Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 166/2022-T
Data da decisão: 2022-12-12  IRC  
Valor do pedido: € 115.911,35
Tema: IRC – gratificações de balanço - dedutibilidade do respetivo gasto, nos termos do nº1 do art. 23º do Código do IRC.
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SUMÁRIO

a) Por gratificações de balanço entendem–se as importâncias atribuídas à gerência e/ou aos trabalhadores, a título de participação nos lucros da empresa pela assembleia geral da  sociedade.

b) Nos termos da alínea a) do Parágrafo 4º e do Parágrafo 8º da NCRF(Norma Contabilística e  de Relato Financeiro)  28, as participações nos lucros e as gratificações, se pagáveis dentro dos doze meses posteriores ao final do período em que os empregados prestem o respetivo serviço, configuram benefícios dos empregados a curto prazo, constituindo, de acordo com os Parágrafos 11º e 18º daquela Norma, gastos contabilísticos  do próprio exercício a que respeita o serviço prestado.

c)Fiscalmente, nos termos da alínea d) do nº 2  do art. 23º , na redação anterior à dada  pelo art. 2º da Lei nº 2/2014, de 16/1, essas gratificações eram  havidas como gastos  do exercício em que o serviço fosse prestado.

d)A dedução desses gastos  nesse exercício    dependia, no entanto,  nos termos da alínea m) do nº 1 do art. 45º do CIRC, na renumeração anterior à determinada no nº 1 do art. 15º dessa Lei , de as gratificações de balanço serem pagas ou colocadas à disposição dos titulares  nos doze meses posteriores ao seu encerramento.

e) Em caso de incumprimento desse requisito, o nº 5 do art. 24º do CIRC estabelecia que, ao valor do IRC liquidado em relação ao exercício seguinte, se adicionasse o IRC que deixasse de ser liquidado em resultado  da dedução das gratificações  que não tivessem sido pagas ou colocadas à disposição  dos interessados no  prazo indicado, acrescido dos juros indemnizatórios correspondentes.

f)  Nos termos da alínea c) do Parágrafo 4º, do Parágrafo 8º. e da alínea d) do Parágrafo  42 da NCRF 28, consideram-se , ente outros, benefícios de longo prazo  a participação nos lucros e as gratificações pagáveis 12 meses ou mais após o período em que os empregados prestam o respetivo serviço e, em geral, todas as remunerações  diferidas.

g) Nos termos do Parágrafo 8º e da alínea b) do Parágrafo 42º da NCRF 42, o aumento do valor de uma obrigação presente, mas resultante de serviços passados, é imediatamente reconhecido como gasto contabilístico do exercício em que tal aumento se verifique.    

h) Ao  aumento de valor da obrigação  presente resultante de serviços  anteriores aplica-se  o   nº 12 do art. 18º do CIRC, de acordo  com o qual , quando   não sejam considerados rendimento do trabalho dependente, nos termos  da1ª  parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS,   esses gastos .sejam   aceites fiscalmente, no período de tributação em que as importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos empregados., devendo então ser deduzidos ao resultado líquido do exercício.

i) A  ressalva por esse nº 12 do art. 18º da   1ª parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS não abrange as gratificações de balanço  cujo pagamento  dependa de condição suspensiva, enquanto tal condição não se verificar.

j) Uma  interpretação  restritiva desse nº  12 do art. º18º do CIRC poria  injustificadamente  em causa a tributação pelo rendimento líquido, um dos princípios fundamentais do IRC.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

Relatório

1.  Identificação das Partes

1.1. Requerente

A... SA, sociedade dominante do Grupo B..., Número de Identificação de Pessoa Coletiva..., com sede na Rua ... nº ..., Código Postal ...-..., ..., sediada na área do ... serviço de finanças do concelho de  ... .

  1. . Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) representada pelas juristas drªs Maria C... e D... .

2. Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral

2.1.-A 16/3/2022, deu  entrada no CAAD  e foi aceite o pedido de pronúncia arbitral

2.2. A 21/3/2002, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) foi  notificada desse pedido;

2.3- A 24/3/2022, a AT designaria para a representarem no processo os juristas C... e E..., designação que comunicaria ao CAAD a 4/4/2022.

2.4.- A 5/5/2022, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designaria o Presidente do Tribunal Arbitral, José Poças Falcão, e os árbitros auxiliares Luís Ferreira Alves e António Barros Lima Guerreiro, árbitro relator.

2.5- A 3/6/2022, a AT comunicaria ao CAAD a substituição do jurista E... pela jurista   D... .

2.6. Na mesma data, nos termos do art. 17º do RJAT, despacharia no sentido da notificação da  Sra. Diretora Geral da AT  para, no prazo de 30  dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo(PA) e, querendo, requerer a produção de prova adicional.

2.7-A AT não apresentou, resposta nem enviou o PA dentro desse prazo.

2.8- A 28/9/2022, despacho do presidente do Tribunal Arbitral determinaria que, nos termos  da alínea c) do art. 16º  do RJAT e de acordo  com  o princípio da proibição da prática de atos inúteis, ficasse dispensada a reunião do Tribunal com as partes, considerando (i) que se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais,  (ii) que não foi apresentada Resposta e   (iii) que não há questões prévias a apreciar e decidir.

2.9- Tal despacho determinaria ambas as partes deverem apresentar, no prazo simultâneo de 20 dias, alegações escritas, identificando os factos essenciais que consideram provados e não provados e de direito, formulando as respetivas conclusões. Nesse prazo poderá/deverá ainda a Requerida juntar a cópia do processo administrativo instrutor (PA) conforme determinado no despacho de 3/6/2022.

2.10—A 18/10/2022, a Requerida juntaria o PA.

2.11- A 19/10/2022, a Requerente  apresentaria alegações.

2.12- A 25/10/2022, a Requerida apresentaria alegações

3. O Pedido

A Requerente, como sociedade dominante do grupo B..., abrangido pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades regulado na Subsecção II da Secção VI do Capitulo III do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas(CIRC), pretende a anulação  de despacho do  15/12/2021 da diretora de serviços da  Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas(DSIRC), que indeferira  recurso hierárquico  do despacho do  Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e  Contenciosa  da Direção de Finanças do Porto, de 11/9/2019,  de rejeição da  reclamação graciosa do ato de liquidação adicional de IRC  nº 2017...,  no valor de € 115.911,25 €, resultante da correção dos valores declarados individualmente pelas empresas do grupo F...,  SA   e G..., SA., com o fundamento do não preenchimento das condições de dedutibilidade como custo de exercício  de 2013 das gratificações de balanço referidas na alínea m) do nº 1 do art. 45º, nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 23º  do CIRC.

4.1 Posição da Requerente

Segundo a Requerente, os factos objeto do presente pedido de pronúncia arbitral não têm enquadramento na alínea m) do nº 1 do art. 45º, mas na alínea d) do art. 23º   do CIRC,  ainda na redação e numeração anteriores à entrada em vigor da Lei nº 2/2014, de 16/1.

De acordo com a redação da última  norma em vigor na data dos factos , consideravam-se gastos os que comprovadamente fossem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, de acordo com a nova redação para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, nomeadamente, de natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros.

Para a Requerente, a relevância fiscal do gasto depende necessariamente de   um grau elevado de certeza quanto à sua realização e montante, não podendo basear-se em meras expetativas da sua ocorrência, como as constituídas durante o exercício a que os lucros respeitam, antes da deliberação de distribuição dos resultados.

