Prova do preço efetivo na transmissão de imóveis”, é regido pelo disposto nos arts. 91º e 92º da LGT, com as necessárias adaptações, de acordo com o prescrito no seu nº 5.

Convém sublinhar que, neste procedimento tributário, não existe qualquer restrição aos meios de prova que o sujeito passivo pode utilizar, desde que admitidos em direito, face ao disposto no art. 72º da LGT, regra esta que também se aplica aos processos arbitrais tributários, como o presente, face ao disposto no art. 115º, nº 1 do CPPT, aplicável ex vi art. 29º, nº 1, alínea c) do RJAT.

Ora, na decisão do procedimento, foi invocado o Ofício-Circulado nº 20136, de 11/03/2009, que determinou o sentido da decisão, no qual são apontados como requisitos cumulativos para a prova do preço efetivo, os seguintes:

- Justificação das condições anormais de mercado em que foi realizada a transmissão, de que resultou a fixação de um preço inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel transmitido;

- Renúncia expressa do requerente e dos administradores ou gerentes à tutela conferida pelo segredo bancário.

Assim sendo, e, tendo em conta que houve renúncia expressa do sujeito passivo, dos seus administradores e gerentes, ao segredo bancário, terá sido o requisito de que não foram de forma inequívoca justificadas as condições anormais de mercado em que foram realizadas as transmissões dos imóveis, que foi determinante para a decisão de indeferimento.

Ora este entendimento não tem suporte legal, pois, como já se referiu, o sujeito passivo pode utilizar quaisquer meios de prova do preço efetivamente praticado, independentemente de existirem, ou não, condições anormais de mercado, razão pela qual a falta dessa demonstração de condições anormais de mercado não poderá constituir fundamento de indeferimento do procedimento.[6]

Acresce que, a desconsideração da relevância da documentação bancária, a que alude o nº 6 do art. 139º do CIRC, assumida pela AT, quando considera que, para a prova do preço efetivo não eram relevantes as informações bancárias, inquina a decisão, e, consequentemente, a liquidação em apreço, no que a esta matéria diz respeito.

Conforme é reconhecido, sendo o preço a contrapartida da venda, de que resultam fluxos financeiros entre, pelo menos, duas partes, o acesso aos dados bancários da alienante surge como elemento determinante no apuramento do preço praticado.

Daí o relevo probatório que lhe é conferido pelo nº 6 do art. 139º do CIRC quando considera imprescindíveis as autorizações para a AT lhe ter acesso e poder confirmar que não houve pagamento superior ao declarado nos contratos.

Este direito de acesso às informações, cuja relevância se sublinhou, é um poder-dever da Administração Tributária, uma vez que, permitido o seu acesso, esta fica vinculada a usar esse poder para a descoberta da verdade material, em concretização dos princípios do inquisitório e da imparcialidade.

Com efeito, o art. 58º da LGT estabelece que a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, das quais faz parte indiscutivelmente o acesso às informações bancárias e à consequente apreciação do seu valor probatório, atento o relevo que lhe é atribuído pelo nº 6 do art. 139º do CIRC.

Assim sendo, ao ignorar no procedimento da prova de preço efetivo na transmissão de imóveis, consignado no art. 139º do CIRC, as informações bancárias e a sua apreciação, a decisão de indeferimento está inquinada por vício de violação de lei, designadamente, erro de interpretação do art. 139º, nºs 2 e 6, do CIRC, art. 68-Aº, nº 2 da LGT e art. 104º, nº 2 da CRP, de que decorre a sua anulação de harmonia com o disposto no art. 163º, nº 1, do CPA, aplicável subsidiariamente nos termos do art. 2º, alínea c), da LGT e, consequente repercussões sobre a ilegalidade e anulação parcial deste segmento da liquidação impugnada, julgando, assim, o Tribunal Arbitral procedente o PPA, no que a esta matéria diz respeito[7].

Passemos agora à outra situação litigiosa – a resultante da inspeção interna às declarações da Requerente, e que teve expressão no Quadro II do Relatório da Ação Inspetiva que se reproduz abaixo:

 

 

 

 

 

Em primeiro lugar, a AT detetou situações em que a Requerente adoptou VPT superiores aos VPT definitivos que serviram de base à liquidação do IMT. Sobre tais lapsos, a Requerente não apresentou qualquer defesa.

