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Sumário:
I – Os custos de financiamento da aquisição de participações sociais de empresas que corporizam o objecto social da entidade adquirente – criada para o exercer por via dessa aquisição e só o exercendo por isso – constituem gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC para efeitos do artigo 23.º do Código do IRC.
II – Ainda que – salvo situações de desvio de fim – o que releve seja a aferição do propósito social do financiamento no momento da sua obtenção, a subsequente integração das empresas adquiridas na adquirente, por fusão, não só mantém na titularidade desta o financiamento pelo qual paga juros, como junta, no mesmo balanço, os activos que tal dívida financiava e continua a financiar – não já enquanto activos financeiros, mas como activos e passivos de cariz operacional.
III – Fora dos limites legais, estabelecidos pelos montantes máximos de dedutibilidade de gastos de financiamento e pelas cláusulas anti-abuso, não cabe à AT proceder a discriminações tributárias com base numa suposta “normalidade” das modalidades de aquisição de empresas.
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
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No dia 29 de Março de 2022, A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede no ..., ..., ...-... ... (Requerente), apresentou requerimento de constituição de tribunal arbitral nos termos do disposto nos artigos 10.º e 2.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT) e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
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Pretendia que fossem anuladas a liquidação adicional de IRC n.º 2019 ..., de 23 de Outubro de 2019, e a Demonstração de Liquidação de Juros, identificada com o n.º 2019 ..., as quais, de acordo com a Demonstração de Acerto de Contas identificada com o n.º 2019 ..., de 25 de Outubro de 2019, deram origem a imposto a pagar no valor de € 131.659,08 (cento e trinta e um mil, seiscentos e cinquenta e nove Euros e oito cêntimos), bem como o pagamento de juros indemnizatórios.
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Nomeados os árbitros, que aceitaram a designação no prazo aplicável, e não tendo a Requerente, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida), suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 14 de Junho de 2022.
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Seguindo-se os normais trâmites, em 15 de Setembro a AT apresentou resposta e juntou o processo administrativo (PA).
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Em 20 de Setembro, foi proferido despacho a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e também – sujeita embora a não oposição das Partes – a produção de alegações.
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Não tendo havido oposição, não foram apresentadas alegações.
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PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e o pedido de pronúncia foi tempestivo e contém-se no âmbito das suas atribuições.
As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.
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MATÉRIA DE FACTO
III.1. FACTOS PROVADOS
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A “B..., Lda”, com o NIF ... e o capital social de € 1.000.000, era uma empresa importante no mercado português e uma marca de referência na fabricação e comercialização de produtos em polipropileno e poliestireno expandidos;
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A C... Unipessoal Lda (também designada por “C... Lda”) foi constituída em 13 de Março de 2008, com o NIF ... e o capital social de € 5.000, como uma subsidiária (a 100%) da D... BV sub-holding da E... BV, fazendo ambas parte do Grupo F... (Países Baixos);
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Segundo o Relatório de Inspecção Tributária (RIT, p. 32), “A C... Unipessoal Lda (sociedade “veículo”) não dispunha de uma estrutura empresarial compatível com o exercício da atividade económica do seu objeto social, porquanto não tinha instalações industriais, não possuía equipamentos, não tinha pessoal ao serviço, nem licenças, patentes e outros bens ou serviços necessários para a fabricação de qualquer produto.”
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Em 23 de Junho de 2008, por decisão estratégica do grupo F..., e após decisão de não oposição por parte da Autoridade da Concorrência, a C... Lda e a D... BV adquiriram as partes sociais das empresas do Grupo G..., composto por sete empresas portuguesas (H..., SA; B..., Lda; I..., Lda; J..., Lda; K..., Lda; L..., Lda; M..., Lda) e uma espanhola (N... SL);
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Em 16 de Julho de 2008, foi celebrado um “Acordo de Financiamento” (“Facility Agreement”) de longo prazo (51 anos) entre a D... BV (financiador) e a C... Unipessoal Lda (devedor) no valor de €12.500.000,00 destinado a financiar a aquisição do Grupo G...;
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Foi acordado entre a D... BV (como credora) e a C... Unipessoal Lda (como devedora) o pagamento de (i) um juro fixo de 0,6% ao ano e (ii) um juro de 23,84% que incidiria sobre o valor anual líquido do EBITDA consolidado;
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Para assegurar esse financiamento, a D... BV recorrera a crédito no mesmo montante (“Pledge of Funds and Shares Agreement”) junto do O... NV (entidade mutualista holandesa), sendo a taxa de juro praticada inicialmente (em 8 de Abril de 2008) de 5,938500%;
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Em 5 de Dezembro de 2008, a C... Unipessoal Lda aumentou o seu capital social de € 5.000,00 para € 50.000,00 mediante novas entradas de dinheiro, transformou-se em Sociedade Anónima, alterou a sua designação social para A..., SA, e incorporou, por fusão, cinco das empresas referidas na alínea anterior[1];
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A A..., SA, NIF..., continuou a ser detida a 100% pela sociedade holandesa D... BV, dedicada à gestão das participações sociais internacionais do Grupo F...;
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A Requerente, A..., SA, exerce a título principal a atividade a que corresponde o Código da Atividade Económica (CAE) 22220 - "Fabricação de Embalagens de Plástico" e a nível secundário a atividade do CAE 38322 "Valorização de recursos não metálicos", adotando um período de tributação coincidente com o ano civil;
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Em 22 de Dezembro de 2009, parte do empréstimo inicialmente concedido (€12.500.000,00) pela D... BV foi convertido em prestações acessórias (no montante de €2.000.000,00);
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Em 1 de abril de 2016, a totalidade do valor remanescente do empréstimo concedido à Requerente pela D... BV (€10.500.000,00) foi convertido em prestações acessórias;
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Em 19 de Dezembro de 2016 foi deliberado o reembolso à accionista D... BV de prestações acessórias no montante de €6.000.000,00 efetuado através de um encontro de contas entre a A... SA com a D... BV e a C...;
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Na sequência do referido encontro de contas mantém-se em prestações acessórias o montante de €6.500.000,00;
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Em 28 de Agosto de 2017, a Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI) remeteu à Direção de Finanças de... a sua comunicação n.º..., referente à troca espontânea de informações da Autoridade Fiscal Holandesa sobre decisões fiscais prévias transfronteiriças e/ou acordos prévios sobre preços de transferência, visando a sociedade com a denominação social de "A... SA – NIF ...", com sede em ..., ...;
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Subsequentemente, foram emitidas credenciais para recolher informação contabilística e fiscal relevante das operações comerciais e financeiras vinculadas (intra-grupo) nos anos de 2014, 2015 e 2016;
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Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2018..., a Requerente foi objeto de inspecção tributária externa, de âmbito geral, com referência ao período de tributação de 2014, que se iniciou em 4 de Outubro de 2018 (data de assinatura da credencial);
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Em 18 de Outubro de 2018 foi materializado o pedido de cooperação administrativa às Autoridades Fiscais Holandesas para apurar o tratamento fiscal aí dado aos fluxos financeiros transferidos pela sociedade A... para a empresa "mãe" D... BV nos anos de 2014 (€486.558,00), 2015 (€771.685,00) e 2016 (€221.724,00), a título de pagamento de juros relativos ao financiamento obtido;
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Foi especificamente perguntado:
i. qual a qualificação dos rendimentos e a taxa de tributação efectiva dos valores
transferidos para a empresa holandesa D... BV;
ii. qual a relação entre a D... BV e a E… BV;
iii. quais os termos e condições da operação de financiamento da D... BV junto da instituição O... NV no montante de €12.500.000,00 nomeadamente montante dos juros registados como gastos na empresa por via desse empréstimo;
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Foram também pedidos extractos dos fluxos financeiros associados à sociedade C... Unipessoal Lda/A... SA, contribuinte fiscal ...;
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Obtidos os documentos solicitados e esclarecida a relação entre ambas as sociedades holandesas (supra, b)) apurou-se que:
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o regime de tributação do rendimento nos Países Baixos isenta a D... BV de qualquer pagamento pelos juros recebidos;
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o empréstimo concedido à C... foi reembolsado em 31 de Março de 2016;
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Na sequência do procedimento de inspecção, foi emitida a liquidação adicional de IRC objecto da presente acção arbitral (imposto e juros), referente ao período de tributação de 2014, a qual foi originada pela correcção fiscal de € 486.558,00 relativa à não dedução dos encargos financeiros suportados pela Requerente com o financiamento referido em e);
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A liquidação ora impugnada foi previamente objecto de reclamação graciosa (processo n.º ...2020...), bem como de recurso hierárquico (processo n.º ...2020...), que foi indeferido em 27 de Dezembro de 2021;
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O montante de € 131.659,08, resultante da liquidação impugnada, foi pago em 9 de Dezembro de 2021.
