Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 427/2022-T
Data da decisão: 2023-02-09  IMT  
Valor do pedido: € 57.237,04
Tema: IMT - Isenção de IMT (artigo 8.º, n.º 1 do CIMT e artigo 270.º, n.º 2 do CIRE).
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SUMÁRIO:

 

  1. A isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, traduz-se num benefício fiscal automático, resultante direta e imediatamente da lei.
  2. A caducidade da isenção prevista no artigo 8.º do CIMT, não extingue ou preclude o direito ao benefício fiscal constante do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, cujos pressupostos se verificavam no momento da aquisição imobiliária.
  3. Não existe princípio que impeça a cumulação de benefícios fiscais distintos; o seu reconhecimento/atribuição em momentos sucessivos da vida de um imposto ou a “convolação” de isenções.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Árbitra Ana Rita do Livramento Chacim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 27 de setembro de 2022, decide no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. Identificação das Partes

Requerente: A..., S.A., com o número de identificação fiscal ..., com sede na ..., n.º..., ...‐..., Lisboa, doravante designado por “Requerente”.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de “Requerida” ou “AT”.

A Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 19.07.2022, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, tendo sido notificada nessa data a Autoridade Tributária (AT).

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico, designou a árbitra do Tribunal Singular, aqui signatária, que comunicou a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.

Em 07.09.2022, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 27.09.2022, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1 do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a AT, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Por despacho de 11.11.2022, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada, tendo as Partes sido notificadas para apresentar alegações escritas facultativas pelo prazo sucessivo de dez dias, apenas foram apresentadas alegações pela Requerida.

Tendo sido apresentado Requerimento pela AT no dia 29 de dezembro de 2022 para que fosse junto aos autos a decisão proferida pelo CAAD no processo n.º 271/2022 – T, por versar sobre matéria idêntica à discutida nos presentes autos, envolvendo a também aqui Requerente, pronunciou-se a Requerente, na sequência do despacho deste Tribunal de 10.01.2023.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º
112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Pedido

A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade em sede de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), peticionando a declaração de ilegalidade das decisões de indeferimento dos Pedidos de revisão oficiosa referentes ao processos n.º ...2022..., ...2022... e ...2022..., bem como a anulação dos atos tributários de liquidação de IMT que lhes estão subjacentes, identificados com os números..., ..., ..., ..., ... e..., emitidos pela AT, no montante global de € 57.237,04, condenando a AT a reembolsar o respetivo montante à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.

 

 

  1. Causa de Pedir

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de anulação dos referidos atos de liquidação, o seguinte:

A Requerente é uma instituição de crédito que, no exercício da sua atividade e no âmbito de processos de insolvência de clientes seus, adquiriu em 2014 e 2016 o direito de propriedade sobre (6) seis imóveis, identificados no quadro 1 abaixo.

Quadro 1 – bens adquiridos

Código da Freguesia

Artigo Matricial

...

U-...

...

U-...

...

U-...

...

U-...

...

U-...

...

U-...

(quadro resumo apresentado pelo Requerente, conforme artigo 39.º do PPA)

As referidas operações de aquisição beneficiaram da isenção provisória e condicionada de IMT prevista no artigo 8.º do Código do IMT (‘Isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito’), pelo prazo de 5 anos. No final do período, não se tendo verificado a alienação dos imóveis em apreço, a Requerente solicitou à AT o pagamento do IMT alegadamente devido, tendo, para o efeito, apresentado novas declarações Modelo 1 de IMT, que geraram as liquidações adicionais de IMT em causa nos presentes autos.

A Requerente efetuou o pagamento do IMT no valor global de € 57.237,04, tendo apresentado pedidos de revisão oficiosa com vista a obter a anulação das mencionadas liquidações de IMT.

Sobre os respetivos pedidos de revisão foi a Requerente notificada dos despachos de indeferimento, nos termos do quais a AT alega a sua intempestividade. Alega ainda que a AT se pronunciou sobre o mérito da causa.

Entende a Requerente que as operações de aquisição dos imóveis em análise deveriam ter beneficiado ab initio da isenção de IMT prevista no artigo 270.º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”), sendo esta uma isenção definitiva ao contrário do caráter temporal da isenção estabelecida no artigo 8.º do Código do IMT. Deste modo, as operações em referência nunca deveriam ter gerado qualquer liquidação de IMT e imposto a pagar na esfera do Requerente.

Recorda a este respeito que, à data da realização das operações em análise, defendia a AT (em sentido contrário à jurisprudência e à doutrina) que a isenção de IMT consagrada no CIRE tinha um âmbito de aplicação limitado, aplicando-se única e exclusivamente nas situações em que estivesse em causa a aquisição da “universalidade dos bens” no âmbito de processos de insolvência. Este entendimento da AT, estando hoje definitivamente revogado, gerou inúmeras correções ilegais na esfera dos sujeitos passivos, tendo influenciado o enquadramento conferido a inúmeras operações de aquisição de imóveis então realizadas, tal como as operações aqui controvertidas.

Expostos os aspetos entendidos como essenciais relativamente às duas isenções em questão, refere a Requerente, em síntese, que a isenção constante do artigo 270.º do CIRE é aplicável, por um lado, no âmbito de operações de aquisição integral ou parcial da empresa objeto do processo de insolvência e, por outro, face a meros atos de aquisição de bens imóveis isoladamente considerados realizados na fase de liquidação do ativo da mesma.

No sentido de sustentar o referido entendimento, a Requerente indica o teor de decisões proferidas pelo STA, destacando também decisões arbitrais, todas no mesmo e inequívoco sentido – a aplicação de isenção de IMT não apenas às aquisições de empresas ou estabelecimentos destas (enquanto universalidade de bens), mas também às operações de aquisição de elementos do seu ativo, ao abrigo do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.

Em suma, conclui que resulta claro que as operações de aquisição dos imóveis sub judice foram realizadas no âmbito dos processos de insolvência em referência e, consequentemente, as mesmas reuniam os pressupostos para se subsumirem ao âmbito de aplicação do benefício fiscal em IMT consagrado no artigo 270.º do CIRE.

