Sumário
-
A ordem jurídica nacional estabelece uma diferenciação entre as atividades paramédicas e aquelas que se baseiam em terapêuticas não convencionais. Desta diferenciação resulta que a integração das terapêuticas não convencionais, nomeadamente da naturopatia, na categoria de “outros técnicos paraméricos” resultaria numa incongruência do sistema jurídico.
-
Assim, e na ausência de previsão específica desta atividade no âmbito da tabela prevista no artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicado o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS
Decisão Arbitral
A árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 23.06.2022, decide nos termos que se seguem:
1. Relatório
A..., NIF..., residente na Rua ..., n.º ..., ...-... Encarnação (doravante, a "Requerente"), vem apresentar pedido de pronúncia arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 15.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2020..., referente ao ano de 2019, e do indeferimento expresso do recurso hierárquico n.º ...2021..., proferido pela DF de Lisboa, pedindo a respetiva declaração de ilegalidade por violação do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 11.04.2022.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 01.06.2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 23.06.2022.
A Autoridade Tributária apresentou a sua Resposta em 07.09.2022, tendo pugnado pela manutenção na ordem jurídica do ato tributário impugnado e pela absolvição do pedido.
Por despacho de 08.11.2022, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
-
A Requerente encontra-se registada, desde 2014/11/05, na categoria B de IRS, para o exercício da atividade de Naturopatia com o CAE 6906 – Outras Atividades de Saúde Humana.
-
Tendo indicado o CAE 86906 – Outras Atividades de Saúde Humana, NE aquando da entrega da sua declaração de início de atividade.
-
Considerando o montante anual ilíquido auferido de rendimentos desta categoria, a Requerente ficou abrangida pelo regime simplificado de tributação, nos termos do artigo 28.º do Código do IRS.
-
Em 2020, quando entregou a sua declaração periódica de rendimentos Modelo 3 de IRS, relativa ao período de 2019, a Requerente indicou o montante de € 19.645,79 no campo 404 do Anexo B da declaração, correspondente aos rendimentos auferidos na sua atividade de naturopatia.
-
Em 08.06.2020, a Requerente foi notificada de uma divergência na sua declaração de rendimentos de IRS do período de 2019.
-
De acordo com os serviços, havia sido detetada a seguinte situação: “Necessidade de comprovação do tipo de rendimentos declarado, considerando os códigos de atividade declarados ou patentes em cadastro.
-
Em 27.06.2020, a Requerente prestou esclarecimentos através do portal das finanças, tendo informado que os rendimentos auferidos no âmbito da atividade de naturopatia não se enquadravam em nenhuma das atividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do CIRS, motivo pelo qual o campo preenchido se encontrava correto.
-
Em 05.08.2020, os serviços responderam à Requerente o seguinte: “Após regulamentação, foram aceites várias terapias como prest. de serv. Médico, tendo as mesmas sido consideradas isentas art. 9.º CIVA (Enquadramento de V. Exa.). Consequentemente, essas terapias passaram a ter equivalência nos termos do Código do IRS a Técnicos Paramédicos. Por outro lado, cfr. Circular 5/2014 encontram-se abrangidos na al. b) do n.º 2 art. 31.º CIRS os rendimentos atividade de prestação de serviços por conta própria, independentemente da act. Exercida estar, nos termos do artigo 151.º do Cód. IRS ou no CAE. Assim, deverá corrigir o valor do campo 404, e colocar no campo 403.”
-
Em 21.09.2021, a Requerente foi notificada pelo Ofício n.º ..., de 21/09/2020, de que havia sido determinada a correção à sua declaração de rendimentos Mod. 03 do período de 2019.
-
Em resultado da referida correção, os serviços emitiram a liquidação adicional de IRS n.º 2020 ... referente ao ano de 2019, com o valor de € 403,34.
-
Não concordando com a mesma, a Requerente apresentou reclamação graciosa à qual foi atribuído o n.º ...-2020/....
-
Em 21.05.2021, a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa.
-
Não se conformando com a decisão, apresentou recurso hierárquico pugnando pela ilegalidade da liquidação de IRS em causa.