A alínea m) do nº 1 do artigo 45º do CIRC possibilitaria, no entanto, a antecipação da relevância fiscal do gasto associado às gratificações de balanço para o exercício relativamente ao qual os resultados respeitassem, desde que aqueles montantes fossem pagos ou colocados à disposição dos titulares dos rendimentos  até ao final do exercício seguinte, não obstante  apenas com a deliberação e aprovação  em assembleia geral da distribuição dos lucros,   se tornar efetiva a obrigação da atribuição daqueles montantes   e se considerar adquirido o respetivo direito.

A imposição da condição da distribuição dos lucros teria procurado prevenir situações de abuso possíveis nos casos de, subsequentemente à dedução do gasto,  a distribuição dos lucros seja indefinidamente protelada.

Com efeito, a obrigação efetiva de pagamento das gratificações nos montantes de € 475.061,00 (F..., SA ) e € 44.298,00 (G... SA ) só se  se constituiu no exercício de 2013, em cujo encerramento se tornou certa e exigível.

Na verdade, a distribuição dos lucros do exercício de 2010, deliberada   pelas assembleias gerais de ambas as sociedades   na mesma data de 18/3/2011, foi subordinada por estas a uma condição suspensiva, cuja verificação só ocorreu com o final do exercício de 2013.

Assim, só nesse exercício tal gasto poderia e deveria ser deduzido, como fez, aliás, a Requerente.

Deste modo, a obrigação legal de pagamento das gratificações só se formou, não em 2010, mas apenas em 2013 com a verificação da condição suspensiva da sua atribuição aos beneficiários : apenas  a partir do encerramento desse exercício  é que os administradores ficaram investidos no direito de exigir o cumprimento dessa obrigação às respetivas sociedades, e consequentemente estas ficaram vinculadas a proceder ao seu pagamento.

A Requerente admite a interpretação dessa alínea d) do nº 2 do artigo 23º do CIRC, bem como da alínea m) do nº 1 do art. 45º, que sustenta, colidir com a interpretação  dessas mesmas  nomas efetuada  pelo nº 4 da  Circular nº 9/2011, da então Direção – Geral dos Impostos (DGCI)

Tal nº 4 da Circular nº 9/2011, que a Requerente julga sem base legal,   esclareceria,  invocando  os  Parágrafos 11 e 18 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 28 – Benefícios dos empregados,  os quais  determinaram   o  chamado «custo esperado dos pagamentos de participação nos lucros e bónus   constituir  gasto no período de tributação em que os empregados prestam serviço à entidade empregadora,  que, nas situações em que o custo esperado não possa ser reconhecido no exercício em que esse trabalho seja prestado, deve ser contabilizado e fiscalmente reconhecido no  período de tributação seguinte àquele a que respeita o lucro e não no período de tributação seguinte àquele em que ocorreu a variação patrimonial negativa a que respeita .

A interpretação dessas normas efetuada pela AT  seria sempre  incoerente, aliás,  com o nº 13 do art. 88º  do CIRC que ressalva da tributação autónoma regulada nessa norma, à taxa de 35 %:, incidente sobre os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a € 27 500, os casos em    que o pagamento dessa remunerações  estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

Assim:

a) Somente a obrigação legal de pagar € 463.000,00 (F..., SA) e € 43.000,00 (G... SA )se  constituiu a 18/3/2011  com  a aprovação da deliberação de distribuição dos lucros de 2010,  passando a existir a partir dessa data uma obrigação legal certa e determinada de pagar as gratificações, não  dependente de qualquer outro ato, facto ou circunstância, cujo encargo é dedutível como gasto do exercício de 2010,   nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 23º do CIRC.

b) A obrigação legal de pagar € 475.061,00 (F..., SA ) e € 44.298,00 (G... SA) só se tornaria efetiva apenas se as sociedades em causa tivessem um desempenho positivo nos próximos 3 anos, isto é, em 2011, 2012 e 2013, sendo o respetivo encargo apenas dedutível no exercício em que essas condições fossem preenchidas, ou seja, no exercício de 2013, e não no exercício de 2010.

c) Nessa medida, a liquidação impugnada, na medida em que excluiu a dedução no exercício de 2013 de gratificações atribuídas nesse exercício e pagas no exercício seguinte, por ilegal, deve ser anulada.

Requer igualmente o pagamento de juros indemnizatórios  nos termos do nº 1 do art. 43º da LGT, uma vez a obrigação tributária já ter sido paga por compensação.

4.1 Posição da Requerida

Segundo a Requerida, o facto de as gratificações terem sido sujeitas a IRS não assegura a sua dedutibilidade nos termos do nº 1 do art. 23º do CIRC.

Com efeito, o  nº 2 do art. 2º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) prevê que se consideram rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular e que sejam provenientes de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado, nomeadamente ordenados, salários, vencimentos gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios e prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não

Assim, as gratificações por participação nos lucros da empresa aos membros dos órgãos sociais, independentemente da forma por que se operem, constituem rendimentos do trabalho dependente, nos termos do artigo 2.º do Código do IRS, e como tal são sempre tributadas.

No entanto, a dedutibilidade destes gastos em sede de IRC não resulta automaticamente de esse encargo ter sido suportado: está sujeita às disposições aplicáveis do CIRC, no caso,  o nº 1 do art. 17º, alínea d) do nº 1 do art. 23º e a alínea m)  do nº 1 do art. 45º, anteriormente referidos, sem a observância das quais o encargo não pode ser deduzido .

Concede a Requerida que a dedução do gasto com gratificações atribuídas por conta de lucros ser  fiscalmente dedutível  tem enquadramento na alínea d) do n.º 2 do art. 23.º do CIRC.

Contudo, quando as referidas importâncias não sejam pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do período de tributação seguinte, determina a alínea m) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC os referidos gastos não concorrerem para a   determinação do lucro tributável.

Assim deveriam ser mantidas a decisão de indeferimento proferida no Recurso Hierárquico n.º ...2019... e a liquidação adicional de IRC n.º 2017..., referente ao período de tributação de 2013, não sendo, assim, igualmente devidos juros indemnizatórios.

5. Saneamento

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do art.º 2º do RJAT.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão legalmente representadas.

Não foram invocadas quaisquer nulidades ou anulabilidades de que o Tribunal deva conhecer de imediato.

O pedido é tempestivo, tendo observado sido deduzido dentro do prazo de 90 dias previsto na alínea a) do nº 1 do art. 10º do RJAT.

Com efeito, segundo o nº 10 do art. 39º do CPPT, norma ao abrigo da qual o ato impugnado foi comunicado à Requerente as  notificações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico, como é o caso, consideram-se efetuadas no décimo quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar. Segundo consta dos autos, tal disponibilização teria ocorrido, via CTT, a 16/12/2021 e o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado a 16/3/2022, dentro dos 90 dias posteriores àquele que a notificação foi efetuada, nos termos do nº 10 do art. 39º do CPPT.