Como resultado da controvérsia mantida com a AT, salienta a decisão de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa apresentados com base na sua intempestividade, por inexistência de “erro imputável aos serviços” nos termos do artigo 78.º da LGT. A este respeito, reconhece a Requerente que beneficiou da isenção consagrada no artigo 8.º do Código do IMT, não tendo requerido expressis verbis, a aplicação da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, tendo, à data, as liquidações de imposto sido emitidas a zeros.

Alega a Requerente que, tanto a isenção constante no artigo 8.º do Código do IMT como a isenção constante do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, são isenções de carácter automático, como resulta do artigo 10.º, n.º 8, alíneas a) e d), do Código do IMT. Acrescenta que, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), em ambos os casos estamos perante benefícios que resultam direta e imediatamente da lei, não pressupondo qualquer ato administrativo em matéria tributária de reconhecimento.

Deste modo, estando em causa um benefício que emerge automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, a AT não poderá deixar de apreciar a subsistência dessa isenção previamente à liquidação oficiosa que haja novamente de efetuar. A AT não poderia rejeitar a aplicação do regime de isenção previsto no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE com fundamento no facto de a Requerente não o ter requerido no momento de aquisição dos imóveis em apreço, mas apenas em momento subsequente aquando da apresentação dos pedidos de revisão indeferidos.

Da análise sistemática ao normativo em questão decorre que o momento em que se deve considerar constituído, e, como tal, juridicamente vigente um determinado benefício fiscal, em concreto o IMT, é na data da ocorrência do facto tributário – neste caso, no momento da aquisição do imóvel – ainda que a sua declaração venha a ocorrer em momento subsequente ao da caducidade de um outro benefício fiscal. Assim, conclui a Requerente que, no momento da aquisição já beneficiava do direito à isenção de IMT, de acordo com a correta interpretação do preceito legal.

Conclui que o erro que inquina as liquidações de ilegalidade é imputável à AT, porquanto praticou o ato de liquidação, sem ter tido em consideração que a Requerente estava em condições de beneficiar, como demonstrou em sede administrativa, de uma isenção impeditiva das liquidações de IMT objeto das decisões dos pedidos de revisão oficiosa em apreciação neste pedido.

Em suma, entende que deverão os atos de liquidação de IMT subjacentes aos pedidos de revisão oficiosa em crise ser considerados ilegais, devendo os mesmos ser anulados e o imposto pago pela Requerente ser‐lhe integralmente reembolsado, acrescido de juros indemnizatórios sobre o montante de imposto indevidamente pago.

Relativamente ao entendimento da AT de que a Requerente através da sua pretensão procura “cumular” isenções de forma sucessiva e que tal se afigura vedado aos contribuintes, expressa a Requerente a respetiva discordância, salientando que: não existe no ordenamento jurídico algum princípio que impeça a cumulação de benefícios fiscais distintos ou o seu reconhecimento/atribuição em momentos sucessivos; caso a intenção do legislador fosse a de limitar a cumulação de benefícios fiscais sempre o faria expressamente; e que, pelo facto de concorrerem dois benefícios fiscais relativamente à mesma situação de facto, a opção por uma das isenções não resulta numa renúncia ou preclusão do direito de beneficiar da outra.

  1. Da resposta da Requerida

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:

Começa por sintetizar os principais aspetos em que assenta o pedido do Requerente, defendendo-se quer por exceção, quer por impugnação.

Nos termos da Resposta apresentada, a Requerida defende, como questão prévia à impugnação dos factos alegados pela Requerente, que as liquidações de IMT em causa se encontram consolidadas na ordem jurídica e, como tal, estamos perante uma situação de caducidade do direito de ação.

A Requerida fundamenta o seu posicionamento alegando que, verificando-se que a decisão que recaiu sobre o(s) pedido (s) de revisão oficiosa apresentado (s) pelo Requerente foi de rejeição liminar, por intempestividade, ou seja, não tendo sido apreciada a legalidade do ato objeto do pedido, o meio (judicial) próprio de reação ao ato sub judititio (decisão expressa de arquivamento por indeferimento liminar do pedido de revisão oficiosa) sempre seria a Acção Administrativa Especial e não o presente meio arbitral. Assim, o meio processual impróprio constitui uma exceção dilatória, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos dos n.ºs 1 e 2 dos art.º s 576.º e 577.º do Código Processo Civil (CPC), que conduz à absolvição da instância nos termos do disposto no art.º 278.º do mesmo diploma legal.

Sobre a alegação de que a AT terá apreciado o mérito do pedido, refere que a apreciação efetuada apenas teve como objetivo averiguar se se encontravam verificados os pressupostos da revisão oficiosa nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art.º 78.º[1] da Lei Geral Tributária (LGT), tendo-se concluído, pela inexistência de erro imputável aos serviços. Condição que, aliada ao prazo de 4 anos, permitiria a apreciação do mérito do pedido e a eventual revogação dos atos.

O requerimento no qual se consubstanciou o pedido revisão oficiosa do ato tributário é intempestivo, uma vez que foi apresentado a 07.02.2022, em referência ao pedido de anulação de liquidação adicional de IMT ocorridas em 23 de fevereiro de 2018, em consonância com o estabelecido no mencionado art.º 78.º da LGT vigente à data.

Considerando que se verifica a intempestividade dos pedidos de revisão oficiosa em questão, entende que também operou a caducidade do direito de a Requerente sindicar a legalidade daqueles atos de liquidação. Entende pela não aplicação integral dos pressupostos e requisitos constantes do art.º 78.º da LGT.

Neste sentido, conclui que a verificação da exceção de caducidade do direito de impugnar as liquidações em causa, bem como a exceção da impropriedade do meio, as quais são impeditivas do conhecimento do mérito da causa, levam à absolvição da Fazenda Pública do pedido, nos termos do disposto no art.º 278.º do CPC.

Vem ainda a Requerida suscitar o erro na forma de processo por duas (2) ordens de razão: (1) quer por estarmos perante um ato de indeferimento liminar, (2) quer por estarmos perante a concessão e reconhecimento de benefícios fiscais.