-
Em 10.01.2022, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento do recurso hierárquico com a fundamentação constante do documento 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não existem factos com relevo para a decisão que tenham sido considerados não provados.
3. Matéria de direito
3.1 Posições das Partes
Em suma, a Requerente alega que a atividade de Naturopata não está especificamente definida na lista do artigo 151.º do CIRS, pelo que os rendimentos provenientes dessa atividade devem ser declarados no campo 404 do campo 4 A do anexo B da declaração de rendimentos de IRS, aplicando-se assim o coeficiente de 35%.
Em seu entender, nem todas as atividades devem ser enquadradas na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS, mas apenas aquelas que estejam especificamente previstas na tabela de atividades prevista no artigo 151º do CIRS.
A atividade de Naturopatia não se pode incluir naquela tabela, nem mesmo no código 5019 – outros técnicos paramédicos, uma vez que do diploma que veio regular o exercício das designadas atividades paramédicas não consta a atividade de Naturopatia, atividade que foi incluída no âmbito das terapias não convencionais.
Em sentido contrário, a AT remete para a Circular n.º 5/2014, de 20 de março, que firmou o entendimento de que se encontram abrangidos na alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do CIRS os rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços que tenham enquadramento na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Código, independentemente de a atividade exercida estar, nos termos do artigo 151.º do CIRS, classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados na tabela de atividades aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, incluindo a atividade com o código “1519 Outros prestadores de serviços”, uma vez que o normativo em causa não remete para as atividades identificadas de forma específica na tabela de atividades, ao contrário do que sucede na alínea b) do n.º 1 do artigo 101.º do CIRS para efeitos de retenção na fonte.
Além disso, refere o artigo 151.º do CIRS, que prevê que as atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças. A Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, procedeu à aprovação da Tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS, constando a mesma do Anexo I, que faz parte integrante dessa Portaria.
Aquela tabela prevê o código 5 – Enfermeiros, parteiras e outros técnicos paramédicos, e, como subcódigo daquele o 5019 – Outros técnicos paramédicos.
O CAE 086906 – Outras Atividades de Saúde Humana NE, em que se encontra registada a Requerente, compreende todas as atividades de saúde humana não incluídas nas posições anteriores, nomeadamente, as atividades de fisioterapia, optometria, ortóptica, dietética, hidroterapia, massagem, ginástica médica, terapia (ocupacional, da fala, etc.), quiropodia, homeopatia, acupunctura, hipoterapia, psicologia e atividades similares, exercidas em consultórios privados, nos postos médicos das empresas, escolas, lares, no domicílio ou noutros locais (inclui todos os estabelecimentos de saúde, sem internamento não englobados nas subclasses anteriores).
Assim, entende que a atividade exercida pela Requerente deve também considerar-se abrangida pelo subcódigo 5019 – Outros técnicos paramédicos, da Tabela de Atividades previstas no artigo 151.º do CIRS, nos mesmos termos em que estão as atividades de fisioterapia, terapeutas da fala e terapeutas ocupacionais e todas as atividades de saúde humana contempladas no CAE 086906.
Concluindo a AT que, para efeitos de IRS, os rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços que tenham enquadramento na al. b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS, o que é o caso da atividade de Naturopatia, ficam abrangidos na alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do CIRS.
3.2 Do Mérito
De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, consideram-se rendimentos empresariais e profissionais os “auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea anterior”.
Os titulares de rendimentos da categoria B de IRS que fiquem abrangidos pelo regime simplificado de tributação têm o seu rendimento tributável apurado através da aplicação de um coeficiente previsto no artigo 31.º do Código do IRS.