6. Fundamentação de facto

6.1. Factos Provados

Em 28/3/2011, os acionistas da sociedade F...SA  do Grupo B..., deliberaram proceder ao pagamento de gratificações por aplicação de resultados do exercício de 2010 aos membros do seu  Conselho de Administração, no montante de € 938.061,00

Na mesma data, os acionistas da sociedade G... SA, membro do Grupo B..., também deliberaram  proceder ao pagamento de gratificações por aplicação de resultados do exercício de 2010 aos membros do seu Conselho de Administração, no montante de € 87.298,00

Relativamente às deliberações tomadas pelos acionistas F... SA, o valor das gratificações, de acordo com a respetiva ata,  seria pago da seguinte forma:

a) € 463.000,00 seriam pagos de imediato, durante o exercício de 2011;

b) € 475.061,00 seriam pagos três anos depois (2014), ficando o pagamento “condicionado ao desempenho positivo da Empresa ao longo desse período”

Relativamente às deliberações tomadas pelos acionistas da G..., o valor das gratificações de acordo com a respetiva ata, seria pago da seguinte forma: 

a) € 43.000,00 seriam pagos de imediato, durante o exercício de 2011;

b) € 44.298,00 seriam pagos três anos depois (2014), ficando igualmente este pagamento “condicionado ao desempenho positivo da Empresa ao longo desse período”

O gasto relativo ao montante das gratificações por aplicação de resultados pago de imediato (€ 463.000,00 na esfera da F... SA e € 43.000,00 na esfera da G... SA )  seria  contabilizado  logo no exercício de 2010, com fundamento  nos parágrafos 10 e 18 da Norma Contabilística e Relato Financeiro (NCRF) nº 28 e fiscalmente deduzido nesse período de tributação, nos termos da referida alínea d) do nº 1 do art. 23º do CIRC.

Já os demais montantes (€ 475.061,00 e € 44.298,00), cujo pagamento dependia da verificação de uma ulterior condição suspensiva não foram contabilizados como gasto  do exercício de 2010, nem  então foram fiscalmente deduzidos,  em virtude de a Requerente os não considerar rendimentos do trabalho dependente.

No entanto, a F... SA e a G... SA, considerando o parágrafo 10 da NCRF 21, provisionaram esse encargo futuro, que, no entanto, por falta de enquadramento no nº 1 do art. 39º do CIRC, não puderam deduzir fiscalmente no exercício de 2010. Tais provisões, refletidas na Conta  210900000, “Outras Provisões -  não Correntes”,  seriam inscritas no Campo 721 do Quadro 07 da Declaração modelo 11, “Provisões não dedutíveis ou dedutíveis para além dos limites legais”.

Em virtude da cessação da suspensão da obrigação de pagamento das gratificações   consequente dos ´sucessivos resultados positivos  obtidos pela F... SA  e pela G... SA nos anos de 2011, 2012 e 2013, em cumprimento da deliberação  das respetivas  assembleia gerais  ambas realizadas a 14/4/2014,  as  sociedades  utilizaram  para esse pagamento as provisões constituídas no exercício de 2010,  nos termos do nº 60 da NCRF 21,sem que tais provisões tivessem concorrido para a formação do lucro tributável dessas sociedades. Tais provisões não foram, assim, revertidas através da sua inscrição numa conta de ganhos, nos termos da 1ª parte do nº 58 daquela NCRF, mas aplicadas nesse pagamento.

O gasto fiscal com o pagamento futuro dessas gratificações seria deduzido por ambas as sociedades na declaração modelo 22 do exercício de 2013. circunstância que viria a ser invocada pela AT para fundamentar a liquidação em causa.

Posteriormente, a AT efetuou as seguintes correções  na esfera individual de duas empresas que integram o grupo, a saber, a F... SA e a G... SA:, em ações inspetivas promovidas pela Divisão V da Direção de Finanças do distrito do Porto, em cumprimento respetivamente das Ordens de Serviço OI02016... e 0I2016..., com fundamento na alínea n) do nº 1 e  no nº 5 do art. 23º- A do CIRC:   

A) F..., SA:

(i) € 6.790,00, correspondente à dedução indevida de parte do benefício fiscal referente à criação líquida de emprego para jovens e desempregados de longa duração, ao abrigo do nº 5 do art. 19º do Estatuto dos Benefícios Fiscais(EBF). Esta última correção não é questionada no presente processo  arbitral;

(ii) € 279.061,00, correspondente ao acréscimo à matéria coletável referente à utilização direta da provisão constituída para pagamento das gratificações de balanço por aplicação do resultado do exercício de 2010, ao abrigo da alínea m) do nº 1 do art. 45º  CIRC.

B) G..., SA:

(iii) € 44.298, 00, correspondente ao acréscimo à matéria coletável referente à utilização direta da provisão constituída para pagamento das gratificações de balanço por aplicação do resultado do exercício de 2010, ao abrigo da, alínea m) do nº 1 do art. 45º do CIRC, na numeração em vigor a quando dos factos controvertidos.

O ato de liquidação adicional de IRC impugnado, com o nº 2017...,  no valor de € 115.911,25 € , viria a refletir  tais correções nos termos do nº 1 do art. 70º do CIRC.

A Demonstração da Liquidação foi notificada à Requerente a 27/11/2017.

A 2/5/2018, a ora Requerente deduziria reclamação graciosa dirigida ao diretor de finanças do distrito do Porto.

A 16/8/2018, essa reclamação graciosa seria indeferida por intempestividade pelo chefe de divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa   da Direção de Finanças do Porto, por delegação, invocando a alínea b) do nº 1 do art. 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

A 4/9/2018, a ora Requerente deduziria recurso hierárquico desse indeferimento para o Ministro das Finanças.

A 5/4/2019 a diretora de serviços da DIRC, por subdelegação, deferiria esse recurso hierárquico, considerando, assim, sem fundamento a exceção da intempestividade, com o consequente regresso do processo administrativo à Direção de Finanças do distrito do Porto para decisão.

A 11/9/2019, o Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças do Porto voltaria a pronunciar-se no sentido do indeferimento da reclamação graciosa, desta vez após apreciar as questões de fundo.

Tal indeferimento seria notificado à então reclamante, por transmissão eletrónica de dados, a 21/12/2019.

A 26/12/2019, a ora Requerente deduziria recurso hierárquico do indeferimento para o Ministro das Finanças.

A   15/12/2021, a diretora de serviços de DSIRC, por subdelegação,  indeferiria o recurso hierárquico.

Tal indeferimento seria comunicado à Requerente, via CTT, a 16/12/2021.

6.2. Factos não provados

Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

6.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis “ex vi” das alíneas a) e), do nº 1 do art.º 29º do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. n.º 1 do art.º 511.º do CPC, correspondente ao atual art.º 596.º, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.ºdo RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do art.º 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

7. Direito aplicável

Está em causa no presente processo arbitral a dedutibilidade, nos termos da alínea d) do  nº 2 do art.º 23º do CIRC, das gratificações de balanço atribuídas a membros dos órgãos de sociedade anónima  quando o seu pagamento estiver condicionado a resultados positivos da empresa nos três exercícios consecutivos posteriores ao  da deliberação da sua atribuição  e, por isso, não possa ser efetuado no exercício até ao termo do exercício posterior ao da geração dos lucros.

Segundo a Requerente, dado a obrigação legal de pagamento dessas gratificações apenas se ter tornado efetiva no exercício de 2013, em cujo termo ficou preenchida a condição suspensiva  do seu pagamento,  é nesse período de tributação e não no exercício de 2010 a que respeitam os lucros distribuídos em virtude da deliberação social de 28/4/2014   que devem ser deduzidas.

Para a Requerida, essa dedutibilidade no exercício de 2013 que a Requerente pretende   seria  vedada pelo princípio da especialização consagrado no nº 1 do art. 18º do CIRC. Por força do mesmo princípio, vedada igualmente estaria a dedução dos exercícios de 2010 e 2011, já que as gratificações não foram pagas nem colocadas à disposição dos membros dos órgãos de administração das sociedades em nenhum desses períodos de tributação, mas nesse exercício de 2013.

Por gratificações de balanço, ou, se se quiser, por aplicação de resultados, entendem–se as importâncias atribuídas à gerência e/ou aos trabalhadores, a título de participação nos lucros da empresa pela assembleia geral - anual ou extraordinária - da  sociedade.