Com efeito, entende que, à luz da pretensão do Requerente é a ação administrativa que configura o meio processual adequado para efetuar a apreciação da matéria (pois constitui o meio de reação destinado a apreciar atos em matéria tributária – n.º 2 do art.º 97.ºdo CPPT) e não o pedido de pronúncia arbitral (já que este enforma um dos meios de reação destinados a apreciar atos tributários – n.º 1 do art.º 2.º RJAT).

Significa isto, portanto, que o Requerente pretende enxertar uma ação Administrativa no presente pedido de pronúncia arbitral. Não sendo tal legalmente possível, este centro de arbitragem deve abster-se de conhecer do pedido, uma vez que o meio processual utilizado pela Requerente não comporta a apreciação daquele.

A impropriedade do meio processual consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos art.º 577.º e n.º 1 do art.º 278.º ambos do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

Alega ainda a incompetência em razão da matéria, conforme decorre do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, encontrando-se fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes ao reconhecimento de isenções fiscais, sob pena de violação da lei.

Consubstancia assim uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no n.º 1 e 2 do art.º 576.º e na alínea a) do art.º 577.º do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT. O reconhecimento de isenções fiscais é matéria reservada à jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais.

Mais ainda, importa igualmente suscitar a incompetência deste Centro de Arbitragem para a apreciação do reconhecimento de isenção fiscal relacionada com a transmissão de bens imóveis integrados em processo de insolvência. Apenas o juiz titular do processo de insolvência está em condições de proceder à verificação dos pressupostos legais exigidos no n.º 2 art.º 270.º do CIRE.

O mesmo relativamente à isenção prevista no n.º 1 do art.º 8.º do Código do IMT e, consequentemente, com a verificação dos pressupostos legais ínsitos naquela norma, a qual é exclusivamente feita pelo juiz titular do processo judicial. Só os autos de insolvência (que o magistrado judicial dirige e conhece) é que contêm os elementos necessários para aferir aquela verificação.

O reconhecimento das isenções do art.º 270.º, n.º 2 do CIRE e no art.º 8.º, n.º 1 do Código do IMT constitui uma questão sujeita à jurisdição judicial. 

Consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no n.º 1 e 2 do art.º 576.º e na alínea a) do art.º 577.º do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

Com respeito ao thema decidendum, salienta a natureza jurídica dos benefícios fiscais e respetivas limitações constitucionais, enquanto afastamento da «tributação-regra».

 

 

Sustenta ainda a Requerida sobre a alegada ilegalidade dos atos decisórios e tributários que, quer a isenção do IMT prevista no artigo 8.º do Código do IMT, quer a isenção do IMT estabelecida no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, constituem isenções às quais o legislador atribuiu finalidades distintas, circunstância que decorre, desde logo, da literalidade das normas que estatuem tais isenções. Sobre a pretensão da Requerente no que respeita à aplicação do benefício constante do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, defende a Requerida que a fruição de uma isenção no momento em que ocorre a obrigação tributária traduz-se na verificação de um facto impeditivo da tributação e invalida (por inutilidade) a aplicação de uma outra isenção. No caso concreto, verificando-se que a Requerente optou, no ato translativo do prédio, por invocar outra isenção de IMT para impedir a tributação, deve considerar-se que existiu uma renúncia à isenção ora requerida, ao abrigo do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, cuja aplicação ficou, subsequentemente, prejudicada. Afasta, assim, uma situação de sucessão ou acumulação das referidas isenções, pelo que tendo sido a isenção, prevista no art.º 8.º do Código do IMT, requerida e usufruída pelo contribuinte (entenda-se, a Requerente) no ato de aquisição/translativo, não existe possibilidade de atribuição posterior de outra isenção.

Não tendo a Requerente optado por exercer o direito subjetivo à isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE à data do ato translativo do imóvel, o exercício deste direito ficou precludido e deixou de existir na esfera jurídica da empresa adquirente. Tanto mais que, a Requerente nem sequer o fez valer, em tempo oportuno, perante a entidade competente para o seu reconhecimento.

Afirma a Requerida que o que está em causa no caso sub judice se reconduz apenas à questão de o Requerente não ter cumprido a condição prevista no artigo 11.º, n.º 6 do Código do IMT, relativamente aos imóveis em causa, que beneficiaram da isenção prevista no artigo 8.º, não os tendo alienado no prazo previsto de 5 anos.

Acresce que, sem prejuízo do que alega, a discussão em apreço apenas se pode colocar relativamente às liquidações relacionadas com as aquisições de prédios a sociedades insolventes, pelo que, as normas legais em referência só se aplicam a bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não a bens imóveis de pessoas singulares.

 

Deste modo, pede que o valor da ação a ser considerado seja € 54.356.82, por exclusão das aquisições relativas aos prédios adquiridos a pessoas singulares insolventes e cujo valor ascende a € 2.880,22.

Entende ainda que não se verifica, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, pelo que não deve ser reconhecido ao Requerente qualquer indemnização, nos termos do disposto no art.º 43.º da LGT.

 

  1. Por despacho de 11.11.2022 proferido pela Árbitra aqui signatária, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 19.º e 29.º, n.º 2 do RJAT, determinou-se: A dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT; O prosseguimento do processo mediante a notificação das partes para apresentarem alegações escritas facultativas pelo prazo sucessivo de dez dias.

 

  1. Em resposta ao referido despacho de 11.11.2022 proferido pelo CAAD, a Requerida veio apresentar as suas alegações escritas no prazo concedido para o efeito, reiterando todo o teor da Resposta oportunamente apresentada, e como tal, entendendo dever ser julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral em questão.

 

  1. Igualmente em resposta ao referido despacho de 11.11.2022 proferido pelo CAAD, a Requerente veio informar que não pretende produzir alegações, orais ou escritas, no âmbito do processo em referência por se encontrar já exposta e definida a sua posição no respetivo articulado.