O n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS tem a seguinte redação:
“1 - No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:
a) 0,15 às vendas de mercadorias e produtos, bem como às prestações de serviços efetuadas no âmbito de atividades de restauração e bebidas e de atividades hoteleiras e similares, com exceção daquelas que se desenvolvam no âmbito da atividade de exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento;
b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;
c) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores;
d) 0,95 aos rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão ou utilização temporária da propriedade intelectual ou industrial ou a prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, aos rendimentos de capitais imputáveis a atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, ao resultado positivo de rendimentos prediais, ao saldo positivo das mais e menos-valias e aos restantes incrementos patrimoniais;
e) 0,30 aos subsídios ou subvenções não destinados à exploração;
f) 0,10 aos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores;
g) 1 aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuadas a:
i) Sociedades abrangidas pelo regime da transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, de que o sujeito passivo seja sócio; ou
ii) Sociedades nas quais, durante mais de 183 dias do período de tributação:
-
O sujeito passivo detenha, direta ou indiretamente, pelo menos 5 % das respetivas partes de capital ou direitos de voto;
-
O sujeito passivo, o cônjuge ou unido de facto e os ascendentes e descendentes destes detenham no seu conjunto, direta ou indiretamente, pelo menos 25 % das respetivas partes de capital ou direitos de voto.
h) 0,50 aos rendimentos da exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento, localizados em área de contenção.
Concretamente no que se refere à alínea b), que diz respeito aos “rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º”, importa, para efeitos da solução a aplicar ao caso presente, discernir o que são essas atividades especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.
A tabela contém uma lista de atividades dividida em códigos e subcódigos. Por exemplo, o código 5 - Enfermeiros, parteiras e outros técnicos paramédicos, está subdividido nos seguintes subcódigos:
5010 Enfermeiros;
5012 Fisioterapeutas;
5013 Nutricionistas;
5014 Parteiras;
5015 Terapeutas da fala;
5016 Terapeutas ocupacionais;
5019 Outros técnicos paramédicos.
A atividade da Requerente – naturopatia – não corresponde a um código específico, restando, portanto, a questão de saber se pode corresponder ao código menos específico “outros técnicos paramédicos”, também previsto na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.
Em caso afirmativo, aplicar-se-á o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS, e, consequentemente, será aplicável à determinação do rendimento tributável nela gerado o coeficiente de 0,75.
Em caso negativo, será aplicável o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS, e, consequentemente, será aplicável à determinação do rendimento sujeito a imposto o coeficiente de 0,35 (rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores).
A Requerente alude a vários diplomas na busca por uma qualificação jurídica da atividade de “naturopatia”.
Refere a Portaria 207-A/2014, que fixa a caracterização e o conteúdo funcional da profissão de naturopata, definindo “naturopatia” nos seguintes termos:
1 - A naturopatia é a terapêutica que estuda as propriedades e aplicações dos elementos naturais, a fim de prevenir a doença e manter, promover e restaurar a saúde, recorrendo ainda ao aconselhamento dietético naturopático e à orientação sobre estilos de vida e utilizando a fitoterapia, a homeopatia, a hidroterapia, a geoterapia, as terapias da manipulação e outros métodos afins.
2 - A naturopatia:
a) Consiste numa abordagem holística, energética e natural do ser humano, através de métodos de diagnóstico, prescrição e tratamentos próprios, assentes em axiomas e teorias específicas;
b) Recorre aos agentes físicos e métodos energéticos, com base nas filosofias ocidental e oriental, através dos quais diagnostica, trata e cuida dos pacientes, utilizando sistemas e práticas que se baseiam em tratamentos e cuidados de ação bio-psicofisiológica e higiénicos, que têm como objetivo reequilibrar as funções orgânicas e outras situações anormais existentes no organismo, proporcionando ao mesmo tempo as condições indispensáveis à manutenção e recuperação do seu equilíbrio, no total respeito pelas «leis naturais» que regulam as funções do corpo humano e pelas «leis naturopáticas» que devem regular a terapêutica e os cuidados de saúde de índole natural com vista a atingir a autocura.