Esses lucros, nos termos da legislação comercial, pertencem aos sócios, que deles podem dispor conforme entenderem.

Integram o resultado apurado pela sociedade no termo do exercício, sujeito obrigatoriamente, nas sociedades anónimas, a aprovação da assembleia geral anual, segundo o art. 376º do Código das Sociedades Comerciais(CSC).

Na assembleia geral anual de aprovação das contas da sociedade, os sócios podem abdicar  desses lucros a favor dos colaboradores da sociedade,   normalmente  a título de  prémio ou gratificação pelos resultados coletivos  alcançados ,  ainda que, no exercício do  seu poder de decisão sobre a aplicação dos resultados, possam fazer depender a distribuição dos lucros  de eventos futuros.

Das gratificações de balanço distinguem-se os prémios de produtividade atribuídos ao trabalhador em função do cumprimento dos objetivos individuais determinados, ainda que, como as gratificações de balanço e, enquanto remunerações variáveis, estes possam ser abrangidos pela tributação autónoma a que se refere a alínea b) do  nº 13 do art. 88º do CIRC, introduzida pelo art. 89º da Lei nº 3-B/2000, de 28/4 caso estiverem preenchidos os restantes requisitos previstos nesta norma legal.

A atribuição de prémios de desempenho (não concedidos por via de gratificações), acordados com os trabalhadores resulta, com efeito, do cumprimento das metas  individuais  antecipadamente definidas para estes, não dependendo a sua atribuição de existirem  globalmente resultados positivos na empresa, no exercício da prestação do trabalho ou em exercícios posteriores.

No presente caso, a deliberação de atribuição dos lucros não se bastou com a sua existência, revelada através de resultados positivos, no exercício a que respeitavam:  a sua eficácia ficou cumulativamente condicionada a resultados positivos também nos três  exercícios posteriores. Caso essa condição não fosse preenchida durante todo esse tempo, o benefício ficava sem efeito.

Esse tipo  de condição  não é inédito e foi ampliado durante a crise financeira de 2008, em que se generalizou a ideia de o desempenho dos membros dos órgãos de administração das sociedades  não   poder ser eficazmente  medido  com base em único exercício, cujos resultados positivos   podem ser meramente conjunturais ou excecionais,  mas também nos exercícios imediatamente subsequentes ao período, cujos resultados, quando  negativos, possam  ter sido indiretamente influenciados   pelo desempenho no exercício inicial. 

Independentemente da bondade dessa opção, que não importa aqui questionar, a atribuição das gratificações de balanço seria  indiscutivelmente   sujeita a requisitos mais exigentes do que aqueles de dependeria,  caso essa condição adicional não  tivesse sido deliberada.  Nessa medida, a interpretação  da alínea m) do nº 1 do art. 45º do CIRC que serviu de base à decisão impugnada,  ao impedir a dedução dos  gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes, quando o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período, caso em que não estão sujeitos à tributação autónoma  do nº 13 do art. 88º, além de poder eventualmente comprometer o objetivo dessa exceção: é um desvio, justificado ou não,   à regra geral da tributação do rendimento líquido. Resta saber se foi essa a posição adotada pelo legislador.

Anteriormente ao  DL nº 159/2009, de 13/7, que adaptou   o CIRC ao Sistema Nacional de Contabilidade (SNC), aprovado pelo  art. 1º do DL nº 158/2009, igualmente de 13/7, os encargos com  gratificações e outras remunerações do trabalho, a título de participação nos resultados,  concorriam  para  a formação do lucro tributável, não como atualmente, nos termos da alínea d)  nº 2  do art. 23º do CIRC , na redação do art. 2º da Lei nº 2/2014 , enquanto   gastos  refletidos no resultado líquido do exercício, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, atualmente plasmado no nº 1 do art. 18º do CIRC.[1], mas enquanto variações patrimoniais negativas não projetadas nesse resultado. Não prejudicava a essa dedutibilidade essas variações patrimoniais negativas serem  posteriores ao exercício a que respeitavam, por só depois  do encerramento deste ser tomada a deliberação da distribuição dos lucros. Tais variações patrimoniais negativas  eram , assim, abatidas ao resultado contabilístico para efeitos de determinação do lucro tributável no próprio exercício da geração dos lucros, desde que as respetivas importâncias fossem pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte.

Com efeito, no regime contabilístico anterior ( Plano Oficial de Contabilidade , DL nº 410/89, de 21/11), as gratificações pagas aos administradores/gerentes e aos trabalhadores  eram tratadas como uma aplicação dos resultados,  apenas tendo passado  a ser  reconhecidas como gasto contabilístico  do exercício em que o serviço foi prestado à entidade   com o  início da vigência do SNC.

Esse nº 2 do art. 24º do CIRC estabelecia , no entanto, as variações patrimoniais negativas relativas a gratificações e outras remunerações do trabalho, a título de participação nos resultados,  concorrerem para a formação do lucro tributável do exercício a que respeitava  o resultado em que participassem e não do exercício  da deliberação da distribuição, desde que as respetivas importâncias fossem pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao encerramento deste último exercício. Caso assim não acontecesse,  o nº 4 desse art. 24º , aditado pelo nº 1 do art. 30º da Lei nº 87/98, de 31/12, obrigava a liquidação adicional relativa ao exercício do incumprimento desta condição: somava–se então  o IRC que tivesse deixado  de ser liquidado em resultado da dedução das   importâncias que não tivessem  sido pagas ou colocadas à disposição dos interessados no prazo indicado, acrescido dos juros compensatórios correspondentes. O custo era, assim, imputado, em vez de ao exercício em que os lucros fossem gerados ao exercício do incumprimento dessa condição de dedutibilidade. Esse regime é idêntico ao atualmente estabelecido na alínea n) do nº 1 e no nº 5 do art. 23º- A,  do CIRC, aditado pelo art 3º da Lei nº 2/2014.

Como afirmaria o Acórdão do STA de 9/2/2000, de 9/2, proc. 022208, “O princípio da especialização dos exercícios que se destina a tributar a riqueza gerada em cada exercício independentemente do seu efetivo recebimento, impõe que se contabilize como custo do exercício em que foi tomada a decisão da atribuição de uma gratificação aos membros dos órgãos sociais de uma empresa, ainda que a mesma não seja distribuída até ao termo deste”. Assim, anteriormente à entrada em vigor do DL nº 159/2009, o dispêndio resultante da atribuição dessa gratificação era custo contabilístico do exercício da deliberação dessa atribuição, em que se constituiu o encargo do pagamento, e não do exercício em que esses lucros fossem obtidos, a não ser que o pagamento não fosse efetuado até termo do exercício seguinte, caso em que era havido como encargo deste exercício .

No entanto,  o legislador entendeu antecipar  o reconhecimento fiscal  do gasto com as gratificações: para o exercício em que   fosse  gerado o lucro distribuído, incluindo , como é o caso,  os  membros dos órgãos sociais, não obstante   essa  variação patrimonial negativa se verificar posteriormente,  apenas com a deliberação da assembleia geral que decide a distribuição dos lucros [2]

Assim, embora a variação patrimonial negativa se verificasse apenas no exercício da atribuição das gratificações,  a mesma deveria ser fiscalmente reconhecida no exercício anterior, em que fosse  apurado o lucro em relação ao qual se atribui a participação aos trabalhadores ou membros dos órgãos sociais.