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A liquidação adicional de IRC referente ao ano de 2016 foi objecto de pedido de pronúncia arbitral por parte da Requerente, tendo dado origem ao Processo n.º 177/2021-T.
III.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não há factos adicionais que sejam relevantes[2], tendo em conta o enquadramento jurídico do caso, nem para este se tornou necessário apurar outros.
III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe só o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
Assim, tendo em consideração que os factos não foram controvertidos e que cabe ao Tribunal apreciar livremente:
- a falta de contestação especificada dos factos (artigo 110.º, n.º 7, do CPPT);
- as posições assumidas pelas partes; e
- a prova documental e o PA juntos aos autos,
consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo também em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26 de Junho de 2014, proferido no processo 07148/13, o “relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
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DIREITO
IV.1. Questões a decidir
Como admitiu a Requerida, a questão a decidir resume-se à aplicação do artigo 23.º do CIRC aos juros suportados pela Requerente, relativos a um empréstimo participativo intra-grupo recebido para a compra da totalidade do capital social num grupo de empresas (grupo G...), as quais vieram a ser incorporadas por fusão pela sua adquirente.
Em função do decidido importará, ou não, cuidar do pedido, dependente e derivado, de pagamento de juros indemnizatórios (infra, IV.3.).
IV.2. Quanto à invocação do disposto no artigo 23.º do CIRC para desconsiderar juros de empréstimos pagos a uma sociedade dominante por montantes disponibilizados para aquisição de empresas subsequentemente incorporadas na devedora
Entendeu a AT na sua Resposta que os gastos com juros considerados pela Requerente em 2014 e 2015 não podiam ser considerados, essencialmente porque:
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“para efeitos de dedutibilidade fiscal em ordem ao apuramento do lucro tributável, os gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo terão de passar pelo crivo geral” da norma do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC («Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC»);
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“Os motivos que determinaram a alocação à Requerente de recursos financeiros resultam de um processo de decisão, imputado aos investidores do Grupo F..., onde se entendeu por vantajoso incumbir a Requerente de adquirir a totalidade do capital social do grupo G... .”;
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“Entendemos que a dedutibilidade dos gastos depende de um juízo quanto à sua afetação ao interesse societário que se circunscreve no propósito de obtenção de rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto. Trata-se, no fundo, de assegurar a tributação pelo rendimento real, sendo este o crivo geral do artigo 23.º do CIRC.”
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“perfilha-se da opinião que a cláusula geral do artigo 23.º do CIRC pretende impedir o abuso do instituto da dedutibilidade de gastos, evitando a inclusão de custos assumidos com a prossecução de interesses alheios. Os gastos abrangidos pela norma devem respeitar à própria sociedade contribuinte.”
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“o legislador quis expressamente recortar o âmbito da dedução fiscal em sede de IRC dos encargos financeiros (juros de financiamento), excluindo ou não admitindo da dedutibilidade os «juros de capitais próprios» bem como os «juros de capitais alheios» se não «aplicados na exploração», realçando-se aqui o intuito de demarcação do interesse e atividade da sociedade que suporta o gasto, face aos de outrem, quem quer que seja.”
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“deve considerar-se que o objeto social da Requerente na realidade consistia exclusivamente na “Fabricação de embalagens de plástico”, bem como “Valorização de recursos não metálicos” sendo totalmente alheia a referida aquisição de participações sociais.”
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“como a Requerente não tem como atividade estatutária a compra e venda de participações sociais, dificilmente se poderá discernir a ligação da aquisição de cem por cento do capital da original A... com o seu objeto social operacional.”
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“ficou demonstrado que o empréstimo em causa foi disponibilizado por uma empresa em relação de domínio absoluto com a Requerente e não foi aplicado na própria empresa, mas sim na aquisição das participações financeiras das empresas que constituíam o originário grupo G..., sociedades comerciais que se dedicam a atividades próprias e que têm personalidade e capacidade tributárias distintas da Requerente.”
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“as motivações económicas e financeiras que influenciaram a decisão, não se ativeram ao interesse da Requerente, mas decorrem de uma decisão emanada do topo da cadeia de controlo do dominante grupo F... .”
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“o Supremo Tribunal Administrativo declarou, no acórdão de 10.7.2002, proc. n.º 0246/02, que “os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte, a se”, pelo que “para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que em relação de domínio”, reiterando, nos acórdãos subsequentes de 7.2.2007, proc. n.º 01046/05, n.º III, de 20.5.2009, proc. 01077/08, de 30.11.2011, proc. n.º 0107/11 e de 30.05.2012, proc. n.º 0171/11, que “os custos têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades”, pois, “[a] não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação”.”;
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“No concreto entende-se que não sendo a Requerente uma SGPS, nem tendo no seu objeto social a atividade de compra e venda de participações sociais, os encargos financeiros por si suportados decorrentes do empréstimo para a aquisição das participações financeiras das empresas com as quais subsequentemente incorporou por fusão, não podem considerar-se como gasto para efeitos de dedutibilidade em sede de IRC ao abrigo do disposto no artigo 23.º do CIRC por serem alheios ao exercício da sua atividade.”;
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“Ou seja, o empréstimo em causa não foi aplicado na própria empresa, mas sim na aquisição de outras empresas, na prossecução de outros interesses alheios, degradando a base tributável da estrutura empresarial existente, e assim diminuindo os rendimentos sujeitos a tributação (IRC).”;
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“está enunciado na alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC que são dedutíveis os gastos de «natureza financeira» concretizando: «(…) tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração (…)».”;
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“No particular dos «juros» o legislador recorta o seu âmbito excluindo ou não admitindo da dedutibilidade os «juros de capitais próprios» (por exemplo, nos empréstimos participativos) bem como os «juros de capitais alheios» se não aplicados na exploração.”;
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“o empréstimo obtido pela Requerente junto da sociedade mãe D... BV foi celebrado por decisão do grupo e concedido entre duas sociedades, numa relação de dependência de cem por cento, tratando-se, substancialmente, de um empréstimo concedido por uma entidade a ela mesma, com um risco de incumprimento nulo.”;
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“Além do mais, com especial relevo, é de sublinhar que pela evolução cronológica e material do referido empréstimo na contabilidade da Requerente, verificamos que foi substancialmente considerado e tratado efetivamente como instrumento de capital próprio (convertido ao longo do tempo em prestações assessórias que integram a componente de capitais próprios) e nesse sentido não nos parece que os juros se enquadrem no conceito de «juros de capitais alheios».”;
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“Pelo que, se conclui que o referido financiamento se confina à real natureza de participação social.”;
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“Finalmente, consideramos igualmente que os gastos financeiros não são dedutíveis porque os recursos financeiros não foram «aplicados na exploração» conforme está plasmado no mesmo normativo legal indicado.”;
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“A aquisição das participações sociais das empresas do Grupo G... (original) nada mudou na estrutura do «complexo operativo» continuando as sociedades envolvidas a desenvolver a mesma atividade empresarial, com os mesmos recursos e fatores produtivos, nas mesmas instalações e no quadro das relações comerciais pré-existentes.”;
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“Assim, somos avessos ao entendimento de que a «exploração» possa abarcar a mera detenção de participações sociais no pressuposto de que, ainda assim, representa o exercício indireto da atividade.”;
