Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 188/2022-T
Data da decisão: 2023-02-01  IRS  
Valor do pedido: € 42.000,00
Tema: Valor de aquisição para efeitos de cálculo de mais-valia em sede de IRS
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SUMÁRIO:

 

O valor de aquisição a considerar para efeitos de cálculo de uma mais-valia imobiliária relativa a prédio herdado é o Valor Patrimonial Tributário resultante da primeira avaliação nos termos do IMI após a data da abertura do óbito.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. No dia 18 de março de 2022, A..., com o NIF ..., residente na Rua ..., ..., ... (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), relativamente ao Deferimento Parcial da Reclamação Graciosa n.º ...2021..., em 17.12.2021, apresentada contra o ato de liquidação adicional de IRS n.º 2021..., do exercício de 2019, com o valor de €58.258,86, dos quais €56.525,92, correspondem a imposto e €1.732,94 a juros, incidindo o presente Pedido de Pronuncia Arbitral sobre a parte indeferida, no valor de  €42.000.
  2. No dia 21-03-2022, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
  3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  4. Em 12-05-2022, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
  5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 31-05-2022.
  6. No dia 05-07-2022, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta.
  7. No dia 20-07-2022, foi solicitada a pronúncia das partes quanto à possibilidade de dispensa de prova testemunhal e da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, não tendo as partes manifestado vontade de a recusar.
  8. Em 09-08-2022, foi dado um prazo de 15 dias às partes para apresentar alegações simultâneas.
  9. Em 25-08-2022 a Requerente apresentou as suas alegações (e em 30-08-2022 uma retificação das mesmas).
  10. Em 27-11-2022 e novamente em 30 de janeiro de 2023, foi o prazo para proceder à decisão prorrogado por um período adicional de 2 meses.
  11. Resulta do Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) e da documentação junta aos autos, que a Requerente defende, em síntese que:
    1. Em 2019 procedeu à alienação de um imóvel (o “Imóvel”) por €265.000;
    2. O Imóvel foi adquirido por sucessão em dois momentos distintos:
      1. 25% em 2000, por força da morte do pai da Requerente; e
      2. 75% em 2010, por força da morte da mãe da Requerente.
    3. Considera que o valor de aquisição dos referidos 75% deve basear-se no valor patrimonial tributário (“VPT”) resultante da reavaliação ocorrida em 2012 e de acordo com a qual, no montante de €262.330 (i.e., 75% de €262.330);
    4. A referida reavaliação foi espoletada pela entrega da modelo relativa à participação das transmissões gratuitas (Modelo 1).
  12. Em sentido contrário a Requerida (ou “Autoridade Tributária” ou “AT”), defende que:
    1. Em 07-11-2000 faleceu o Sr. B..., pai da ora Requerente.
    2. Em função desse decesso, a contribuinte herdou 1/4 do Imóvel (1/2 X 1/2, posto o seu progenitor ser casado sob o regime de comunhão de adquiridos e a esposa lhe haver sobrevivido, concorrendo à mesma herança) inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho de Cascais, sob o artigo ... .
    3. Em 10-12-2010, faleceu a Sra. C..., mãe da Requerente, tendo esta, então, herdado os remanescentes 3/4 do Imóvel;
    4. O Imóvel, por força da referida transmissão, viria a ter o seu VPT fixado em € 40.757,43.
    5. Em 10-01-2013 o Imóvel foi objeto de um procedimento de avaliação, pelo motivo ao qual corresponde o código 18, que significa que aquele procedimento teve lugar no âmbito da designada “avaliação geral” do património imobiliário urbano levada a cabo em cumprimento do disposto nos números 4 e 10 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, na redação que lhes foi conferida pela Lei n.º 60-A/2011, de 30/11.
    6. Em função do procedimento de avaliação mencionado, foi atribuído ao imóvel o valor patrimonial tributário de € 262.330.
    7. Em 30-06-2020 a ora Requerente procedeu à entrega da sua declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2019, a qual foi acompanhada dos anexos A, B e H, que viria a dar origem à liquidação nº 2020..., efetuada em 04-07-2020, em cujo âmbito se viria a apurar a quantia de imposto a pagar de € 1.234,43.
    8. Em 04-07-2020 foi instaurado no Serviço de Finanças de Cascais ..., em nome da Requerente, o procedimento de gestão de divergências nº... . Com base nas conclusões retiradas no âmbito deste procedimento, os serviços da AT elaboraram oficiosamente em 11-04-2021 uma declaração modelo 3 de IRS em nome da ora Requerente, também relativa ao ano de 2019, que foi acompanhada dos anexos A, B, G e H.
    9. No quadro 4 do anexo G anexo àquela declaração, os serviços da AT mencionaram haver a ora Requerente alienado uma quota-parte de 25% e outra de 75% do Imóvel.
    10. Os valores indicados foram:
  1. Quota de 25% (adquirida em 2000):
    1. Valor de realização: € 198.750;
    2. Valor de aquisição: €1.554,69.
  2. Quota de 75% (adquirida em 2010):
    1. Valor de realização: € 66.250;
    2. Valor de aquisição: € 30.568,07.
  1. Com base na declaração referida, foi efetuada, em 17-04-2021, a liquidação de IRS n.º 2021..., em cujo âmbito se viria a apurar a quantia de imposto a pagar de €56.525,92, a que acresceu a quantia de €1.732,94 de juros compensatórios, perfazendo o montante total a pagar de € 58.258,86.
  2. Recorrendo ao sistema informático da AT, constata-se que em 30-04-2021 os serviços tribuários procederam ao acerto de contas com o montante apurado na liquidação de IRS n.º 2020..., efetuada em 04-07-2020.