O  reflexo contabilístico dessa variação patrimonial negativa  ocorria, assim, no exercício seguinte ao do apuramento dos lucros, em que é tomada a deliberação da sua  distribuição, mas o efeito fiscal de dedução ao lucro tributável era imputável ao exercício a que o resultado dizia respeito,  o exercício em que os lucros fossem gerados,  em nome do  princípio da especialização dos exercícios, que, nos termos do nº 1 do art 18º do CIRC, impõe  que apenas os rendimentos e gastos economicamente imputáveis a um dado período de tributação sejam considerados nesse exercício e, por isso, influenciam o respetivo resultado líquido de exercício desse período, em cujas demonstrações financeiras são incluídos. Excecionavam-se, no entanto, os já referidos casos em que os lucros não fossem distribuídos até ao termo do exercício seguinte. 

Como se referiu, por força das alterações introduzidas no CIRC pelo art. 2º do DL nº 159/2009, os lucros distribuídos a título de gratificações do balanço passaram  a concorrer para a formação do lucro tributável, não enquanto variações patrimoniais  negativas, mas enquanto gastos integrados no resultado líquido do exercício, nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 23º.

Esse DL adaptaria a tributação dos benefícios a empregados à NCRF 28,  que  tem  por referência  a Norma Internacional de Contabilidade  IAS 19 – Benefícios dos Empregados, adotada pelo Regulamento (CE) n.º 1725/2003, da Comissão, de 21/9, alterado pelos Regulamentos (CE) n.º 208/2004, da Comissão, de 19 /11, n.º 2238/2004, da Comissão,  de 29/12, n.º 2236/2004, 211/2005, da Comissão, de 4/2 e nº 1920/2005, da Comissão, de 8/11. Por benefícios a empregados, segundo o Parágrafo 8º daquela NCRF, entendem-se todas a formas de remuneração dadas pelo serviço prestado pelos empregados.

Como se referiu, a  NCRF 28 tem como princípio subjacente que o custo inerente aos benefícios dos empregados deve ser  contabilisticamente reconhecido no período em que a entidade aufere os serviços dos empregados, em que  geralmente se constitui a obrigação de pagamento da respetiva remuneração,  e não quando os benefícios são pagos ou se tornam pagáveis,  o que sucede, no caso das gratificações de balanço, com a deliberação da assembleia geral  de os distribuir, salvo quando a eficácia dessa deliberação seja condicionada ao futuro.

Esse custo pode ser  reconhecido, conforme os casos, como passivo ou como gasto.

Com efeito, o  Parágrafo 1º da NCRF 28  define, assim, o fim desta Norma:

“1 — O objetivo desta Norma Contabilística e de Relato Financeiro é o de prescrever a contabilização e a divulgação dos benefícios dos empregados.

A Norma requer que uma entidade reconheça:

(a) Um passivo quando um empregado tiver prestado serviços em troca de benefícios de empregados a serem pagos no futuro; e

(b) Um gasto quando a entidade consumir o benefício económico proveniente do serviço proporcionado por um empregado em troca dos benefícios do empregado”.

Para esse efeito, são passivos e gastos os constantes das Demonstrações Financeiras elaboradas nos termos da Portaria nº 22/2015, de 24/7, do Ministério das Finanças.

“Grosso modo”, os passivos, a inscrever no balanço da empresa, resultam de um benefício presente em contrapartida do pagamento em período económico diferente do da constituição do benefício, caso em que o gasto é acrescido ou diferido.

Os gastos a inscrever na conta de resultados da empresa resultam de um benefício presente em contrapartida do pagamento efetuado no mesmo período económico Nesse caso, o respetivo gasto considera-se presente ou atual e não futuro.

Definindo o âmbito de aplicação da NCRF 28, o seu Parágrafo 3º diz:

 “Os benefícios de empregados aos quais esta Norma se aplica incluem aqueles proporcionados:

(a) Segundo planos formais ou outros acordos formais entre uma entidade e empregados individuais, grupos de empregados ou seus representantes;

(b) Segundo requisitos legais, ou através de acordos sectoriais, pelos quais se exige às entidades para contribuírem para planos nacionais, estatais, sectoriais ou outros multi-empregador; ou

(c) Pelas práticas informais que dêem origem a uma obrigação construtiva. Práticas informais dão origem a uma obrigação construtiva quando a entidade não tiver alternativa realista senão pagar benefícios aos empregados. É exemplo de uma obrigação construtiva quando uma alteração nas práticas informais da entidade causasse um dano inaceitável no seu relacionamento com os empregados.

Na linha desses princípios gerais, a contabilização dos benefícios dos empregados a curto prazo e a longo prazo segue regras diferentes, suscetíveis de influenciar o resultado líquido do exercício, variando conforme o gasto seja presente ou acrescido.

 De acordo com o Parágrafo 4º os benefícios dos empregados incluem:

(a) Benefícios a curto prazo dos empregados, tais como salários, ordenados e contribuições para a segurança social, licença anual paga e licença por doença paga) e benefícios não monetários (tais como cuidados médicos, habitação, automóveis e bens ou serviços gratuitos ou subsidiados) relativos aos empregados correntes;

(b) Benefícios pós-emprego tais como pensões, outros benefícios de reforma, seguro de vida pós emprego e cuidados médicos pós emprego;

(c) Outros benefícios a longo prazo dos empregados, incluindo licença de longo serviço ou licença sabática, jubileu ou outros benefícios de longo serviço, benefícios de invalidez a longo prazo e, se não forem pagáveis completamente dentro de doze meses após o final do período, a participação nos lucros, bónus e remunerações diferidas;

(d) Benefícios de cessação de emprego; e

(e) Benefícios de remuneração em capital próprio.

Segundo as definições efetuadas pelo Parágrafo 8º:

“Benefícios a curto prazo dos empregados: são os benefícios dos empregados (que não sejam benefícios de cessação de emprego e benefícios de compensação em capital próprio) que se vençam na totalidade dentro de doze meses após o final do período em que os empregados prestem o respetivo serviço.

……………………………………………………………………………………………..

Outros benefícios a longo prazo dos empregados: são benefícios dos empregados (que não sejam benefícios pós-emprego, benefícios de cessação de emprego e benefícios de remuneração em capital próprio)”.

Completando  esse Parágrafo 8º, o Parágrafo 9º da NCRF 28 declara, os benefícios a curto prazo de empregados incluírem itens tais como:

“(a) Salários, ordenados e contribuições para a segurança social;

(b) Ausências permitidas a curto prazo (tais como licença anual paga e licença por doença paga) em que se espera que as faltas ocorram dentro de doze meses após o final do período em que os empregados prestam o respetivo serviço;

(c) Participação nos lucros e bónus pagáveis dentro de doze meses após o final do período em que os empregados prestam o respetivo serviço;

 e (d) Benefícios não monetários (tais como cuidados médicos, habitação, automóvel e bens ou serviços gratuitos ou subsidiados) para os empregados correntes”.

Segundo os Parágrafos 22 e 23º da NCRF 28:

“22 — Uma obrigação segundo planos de participação nos lucros e de bónus resulta do serviço dos empregados e não de uma transação com os proprietários da entidade. Por conseguinte, uma entidade reconhece o custo de planos de participação nos lucros e de bónus não como uma distribuição do lucro líquido mas como um gasto.