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“O que se verificou com as operações de fusão foi que, em consequência da extinção das partes sociais detidas pela Requerente, a atividade à qual o empréstimo se encontrava associado (compra de participações sociais) não teve continuidade.”;
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“Inicialmente, antes da fusão, pela ausência de estrutura física, recursos humanos, materiais, técnicos e financeiros, os únicos rendimentos da Requerente derivados do negócio estão exclusivamente relacionados com mais (valias) de uma eventual alienação da sua participação ou então com os potenciais lucros (na sua esfera tributável sob a forma de dividendos) gerados pelas empresas participadas, que estão conexos com os gastos de financiamento, pois o empréstimo foi integralmente canalizado para a aquisição das suas participações sociais.”;
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“O que subsistiu após a fusão foi apenas a atividade operacional desenvolvida pelas sociedades que tinham pertencido ao inicial grupo G... e consequentemente sem alterações na «unidade geradora de rendimentos», em cuja exploração não foram aplicados os fundos obtidos com aquele financiamento que apenas serviram para remunerar aos seus proprietários o preço das participações sociais detidas.”;
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“Ora a mudança na posição económica que se operou, consubstancia-se no facto da estrutura empresarial do grupo G... passar efetivamente a suportar os gastos financeiros dos recursos utilizados para a sua própria aquisição, diminuindo a base tributável, quando em circunstâncias “normais” distribuiriam lucros (após a tributação em IRC) aos detentores de capital, sem suportar tais gastos de financiamento.”;
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“Por outras palavras, em termos práticos, a estrutura do Grupo G... está efetivamente a pagar aos seus próprios acionistas, os juros do preço de aquisição dela própria, proporcionando simultaneamente ao contribuinte a vantagem económica correspondente aos impostos que deixou de pagar via diminuição da base tributável comparativamente com atuações alternativas.”;
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“Ou seja, os juros pagos pela sociedade não respeitam à sua atividade, mas sim à atividade ou interesse da sua participante, consequentemente não poderiam concorrer para o resultado tributável, por se afastarem do seu interesse social ou da sua atividade própria.”;
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“Repita-se à saciedade que, os capitais alheios terão de ser aplicados na exploração da sociedade que os suporta e não utilizados noutros fins, para que os correspondentes encargos sejam fiscalmente dedutíveis. O que não é o caso dos autos por não serem inerentes ao interesse próprio da sociedade.”;
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“Acresce que também a alínea c) do nº 1 do art. 23º do CIRC, faz depender a dedução fiscal de juros de capitais alheios da aplicação destes na sua exploração, a qual se deve entender como "a atividade produtiva da empresa.” (Acórdão do STA n.º 0627/16, de 28.06.17). O que não aconteceu com a aplicação que a Requerente fez dos capitais obtidos.”;
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“Os juros suportados com o empréstimo não estão relacionados com a sua atividade empresarial (Fabricação de embalagens de plástico) e, embora inscritos na sua contabilidade, não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a uma entidade terceira (D... BV) não devendo ser aceites também para efeitos do cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC.”;
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“Não ficou demonstrado e nem justificada a necessidade da constituição/utilização da C... PT para o investimento do Grupo F... em Portugal. A sua parca existência e a fusão com as sociedades do grupo G... apenas tiveram como objectivo transferir para as empresas do grupo G... o empréstimo participativo obtido junto da D... (que por sua vez esta contraiu junto da entidade bancária que transferiu o dinheiro directamente para os vendedores da A...) que serviu para o pagamento na aquisição das próprias participações sociais aos anteriores titulares;”;
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“in casu arriscamos afirmar que estamos diante de uma das formas típicas de erosão da base tributária pois os pagamentos de “juros” efetuados pela Requerente à D... BV, redundaram na obtenção de um duplo benefício fiscal, consubstanciado em primeira instância na diminuição do lucro tributável em sede de IRC (Portugal) e em segunda na isenção de tributação (Holanda)”;
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“A requerente vem assim invocar o aumento do volume de negócios e a melhoria dos resultados dos anos mais próximos, 2018 e 2019; contudo desde meados de 2016 que o financiamento cessou, tendo deixado de existir os gastos de financiamento que diminuíram os resultados até 2016, reforçando a nossa posição quanto à inexistência de relação destes gastos com os rendimentos obtidos.”;
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“O empréstimo participativo, realizado entre empresas relacionadas e sediadas em diferentes jurisdições, em que uma detém e controla a outra, de natureza participativa, indexado aos resultados, por duas vezes transformado parcialmente em prestações acessórias, terminou em 2016 apesar do prazo inicial ser de 51 anos; não foi aplicado na exploração e na actividade da empresa; não foi incorrido para a realização ou garantia de rendimentos; não é enquadrável nos termos do artº 23º do CIRC.”;
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“E isso mesmo já foi reconhecido pelo CAAD, em decisão no processo 180/2018-T:
“Além disso, há muito que as instituições internacionais que se debruçam sobre a fiscalidade internacional, como o G20, a OCDE ou a União Europeia, têm vindo a alertar para a necessidade de os operadores jurídico-tributários estarem atentos a certas operações especialmente aptas a operar a transferência de lucros e a erosão da base tributária dos Estados, criando graves distorções de natureza económica e social a nível nacional e internacional ou no mercado interno da União Europeia, com o prejuízo de alguns Estados e dos respetivos contribuintes, aplicando normas anti-elisão (v.g. cláusulas gerais anti-abuso; limites à dedução de juros) ou interpretando as normas específicas existentes em conformidade com os objetivos anti-elisão fiscal, ou seja, atribuindo mais importância à substância económica das operações do que à forma jurídica que lhes serve de cobertura. Estas considerações levam a que se deva analisar a operação em causa à luz dos objetivos internacionais, europeus e constitucionais de proteção da base tributária dos Estados””;
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“Quanto ao benefício fiscal de dupla não tributação em PT e não tributação na Holanda; em PT é reduzida a base de tributação dos lucros e não há retenção na fonte no pagamento dos juros/lucros; na Holanda não há tributação dos rendimentos de juros/lucros recebidos por via da participation exemption;”;
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“algumas decisões que vão de encontro ao que defende a AT, contrariando a decisão tomada no processo nº 177/2020-T, do CAAD:
• Decisões do Tribunal Arbitral – CAAD, favoráveis à AT, com referência aos processos: 14/2011-T; 87/2014-T e 180/2018-T;
• Votos de vencido produzidos no âmbito das decisões tomadas nos processos:
92/2015-T e 93/2015-T, por João Menezes Leitão;
88/2016-T, 491/2016, 729/2016 e 521/2017, por Américo Brás Carlos;
191/2019-T, por Manuel Pires;
120/2017-T, 143/2018-T, 144/2018-T, 610/2018-T, 222/2021-T, 223/2021-T, por Jorge Carita; e com especial relevância para o caso que nos ocupa, o voto de vencido expresso pelo mesmo árbitro no Processo 110/2017-T.”;
• Jurisprudência judicial indicada por Américo Brás Carlos no processo 88/2016-T (Voto de vencido):
“10. Em consequência, tendo presente o acima referido, os encargos respeitantes àqueles empréstimos, suportados pela Requerente, não preenchem o requisito da indispensabilidade a que se refere o nº 1 do artigo 23º do CIRC, porque, em síntese:
a) Não respeitam à actividade por si desenvolvida (Ac. STA, proc. 0171/11);
b) Os gastos correspondentes aos juros suportados por uma sociedade incorporante em virtude da aquisição de capitais alheios por parte da sociedade incorporada para adquirir 100% das ações da primeira, não são indispensáveis para esta sociedade (incorporante), porque não foram constituídos no seu interesse empresarial, não sendo, assim, necessárias para a prossecução do seu escopo societário (Ac. STA, proc. 164/12 e Acs. TCA-Sul, proc. nº 5327/12 e proc. nº 8137/14);»”;
Em contrapartida, depois de salientar que “no âmbito do processo referente ao IRC do ano de 2016 – que correu termos junto do CAAD, sob o n.º 177/2020-T –, a Requerente foi notificada, a 7 de Outubro 2021, da decisão do Tribunal Arbitral, a qual deu total provimento à pretensão desta”, a argumentação da Requerente foi, essencialmente, a seguinte:
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“ao observarmos o disposto no artigo 23.º do Código do IRC vigente à data dos factos, torna-se evidente que a previsão de determinada atividade no âmbito formal do objeto social de uma sociedade não constitui, nem nunca constituiu, um requisito para a dedutibilidade dos gastos.”;
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“tanto a Decisão do CAAD proferida no Processo n.º 585/2014-T, como a proferida no Processo n.º 298/2017-T, entenderam que: “a «atividade» de uma empresa não se esgota no conjunto de operações produtivas ou operacionais. «Atividade» é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras,””;
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“sendo ainda mencionado nas referidas Decisões que “[a] atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.””;
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“no período de tributação aqui em análise, o artigo 67.º do CIRC já estabelecia tetos máximos de dedutibilidade dos encargos financeiros, ao dispor que: “Os gastos de financiamento líquidos são dedutíveis até à concorrência do maior dos seguintes limites: a) (euro) 3 000 000; ou b) 30 % do resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e impostos”.”;
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“A Lei do Orçamento do Estado para 2013 (Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), que introduziu esta limitação, previa também uma disposição transitória, a qual estabelecia que “Nos períodos de tributação iniciados entre 2013 e 2017, o limite referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do Código do IRC, sem prejuízo do limite máximo dedutível previsto no n.º 3 do mesmo artigo, é de 70 % em 2013, 60 % em 2014, 50 % em 2015, 40 % em 2016 e 30 % em 2017”.”;
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“Como tal, e no que respeita ao período de 2014, os gastos de financiamento eram dedutíveis até ao maior daqueles dois montantes, sendo que, no presente caso, tais limites foram observados.”;
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“não pode a AT qualificar o endividamento da requerente como excessivo, quando o mesmo se encontra no mais estrito comprimento dos preceitos legais em vigor à data do respetivo pagamento.”;
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“o financiamento da Requerente respeitou, em pleno, as regras impostas pelo artigo 67.º do Código do IRC, com a redação à data dos factos, pelo que ao desconsiderar fiscalmente estes gastos em sede do artigo 23.º do CIRC, incorreu a AT em vício de violação de lei, o qual determina a anulação dos atos tributários objeto do presente pedido.”;
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“Conforme refere o Prof. Rui Duarte Morais, “o art. 23.º, seguindo a mesma técnica utilizada relativamente aos proveitos, exemplifica alguns dos tipos de custos fiscalmente dedutíveis. (…) Esta enumeração exemplificativa redunda, pois, numa maior segurança” * uma vez que “(…) as alíneas do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC não poderão ser entendidas de outra maneira que não a de que quando os custos ou perdas estão especificamente elencados no artigo 23.º, presume-se a sua essencialidade, dispensando-se, consequentemente, o contribuinte da correspondente prova, precisamente esse o propósito da enumeração (retirado, para além do mais, da utilização da expressão nomeadamente)”.”;
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“a Requerente poderia ter obtido o mesmo financiamento para adquirir diretamente os ativos e passivos das sociedades que compunham o Grupo G..., sem adquirir as respetivas participações sociais, caso em que a AT não questionaria o seu resultado líquido de 2014,”
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“Acresce que, se a AT tivesse dúvidas a este respeito, e relativamente às decisões tomadas pela Requerente, então deveria ter questionado convenientemente a motivação económica dessas decisões, o que impunha naturalmente o recurso a outras normas do nosso ordenamento fiscal, que não o artigo 23.º do CIRC.”;
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(Citando a Decisão proferida no Processo n.º 42/2015-T):
“a actividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus activos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objecto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).””;
“O ponto que este tribunal quer sublinhar é o seguinte: a “actividade” de uma empresa não se esgota, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, no conjunto de actos operacionais. “Actividade” é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de activos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e
muitas outras aqui não expressamente referidas” (sublinhado nosso).”
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“refere o Acórdão do STA de 21 de Fevereiro de 2018, proferindo no âmbito do processo 0473/13 “A lógica empresarial e de grupo de empresas frequentemente aconselhará que os empréstimos sejam contratualizados pela empresa dominante, tendencialmente aquela que, pela sua dimensão e prestígio, se encontra melhor posicionada para os obter junto das instituições bancárias com condições mais favoráveis. Nada na lei comercial o impede, competindo a análise desse procedimento às próprias empresas do grupo, sem que a Administração Tributária se possa imiscuir em tal opção empresarial, por o direito fiscal não impor comportamento diverso.””
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“sendo os referidos encargos dedutíveis em momento anterior à fusão, nada obsta a que o mesmo aconteça após a fusão, porquanto esta em nada interfere com esta realidade.”
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“Ou seja, a dedutibilidade daqueles gastos não poderá ser questionada em momento posterior à fusão, pois os mesmos foram incorridos no interesse da Requerente e estão relacionados com a sua atividade”;
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“foi a Requerente quem contraiu o referido empréstimo obrigacionista, pelo que os encargos daí decorrentes constituíram-se na sua esfera e não na das entidades cujas participações foram adquiridas,”
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“sendo que, por via da fusão por incorporação, não se verificou qualquer alteração desta realidade.”;
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“desde 2012 (data em que ocorreram as fusões) até ao último exercício fechado (2019) o volume de vendas cresceu significativamente, sendo de € 15 milhões em 2016, de € 17 milhões em 2017, de € 18 milhões em 2018 e de quase € 20 milhões em 2019”;
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“Acresce que o Resultado Líquido passou de 158.615,06 em 2012, resultado já superior ao obtido em 2011, antes da fusão para € 2.196.341,36 em 2019;”;
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“com as referidas fusões resultou a aquisição dos ativos e passivos que integravam o património societário das sociedades incorporadas, ou seja,”
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“deu-se uma verdadeira aquisição de ativos e passivos, distintos (em parte) de partes de capital, geradores de resultados operacionais.”;
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“no caso da Requerente, torna-se evidente que os encargos financeiros em que incorreu não representaram apenas uma mera potencialidade para incrementar os proventos decorrentes da atividade relacionada com a produção e venda de produtos em poliestireno expandido (EPS) e polipropileno expandido (EPP): eles foram desde logo essenciais para que essa atividade se pudesse desenvolver no seu seio e para que o Grupo apresentasse o volume de vendas e os resultados fiscais que apresenta hoje.”;
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“E, assim sendo, nenhuma razão existe para determinar como relevantes para o apuramento da sua matéria coletável os proveitos obtidos no ano 2014, sem a correspondente relevância negativa dos custos suportados para os obter.”;
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“nos casos de fusão por incorporação há uma transmissão de todos os elementos patrimoniais, i.e., todos os ativos e passivos, tal qual estes existiam na esfera da sociedade incorporada.”;
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“afastar a dedutibilidade destes gastos equivaleria a desconsiderar, para determinados efeitos fiscais, a ocorrência de uma fusão lícita e neutra, resultado que, no nosso ordenamento, apenas é possível por recurso às normas antiabuso, e não por recurso ao artigo 23.º do CIRC.”;
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“Conforme referido na Decisão proferida no Processo n.º 42/2015-T “em decorrência das operações de fusão, a mesma sociedade (a Requerente) passou a deter, como elementos patrimoniais contabilizados ou reconhecidos no seu balanço, os ativos e passivos da sociedades operativas (v.g. K…, S.A; L…, Lda, M…, Lda) e continuou a inscrever, também no seu balanço, o capital próprio e os passivos financeiros que suportavam as participações sociais que antes representavam este conjunto de elementos patrimoniais.