Por outro lado, no que se refere ao referencial de competências do naturopata, o naturopata deve ter:
a) Conhecimentos críticos sobre a teoria, a prática e os princípios da naturopatia, evidenciando-o através de várias abordagens, e selecionando os planos de tratamento para ir ao encontro das necessidades individuais dos utentes;
b) Conhecimentos dos princípios e estratégias terapêuticas, bem como da gestão do plano de tratamento, aplicando terapias energéticas, plantas medicinais, fórmulas e produtos homeopáticos e nutrientes sob a forma de suplementos alimentares, de acordo com a legislação em vigor;
c) Conhecimentos aprofundados das indicações e contraindicações dos diversos tratamentos naturopáticos;
d) Conhecimentos suficientes da visão naturalista-holística do ser humano, de modo a reconhecer e interpretar sinais de disfunção e desenvolver estratégias e tratamentos naturais adequados;
e) Conhecimentos suficientes de psicologia e dos determinantes sociais da saúde que lhe permitam contextualizar a decisão terapêutica e os cuidados a prestar;
f) Conhecimentos aprofundados sobre comunicação interpessoal, que lhe permitam uma recolha adequada dos factos pessoais e familiares relevantes para a aplicação da terapêutica, a manutenção de uma boa relação com os clientes, colegas e outras pessoas relacionadas com a profissão e a prevenção e resolução das situações de conflito;
g) Conhecimentos aprofundados das ciências comportamentais que lhe permitam fazer um aconselhamento adequado e eficaz sobre estilos de vida saudável;
h) Conhecimentos suficientes de fisiologia, patologia, fisiopatologia, observação de sinais e da sintomatologia para identificar as situações em que a pessoa possa necessitar da intervenção de outro profissional de saúde.
2 - O naturopata deve ser capaz de:
a) Atuar na sua prática profissional de modo a promover a saúde e prevenir a doença dos seus clientes, avaliando-os, realizando o exame de saúde naturopático e utilizando meios de diagnóstico próprios da naturopatia de forma a avaliar a constituição e vitalidade e a diferenciar os fatores que determinam os padrões de desequilíbrio sistémico e as suas relações no contexto do utente de acordo com a aplicação das teorias da naturopatia;
b) Reconhecer as situações em que as queixas do cliente possam ser indicadoras de patologias ou problemas fora do âmbito da naturopatia e necessitem da intervenção de outro profissional;
c) Aconselhar regimes nutricionais, dietéticos e estilos de vida;
d) Investigar e avaliar, em conjunto com o cliente, os fatores individuais que podem afetar a sua saúde e bem-estar;
e) Prestar informação aos clientes e ao público com vista à promoção da saúde e à prevenção das doenças;
f) Analisar problemas, recolhendo e interpretando os dados, e resolvê-los, fundamentando o raciocínio e as decisões;
g) Ministrar combinações ou fórmulas de plantas e acompanhar a evolução do tratamento de acordo com a legislação em vigor para esses produtos;
h) Reconhecer e intervir perante reações adversas ao tratamento naturopático;
i) Manter a sua própria saúde e estabelecer uma relação terapêutica adequada com o cliente;
j) Avaliar criticamente a sua prática da naturopatia através da autorreflexão, respostas dos clientes e dos colegas, análise de casos e auditorias;
k) Ler criticamente a literatura científica e incorporar a informação na sua prática;
l) Manter ao longo da vida profissional as competências da prática da naturopatia e conceber e aplicar um plano de desenvolvimento profissional contínuo, atualizando-se permanentemente quanto aos desenvolvimentos desta área;
m) Elaborar estudos de caso no âmbito da naturopatia e proceder à sua apresentação;
n) Supervisionar colaboradores e estagiários no âmbito da naturopatia.
A Requerente rejeita que a naturopatia possa ser enquadrada na categoria “outros técnicos paramédicos”, nomeadamente porque a mesma não consta do anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, que estabelece um elenco de atividades consideradas paramédicas.
Nos termos do disposto no artigo 1.º do referido diploma, as atividades paramédicas são aquelas que “a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação.” O número 3 do mesmo artigo estabelece que “as atividades paramédicas a que se refere o n.º 1 são as constantes da lista anexa ao presente diploma, do qual faz parte integrante.”
Por outro lado, refere a Lei 71/2013, de 2 de setembro, que regulamenta a Lei n.º 45/2003, de 22 de agosto, e regula o acesso às profissões no âmbito das terapêuticas não convencionais e que inclui, no artigo 2.º, a atividade de naturopatia.
A Lei n.º 45/2003, de 22 de agosto, lei de enquadramento base das terapêuticas não convencionais, estabelece, no 1.º do artigo 3.º, que se consideram “terapêuticas não convencionais aquelas que partem de uma base filosófica diferente da medicina convencional e aplicam processos específicos de diagnóstico e terapêuticas próprias.”