23 — Se os pagamentos de participação nos lucros e de bónus não se vencerem totalmente dentro de doze meses após o final do período em que os empregados prestam o respetivo serviço, esses pagamentos são benefícios a longo prazo dos empregados”

Os passivos referidos na alínea a) do Parágrafo 1º da NCRF 28 podem contabilisticamente ser provisionados  pela entidade, nos termos do Parágrafo 13º da  NCRF  21, nos seguintes termos:

i)Quando uma entidade tenha uma o obrigação presente (não futura, ou seja, já existente) ou  resultante das práticas normais dos negócios, de usos ou costumes, de um desejo de manter boas relações negociais, de um desejo de agir de maneira equilibrada ou de um padrão ou modelo estabelecido de práticas passadas ou de políticas publicadas e, em consequência, a entidade tenha criado uma expectativa válida nessas outras partes de que cumprirá com essas responsabilidades (obrigação construtiva).

ii) Seja (pelo menos) provável que um exfluxo de recursos (pagamentos ou saídas de caixa e seus equivalentes) que incorporem benefícios económicos será necessário para liquidar a obrigação; e

iii) Possa ser feita uma estimativa fiável da quantia da obrigação.

Segundo o Parágrafo 8º da NCRF 21, as provisões abrangem as obrigações de tempestividade ou quantia incertas, desde que esta possa ser apurada através de estimativas.  Quando a obrigação seja certa e tempestiva, o encargo dever ser contabilizado como custo.   

As provisões só são, no entanto, fiscalmente dedutíveis nos casos tipicamente previstos no nº 1 do art. 39º do CIRC. Fora dos casos aí previstos[3],  não concorrem para a formação do lucro tributável.  Tal não dedutibilidade seria admitida, na Petição Inicial(PI), pela Requerente, que, em conformidade  com esse entendimento, inscreveu as provisões constituídas para o pagamento das gratificações  no Campo 721 do Quadro 07 da Declaração modelo 11, “Provisões não dedutíveis ou dedutíveis para além dos limites legais”, como resulta dos Factos Provados.

Já as importâncias contabilizadas como gastos do exercício, entendidos como quaisquer decréscimos nos benefícios económicos de uma entidade durante o seu período contabilístico sobre a forma de exfluxos ou no desgaste de ativos ou na incorrência de passivos originando diminuições de capital próprio na entidade, que não estejam relacionados com distribuições aos participantes no capital próprio, são dedutíveis caso preencham os requisitos do art. 23º do CIRC.

De acordo  com o  Parágrafo 10º  da NCRF 28 , “ A contabilização dos benefícios a curto prazo dos empregados é geralmente linear porque não são necessários pressupostos atuariais para mensurar a obrigação ou o custo e não há possibilidade de qualquer ganho ou perda atuarial. Além do mais, as obrigações dos benefícios dos empregados a curto prazo são mensuradas numa base não descontada”.

Aos benefícios  a empregados a curto prazo aplica- se o   Parágrafo 11º, segundo o qual:: :

“Quando um empregado tenha prestado serviço a uma entidade durante um período contabilístico, a entidade deve reconhecer a quantia que espera ser paga em troca desse serviço:

(a) Como um passivo (gasto acrescido), após dedução de qualquer quantia já paga. Se a quantia já paga exceder a quantia não descontada dos benefícios, uma entidade deve reconhecer esse excesso como um ativo (gasto pré-pago) na extensão de que o pré-pagamento conduzirá, por exemplo, a uma redução em futuros pagamentos ou a uma restituição de dinheiro; e

(b) Como um gasto, salvo se outra Norma Contabilística e de Relato Financeiro exigir ou permitir a inclusão dos benefícios no custo de um ativo (ver, por exemplo, NCRF 18 — Inventários e a NCRF 7 — Ativos Fixos Tangíveis).

Consequentemente, o parágrafo 18º da NCRF, aplicável, em virtude dessa remissão do Parágrafo 11º, aos benefícios a empregado a curto prazo, refere que uma entidade deve reconhecer o custo esperado dos pagamentos de participação nos lucros e bónus segundo o parágrafo 11 quando, e só quando:

- A entidade tenha uma obrigação presente legal ou construtiva de fazer tais pagamentos em consequência de acontecimentos passados; e


- Possa ser feita uma estimativa fiável da obrigação.

Essa disposição distingue entre uma obrigação legal, no sentido de juridicamente existente, da uma obrigação construtiva, ambas, quando certas e exigíveis, constituindo gastos contabilísticos.

Explicitando esse Parágrafo, o Parágrafo 20 dessa NCRF 28 explica, “Quando a entidade não tenha obrigação legal, pode ainda assim ter uma obrigação construtiva,  que é o que sucede, por exemplo, quando uma entidade tenha a prática enraizada de remunerar os trabalhadores através de gratificações por participação nos lucros  Não obstante, em alguns casos, uma entidade tem a prática de pagar bónus. Em tais casos, a entidade tem uma obrigação construtiva porque não tem alternativa realista senão de pagar a gratificação. A mensuração da obrigação construtiva deve refletir a possibilidade de alguns empregados poderem sair sem receberem a gratificação”.

Tal obrigação construtiva não abrange toda e qualquer  expetativas de facto, não fundadas, do empregado criada por práticas anteriores, mas apenas´, por exemplo,  uma alteração nas práticas informais da entidade  que cause um dano inaceitável no seu relacionamento com os empregados, com os inerentes reflexos no ambiente em que a empresa exerce atividade.

À contabilização dos benefícios a empregados a longo prazo aplica-se o Parágrafo 42º  da NCRF, nos termos do qual:

:“A mensuração de outros benefícios a longo prazo dos empregados não é geralmente sujeita ao mesmo grau de incerteza que a mensuração de benefícios pós-emprego. Além disso, a introdução de, ou alterações a, outros benefícios a longo prazo dos empregados raramente dá origem a uma  quantia material de custo dos serviços passados.  Por estas razões, esta Norma exige um método simplificado de contabilização para outros benefícios a longo prazo dos empregados. Este método difere da contabilização exigida para  benefícios pós--emprego como segue:   a) Os ganhos e perdas atuariais são imediatamente reconhecidos e não se aplica o « corredor ;: b)todo o custo dos serviços passados é imediatamente reconhecido”.

Para esse efeito,  por custo do serviço passado, segundo o Parágrafo 8º,  considera-se    “O  aumento no valor presente da obrigação de benefícios definidos quanto ao serviço de empregados em períodos anteriores, resultantes no período corrente da introdução de, ou alterações a, benefícios pós-emprego ou outros benefícios a longo prazo dos empregados. O custo do serviço passado pode ser ou positivo (quando os benefícios sejam introduzidos ou melhorados) ou negativo (quando os benefícios existentes sejam reduzidos)”

Assim, o custo dos serviços passados originando  benefícios a empregados a longo prazo é contabilisticamente reconhecido apenas  no exercício da constituição da obrigação do seu pagamento que, no presente caso, apenas se dá com a verificação da condição da qual dependem.

 Do que se referiu, conclui-se que a distinção entre benefícios a curto prazo e a longo prazo é transversal a todos os benefícios a empregados, considerados de curto prazo quando se vençam nos 12 meses posteriores ao termo do exercício em que os serviços sejam prestados  e a longo prazo quando se vencerem posteriormente.

A   citada  alínea d) do nº 2 do artº 23º do  CIRC, considera gastos dedutíveis, para efeitos de, nos termos do nº 1, se considerarem incorridos ou suportados para obter ou garantir dos rendimentos sujeitos a CIRC, os de  natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo 'Vida', contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados.

Estabelece, assim, a dedutibilidade, nos termos do anterior nº 1, dos encargos da sociedade resultantes da distribuição dos  lucros aos empregados, quando considerados rendimentos do trabalho dependente.

