Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 409/2022-T
Data da decisão: 2023-02-01  IRS  
Valor do pedido: € 59.157,71
Tema: IRS – Deferimento de reclamação graciosa, depois de pedido arbitral – Inutilidade superveniente da lide.
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SUMÁRIO:

I – Do deferimento de reclamação graciosa com a anulação pela AT dos actos de liquidação de IMI, através da qual a Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido, resulta a inutilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância, nos termos do artigo 277.º alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

II – Quando a Requerida comunicar a anulação dos actos de liquidação após a constituição do Tribunal Arbitral, as custas são da sua responsabilidade, por lhe ser imputável a impossibilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância (cfr. artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 13 de Setembro de 2022, profere a presente decisão arbitral, nos termos seguintes:

        

 

1. Relatório

A... S.A., com o número e identificação fiscal ..., e com sede na Rua..., n.º ..., piso..., ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de tribunal arbitral e a respectiva pronúncia arbitral pretendendo a anulação do indeferimento presumido da Reclamação Graciosa por si apresentada e mediatamente a anulação (parcial) dos actos tributários do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.ºs. 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., 2020..., 2020 ... e 2020..., referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, no montante global de € 59.157,71, para o que invoca como fundamento que as liquidações impugnadas tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que foram fixados segundo uma fórmula erroneamente adoptada à data pela AT, relativamente à aplicação de coeficientes de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto.

A Requerente pede ainda o reembolso do imposto pago, acrescido de juros compensatórios, por entender que a liquidação que pretende ver anulada apenas pode ser atribuída a erro dos serviços da AT.

Subsidiariamente invoca a inconstitucionalidade do arteº. 45º. do Código do IMI, requerendo a desaplicação desta norma.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 8-7-2022.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 26-08-2022 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 13-09-2022.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que comunicou que em 17-08-2022 a Sra. Subdiretora-geral da área do Património, determinou a anulação parcial das liquidações do IMI contestadas, referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 conforme documento que juntou, conforme a análise das avaliações que foram anuladas, nomeadamente, os prédios urbanos (terrenos para construção) numerados de 1 a 36 elencados no mapa que também juntou como doc. 2, pelo que as liquidações impugnadas seriam anuladas de acordo com as especificidades, que elenca no arteº. 13º. da sua resposta, concluindo que deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide relativamente à parte anulada das liquidações impugnadas e que deve ser julgado improcedente o restante pedido.

Por requerimento de 24-11-2022, veio a requerente informar que todas liquidações impugnadas nos presentes autos tinham sido anuladas oficiosamente, em deferimento expresso da reclamação graciosa, por decisão do Chefe do Serviço de Finanças de ... de 3-11-2022, tendo juntado para o efeito a notificação que lhe havia sido remetida em 17 de Novembro de 2022.

Notificada a AT para se pronunciar, querendo, sobre o referido despacho, nada disse.

            Face ao documento junto pela requerente e sobre o qual foi permitido o exercício do contraditório pela AT, que, porém, nada disse, foi dispensada a realização das ulteriores fases do processo, nomeadamente a reunião a que se refere o arteº. 18º. do RJAT e a apresentação de alegações.

 

 

2. Despacho saneador:

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades ou quaisquer outras questões prévias, que sejam de conhecimento oficioso.

 

3. Matéria de facto:

Considerando os articulados das partes e os documentos juntos, são considerados provados os factos que a seguir se indicam.

 

3.1 Factos provados:

Mostram os autos o seguinte:

a) A Requerente foi notificada dos seguintes actos tributários de liquidação de IMI:

- Liquidações com os n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., referentes ao ano 2017, no montante total de € 107.132,83, cuja última prestação se vencia em 30-11-2018;

- Liquidações com os n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., referentes ao ano 2018, no montante total de € 124.650,20, cuja última prestação se vencia em 30-11-2019;

- Liquidações com os n.ºs 2019..., 2019..., 2019..., referentes ao ano 2019, no montante total de € 127.528,81, cuja última prestação se vencia em 30-11-2020;

Liquidações com os n.ºs 2020..., 2020..., 2020..., referentes ao ano 2020, no montante total de € 130.104,23, cuja última prestação se vencia em 30-11-2021. (provado pelo despacho de anulação junto pela requerente, onde expressamente se referem estas liquidações).

b) A requerente pagou todas as quantias que foi notificada para pagar.