 

  1. Foi apresentado Requerimento pela AT no dia 29 de dezembro de 2022 para que fosse junto aos autos a decisão proferida pelo CAAD no processo n.º 271/2022 – T, por versar sobre matéria idêntica à discutida nos presentes autos, envolvendo a também aqui Requerente.

 

  1. Tendo sido emitido despacho deste Tribunal no dia 10.01.2023, a Requerente
    pronunciou-se no sentido de reiterar o seu entendimento quanto à matéria de facto e de direito apresentada.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 27.09.2022, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro).

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º
112-A/2011, de 22 de março).

A cumulação de pedidos efetuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em que estão em causa decisões de indeferimento de revisões oficiosas, baseadas em liquidações de um mesmo imposto - Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis - assentes em similar base factual e aplicando as mesmas regras de direito, objeto de subsequentes pedidos de Revisão Oficiosa indeferidos, encontra-se justificada com base no disposto no artigo 3.º do RJAT.

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

A matéria de exceção suscitada pela Requerida será previamente apreciada.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. Matéria de facto

  1. Factos provados

Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar os factos relevantes que se julgam provados nos documentos juntos ao presente processo.

  1. A Requerente é uma instituição financeira que exerce normal e habitualmente a atividade comercial prevista no artigo 4.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
  2. Nos anos de 2014 e 2016, a Requerente tornou-se proprietária dos prédios urbanos identificados infra, no âmbito de processos de insolvência de clientes seus, o que logrou demonstrar pelas respetivas notas de liquidação de IMT e título de transmissão de propriedade, constante dos documentos que integram o processo administrativo do presente processo.

Código da Freguesia

Artigo Matricial

Liquidação n.º

Montante

...

U-...

...

€ 12.961,65

...

U-...

...

€ 905,00

...

U-...

...

€ 39.195,00

...

U-...

...

€ 2.200,17

...

U-...

...

€ 111,38

...

U-...

...

€ 1.863,84

Total

€ 57.237,04

 

 

  1. As referidas operações de aquisição beneficiaram da isenção provisória e condicionada de IMT prevista no artigo 8.º do Código do IMT (‘Isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito’).

 

 

  1. A isenção em apreço estava condicionada à efetiva alienação dos imóveis no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 11.º, n.º 6 do CIMT (informação descritiva constante do respetivo ato de liquidação de IMT nos termos que se demonstra).

 

  1. Decorrido o período de 5 anos sem que se tenha realizado a alienação dos referidos imóveis, resulta do presente contraditório que a Requerente solicitou a respetiva liquidação de IMT, as quais foram pagas. 
  2. A Requerente requereu perante a Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) a revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação de IMT identificados com os números..., ..., ..., ..., ... e ..., no montante global de € 57.237,04 (informação constante do processo administrativo), tendo em vista a anulação dos mesmos.
  3. Os referidos pedidos de revisão oficiosa, identificados com os números de processo ...2022..., ...2022... e ...2022..., foram objeto de despacho de rejeição (cf. respetiva notificação de decisão final).

 

 

 

 

  1. Factos não provados

Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

 

III. Questões decidendas

Atenta as posições assumidas pelas Partes nos argumentos apresentados, constituem questões centrais a decidir:

  1. Se as liquidações de IMT em análise padecem do vício de violação de lei, dado que à data do facto tributário já se encontravam reunidos os pressupostos vertidos no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE;
  2. Se a Requerente tem direito ao reembolso do valor de IMT pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.

 

IV. 2. Matéria de Direito

  1. Questões prévias - Das Exceções invocadas pela Requerida:
  1. Da impropriedade do meio processual de defesa empregue pela Requerente (pontos IV.1 e IV.2 da Resposta)

Conforme referido, entende a Requerida que as liquidações de IMT em causa se encontram consolidadas na ordem jurídica e, como tal, estamos perante uma situação de caducidade do direito de ação.

Neste sentido, alega que, pelo artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, conjugado com os fundamentos da impugnação judicial, regulada nos artigos 99.º e seguintes do CPPT, o pedido de pronúncia arbitral constitui o meio de reação de que dispõe o contribuinte para atacar o ato tributário, tomado em sentido próprio, ou seja, como ato de liquidação do tributo.

Verificando-se que a decisão que recaiu sobre o(s) pedido (s) de revisão oficiosa apresentado (s) pelo Requerente foi de rejeição liminar, por intempestividade, ou seja, não tendo sido apreciada a legalidade do ato objeto do pedido, o meio (judicial) próprio de reação ao ato
sub judititio (decisão expressa de arquivamento por indeferimento liminar do pedido de revisão oficiosa) sempre seria a Acção Administrativa Especial e não o presente meio arbitral.

Assim, o meio processual impróprio constitui uma exceção dilatória, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos dos n.ºs 1 e 2 dos art.º s 576.º e 577.º do Código Processo Civil (CPC), que conduz à absolvição da instância nos termos do disposto no
art.º 278.º do mesmo diploma legal.

Para enquadramento normativo da análise à questão em apreço, recorda-se o disposto no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, segundo o qual “1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; c) (Revogada).”

A competência dos tribunais arbitrais é delimitada pela vinculação conferida pela AT, a qual veio a ser legislativamente estabelecida, considerando o disposto no artigo 4.º, n.º 1do RJAT, através da Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de março, que estabelece no respetivo artigo 2.º: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”

Com respeito à questão controvertida salienta-se o entendimento já proferido por este Tribunal no Processo n.º 181/2019-T, o qual subscreve o Tribunal Central Administrativo relativamente à pronúncia sobre a questão, no sentido da admissibilidade do recurso à arbitragem tributária quando se reaja a indeferimento de pedido de revisão oficiosa contra ato de liquidação – cf. acórdãos de 27 de abril de 2017, processo n.º 08599/15, e de 25 de junho de 2019, processo n.º 44/18.6BCLSB. Refere o Douto Tribunal que «(…) assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a soluça mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.”».