A dedução desses benefícios depende da sua contabilização e consequente reconhecimento na demonstração de resultados (Acórdão de 12/5/2021, proc. 0279/I.2BPRT, proc. 0669/189, e muitos outros anteriores)

Com efeito, nos termos do nº 1 do art. 17º do CIRC, o lucro tributável é apurado com base em elementos contabilísticos, ou seja, corresponde ao resultado líquido do exercício, corrigido pelas variações patrimoniais  positivas e negativas registadas no mesmo período

Deste modo, de acordo com o ponto 93 da Estrutura Conceptual do SNC (homologada por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 4/8/2009, publicado na 2ª Série do Diário de  República de 7/9/009,  os  gastos são reconhecidos na demonstração dos resultados com base numa associação direta entre os custos incorridos e a obtenção de rendimentos específicos. Este processo, geralmente referido como o balanceamento de custos com réditos, envolve o reconhecimento simultâneo ou combinado de réditos e de gastos que resultem direta e conjuntamente das mesmas transações ou de outros acontecimentos; por exemplo, os vários componentes de gastos constituindo o custo dos produtos vendidos são reconhecidos ao mesmo tempo que o rendimento derivado da venda dos produtos”.

Nos termos da alínea n) do nº 1 do art. 23º- A, anterior alínea m) do nº 1 do art. 45º,  não são, no entanto, dedutíveis gastos relativos à participação nos lucros por membros de órgãos sociais e trabalhadores da empresa, quando, ainda quando  contabilizados, as respetivas importâncias não sejam pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do período de tributação seguinte.

Em princípio, nos termos do nº 1 do art. 278º do Código do Trabalho, pela prestação do seu trabalho o trabalhador adquire um crédito retributivo, que se vence “por períodos certos e iguais, que, salvo estipulação ou uso diverso, são a semana, a quinzena e o mês do calendário”.  Nos termos do nº 2 dessa norma, tal crédito deve ser paga em dia útil, durante o período de trabalho ou imediatamente a seguir a este.

Tal norma é, no entanto, inaplicável às chamadas gratificações de balanço: o direito a essa distribuição não resulta diretamente da prestação do trabalho, mas da vontade da assembleia geral expressa na deliberação da aprovação das contas do exercício.

O facto de as gratificações  não serem atribuídas de acordo essa disposição do Código do Trabalho, mas nos termos do art. 376º do CSC , sendo tributadas nos termos da alínea a) do nº 3 do art. 2º do CIRS, não prejudica, no entanto,  que possam ser consideradas benefícios dos empregados a longo prazo,  à luz das citadas disposições da NCRF, quando pagas mais de 12 meses após o termo do exercício em que o trabalho é prestado.

De acordo com uma interpretação meramente   literal da  anterior redação da alínea n) do nº 1 do art. 45º, na numeração anterior à dada pelo nº 2 do art. 15º da Lei nº 2/2014, e da atual  alínea n) do nº 1 do art. 23º-A do CIRC, essas gratificações jamais poderiam ser consideradas dedutíveis, dado, por se tratarem de benefícios aos empregados de longo prazo, serem pagas mais de três anos após o  termo do exercício da efetiva  prestação do trabalho.

Não podem, por outro lado, ser deduzidas até ao final do exercício da prestação do trabalho, uma vez, até essa data, não serem pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários.

Essa interpretação literal esvazia  o sentido e alcance do nº 12 do art. 18º do CIRC, no que concerne ao regime particular que estabelece para os benefícios a empregados a longo prazo.

Com efeito, esse nº 12 do art. 18º  estabeleceria, para os benefícios a empregados de longo prazo,  regime diferenciado  do aplicável aos  benefícios dos empregados  a curto prazo,  que consta da citada alínea n) do nº 1 do art. 23º- A do CIRC,  harmonizado com  o regime contabilístico   estabelecido no Parágrafo 42º da NCRF 28,  de acordo com o qual o custo dos serviços passados originando  benefícios a empregados a longo prazo é   contabilisticamente reconhecido apenas no exercício da constituição da obrigação do seu pagamento. 

Segundo o nº 12 do art  18º do CIRC,  norma de natureza especial perante a então alínea n) do nº 1 do art. 45º,  com efeito, salvo quando estiverem  abrangidos pelo disposto no art.  43., os gastos relativos a benefícios de cessação de emprego, benefícios de reforma e outros benefícios pós emprego ou a longo prazo dos empregados que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da 1ª  parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do art.  2.º do Código do IRS, são imputáveis ao período de tributação em que as importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos respetivos beneficiários.

Deste modo, no caso de benefícios a empregados a longo prazo, como são indiscutivelmente, segundo a NCRF 28, as gratificações de balanço pagas mais de 12 meses após o termo do exercício em que o trabalho é prestado, os encargos suportados com o seu pagamento ou colocação à disposição são dedutíveis apenas   com o seu pagamento ou colocação à disposição dos empregados, incluindo membros dos órgãos sociais.

Ressalvam-se da aplicação dessa norma  apenas os benefícios do empregados  que  anteriormente,  nos termos da 1ª  parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do art.  2.º do Código do IRS,  tenham sido tributados como rendimentos do trabalho dependente. Essa exclusão resulta, como  é óbvio, da necessidade de impedir uma dupla dedução desses rendimentos, a quando da aquisição do respetivo direito e a quando do seu pagamento ou colocação à disposição dos titulares, teoricamente possível quando essas operações tiverem lugar em datas diferentes, que contrariaria um dos princípios gerais do IRC, que é a tributação do rendimento líquido .

De acordo com a 1ª  parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do art.  2.º , para que  a qual remete esse nº 12 do art. 18º , são rendimentos do trabalho dependente, para efeitos de aplicação dessa norma,  importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal:

i)Com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários;

ii) Para os fins previstos na subalínea anterior e que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários, sejam por estes objeto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade

As gratificações em causa não são  seguros  ou operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, nem são efetuadas para esses fins.  Tão pouco  essas importâncias foram  objeto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade do   seu pagamento .

A deliberação de atribuição das gratificações, porque condicionada,  não  constitui para os empregados qualquer acréscimo patrimonial suscetível de ser qualificado rendimento do trabalho dependente  nem foi constitutiva de qualquer direito: ficaria  sem efeito, se a sociedade não registasse  resultados positivos nos três exercícios posteriores ao da obtenção dos lucros.

Tal pagamento apenas ocorreu com o   vencimento da obrigação, consequente do preenchimento da condição suspensiva de resultados positivos nos três exercícios posteriores àquele em que tivessem sido gerados os lucros distribuídos.

 Com efeito, segundo o Parágrafo 8º da NCRF 28, os benefícios dos empregados condicionados ao futuro e, por isso, não são direitos adquiridos.  Assim, caso a condição se não verifique, não se constituí o direito ao benefício, não havendo rendimentos de categoria A de IRS passíveis de tributação.

Perante esses elementos, conclui-se que a Requerente no exercício de 2010 não contabilizou um gasto fiscalmente dedutível, mas um passivo que provisionou, com fundamento na incerteza do encargo

Nos termos do Parágrafo58º da NCRF 21, “as provisões devem ser revistas à data de cada balanço e ajustadas para refletir a melhor estimativa corrente. Se deixar de ser provável que será necessário um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos futuros para liquidar a obrigação, a provisão deve ser revertida”

Por não ser fiscalmente dedutível, por não prevista no nº 1 do art. 39º do CIRC, tal provisão foi tributada nos termos gerais.

Consequentemente a Requerente procedeu à respetiva correção fiscal, acrescendo o valor da provisão não dedutível no Campo 721 do Quadro 07 da Declaração modelo 22.