Quer isto dizer que, antes da fusão, a A… detinha, no lado direito do balanço fontes de financiamento providas da C… (hoje B… Holding) pagando juros por aquelas fontes que consubstanciavam dívida; e, no seu ativo, participações sociais nas entidades operativas. Com a fusão, a mesma entidade (a Requerente) continua a deter os passivos já referidos (dívidas à participante C…) e substituiu as participações sociais - que se anularam com a fusão - passando, pois, a reconhecer os ativos e passivos das sociedades operativas cuja aquisição, recorde-se, constituíram a causa essencial do endividamento da A… face à C… (B… Holding).
Em suma: a fusão mantém na Requerente o financiamento pelo qual esta pagou juros, e teve como consequência patrimonial a junção, no mesmo balanço, dos ativos que tal dívida financiava e continuou a financiar. Não já ativos financeiros, mas a sua real tradução em ativos e passivos de cariz operacional.
É pois claro que a dívida da Requerente à sociedade mãe – e os juros daí resultantes – se inscrevem no interesse ou atividade da A…. Há uma ligação económica clara entre a dívida que vence juros e os ativos e os passivos que tal dívida suporta”.”
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“Ademais, e seguindo a decisão proferida pelo CAAD no Processo n.º 101/2013-T, cumpre não perder de vista que “os encargos financeiros são mesmo um dos custos fiscais típicos elencados no n.º 1 do transcrito artigo 23.º, não havendo qualquer obstáculo a que esses encargos respeitem a financiamentos utilizados na formação ou estruturação de grupos económicos, pois trata-se de actividades que se inserem na gestão empresarial e, por vezes, são mesmo essenciais à subsistência das empresas, num mundo económico globalizado, em que a maior dimensão, com as correspondentes economias de escala, proporciona melhores possibilidades de obtenção de lucros ou é mesmo imprescindível para que eles sejam obtidos” (sublinhado e negritos nosso).”
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“tendo em consideração o contexto económico do país no período analisado pelo estudo efetuado pela AT, entende a Requerente que é descabido assumir simplesmente que a degradação da situação económica do Grupo G... verificada desde 2008 se deveu à obtenção de um empréstimo junto da sua sociedade-mãe, num momento de forte restrição no acesso a outras fontes de financiamento.”;
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“Acresce que a desconsideração dos gastos em apreço com base na inexistência de razões económicas válidas apenas poderia ser efetuada ao abrigo da norma geral antiabuso prevista no n.º 2, do artigo 38.º da LGT, tendo a AT que dar cumprimento ao disposto no artigo 63.º do CPPT, o que, no presente caso, não sucedeu.”;
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“NÃO existe (e não existia à data dos factos) no ordenamento jurídico português qualquer regra que impeça a dedução de um gasto tão-somente porque o proveito reconhecido na esfera do respetivo beneficiário se encontra isento de imposto.”;
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“E se dúvidas houvesse quanto à inexistência de tais normas, a confirmação resulta diretamente do próprio Relatório de Inspeção, no qual a AT se vê obrigada a justificar a correção efetuada através de um paralelismo a contrario sensu com a medida antiabuso consagrada no n.º 10, do artigo 51.º do Código do IRC, a qual respeita à eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos a entidades localizadas em Portugal.”;
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“Ou seja, a AT socorre-se de uma medida antiabuso prevista no Código do IRC a respeito do pagamento de dividendos por entidades não residentes a sujeitos passivos com residência fiscal em Portugal, aplicando-a a contrario sensu a um pagamento de juros efetuado por uma entidade residente a um não residente.”;
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“Ora, a aplicação da norma prevista no artigo 51.º do Código do IRC ao caso aqui em análise não tem qualquer fundamento legal, não sendo a situação prevista na estatuição da norma minimamente equiparável à situação da Requerente.”;
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“Em primeiro lugar não estão sequer em causa lucros ou reservas distribuídas, mas sim um pagamento de juros”;
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“Por outro lado, o pagamento foi efetuado a uma sociedade residente para efeitos fiscais na Holanda, e não em território português (conforme previsto na norma em apreço).”;
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“E por último, a correção promovida pela AT não consistiu em impedir a não concorrência dos juros pagos para a formação do lucro tributável do respetivo beneficiário, mas sim em impedir a sua dedutibilidade na esfera do seu devedor.”.
Sobre o ponto – que é, recorde-se depois de percorrer esta panóplia de argumentos, apenas o de saber se o pagamento de juros de um financiamento (de € 12.500.000,00), obtido por uma empresa junto da sua accionista holandesa (que também recorreu a crédito bancário) para aquisição de um conjunto de empresas (alheias) em Portugal, deve ser imputado como gasto para efeitos do artigo 23.º do Código do IRC se a empresa que os paga foi um veículo criado para essa aquisição e se as empresas adquiridas são incorporadas na devedora – há-de reconhecer-se que os argumentos da AT não são inteiramente coerentes.
Por um lado, invoca a AT que a Requerente originária (C... Portugal) tinha um objecto social idêntico ao do grupo que veio a adquirir (“Fabricação de embalagens de plástico”); por outro, afirma que “dificilmente se poderá discernir a ligação da aquisição de cem por cento do capital da original A... com o seu objeto social operacional.” Ora, se o objecto social operacional da empresa que compra – criada de raiz e sem activos – é exactamente o da que é comprada, a aquisição desta é, manifestamente, uma alternativa à aquisição dos seus activos. De um modo ou de outro, a actividade que era desenvolvida na esfera da entidade adquirida passaria a ser executada na esfera da entidade adquirente. Aliás, a AT chega a admitir que, sem essa aquisição, a C... Portugal “não dispunha de uma estrutura empresarial compatível com o exercício da atividade económica do seu objeto social”[3]. Ou seja: admite expressamente que uma via para que a C... Portugal pudesse desempenhar a sua actividade social e gerar os rendimentos pelos quais viria a ser tributada em Portugal seria a aquisição da A...– o que, no entender do presente Tribunal, qualifica indubitavelmente os respectivos custos de aquisição como gastos para efeito do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC: “são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”
A circunstância de, aparentemente, a AT preferir que, em vez das participações sociais do grupo adquirido (e depois internalizado), a C... Portugal (ou, parece, melhor ainda para a AT, a D... BV…) tivesse adquirido os activos e as estruturas produtivas do Grupo G..., de modo algum podia compelir a C... Portugal a seguir essa via, nem o facto de o não ter feito merece tratamento fiscal diferenciado. Em todo o caso, a adquirente também teria de pagar juros (que poderiam ser exactamente iguais) pelo financiamento obtido para a aquisição dos activos.