Sendo esta uma matéria igualmente apreciada em sede de Tribunal Arbitral, extrai-se da decisão prolatada no Processo n.º 181/2021-T na qual se cita o processo acometido ao CAAD sob o n.º 403/2019-T, o qual foi presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o seguinte:

“O acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação constitui um acto administrativo, à face da definição fornecida pelo art. 148.º do Código do Procedimento Administrativo [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no art. 2.º, alínea d), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que, no exercício de poderes públicos visou produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta. Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um acto em matéria tributária, pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário.

Assim, o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um «acto administrativo em matéria tributária».

Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (a que se reportam as referências recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação. ( )”

Nestes termos, importa aferir se igualmente no caso em apreço se está perante decisão que comportou ou não a apreciação da legalidade das liquidações de IMT. Ou seja, saber se o ato tributário de segundo grau – decisão de revisão oficiosa – versou ou não sobre a legalidade em concreto dos atos tributários de primeiro grau objeto de apreciação – as liquidações de IMT.

Ora, para este Tribunal Arbitral Singular, a resposta é afirmativa, sendo certo que as decisões no âmbito dos procedimentos administrativos referentes aos respetivos pedidos de revisão oficiosa comportaram a apreciação dessa mesma legalidade à luz do quadro legal invocado e cujo entendimento conduziria ao presente pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente.

Deste modo, não poderá, em consequência, merecer provimento a exceção de impropriedade do meio de defesa processual arguida pela Requerida, atenta a fundamentação invocada nos pontos em referência da respetiva Resposta.

 

  1. Da Incompetência em razão da matéria (pontos IV.3 e IV.4 da Resposta)

Por se entender que as questões do erro na forma de processo e da incompetência material têm parcialmente fundamentos comuns é aqui relevante a fundamentação já apresentada para efeitos de análise dos pontos invocados.

Entende este Tribunal que não decorre do teor do pedido de pronúncia arbitral deduzido, a formulação de qualquer pedido relativo ao reconhecimento por este Tribunal Arbitral Singular de qualquer benefício fiscal por isenção, reafirmando-se a natureza do processo arbitral tributário limitado à natureza anulatória dos atos tributários que se encontram acometidos, nos termos do quadro legal oportunamente referenciado referente à jurisdição arbitral tributária.

Subscreve-se aqui o entendimento do CAAD no Processo n.º 181/2019-T, quando cita o acordado pelo TCA-Sul, no seu Acórdão de 09.07.2020, proferido no processo 9655/16.3BCLSB: sendo “pacífico que, não obstante este contencioso ser essencialmente de mera anulação, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estreitamente ligados com o poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios ou com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia”, no contencioso tributário “estamos perante um contencioso tendencialmente de mera anulação. Significa isso que, perante a impugnação de um ato tributário perante um tribunal arbitral (ou perante um tribunal tributário estadual, dado que, ao nível da impugnação judicial, os poderes de uns e outros são idênticos), a este tribunal cabe apenas considerar o ato legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo (ou declarar a sua nulidade ou inexistência).”.

Por ser manifesta a relevância para a presente análise, refere-se o entendimento constante Processo n.º 599/2015-T deste CAAD, presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o qual acompanhamos:

“Entende ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que «no fundo a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral Coletivo profira decisão no sentido do reconhecimento da isenção de IMT prevista no artigo 270.º/2 do CIRE» e que a acção administrativa é o meio processual adequado para apreciar actos em matéria tributária.

Refere ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que a competência para verificação dos pressupostos da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE «recai exclusivamente sobre o órgão judicial onde correu o processo de insolvência», porque apenas o juiz titular do processo está em condições de proceder a verificação dos pressupostos legais exigidos por aquela norma.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita as excepções do erro na forma de processo e da incompetência material deste Tribunal Arbitral por, em suma, estar em causa o reconhecimento de uma isenção de IMT e, no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira não estar abrangido no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral o conhecimento da matéria relativa ao reconhecimento de isenções tributárias, que deve ser apreciada nos tribunais tributários em acção administrativa.”

Nota assim que “(…) não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT. Uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração não deixa, portanto, de ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação.

No caso em apreço, são impugnados actos de liquidação de IMT, que se inserem na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e cuja apreciação não é excluída por qualquer das normas da referida Portaria.

No que concerne à tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que seria exclusivamente competente o Tribunal Judicial onde correu termos o processo de insolvência, é claro que ela não tem qualquer fundamento legal.

Na verdade, não há qualquer norma especial do processo de insolvência que atribua competência aos Tribunais Judiciais para reconhecerem isenções fiscais e o regime geral dos benefícios fiscais contraria inequivocamente essa hipótese.

Com efeito, o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) aplica-se a todos os benefícios fiscais (seu artigo 1.º). Do artigo 5.º do EBF resulta que os benefícios fiscais, quando são automáticos, não são objecto de qualquer acto autónomo de reconhecimento, pelo que é no próprio momento adequado a decidir se deve ser praticado um acto de liquidação que se coloca a questão da verificação pela Autoridade Tributária e Aduaneira da ocorrência ou não dos pressupostos do benefício fiscal. No que concerne aos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, este é feito através de acto administrativo, como resulta dos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo 5.º, em consonância com os artigos 54.º, n.º 1, alínea d), da LGT e 65.º do CPPT.

No específico caso da isenção prevista no artigo 270.º do CIRE, está-se perante um benefício fiscal para o qual só se prevê, no artigo 16.º, n.º 2, do CIRE, a necessidade de reconhecimento prévio pela Autoridade Tributária e Aduaneira quando aplicado no âmbito de processo de reestruturação e revitalização de empresas, previsto no Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto ( [1] ). Nos outros casos enquadráveis no artigo 270.º do CIRE, não se prevendo expressamente a necessidade de reconhecimento prévio (nem no CIRE, nem no EBF, nem no artigo 10.º do CIMT), está-se perante isenção de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no artigo 19.º, n.º 1, do CIMT, como resulta do disposto na alínea d) do n.º 8 daquele artigo 10.º

Por outro lado, sendo o direito a benefícios fiscais direito em matéria tributária, a possibilidade do seu reconhecimento directo pelos Tribunais está reservada aos Tribunais Tributários, através da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, nos termos dos artigos 212.º, n.º 3, da CRP, 144.º, n.º 1,da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), 49.º, n.º 1,alínea c), do ETAF, 101.º, alínea b) da LGT e 97.º, n.º 1, alínea h) e 145.º do CPPT, pelo que não há qualquer suporte legal para afirmar a competência exclusiva dos Tribunais Judiciais para reconhecimento da isenção em apreço.

Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo, como órgão judicial máximo em matéria tributária, tem reiterada e pacificamente apreciado se se verificam os pressupostos da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos

– de 30-05-2012, processo n.º 0949/11;

– de 3-7-2013, processo n.º 765/13;

– de 17-12-2014, processo n.º 01085/13;

– de 11-11-2015, processo n.º 968/13;

– de 18-11-2015, processo n.º 1067/15;

– de 18-11-2015, processo n.º 575/15;

– de 16-12-2015, processo n.º 01345/15.

Pelo que se expõe e atento o sentido do entendimento que se cita, improcedem as exceções do erro na forma de processo e da incompetência material suscitadas pela AT.

 

  1. Do Direito
  1. Da natureza jurídico-tributária e enquadramento dos benefícios fiscais constantes do artigo 8.º, n.º 1 do Código do IMT e do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE

A análise jurídica em questão foi já objeto de várias decisões do CAAD, as quais, ainda que assentes em interpretações não integralmente homogéneas sobre o normativo legal aplicável, beneficiam a presente análise pela exposição técnica aportada.

Sem prejuízo do que acima se refere relativamente ao entendimento de ambas as Partes, para efeitos de pronúncia do presente Tribunal, importa saber se, estando verificados à data de aquisição dos imóveis aqui elencados os pressupostos previstos para a isenção constante do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, pode a Requerente beneficiar da referida isenção, tendo já usufruído da isenção constante do artigo 8.º, n.º 1 do Código do IMT na aquisição dos referidos imóveis, mostrando-se verificada a caducidade pelo decurso de cinco (5) anos nos termos do artigo 11.º, n.º 6 do Código do IMT.

Dispõe o artigo 8.º do Código do IMT (‘Isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito’) que:

“1 - São isentas do IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como as efectuadas em processo de falência ou de insolvência, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.

2 - A isenção prevista no número anterior é ainda aplicável às aquisições de imóveis por entidades nele referidas, desde que a entrega dos imóveis se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos ou fianças prestadas, nos termos seguintes:

a) Nas aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas destes exclusivamente destinados a habitação, que derivem de actos de dação em cumprimento;

b) Nas aquisições de prédios ou de frações autónomas destes não abrangidos no número anterior, que derivem de atos de dação em cumprimento, desde que tenha decorrido mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento e não existam relações especiais entre credor e devedor, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC.

3 - No caso de serem adquirentes sociedades directa ou indirectamente dominadas pelas instituições de crédito, só há lugar à isenção quando as aquisições resultem da cessão do crédito ou da fiança efectuadas pelas mesmas instituições àquelas sociedades comerciais e desde que estas sociedades sejam qualificadas como instituições de crédito ou como sociedades financeiras.”

Com referência ao presente artigo, dispõe ainda o artigo 11.º, n.º 6 do Código do IMT que:

“6 - Deixam de beneficiar de isenção as aquisições a que se refere o artigo 8.º, se os prédios não forem alienados no prazo de cinco anos a contar da data da aquisição ou o adquirente seja uma entidade com relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC.”

Deste modo, constituem requisitos cumulativos do direito à referida isenção: i) que o sujeito passivo adquirente seja uma instituição de crédito ou sociedade comercial cujo capital seja direta ou indiretamente por ela dominado; ii) que a aquisição tenha lugar em processo de execução movido pela instituição adquirente; por outro credor ou em processo de falência ou de insolvência; e iii) que a aquisição se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.

Por seu turno, o artigo 270.º, n.º 2 do CIRE (‘Benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis’) prevê que:

“2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”

No que respeita ao entendimento sobre a referida norma, salienta-se a atual jurisprudência uniformizada concernente à sua aplicação [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
n.º 3/2017, de 29 de maio[2]] aplicando-se não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade .de bens, mas também às vendas e permutas de imóveis, enquanto elementos do ativo de sociedade insolvente, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente[3].

A Requerente, após o decurso do prazo de cinco anos a que se refere o artigo 11.º, n.º 6 do Código do IMT, veio suscitar a aplicação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, entendendo que as operações de aquisição dos referidos imóveis foram realizadas no âmbito de processos de insolvência, e por tal, reuniam os respetivos pressupostos de aplicação. Deste modo, não deveria ter havido lugar aos atos tributários de liquidação de IMT, cuja anulação se pretende.

No que respeita à sua atuação, a Requerente reconhece que não requereu expressamente a aplicação da isenção prevista artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.

Cabe assim analisar.

Nos termos do artigo 5.º, n.º 1 (Benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento) do EBF, «1 - Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.» Sendo que, «O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário. (n.º 2)».

Pode assim entender-se que «[q]uando operam automaticamente na esfera jurídica do sujeito passivo, isso significa que, verificados objetivamente os respetivos pressupostos, nasce ope lege o direito ao benefício[4]. Se, ao contrário, o benefício decorrer de pedido do interessado à entidade a quem, legalmente, se encontre atribuída a competência para avaliar e decidir, da aptidão a usufruir do benefício, então estaremos perante um benefício dependente de reconhecimento, que terá em qualquer caso efeito meramente declarativo». Em suma, ao contrário dos benefícios automáticos, para que os benefícios dependentes de reconhecimento operem, importa sempre a vontade expressa, em termos e em tempo, dos seus virtuais beneficiários[5]. Sendo certo que se mantêm os poderes de fiscalização da AT e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios (artigo 7.º do EBF).

Entendendo-se os benefícios fiscais como factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação temporária, e como tal, da tributação-regra, releva considerar que a constituição do direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo (cf. artigo 12.º do EBF). Nesta senda, e no que respeita ao plano material / substantivo, releva considerar a verificação dos pressupostos.