Em segundo lugar, a AT identificou uma situação em que, embora as aquisições respeitassem apenas a uma quota-parte do imóvel, a Requerente utilizou para ela o VPT da totalidade do imóvel. Mais uma vez, a Requerente não pôs em causa este seu lapso.

Em terceiro lugar, a AT identificou duas situações em que foi registada a diferença entre o valor constante do contrato e o VPT de imóveis adquiridos no âmbito de processos judiciais, sendo que nestes casos não tem aplicação o disposto no artigo 64.º do CIRC, atendendo à regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT que manda considerar o preço constante do ato ou do contrato.

Quanto ao ajustamento no campo 772 relativo à dedução da diferença positiva entre VPT e valor de aquisição correspondente às demais situações identificadas no Quadro II do Relatório da Ação Inspetiva que acima se reproduziu, entende este Tribunal Arbitral que a posição da AT tende a ser a que melhor se coaduna com o regime ínsito no artigo 64.º do CIRC e com o modelo de dependência parcial da contabilidade, que está na base do IRC.

Na prática, o artigo 64.º é um regime anti-abusivo que visa prevenir a tributação de imóveis abaixo do valor patrimonial tributário (que, em teoria, deve ser o mais próximo do valor de mercado).

Neste sentido, o critério do artigo 64.º é o de atender ao VPT sempre que este é superior ao valor do ato ou contrato, seja na alienação, seja na aquisição.

Isto é, se se vende por valor abaixo do VPT, deve-se efetuar a correção e acrescentar ao resultado fiscal a diferença. Na mesma lógica, se se adquire por valor inferior ao VPT, também se deve deduzir a diferença positiva entre o VPT e o valor de aquisição, dando um tratamento simétrico, sendo que ambos os ajustamentos ocorrem no mesmo momento, aquando da venda, já que só neste momento há efetivamente um resultado tributável em IRC (princípio da realização).

Assim, se o sujeito passivo adquire por um valor abaixo do VPT, quando vender o imóvel terá de deduzir no campo 772 a diferença positiva entre o VPT definitivo à data de aquisição e o custo de aquisição.

A posição do sujeito passivo é que deve ser deduzida a diferença positiva entre o VPT e o valor do ato/contrato. Ou seja, enquanto a AT atende à fórmula [VPT - Custo de Aquisição], o sujeito passivo defende que a fórmula é [VPT - Valor do contrato].

Isto é relevante porque o custo de aquisição para efeitos contabilísticos, no caso em que está em causa uma empresa que vende imóveis, é mensurado de acordo com a Norma Contabilística de Relato Financeiro (NCRF) 18 - Inventários, que abaixo se transcreve na parte relevante: 

«Mensuração de inventários (§§ 9 a 33) 

9. Os inventários devem ser mensurados pelo custo ou valor realizável líquido, dos dois o mais baixo;

Custo dos inventários (§§ 10 a 22)

10. O custo dos inventários deve incluir todos os custos de compra, custos de conversão e outros custos incorridos para colocar os inventários no seu local e na sua condição atuais.  

Custos de compra (§ 11)

11. Os custos de compra de inventários incluem o preço de compra, direitos de importação e outros impostos (que não sejam os subsequentemente recuperáveis das entidades fiscais pela entidade) e custos de transporte, manuseamento e outros custos diretamente atribuíveis à aquisição de bens acabados, de materiais e de serviços. Descontos comerciais, abatimentos e outros itens semelhantes deduzem-se na determinação dos custos de compra.»

 

Assim sendo, o custo de aquisição para efeitos contabilísticos não é apenas o preço propriamente dito do imóvel, mas incorpora outras realidades, nomeadamente, impostos não recuperáveis ou emolumentos, que entram para o tal custo e que deve constar na contabilidade - quando se contabiliza um imóvel como inventário - que serve de base ao cálculo do IRC.

Ora, da leitura concertada do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), e n.º 5 (este inclusivamente refere expressamente “custo de aquisição”, dando sentido útil a esta interpretação), conjugado com o artigo 26.º, n.º 1, alínea a) todos do Código do IRC, com a Norma Contabilística de Relato Financeiro (NCRF) 18 - Inventários, e atenta a filosofia do IRC que assenta num modelo de dependência parcial da contabilidade, o Tribunal entende que a dedução deve reportar-se à diferença positiva entre o VPT e o custo de aquisição e não ao valor do ato ou contrato (que integra parcialmente o custo de aquisição).