Na medida em que a actividade produtiva correspondente ao objecto social da antecessora da Requerente só se tornou reconhecidamente possível com a aquisição do Grupo G..., o problema do seu enquadramento no artigo 23.º do Código do IRC não podia estar na adequação dessa aquisição. E, na verdade, na sua Resposta ao PPA a AT invocou quatro outros motivos[4]: o da fusão subsequente (a incorporação do Grupo G... na Requerente), o da natureza do empréstimo (considerado participativo e, portanto, sem risco), o do duplo benefício fiscal (na medida em que, por via do aumento dos custos em Portugal a Requerente paga menos, e os pagamentos recebidos na Holanda estão isentos de tributação) e o da não alteralidade dos capitais (sendo financiamentos intra-grupo, os capitais não seriam alheios).
Mesmo desconsiderando a diferente natureza das fusões subsequentes[5], tem sido considerado que estas não alteram a natureza dos gastos incorridos previamente, como é entendimento de alguma doutrina[6] e jurisprudência[7].
A natureza do empréstimo contraído junto da D... BV (com uma taxa de juro fixa de 0,6% sobre o valor global do empréstimo e uma taxa variável de 23,84% sobre o valor líquido do EBITDA anual consolidado da devedora no ano anterior) também não. O que o nosso ordenamento jurídico fixa – no artigo 67.º do Código do IRC – é limites aos juros que podem ser cobrados nos empréstimos[8]. Ora, como resulta do quadro da p. 26 do RIT, os montantes de juros pagos ficaram sempre abaixo do limite previsto na alínea a) do n.º 1 desse normativo e – face à folga da componente variável em relação à prevista na alínea b) desse artigo (que corresponde ao EBITDA) – também se contiveram no segundo. De resto, tendo oscilado entre uma taxa mínima de 2,11% em 2016 e uma taxa máxima de 7,35% em 2015 (tendo sido de 3,92% em 2012, 2,86% em 2013, e 4,63% em 2014) ficaram sempre abaixo dos montantes tidos por usurários (artigo 1146.º, n.º 1, do Código Civil) – e (excepto em 2015), abaixo dos próprios juros inicialmente devidos pela D... BV ao banco financiador (que foram originalmente fixados em 5,938500%).
Acresce que tal empréstimo à Requerente veio a ser convertido em prestações acessórias (no valor de € 2.000.000,00 em 22 de Dezembro de 2009, e os remanescentes € 10.500.000,00 em 1 de Abril de 2016), que foram, em parte (€ 6.000.000,00), reembolsadas em Dezembro de 2016. Se fosse um expediente para pagar menos impostos não haveria razões óbvias para reduzir tal empréstimo em 2009 e abdicar dele em 2016. Quanto à ausência de risco do empréstimo por ser intra-grupo (e que, portanto, também retiraria alteralidade aos capitais usados – o que não é inteiramente exacto porque, no caso, tinha comprovadamente implicado um endividamento externo a montante) a argumentação não colhe: por um lado, não há actividades económicas isentas de risco; por outro, não parece que a AT possa, fora dos limites legais que já se mencionaram[9], dar prioridade às suas próprias avaliações dos riscos em relação às que resultam dos termos dos contratos entre empresas[10].
O mesmo se diga em relação ao alegado duplo benefício fiscal, que é feito decorrer de uma suposta construção artificiosa (“quando comparada com a situação de normalidade de restruturação empresarial, que seria por exemplo a aquisição direta das empresas do Grupo G... pela D... BV ou D... BV, sem o recurso da sociedade C... Portugal.”), assim representada na p. 33 do RIT:
O que este esquema omite é que sendo o Grupo G... português e o Grupo F...holandês e sendo inicialmente entidades completamente distintas, o controlo das actividades produtivas em território nacional teria sempre de passar por um estabelecimento estável em Portugal ou por uma entidade aqui sedeada. Ora, excepto através da mobilização das cláusulas anti-abuso, não é função da AT substituir-se às empresas quanto à decisão sobre qual deve ser a forma ou a sede social das actividades que queiram desenvolver em território nacional (e menos ainda, dir-se-ia, quando a AT entende que essa sede devia ser situada no estrangeiro em vez de em território nacional).
O RIT chega a apresentar uma simulação (infra) do montante de “imposto evitado” se o Grupo F... tivesse adquirido directamente o Grupo G... sem a interposição de uma sociedade de Direito português (p. 35):
Parece ao Tribunal que o exercício esqueceu que, sem a interposição dessa sociedade nacional, a tributação da actividade que seria então desenvolvida em Portugal pela D... BV ou ficava sujeita ao regime dos acordos de dupla tributação ou podia passar para o regime especial de tributação dos grupos de sociedades (artigo 69.º-A do Código do IRC) e que, portanto, a comparação teria de ter isso em conta. E também que a suposta vantagem (nos Países Baixos) em conseguir uma “transferência disfarçada de lucros, maquilhados através do pagamento de juros” (RIT, p. 37) não parece ter fundamento, até em função do que se escreve imediatamente a seguir: “a Administração Fiscal Holandesa, também enquadra os rendimentos como lucros, não os sujeitando a tributação.” Claro que se os lucros auferidos no estrangeiro (e remetidos à accionista da Requerente sedeada nos Países Baixos) não fossem aí tributados, não havia razão alguma para os diminuir disfarçando-os de juros.
Finalmente, uma palavra sobre a alegada não alteralidade dos capitais usados na exploração pela C... Portugal, actual Requerente, para pagar a aquisição das participações sociais que lhe serviram de título de controlo das actividades produtivas que intencionava realizar em Portugal – supostamente porque o financiamento foi intra-grupo (“um empréstimo concedido por uma entidade a ela mesma”, escreveu-se na p. 38 do RIT). Sendo reconhecidamente uma sociedade veículo dessa aquisição, é verdade que a C... Portugal podia ter sido dotada dos meios necessários para esse efeito por diversas formas, e é verdade que até nem precisava de ter sido criada – caso em que, por definição, não precisaria de ser financiada. Uma vez que foi criada – uma opção legítima –, uma vez que teve de ser financiada pela sua empresa mãe – uma inevitabilidade – para aceder aos activos necessários para realizar a sua actividade operacional, e uma vez que esse financiamento até ocorreu por via de um empréstimo – garantido com o penhor da quota da D... BV na C... a favor do O... NV (pontos (ii) e (vi), respectivamente a pp. 17 e 18 do RIT) – parece que não há alternativa a considerar que os capitais com que foi dotada eram alheios. Nem há, no caso, julga-se, razões para desconsiderar a personalidade colectiva de cada uma das empresas que, aparentemente, nem sequer estão sujeitas em Portugal ao regime tributário dos grupos de sociedades. Aliás, o Acórdão Arbitral proferido no Proc. n.º 177/2020-T decidiu, com base no mesmo Relatório de Inspecção Tributária (RIT), exactamente a questão do tratamento dos gastos com juros pagos pela Requerente à sua accionista holandesa (ainda que em relação a outro período tributário – o de 2016).
Aí se escreveu, designadamente, o seguinte:
“A situação em causa no presente processo é de relativamente simples configuração e poderá ser, sumariamente e nos seus traços essenciais, descrita da seguinte forma:
- Em 2008, a Requerente, contraiu um empréstimo junto da titular do seu capital social, que utilizou para a aquisição de um conjunto de sociedades em Portugal;
- No mesmo ano de 2008, a Requerente incorporou, por fusão, a maioria das sociedades adquiridas, tendo incorporado uma outra, da mesma forma em 2012;
- No âmbito de contrato de financiamento outorgado, a Requerente suportou gastos com financiamentos, que a AT não aceitou como dedutíveis, nos termos do art.º 23.º, n.º 2, alínea c), do Código do IRC.”