Por sua vez, no exercício de 2013, perante a verificação dos requisitos para a efetivação da obrigação da atribuição das referidas gratificações, a F... e a G... utilizaram diretamente, por via da movimentação de conta de balanço a referidas provisão.

A quando dessa utilização. a Requerente efetuou o movimento inverso ao anterior, a dedução no Campo 715 do Quadro 07, relativo a benefícios a empregados de longo prazo, do montante utilizado, o que é um procedimento contabilística e fiscalmente adequado (Ricardo Joel Dias Gonçalves da Costa, “A contabilização das provisões e contingências”, Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro, Coimbra, 2010, pg. 60), não havendo, assim, qualquer fundamento para a reversão da provisão feita.

Com efeito, segundo o Parágrafo 60 da NCRF 21, uma provisão deve ser usada somente para os dispêndios relativos aos quais a provisão foi originalmente reconhecida.

Não é, assim, aplicável o nº 5 do era, 23º-A do CIRC, nos termos do qual, no caso de não se verificar o requisito enunciado na alínea n) do n.º 1, ao valor do IRC liquidado relativamente ao período de tributação seguinte adiciona-se o IRC que deixou de ser liquidado, acrescido dos juros compensatórios correspondentes.

Tal norma pressupõe que, inicialmente o IRC tenha sido liquidado por montante inferior ao que se viria a mostrar devido, em virtude de não tributação ou tributação insuficiente das provisões efetuadas.

Ora, no presente caso, em virtude de o montante provisionado ter sido totalmente tributado,  não se vislumbra como esse nº 5 do art. 23º- A do CIRC possa ter algum campo de aplicação.

A liquidacão  controvertida apenas poderia ter por fundamento a violação  do princípio da periodização dos exercícios que, no caso dos benefícios a empregados a longo prazo, mas este princípio , como se referiu, está parcialmente derrogado, relativamente aos benefícios a empregado de longo prazo, pelo carácter especial do nº 12 do art. 18º do CIRC, que não é passível de qualquer interpretação restritiva.

A interpretação da lei sustentada pela Requerida põe, ao contrário, em causa  o  princípio da tributação do rendimento  líquido: dado  o benefício ser condicionado ao futuro, a entidade empregadora não  poderia deduzir  as gratificações até ao termo dos 12 meses posteriores à prestação do trabalho, mas também não o poderia fazer posteriormente, por a tal se opor a então alínea n) do nº 1 do art. 45º do  CIRC

É, no entanto, esta norma que deve ser objeto de uma interpretação restritiva , que a compatibilize com   nº 12 do art. 18º do CIRC.

É o que resulta do princípio da tributação do rendimento líquido que, no caso, se deve sobrepor ao princípio da especialização dos exercícios, que não deve ser absolutizado perante outros princípios estruturantes do sistema fiscal, aos quais, na dúvida, deve ser entendido que não se sobrepõe.

Segundo, aliás, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14/4/2016, proc. 03685/09 : o princípio da especialização dos exercícios é um subprincípio do da tributação do rendimento líquido devendo conjugar-se com outros valores ou princípios jurídico-tributários quando se verifique que a sua aplicação concreta conduz a um resultado que afronta esses outros princípios.

Juros indemnizatórios

A legalidade dos atos de liquidação por razões imputáveis à Administração Fiscal faz nascer na esfera do contribuinte o direito ao reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios nos termos do nº 1 do art. 43º da LGT e do art. 61º do CPPT, contados sobre a quantia indevidamente paga a partir do pagamento do imposto.

No caso, a Requerente invoca o imposto já ter sido pago por compensação: todavia, não indica em que procedimento ou processo a alegada compensação  foi efetuada e a data em que teve lugar.  Nessa medida, deve requerer o pagamento desses juros, se assim entender, em execução do julgado, onde apresentará a  prova dos pressupostos desse direito.

8- Decisão

Pelos fundamentos fatuais e jurídicos expostos, este Tribunal, julgando totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, decide:

a) Anular, nos termos expostos supra, os atos tributários objeto do pedido, designadamente o ato de liquidação adicional controvertido.

b)Condenar a Requerida no reembolso à Requerente do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal supletiva das dívidas cíveis( nº 10 do art. 35º e nºs 1 e 5 do art. 43º da LGT, art. 559º do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 8/4, e eventuais diplomas que se lhes sucederam), desde a data que se vier a comprovar em execução do julgado, até ao processamento da nota de crédito em que sejam incluídos, nos termos do nº 5 do art. 61º do CPPT.

e

c)Condenar a Requerida nas custas do processo, atento o seu decaimento.

 

9- VALOR

Fixa-se o valor do processo em 115.911,35 nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 97º-A do CPPT, aplicável ex vi as alíneas a) e b) do art.º 29º do RJAT e do n.º 2 do art.º 3º  do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária(RCPAT).

10- CUSTAS

Custas a cargo da Requerida  conforme o decidido supra, ao abrigo do disposto  no nº 2 do art. 12º do RJAT, no art. 4º do RCPAT  e na Tabela Anexa a este último, que se fixam em € 3.060,00.

Notifique-se.

Lisboa, 12 de dezembro de 2022

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

(José Poças Falcão)

 

(Luís  Ferreira Alves)

 

(António Barros Lima Guerreiro)

 

 



[1]  “Os rendimentos ou os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento de acordo com o regime da periodização económica”. Assim por força do referido princípio da especialização dos exercícios, custos e proveitos são contabilizados à medida que sejam incorridos e obtidos e não à medida em que ocorram os respetivos pagamento e recebimento. Desta maneira, imputam-se ao exercício os custos que, embora não suportados efetivamente nele,  emergem de operações nele realizadas; do mesmo modo, os proveitos ainda não arrecadados, mas resultantes de operações feitas durante um dado exercício, devem ser-lhe imputados.

[2]  Tal norma do nº 2 do art. 24º do CIRC não seria obviamente necessária caso o exercício da  verificação da variação patrimonial negativa, como realidade contabilística, e o exercício    em que a mesma é reconhecida, para efeitos de IRC coincidissem necessariamente (Acórdão do STA de 14/5/2014, proc. 051/14.Citando esse Acórdão , “Esta disposição do CIRC só se justificava pela não coincidência entre o exercício da verificação da variação patrimonial negativa na contabilidade e o exercício em que a mesma era fiscalmente reconhecida: embora a variação patrimonial negativa, como grandeza contabilística que é, se verificasse apenas no exercício da atribuição das gratificações, era fiscalmente reconhecida no exercício anterior, em que era apurado o lucro em relação ao qual se atribuía a participação dos trabalhadores ou membros dos órgãos sociais. Assim, tais gratificações, a título de participação nos resultados, concorriam para a formação do lucro tributável do exercício a que respeita o resultado em que participam, desde que as respetivas importâncias fossem pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte”.

[3]  Segundo esse nº ,1, podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:

“a) As que se destinem a fazer face a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os gastos do período de tributação;b) As que se destinem a fazer face a encargos com garantias a clientes previstas em contratos de venda e de prestação de serviços;

c) As provisões técnicas constituídas obrigatoriamente, por força de normas emanadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, de carácter genérico e abstracto, pelas empresas de seguros sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de empresas seguradoras com sede em outro Estado membro da União Europeia;

d) As constituídas com o objetivo de fazer face aos encargos com a reparação dos danos de caráter ambiental dos locais afetos à exploração, sempre que tal seja obrigatório nos termos da legislação aplicável e após a cessação desta.