A regulação das atividades baseadas em terapêuticas não convencionais em diploma distinto daquele que regula as atividades paramédicas é um indício de que, para a ordem jurídica portuguesa, se trata de atividades diferenciadas de acordo com algum critério.
Igualmente relevante é o disposto no artigo 8.º-A da Lei 71/2013, onde se prevê que “aos profissionais que se dediquem ao exercício das terapêuticas não convencionais referidas no artigo 2.º é aplicável o mesmo regime de imposto sobre o valor acrescentado das profissões paramédicas.”
Esta equiparação é um segundo indício de que o legislador português entende que as atividades baseadas em terapêuticas não convencionais não são a mesma coisa que as atividades paramédicas.
O critério de distinção parece encontrar-se na forma como os dois tipos de atividades são descritos nos respetivos diplomas de enquadramento, acima identificados:
- terapêuticas não convencionais são aquelas que partem de uma base filosófica diferente da medicina convencional e aplicam processos específicos de diagnóstico e terapêuticas próprias.
- atividades paramédicas são aquelas que se baseiam na utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação.
Ou seja, de um lado, atividades que se baseiam em técnicas de base científica, isto é, baseadas em informação revelada através de evidência científica, através de métodos de experimentação que seguem o padrão do método científico convencional, de outro lado, atividades que partem de uma base filosófica diferente da medicina convencional, em que a confiança nos resultados obtidos provém de conceitos e práticas fundamentalmente introspetivos e nem sempre corroborados por evidência científica. Esta é também a abordagem que estas terapêuticas têm tido do ponto de vista internacional, nomeadamente por parte da Organização Mundial de Saúde[1].
Do quadro exposto resulta uma diferenciação, no seio da ordem jurídica nacional, entre atividades paramédicas e terapêuticas não convencionais. Desta diferenciação resulta que a integração das terapêuticas não convencionais, nomeadamente, para efeitos do regime jurídico português, da naturopatia, na categoria de “outros técnicos paraméricos” resultaria numa incongruência do sistema jurídico.
Assim, e na ausência de previsão específica desta atividade no âmbito da tabela prevista no artigo 151.º do Código do IRS, entende este Tribunal que a interpretação que a AT faz neste caso é, claramente, uma interpretação sem correspondência na letra da lei pois da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS resulta que a aplicação do coeficiente aí previsto se faz relativamente aos rendimentos das atividades especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º e, nessa tabela, não há referência específica à atividade de naturopatia.
Assim, valem as regras previstas no artigo 11.º da LGT, nomeadamente as seguintes:
-
Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis;
-
Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei;
-
Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
-
As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica
|
Assiste, assim, razão à Requerente quando sustenta que o coeficiente aplicável ao apuramento do rendimento tributável não é o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º,. Nestes termos, o ato de liquidação impugnado é ilegal por violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS, devendo, como tal, ser anulado, com todas as consequências legais, nomeadamente quanto ao pagamento de juros indemnizatórios, que se mostram devidos nos termos do disposto no artigo 43.º. n.º 1, da LGT e no artigo 61.º do CPPT, uma vez que se encontram preenchidas as condições de que depende a sua atribuição: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” (n.º 1 do artigo 43.º da LGT).
No presente caso, resulta do que ficou exposto que a Requerente foi obrigada a pagar imposto superior àquele que era legalmente devido, em consequência da errada aplicação do direito aos factos por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, e mesmo depois de apresentada reclamação graciosa e recurso hierárquico sobre a liquidação de IRS do exercício de 2019. O imposto foi efetivamente pago, como resulta do documento 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral. Assim, deverá o respetivo valor ser-lhe restituído, juntamente com os juros indemnizatórios que se mostrem devidos.
4. Decisão
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
-
Declarar a ilegalidade, e determinar a anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2020..., referente ao ano de 2019;
-
Declarar a ilegalidade, e determinar a anulação, do indeferimento expresso do recurso hierárquico n.º ...2021..., proferido pela DF de Lisboa;
-
Determinar a restituição do imposto e juros compensatórios indevidamente pagos;
-
Determinar o pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos nos termos do artigo 61.º do CPPT.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor € 403,34.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 306,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 22.12.2022,
A Árbitro
(Raquel Franco)