Sendo exactamente essa a situação dos presentes autos, são totalmente aplicáveis as razões expendidas nessa decisão arbitral (depois de apresentadas as posições jurisprudenciais[11] sobre o entendimento do requisito da “indispensabilidade dos gastos”[12]), razões essas que, data venia, de seguida se transcrevem[13]:
“Em causa, como se anotou já, está a aplicação da al. c) do n.º 2 do art.º 23.º do CIRC aplicável, na parte que se reporta a “juros de capitais alheios aplicados na exploração”.
Relativamente a esta matéria, cumpre notar, antes de mais, que a norma se refere à aplicação de “capitais alheios”, remunerados pelos juros.
Ora, e desde logo, os capitais alheios obtidos pela Requerente, a título de financiamentos, foram integralmente aplicados (exaurindo-se) aquando da aquisição das participações sociais das sociedades posteriormente incorporadas.
Ou seja, no caso é essa a realidade: os montantes obtidos através financiamento (os “capitais alheios”, na terminologia da al. c) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC aplicável), não perduraram, sequer até um momento pós-fusão, mas, aquando daquela, estavam já integralmente aplicados.
(…)
Não obstará à conclusão formulada – julga-se, a constatação de que as obrigações pecuniárias de pagamento de juros pelo capital mutuado perduram no momento pós fusão, o que é uma evidência, estando em questão, justamente, da sua dedutibilidade. Com efeito, a aplicação a que se refere a al. c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, reporta-se aos “capitais alheios”, e não a quaisquer obrigações.
Poderá, então, ser questionado se o produto mediato dos gastos (as participações das sociedades subsequentemente incorporadas) foi “desviado”.
(…)
Com efeito, e como se escreveu no Ac. do STA de 13-04-2005, proferido no processo 01265/04:
“A fusão por incorporação, ainda que implique que só sobreviva, com personalidade jurídica própria, a sociedade na qual as demais se incorporam, não tem como consequência, no campo das realidades económicas e empresariais, o desaparecimento das empresas fundidas. Alguma doutrina comercialista – vd. PINTO FURTADO, PINTO COELHO e PUPO CORREIA nos lugares citados na sentença recorrida – aponta que a sociedade fundida, perdendo a sua personalidade jurídica, todavia persiste, modificada, formando um todo com outras, em condições diversas das que ocorriam antes da fusão. Mas não deixa de continuar a existir a mesma realidade económica, um mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva, que os sócios, aliás, quiseram potenciar com a fusão.
Ou seja, com a fusão por incorporação ocorre uma transformação da sociedade, mas não uma extinção, não decorrendo da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, ainda que implique a perda de personalidade jurídica."
Também no Ac. do TCA-Sul de 17-04-2012, proferido no processo 04172/10, se escreveu que “a fusão de sociedades é o acto pelo qual duas ou mais sociedades reúnem as suas forças económicas para formarem, com os sócios de todas elas, uma só personalidade colectiva, um novo sujeito económico e jurídico.
Daí que se possa afirmar, como parece tê-lo feito a A., que a fusão é, regra geral, e a situação em análise não constitui excepção, recomendada por interesses comuns às sociedades nela intervenientes, e não apenas a uma delas.”
E mais adiante: “É certo que se poderia argumentar que a sociedade fundida, perdendo a sua personalidade jurídica, todavia persiste, modificada, formando um todo com outras, em condições diversas das que ocorriam antes da fusão; todavia, também o certo é que não deixa de continuar a existir a mesma realidade económica, um mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva, que os sócios, aliás, quiseram potenciar com a fusão.
Numa outra formulação, põe [sic] afirmar-se que com a fusão por incorporação ocorre uma transformação da sociedade, mas não uma extinção, não decorrendo da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, ainda que implique a perda de personalidade jurídica.”.
Compreendido isto, será compreensível então, a afirmação de que os gastos com juros em questão, correspondem a capitais alheios que foram aplicados na exploração da entidade que os suporta.
Citando a jurisprudência que antecede, continua “a existir a mesma realidade económica”, o “mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva”, em cuja exploração foram aplicados os capitais alheios cujos gastos em juros vêm a sua dedutibilidade questionada, uma vez que não decorreu da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, ainda que com a perda de personalidade jurídica.
Assim, à luz desta compreensão dos efeitos da fusão por incorporação, não se poderá concluir de outra forma que não pelo preenchimento dos pressupostos da al. c) do n.º 2 do art.º 23.º do CIRC aplicável.
No mesmo sentido se havia concluído já no processo arbitral 42/2015-T* que analisou questão análoga à que ora se coloca, explicando-se que “a fusão mantém na Requerente o financiamento pelo qual esta pagou juros, e teve como consequência patrimonial a junção, no mesmo balanço, dos ativos que tal dívida financiava e continuou a financiar. Não já ativos financeiros, mas a sua real tradução em ativos e passivos de cariz operacional”.
Não se considera, por fim, que assuma relevância a circunstância de, no momento em que são suportados os juros (no caso, o exercício de 2014 [sic]), os activos nos quais foram aplicados os capitais alheios (participações sociais), a que se reportam aqueles, não integrarem já a esfera jurídica da sociedade resultante da fusão.
Efectivamente, aplicados os capitais alheios na exploração (situação diferente do “desvio” de parte dos capitais para aplicações estranhas ao interesse empresarial, que, não se verifica nos autos), concorda-se que seria, ainda assim, possível recusar a dedutibilidade fiscal dos correspondentes encargos financeiros, demonstrando-se que o produto daquela aplicação – no caso, as participações sociais e já não os capitais alheios – teriam sido desviados para finalidades extra-empresariais.
O que vem de se afirmar será de fácil compreensão com recurso ao exemplo de uma sociedade que, com recurso a capitais alheios adquira uma viatura, a qual afecta, desde logo, à exploração no âmbito da respectiva actividade, mas que, a partir de dado momento, passa a permitir a utilização da mesma exclusivamente no interesse de terceiros (v.g.: sócios; outras empresas).
Nesta situação, julga-se, a presunção de indispensabilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição da viatura, decorrente da aplicação dos capitais alheios na exploração da sociedade em causa, ver-se-á afastada*, pelo que a dedutibilidade daqueles encargos deverá ser recusada. Não é, contudo, uma vez mais, essa a situação dos autos.
Antes, o que acontece na situação que nos ocupa, como se viu já, é que, por via da operação de fusão realizada, houve um desaparecimento do objecto da aplicação dos capitais alheios as participações sociais, tendo sido substituídos por um outro tipo de activos – os activos operacionais das sociedades incorporadas.
Retomando o exemplo da viatura, a situação será a mesma que ocorreria no caso de, por via de uma decisão empresarial, antes de terminar o período de pagamento dos encargos financeiros relacionados com a sua aquisição, a mesma fosse trocada por outro tipo de activo (p. ex.: uma máquina industrial utilizada na actividade económica do sujeito passivo).
Ainda assim, não se tem dúvidas, aqueles encargos manter-se-iam dedutíveis, não obstante o desaparecimento da esfera jurídica do contribuinte – por via de uma decisão empresarial – do objecto em que os capitais alheios que remuneram foram aplicados. Tal só não aconteceria, na sequência do que vem de se dizer, se se demonstrasse que a decisão que deu causa ao desaparecimento de tal objecto foi motivada por interesses alheios à empresa ou, então, que foi abusiva. O que não é o que está em causa no presente processo.
Do mesmo modo, dúvidas não se têm, no caso, que os encargos financeiros contraídos para obter um financiamento aplicado na aquisição de participações sociais, se mantêm dedutíveis, após a incorporação, por fusão, das sociedades cujas participações haviam sido adquiridas.