Esse é também o entendimento do Parecer Técnico 18970 da Ordem dos Contabilistas Certificados (disponível em https://www.occ.pt/pt/noticias/irc-valor-patrimonial-tributario-2/ ), onde se escreveu, designadamente, o seguinte (destaque aditado):

“Como regra, se o custo de aquisição do imóvel, contabilizado nos termos da NCRF 18 - "Inventários", for inferior ao VPT definitivo determinado no momento da aquisição desse imóvel agora vendido, a entidade, enquanto adquirente, deve deduzir no campo 772 do Quadro 07 da Modelo 22, a diferença positiva entre esse VPT definitivo e o custo de aquisição do imóvel (isto para a aquisição de imóveis após 1 de janeiro de 2014).”

 

A Requerente objeta a este entendimento com um argumento literal, um argumento sistemático, um argumento teleológico e a invocação de uma decisão arbitral e outra do STA.

Quanto ao argumento “literal”, diz que “Através da conjugação do teor literal das duas normas em apreço (i.e. n.º 2 da alínea b) e n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC), parece-nos forçoso concluir que os sujeitos passivos de IRC adquirentes de imóveis devem efetuar uma correção no campo 772 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão/venda do imóvel, correspondente à diferença positiva, quando esta exista, entre (i) o VPT definitivo à data de aquisição e (ii) o “valor constante do contrato”.”, mas a referência a este valor só surge na alínea a) do n.º 2 desse artigo 64.º a propósito do “sujeito passivo alienante”. Não há, portanto, argumento “literal” a favor da sua pretensão enquanto adquirente.

Em contrapartida, quando se podia invocar o argumento literal da referência ao “custo de aquisição” no n.º 5 do artigo 64.º, invoca a Requerente um “argumento sistemático” para defender que “a norma em apreço não define a “mecânica” do próprio ajustamento, (i.e., o modo como o mesmo deve ser apurado), a qual resulta dos n.os 2 e 3 do artigo 64.º do Código do IRC”. Por essa ordem de ideias, o mesmo se podia dizer da invocada norma da alínea b) do n.º 2 do dito artigo, que não comporta “mecânica” alguma.

Quanto ao argumento “teleológico”, traduzido na aproximação às regras do Código do IMT, designadamente às do seu artigo 12.º, “as quais estabelecem como regra geral que o IMT incide “sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior”.”, devia ter-se em conta que a “mecânica” aí prevista – a determinação do maior valor – quase se podia dizer oposta à que está em causa na determinação de uma diferença entre o VPT e um outro

Também o invocado acórdão arbitral (n.º 180/2015-T) não constitui – como até resulta da passagem que a Requerente transcreve para o abonar – precedente para a sua posição, como não constitui precedente o invocado acórdão do STA de 26 de novembro de 2019, proferido no processo n.º 0816/08.0BECBR, que dizia respeito a um caso a que era aplicável uma das exceções à, anteriormente invocada, regra geral do artigo 12.º do Código do IMT – a 16.ª regra do seu n.º 4: “O valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como o dos adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do acto ou do contrato;” Tratava-se, portanto, de uma situação de exceção, não de uma aplicação de uma regra geral.

Improcede, assim o PPA no segmento que respeita à liquidação relativa à correção efetuada pela AT, nos termos do art. 64º, nº 5, do CIRC.

 

  1. DECISÓRIO

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedente a exceção de incompetência do tribunal arbitral deduzida pela Requerida.
  2. Julgar parcialmente procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, declarando parcialmente ilegal a liquidação adicional de IRC com o nº 2021..., correspondente ao ano de 2017 e, consequentemente, anular parcialmente esta, na parte que concerne às correções aritméticas respeitantes à diferença positiva entre os VPTs definitivos dos imóveis alienados pela Requerente, identificados nos autos, e os valores dos contratos, no valor total de €5.935.667,39.
  3. Julgar parcialmente improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, na parte que concerne à declaração de ilegalidade e anulação da parte da liquidação referente à correção decorrente da aplicação do art. 64º, nº 5 do CIRC, no valor de €1.254.198,84.
  4. Condenar a Requerente a pagar 17,40 % das custas do processo e a Requerida 82,60 %.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €1.617.720,06, nos termos do disposto nos artigos 305º, nº 2 do CPC e 97º-A, nº 1, alínea a) do CPPT e 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €21.420,00, nos termos do art. 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