 

 

Neste sentido, refere este Tribunal, por concordar, o entendimento de Nuno de Sá Gomes[6] o qual descreve o benefício fiscal como «(…) uma situação complexa que, além de impedir a tributação -regra, isto é, o nascimento da obrigação de imposto com o seu conteúdo normal, dá origem, simultaneamente, ao nascimento do direito ao benefício fiscal, como, de resto, reconhece o artigo 11.º do referido Estatuto, [EBF] ao reportar o direito ao benefício à data da verificação dos pressupostos. Portanto, da conjugação do n.º1, do art.º 2.º com o art.º 11.º, ambos do EBF, resulta que foi claramente consagrada na lei a doutrina que vê no benefício fiscal um facto complexo, simultaneamente, impeditivo do nascimento da obrigação tributária normal e constitutivo do direito ao benefício fiscal.»

No que respeita aos benefícios fiscais em questão, vertidos nos artigos 8.º, n.º 1 do CIMT e 270.º, n.º 2 do CIRE, os mesmos revestem uma natureza automática, não se exigindo, por isso, qualquer ato de reconhecimento.

Neste âmbito, acompanhamos o entendimento do CAAD no Processo n.º 363/2021-T quando refere que «Estamos perante benefícios cujo direito é verificado à data de ocorrência dos pressupostos, o que exige, para o 8.º, n.º 1 do CIMT, cumulativamente que: i) que o sujeito passivo adquirente seja uma instituição de crédito ou sociedade comercial cujo capital seja direta ou indiretamente por ela dominado; ii) que a aquisição tenha lugar em processo de execução movido pela instituição adquirente; por outro credor; em processo de falência ou de insolvência; e iii) que a aquisição se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas e na hipótese do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, que o prédio tenha, designadamente, sido adquirido no âmbito do plano de insolvência ou no âmbito da liquidação da massa insolvente.

Igualmente neste caso, «(…) foi declarado o benefício fiscal vertido no artigo 8.º do CIMT, tendo a liquidação sido realizada com tal pressuposto, pelo que, o sujeito passivo beneficiou da isenção durante cinco anos. Volvidos esses anos sem que os prédios tenham sido revendidos, a caducidade opera automaticamente e com efeitos ex tunc, sendo da responsabilidade do sujeito passivo a liquidação do imposto.»

Neste mesmo sentido, refere-se a citação de doutrina apresentada pelo Tribunal [Processo
n.º 363/2021-T] quanto a natureza do benefício: “[a] isenção é automática nos casos em que a aquisição se opere em processo de execução ou de falência ou insolvência, cabendo ao juiz verificar os respetivos pressupostos legais” [J. SILVÉRIO MATEUS/L. CORVELO DE FREITAS, Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo. Anotados e Comentados, Engifisco, 2005, p. 390].

Mais se recorda o disposto no artigo 14.º, n.º 8 (Extinção dos benefícios fiscais) do EBF:
«8 - É proibida a renúncia aos benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento oficioso, sendo, porém, permitida aos benefícios fiscais dependentes de requerimento do interessado, bem como aos constantes de acordo, desde que aceite pela administração tributária.».

Estando em causa um benefício (artigo 270.º, n.º 2 do CIRE) que resulta direta e automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, acompanhamos o entendimento de que a AT não poderá deixar de, previamente à liquidação, apurar se ocorrem os requisitos da isenção, pois, em caso afirmativo, o facto tributário não readquire força obrigatória. A reposição do regime regra fica condicionada pela ausência de revenda dos imóveis, como também, pela inexistência de qualquer outra situação de isenção cuja verificação e declaração a lei imponha que a administração perscrute em momento anterior à liquidação que pretende praticar.

 

 

Sem expor a temática associada à natureza jurídica das circulares e eficácia interna que lhe está subjacente[7], releva considerar o teor do entendimento já adotado pela AT relativamente à aplicação a uma determinada situação de facto, de diversos benefícios fiscais “concorrentes” entre si. A “convolação” de isenções foi admitida por parte da AT na doutrina administrativa – Circular 18, de 11/10/1995 da Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património: “[a] convolação da isenção é requerível em qualquer altura, mantendo-se em pleno vigor os restantes condicionalismos e procedimentos evidenciados naquela circular 16/88”.

Em face do referido enquadramento, justifica-se a opção do legislador (não raras vezes utilizada), no sentido de explicitar em determinados regimes uma cláusula de não cumulação de um determinado benefício fiscal com outros benefícios fiscais da mesma natureza.

Ora, estando em causa um benefício (artigo 270.º, n.º 2 do CIRE) que resulta direta e automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, a AT não poderá deixar de, previamente à liquidação, apurar se ocorrem os requisitos da isenção, pois, em caso afirmativo, o facto tributário não readquire força obrigatória. A reposição da tributação-regra permanece condicionada pela ausência de revenda dos imóveis (cf. artigo 14.º, n.º 2 do EBF), como também, pela inexistência de qualquer outra situação de isenção cuja verificação e declaração a lei imponha que a administração perscrute em momento anterior à liquidação que pretende praticar.

 

 

No benefício fiscal descrito no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, a AT desenvolve uma atividade vinculada; caso se verifiquem os pressupostos, os seus efeitos reportam-se à data de aquisição do prédio. Salienta Nuno de Sá Gomes[8] que, «(…) nestas situações [benefícios fiscais automáticos], os benefícios fiscais não são concedidos pela administração fiscal, mas estabelecidos diretamente na lei, nascendo o direito subjetivo ao benefício correspondente, da simples verificação histórica dos respetivos pressupostos.» Acrescentando ainda que, o automatismo dos benefícios fiscais tem por fundamento «(…) uma particular conformação legal, pelo que, nesses casos, tendo em vista uma certa economia processual, a lei julga aconselhável dispensar a respetiva apreciação casuística e correspondente reconhecimento pela Administração Fiscal, concedendo, assim, automática e genericamente, os benefícios, nas hipóteses previstas, sem necessidade de controlo da respetiva despesa fiscal, daí resultante.»