Pelo exposto, enferma a liquidação objecto da presente acção arbitral de erro nos seus pressupostos de facto e de direito, devendo, consequentemente, ser anulada, e procedendo assim, na íntegra, o pedido arbitral.”
É exactamente a conclusão a que se chega no presente caso.
IV.2. Quanto à questão de restituição das importâncias pagas e juros indemnizatórios
Tendo procedido a argumentação da Requerente e sendo de anular as correcções efectuadas pela AT, tem de se determinar a restituição dos montantes pagos e têm de ser atribuídos juros indemnizatórios nos termos do nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (que estabelece que são devidos quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido) e do n.º 1 do artigo 100.º da mesma lei (que obriga “à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios”).
No caso, os erros que afectam a liquidação são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou os actos de liquidação por sua iniciativa, dando origem a um pagamento superior ao legalmente devido, razão pela qual está obrigada, como referido, à reconstituição da situação por equivalente, com o pagamento dos juros indemnizatórios.
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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, o presente Tribunal Arbitral decide:
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Julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, revogando as decisões de indeferimento do recurso hierárquico e da reclamação graciosa, e anulando o acto adicional de liquidação de IRC n.º 2019 ..., referente a 2014, a Demonstração de Liquidação de Juros n.º 2019 ... e a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019 ...;
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Condenar a Requerida à restituição do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento da quantia indevidamente liquidada, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril;
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Condenar a Requerida no pagamento das custas, nos termos abaixo especificados.
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VALOR DO PROCESSO
Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em €131.659,08 (cento e trinta e um mil, seiscentos e cinquenta e nove Euros e oito cêntimos).
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CUSTAS
Custas a cargo da Requerida, no montante de €3.060.00 (três mil e sessenta euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e do disposto no seu artigo 4.º, n.º 5, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, dado que o presente pedido foi julgado inteiramente procedente.
Lisboa, 9 de Dezembro de 2022
O Árbitro Presidente e relator
(Victor Calvete)
O Árbitro Adjunto
(António Martins)
O Árbitro Adjunto
(Augusto Vieira)
A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 excepto em transcrições que o sigam.
[1] Ficaram de fora a N... SL, por ser uma sociedade de Direito espanhol e ter sido adquirida directamente pela D... BV; a M..., Lda, por actuar fora do núcleo de actividades das demais (veio a ser alienada em 26 de Setembro de 2009); e a I..., Lda, que só veio a ser incorporada na Requerente em 27 de Julho de 2012, quando terminaram as exigências decorrentes da contratualização de fundos comunitários.
[2] Designadamente, os montantes que a Requerente foi cedendo à D... BV, a título de empréstimo, ao longo dos períodos analisados no RIT. A conclusão que aí se formula (p. 26) de que “em termos percentuais o juro a pagar pela A... [está] “inflacionado” uma vez que em termos médios é sempre superior aos juros recebidos do Grupo F... .” não se afigura pertinente: o termo de comparação não deve ser o montante dos empréstimos cruzados (que não têm qualquer ligação entre si) mas sim os juros do empréstimo obtido pela D... BV comprovadamente obtido para financiar a Requerente (inicialmente de 5,938500%, como se referiu) e os juros que esta pagava àquela por esse mesmo empréstimo (e que, segundo o quadro da mesma página do RIT foram de 3,92% em 2012, 2,86% em 2013, 4,63% em 2014, 7,35% em 2015 e 2,11% em 2016).
[3] Cfr. supra, alínea c) dos Factos Provados.
[4] A invocação do artigo 51.º do CIRC no RIT, a que a Requerente dedica a última parte da argumentação do PPA, não é retomado na Resposta da AT. Em todo o caso, as razões apontadas no PPA seriam suficientes para o afastar.
[5] Haveria razões para distinguir situações em que tais fusões revelam que os financiamentos se destinaram à “compra” do que já estava no perímetro do comprador, e situações – como a dos presentes autos – em que os financiamentos se destinaram à compra de activos alheios (seja na forma de share deals – como no caso – ou de asset deals). Em todo o caso, as normas anti-abuso deviam cobrir as primeiras.
[6] Saldanha Sanches (Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 216, destaque aditado): “Do ponto de vista da aceitação da perda como custo fiscalmente atendível, fica (…) assumido que o requisito da indispensabilidade dos custos para a formação dos proveitos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários e atendendo, por isso, à razoabilidade e à fundamentação das decisões de gestão no momento e nas circunstâncias em que são tomadas.”; Rui Morais (Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 88, destaque aditado):
“Os factos que aqui relevarão são os que rodearam/presidiram à tomada de decisão da qual resultou determinado custo para a empresa”.
[7] Vide, por exemplo, os acórdãos do STA proferidos nos processos n.os 0208/17, de 22 de Março de 2018, e 02176/15.3BEPRT 0915/17, de 30 de Janeiro de 2019, e as mais recentes decisões dos Tribunais arbitrais constituídos no CAAD (processos n.os 222/2021-T, 223-2021-T, 500/2021-T e 142/2022-T - que lista anterior jurisprudência arbitral). No Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 5 de Junho de 2019, proferido no processo n.º 1550/15.0BELRS, escreveu-se (destaques no original):
“não obstante do ponto de vista estritamente jurídico ter ocorrido uma “mera” aquisição de “participações sociais”, do ponto de vista económico essa aquisição traduziu-se na transmissão do negócio de exploração de estabelecimentos de óptica que é precisamente “ o activo” das sociedades adquiridas.
(…)
entende este Tribunal Central Administrativo Sul que é de confirmar integralmente o julgamento do Tribunal Tributário de Lisboa que, partindo do pressuposto de que o momento determinante para efectuar o juízo de relevância fiscal do gasto (de indispensabilidade) é o da contracção dos “empréstimos”, e não o momento em que são suportados os inerentes encargos, julgou fiscalmente relevantes os mesmos encargos (valor dos juros) assumidos pela Recorrida com os financiamentos para aquisição das sociedades M... de Gestão e M... Unipessoal (entretanto extintas por fusão) (…)”.
Na sua primeira nota, escrevia-se também aí o seguinte:
“A questão em apreço nos autos foi objecto de diversas decisões de Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, afigurando-se-nos que embora persista uma corrente minoritária, pelo menos tanto quanto se extrai dos votos de vencido exarados nas decisões arbitrais que logramos consultar, existe uma jurisprudência dominante coincidente, de resto, com a posição assumida na sentença sob recurso nestes autos.”
[8] Artigo cujo n.º 1 tinha, desde a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a seguinte redacção:
“Os gastos de financiamento líquidos concorrem para a determinação do lucro tributável até ao maior dos seguintes limites:
a) (euro) 1 000 000; ou
b) 30 % do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos.”
[9] O das cláusulas anti-abuso e o dos limites fixados no artigo 67.º do Código do IRC.
[10] É ponto assente que a AT não pode – como se escreveu no Acórdão do STA de 29 de Março de 2006, no processo n.º 01236/05 – “intrometer-se na gestão da empresa”.
[11] Por invocação dos Acórdãos do STA de 04 de Setembro de 2013, no processo n.º 0164/12; de 30 de Maio de 2012, no processo n.º 0171/11; de 30 de Novembro de 2011, no processo n.º 0107/11; de 29 de Março de 2006, no processo n.º 01236/05; do Tribunal Central Administrativo Sul de 16 de Outubro de 2014, processo n.º 06754/13: e do Tribunal Central Administrativo Norte de 20 de Novembro de 2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS.
[12] Cfr. supra, nota anterior. No acórdão do STA de 30 de Novembro de 2011, mencionado na nota anterior, escreveu-se:
“da noção legal de custo fornecida pelo art. 23° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o art. 23° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.”
[13] Suprimindo as notas (assinaladas por *).
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