  

Lisboa, 27 de fevereiro de 2023

 

Os Árbitros

 

(Victor Calvete - Presidente)

 

 

(José Nunes Barata - Relator)

 

 

 

(José Joaquim Sampaio e Nora),

vencido nos termos do voto de vencido que se anexa

 

 

VOTO DE VENCIDO

 

Votei vencido quanto à decisão contida na alínea c) da parte decisória do acórdão proferido pelas razões que sucintamente passo a expor.

Como a requerente só fórmula um pedido, que é o da anulação da liquidação impugnada, a decisão tem de ater-se ao pedido formulado e julgá-lo total ou parcialmente procedente ou improcedente totalmente, pois o tribunal arbitral está sujeito ao princípio processual do pedido.

Para o efeito, invocou a requerente vícios relativamente à fixação pela AT das duas parcelas que são necessárias para a determinação do rendimento colectável para efeitos de IRC de 2017 da requerente, o qual tem por base, no caso de alienação de imóveis, a existência de duas parcelas.

A primeira, o preço de alienação, a determinar no processo especial de verificação de preço efectivo, que não foi decidido legalmente, por preterição de formalidades legais, ou seja, não foram considerados os elementos probatórios previstos no artº. 139º do CIRC.

A segunda, o preço de aquisição, a determinar nos termos do artº. 64º., nºs. 2,3 e 5, com as eventuais correções entre o valor contratado e o VPT no momento da aquisição, conforme já foi decidido no acórdão do CAAD proferido no processo do CAAD n.º: 464/2021-T.

O art. 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), subsidiariamente aplicável à arbitragem tributária ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT, estabelece, relativamente à ordem do conhecimento dos vícios na sentença, que, “[n]a sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação” (n.º 1 do art. 124.º), sendo que, em cada um dos grupos, a apreciação é feita pela seguinte ordem: “no primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”; “no segundo grupo, a indicada pelo impugnante e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público. (cfr. als. a) e b) do n.º 2 do art. 124.º).

Porque a requerente começa por invocar a preterição de formalidades legais, ou seja, que não foram considerados os elementos probatórios previstos no artº. 139º do CIRC para a determinação do preço efectivo de alienação, é por esta questão que se deve começar a análise do presente pedido arbitral, como de facto aconteceu.

Mas, para mim, o problema é que, havendo um pedido único de anulação da liquidação, a partir do momento, em que consideramos inválida a determinação do preço de alienação, ponto que o acórdão julga procedente na decisão da alínea b) e no qual tem o meu acordo, não tem o acórdão obrigação de conhecer outros vícios mesmo relativos ao preço de aquisição, pois já está definitivamente resolvido o pedido formulado, ou seja, está proferida decisão de declaração de anulação da liquidação impugnada.

E o caso julgado que se forma sobre esta decisão engloba a decisão propriamente dita – a anulação da liquidação – e os fundamentos dessa anulação – a preterição das formalidades legais do processo da determinação do preço efectivo.

Por isso, nos termos processuais, o tribunal só tem o dever de conhecer as questões que lhe são colocadas, por meio de pedidos formulados ou excepções deduzidas, e não os diversos argumentos apresentados no sentido da procedência ou improcedência do pedido de anulação, cujo não conhecimento não determina qualquer nulidade da decisão, podendo até entender-se haver excesso de pronúncia se conhecer de outros argumentos, uma vez obtida a conclusão de que deve ser anulada a liquidação.

Na verdade, uma vez concluído que a liquidação é anulada com os fundamentos relativos à primeira parcela, conforme o exposto, não se deve entrar na análise das eventuais irregularidades relativas à segunda parcela, pois nada acrescentam ao já decidido. Ou seja, quer se julgue que a AT tem razão relativamente à questão do valor da aquisição, quer se julgue que não, a decisão será sempre a de anulação total da liquidação impugnada, com a consequência de se não formar caso julgado sobre a outra parte da decisão relativa ao valor de aquisição, por a pronúncia dela não ter sido pedida, nem vir a ser abrangida pelo caso julgado que essa decisão formar.