Entende ainda a Requerida que a isenção constante prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE não abrange as aquisições de bens imóveis decorrentes de processos de liquidação da massa insolvente de pessoas singulares. Sendo este um aspeto já discutido em diferentes decisões do CAAD, vem este Tribunal[9] expressar o seu entendimento no sentido de que se incluem no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE as transmissões que ocorram no âmbito de um processo de insolvência e incidam apenas sobre os imóveis da empresa ou de estabelecimentos. Deste modo, e em concordância com o entendimento Supremo Tribunal Administrativo[10], conclui-se que «Assim sendo, a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação, que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, independentemente da mesma pertencer a pessoa singular ou colectiva (entidade empresarial).»

 

 

Decorre assim da análise efetuada que a Requerente, no momento da aquisição, já beneficiava da isenção de IMT, tendo adquirido o direito ao benefício, pelo que a AT, ao efetuar a liquidação de IMT, ignorando a existência da isenção, pratica um ato ilegal por violação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE. Atendendo ao que igualmente se expõe, não se encontram aqui abrangidas as vendas referentes a prédios urbanos destinados à habitação pertencentes a pessoa singular.

 

  1. Do pedido de reembolso e condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios

A Requerente solicita igualmente a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Estabelece o artigo 46.º do Código do IMT que: «1. Anulada a liquidação, quer oficiosamente, quer por decisão da entidade ou tribunal competente, com trânsito em julgado, efectua-se o respectivo reembolso. 2. Não há lugar a anulação sempre que o montante de imposto a anular seja inferior a €10. 3. São devidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária que são liquidados e pagos nos termos do Código de Procedimento e Processo Tributário.»

Conhecendo a questão, e nos termos da análise efetuada, resulta da interpretação dada ao artigo 270.º, n.º 2 do CIRE que não era devido IMT, pelo que tal imposto foi indevidamente cobrado.

Dispõe o artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.»

Conhecendo a questão, a ilegalidade dos atos em crise são imputáveis à Requerida, no que respeita aos pedidos de anulação das liquidações de IMT sobre os prédios urbanos detidos por pessoas coletivas, pelo que procede o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, contados à taxa legal, de acordo com o previsto no artigo 43.º, n.º 4 da LGT, entre a data em que foi efetuado o pagamento indevido e até ao seu integral reembolso.

 

  1. RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS

Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC (ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

Consequentemente, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada à Requerida em 95%, e à Requerente em 5%.

 

  1. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedentes as exceções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
  2. Julgar procedente o pedido arbitral no que respeita aos pedidos de anulação das liquidações de IMT sobre os prédios urbanos detidos por pessoas coletivas: liquidações n.º..., no montante de € 12.961,65; n.º ..., no montante de € 39.195,00; e n.º..., no montante de € 2.200,17, com as legais consequências.
  3. Julgar improcedente o pedido arbitral no que respeita aos pedidos anulação das liquidações de IMT sobre os prédios urbanos detidos por pessoas singulares: liquidação de IMT n.º..., no montante de € 905,00; liquidação de IMT n.º..., no montante de € 111,38; e liquidação n.º..., no montante de € 1.863,84, com as legais consequências.
  4. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, acrescidos à quantia indevidamente paga, contados desde a data do pagamento indevido e até ao seu integral reembolso.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Nos termos do disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 57.237,04 (cinquenta e sete mil, duzentos e trinta e sete mil e quatro cêntimos).

 

  1. CUSTAS

Custas no montante de € 2 142.00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), sendo 95% a cargo da Requerida e o restante a cargo da Requerente, em conformidade com Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT; 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 09 de fevereiro de 2023

 

A Árbitra do Tribunal Arbitral

 

Ana Rita Chacim

 

 

 



[1]     Assume-se o lapso formal na indicação do artigo constante do ponto 27. do articulado da Resposta, considerando-se a referência feita ao artigo 78.º, n.º1 (2ª parte) da LGT e não ao artigo 70.º, n.º1 (2ª parte) da LGT (“1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”).

[2]     Publicado no Diário da República n.º 103/2017 (1ª Série), de 29 de maio de 2017, pp. 2576 – 2580.

[3]     A este respeito, vd Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 8ª Edição, 2022, pp. 433-434.

[4]     Carlos Paiva, Mário Januário, Os Benefícios Fiscais nos Impostos sobre o Património, Almedina, 2014, p. 73, referindo no mesmo sentido, Nuno de Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, CTF, n.º 362, 1991,
pp. 277, 278.

[5]     Cf. Carlos Paiva, Mário Januário, Os Benefícios Fiscais (….), ob cit, p. 74.

[6]     Nuno de Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, CTF, n.º 359, Julho-Setembro 1990, p. 99.

[7]     J. L. SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, ob. cit., pág. 42, 43: «Uma “orientação administrativa (circular ou ofício) em que esta define, em termos gerais e com eficácia interna, o comportamento a adoptar perante casos concretos: i.e., se na esfera jurídica do contribuinte se verificar a situação A, então o efeito jurídico é X»…«Estas orientações administrativas sob forma de circulares ou sob outra formas, são uma intepretação da lei fiscal e um instrumento unificador das decisões, necessariamente descentralizadas, da administração e têm a sua função específica no processo de massa que constitui o processo fiscal, como tentativa de conciliação da decisão descentralizada e da definitividade dos atos tributários, mesmo quando praticados na base da pirâmide administrativa fiscal» .

      Sobre orientações genéricas escreve ainda que, «[c]omo se afirmou sem ambiguidades um acórdão do STA ao analisar uma detemrinada orientação administrativa, “o valor da doutrina dessa circular será apenas o da sua valia intrínseca”. Contém uma doutrina que será boa ou má, válida ou inválida, como qualquer outra doutrina. Estar contida numa decisão administrativa não amplia nem reduz a sua força convincente, não cria uma presunção de legalidade.

[8]     Nuno de Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, CTF, n.º 359, Julho-Setembro 1990, p. 137.

[9]     Sobre este aspeto, Processos n.º 649/2015-T, 512/2016-T, 514/2016-T e 518/2016-T.

[10]   Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03-07-2013, proferido no processo n.º 0765/13.