c) Em 2022-02-09 (pelo registo RH...PT), requereu a revisão oficiosa das referidas liquidações, invocando erro imputável aos serviços. (provado pelo doc. 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

d) Decorreu o prazo de 4 meses sem receber qualquer resposta ao pedido de revisão formulado, pelo que foi legalmente presumido o seu indeferimento. (provado por acordo das partes).

e) Em 6/7/2022, apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral. (provado por consulta do processo)

f) Em 14-9-2022, a demandada AT foi citada para contestar, o que fez pela resposta apresentada em 18-10-2022. (provado por consulta do processo)

g) Pelo Chefe do Serviço de Finanças de ... foi proferido em 3-11-2022 despacho de deferimento do pedido de revisão oficiosa no sentido da anulação das liquidações de IMI relativamente aos terrenos para construção identificados no respetivo pedido de pronúncia arbitral, tendo tal despacho sido notificado à ora requerente em 17-11-2022. (provado pelo documento junto pela requerente em 24-11 -2022).

h) Fundou-se esse despacho em erro na liquidação por erro na fixação do valor patrimonial tributário, porque foram considerados na avaliação levada a cabo os coeficientes previstos no artigo 38” do CIMI, nomeadamente os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto e não o que o artigo 45º. do Código do IMI  estabelece no regime de avaliação dos terrenos para construção, pela entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que estabeleceu uma fórmula de cálculo do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios e por ainda não ter decorrido o prazo de 5 anos sobre a liquidação fixado pelo termos conjugados do artigo 79º.  da LGT e artigo 168.º, nº1, do CPA, aplicável ex vi alínea c) do artigo 2.º da LGT. (provado pelo documento junto pela requerente em 24-11 -2022).

Não existem outros factos provados, com interesse para a decisão da presente causa.

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

          Não existem factos não provados com interesse para a decisão deste processo.

         Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela requerente, como resulta da anotação feita a seguir a cada um deles.

 

 

 

4. MATÉRIA DE DIREITO

 

Da inutilidade superveniente da lide

 

                Tendo sido deferida a revisão oficiosa no sentido da anulação das liquidações impugnadas por terem sido anulados os actos de avaliação em que se suportavam, cumpre apreciar a utilidade da apreciação do pedido.

                A respeito da inutilidade superveniente da lide pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 30 de Julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.

                É também este o sentido que a doutrina tem conferido ao conceito em análise, referindo-se o mais recente trabalho de Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, em Direito Processual Civil, volume I, 2019, 3ª. Edição, págs. 765/766, onde se escreve que “a instância tornar-se-á inútil, quando se evidencie que, por qualquer causa processual ou extraprocessual, o efeito jurídico pretendido através do meio concretamente utilizado foi já plenamente alcançado, isto é, quando a atividade processual subsequente redunde em puro desperdício para as partes processuais envolvidas. A lide, em tal caso, será teoricamente possível, mas, na prática, e face ao seu objeto mediático, praticamente desnecessária. Daí que o juiz possa e deva decretar a respetiva extinção por inutilidade, despacho esse que produz apenas eficácia de caso julgado formal”.

                Ora, conforme resulta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, o acto tributário impugnado pelo Requerente foi anulado pela AT, o que implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um acto que já se encontra suprimido da ordem jurídica. Com a referida anulação o Requerente atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral, já que a AT reconheceu no acto de deferimento da revisão oficiosa que há que proceder a essa revisão oficiosa com a anulação das liquidações notificadas à ora requerente, consequentemente com o direito aos juros indemnizatórios que aquele havia peticionado relativamente às quantias já pagas e que deixaram de ser devidas.

                Em face do exposto entende este Tribunal que se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto à apreciação da legalidade e consequente anulação do acto tributário impugnado pelo Requerente, de tal forma que se julga extinta a instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

            Nos termos do arteº. 536º., nº. 3 do Cod. Proc. Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, as custas ficam a cargo da requerida AT, pois que a inutilidade superveniente da lide foi consequência necessária do deferimento da reclamação graciosa, ocorrido já depois de apresentado o presente pedido de pronúncia arbitral e até depois de a requerida ter sido citada para os termos do mesmo e até ter apresentado resposta.

 

 

5. Decisão

Termos em que se decide:

a) Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente;

c) Condenar a Requerida nas custas do processo, no valor de € 2.142,00.

 

 

6. Valor do processo

              De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 59.157,71 indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

7. Custas

         Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 2.142,00, a pagar pela requerida AT, conforme decidido.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2023

O Árbitro

 

 

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.