Por isso, entendo que a procedência dos vícios invocados em primeiro lugar pela requerente relativamente à determinação do preço de alienação prejudica o conhecimento dos restantes vícios mesmo quanto à determinação do preço de aquisição.

Face ao exposto, o pedido de pronúncia arbitral teria de ser considerado totalmente procedente, pois que a questão do valor de aquisição, depende da prova que se fizer em sede do processo de averiguação do preço efectivo, que motiva a anulação da liquidação, nos termos expostos, porque a liquidação final, com a consideração da diferença positiva, só pode ser tida em conta depois de decidido o processo de averiguação do preço efectivo, previsto no artº. 139º.

E sendo este o fundamento da anulação da liquidação impugnada prejudica toda a liquidação, mesmo quando à obrigatoriedade de dar cumprimento ao artigo 64.º, n.º 3, alínea b) e n.º 5 e ao preenchimento do campo 772.

Pelo exposto, daria dar integral provimento ao pedido de pronúncia arbitral, com o exclusivo fundamento de violação da lei de forma, por não ter sido dado cumprimento ao disposto no artº. 139º., conforme os decididos nas alíneas a) e b) da decisão proferida – aqui com procedência total -, o que não impede a AT de proferir novo acto de liquidação integral, depois de ter decidido esse processo com integral cumprimento da lei.

Por isso voto vencido quanto à decisão da al. c) da parte decisória do acórdão e em consequência julgaria totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com custas totais pela requerida.

 

O árbitro,

José Joaquim Sampaio e Nora

 



[1] Ou, como se referia na Conclusão do Relatório “correspondente á diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis e o valor constante dos contratos, apurado no âmbito do procedimento de revisão n.° 13/18”.

 

[2] Ou, como se referia na Conclusão do Relatório “apurado no ponto 2.1 do capítulo III do Projeto de Conclusões do Relatório de Inspeção”.

[3] Está aqui incluído o valor de €32.635,32, respeitante à diferença positiva entre o VPT definitivo dos imóveis alienados e o valor constante do contrato quanto aos imóveis com os artigos R ...-B e ..., que era omisso na declaração mod. 22 e não foi impugnado pela Requerente. Assim, no que segue, o valor resultante da correção resultante da inspeção interna será sempre líquido desse valor: €1.254.198,84.

[4] Por lapso, o PPA diz exactamente o oposto: ou seja, que “deveria ter declarado o valor de 8.902.175,98 € em vez do montante de 7.647.977,14 €” (artigo 35.º), quando o que o Relatório diz é que “foi relevado no campo 772 do quadro 7 valor superior ao devido” e que a Requerente “efetua o preenchimento do campo 772 do quadro 7, com o valor de €8.902.175,98”.

[5] No mesmo sentido, vejam-se também as decisões proferidas nos Processos ns. 598/2017-T e 160/2021-T.

[6] Nesse sentido, escreveu-se o seguinte na decisão do Processo n.º 598/2017-T:

 

a posição subscrita e acolhida em sede de decisão final do procedimento, enferma de um erro de princípio (…) que consiste em assumir que a norma do artigo 64.º do CIRC aplicável, e, consequentemente, o objectivo do procedimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, têm em vista o apuramento do preço justo de mercado, e não o preço efectivamente praticado, erro esse agravado pela interpretação e aplicação do Ofício circulado N.º 20136 de 11-03-2009 da Direcção de Serviços do imposto Sobre o Rendimento das pessoas Coletivas, no sentido de que apenas será possível a procedência do procedimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, no caso, para além do mais, de o contribuinte justificar, de forma inequívoca, a ocorrência de condições anormais de mercado em que foram realizadas as transmissões.

[7] No mesmo sentido, v. a decisão proferida no Processo n.º 187/2016-T:

 

tem de se concluir que que Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o dever de realizar todas as diligências necessárias para apurar a verdade material, em que as destinadas a assegurar o conhecimento da documentação bancária assume um papel relevante, à face da lei.

Por outro lado, a não realização dessas diligências afecta necessariamente o juízo que a Autoridade Tributária e Aduaneira fez sobre a prova apresentada pela Requerente, pois não confrontou os elementos apresentados com os dados bancários que a poderiam corroborar ou infirmar.”.