  3. Através do acerto de contas n.º 2021..., a Requerente veio apresentar reclamação graciosa contra a liquidação n.º 2021..., a qual viria a ser autuada sob o n.º ...2021... .
  4. Esta reclamação viria a ser objeto de decisão de deferimento parcial, consubstanciada em despacho proferido pela Chefe da DJA da DF de Lisboa em 17-12- 2021.
  5. A parte objeto de aceitação pela AT respeitou a despesas de intermediação na alienação do imóvel, no montante de € 16.297,50.
  6. Com base na decisão da reclamação graciosa os serviços da AT elaboraram em 22-02-2022 nova declaração oficiosa em nome da Requerente, relativa ao ano de 2019, que foi também acompanhada pelos anexos A, B, G e H.
  7.  Do quadro 4 do anexo G os serviços fizeram constar as mesmas quotas-partes, valores e datas de realização e aquisição que constavam dos mesmos quadro e anexo que acompanharam a declaração oficiosa elaborada em 11-04-2021, acrescentando, contudo, o montante das despesas de intermediação na alienação do imóvel, assim distribuídas:
  1. € 4.074,37 relativamente à quota-parte de 25% adquirida em 2000;
  2.  € 12.223,13 relativamente à quota-parte de 75% adquirida em 2010.
  1. Com base na declaração mencionada, foi efetuada em 04-03-2022, a liquidação de IRS n.º 2022..., em cujo âmbito se viria a apurar a quantia de imposto a pagar de €52.410,80, a que acresceu a quantia de €1.604,41 de juros compensatórios, o que perfez o montante total a pagar de €54.015,21, o que viria a ditar a produção de um novo acerto de contas, sob o n.º 2022..., tendo sido levado a efeito em 08-03-2022.
  2. Não obstante o deferimento parcial da reclamação graciosa contra aquela apresentada, a Requerente continua, através do presente pedido de constituição de tribunal arbitral, a contestar a liquidação de IRS nº 2021..., efetuada em 17-04-2021, sustentando que o valor de aquisição, para efeitos de determinação das mais-valias, decorrentes da venda do imóvel em causa, relativo à quota-parte adquirida em 2010, por óbito de sua mãe deve ser calculado partindo do valor patrimonial tributário (VPT) fixado para o imóvel alienado em avaliação que lhe foi efetuada – data que alega - em 19-12-2012, o qual ascendeu a € 262.330.
  3. Sustenta a Requerente o VPT de € 262.330 foi determinado na sequência de procedimento de avaliação realizado após a primeira transmissão do bem efetuada depois da entrada em vigor do Código do IMI.
  4. Tendo a aquisição sido processada por via de herança, estamos perante uma transmissão gratuita, pelo que, estando a mesma isenta de Imposto do Selo nos termos da al. e) do artigo 6.º do respetivo Código (“CIS”), devemos ter em consideração (para efeitos de IRS) o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRS.
  5. A Requerente funda a sua posição no disposto no artigo 15.º - por remissão do artigo 27.º - do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, defendendo que a avaliação efetuada ao prédio urbano que detinha foi efetuada em 19-12-2012, quando já estava em vigor a atual redação do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, e cujos números 1 a 3 – bem como 6 a 8 – haviam sido revogados.
  6. Desta forma, já não vigoravam as disposições que cominavam que, enquanto se não procedesse à avaliação geral do parque imobiliário urbano, os prédios seriam avaliados aquando da primeira transmissão dos mesmos que tivesse lugar após a data de entrada em vigor do Código do IMI, pelo que não poderia também ter aplicação o disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 27.º do mesmo Decreto-Lei que estatuía: “2 – O imposto do selo é liquidado, sem prejuízo das regras especiais previstas no respetivo Código, nos seguintes termos: a) No caso de prédios urbanos, com base no valor da avaliação prevista no nº 1 do artigo 15º do presente diploma.”.
  7. Assim, à data da avaliação, o n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003 não se encontrava já em vigor, tendo sido revogado pela Lei n.º 6-A/2011, de 30/11. Tal sucedia também com o n.º 2 do sobredito artigo 15.º do mesmo diploma, que cominava: “2 – O disposto no nº 1 aplica-se às primeiras transmissões gratuitas isentas de imposto do selo, bem como às previstas na al. e) do nº 5 do artigo º do Código do Imposto do Selo, ocorridas após 1 de janeiro de 2004, inclusive.”, devendo, ainda, ser tido em conta o n.º 8 - igualmente revogado - do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, posto remeter para o acima transcrito n.º 2, e que dispunha o seguinte: “8 – O disposto no nº 2 do presente artigo não se aplica ao cônjuge, descendentes e ascendentes, nas transmissões por morte de que foram beneficiários, salvo vontade expressa pelos próprios.”.
  8. Também o plasmado no número 1 da mesma norma, ao qual o número 2 faz referência e para o qual a já transcrita al. a) do n.º 2 do artigo 27.º do mesmo diploma remetia. Previa o dito nº 1: “Artigo 15º Avaliação de prédios já inscritos na matriz 1 – Enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor.”
  9. Constata-se, pois (e é matéria factual) que, à data de realização da avaliação, o regime previsto nos números 1 a 3 e 6 a 8 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, não estavam já em vigor no ordenamento jurídico, motivo pelo qual se tornou ineficaz a remissão para ele efetuada pela al. a) do nº 2 do seu artigo 27.º.
  10. Dúvidas não restem quanto à base legal em que avaliação do imóvel foi levada à prática, pois, consultando o sistema informático da AT, conclui-se que a mesma pelo motivo ao qual corresponde o código 18., o que significa que aquele procedimento teve lugar no âmbito da mencionada “avaliação geral”. E não o código 8, correspondente a procedimentos de avaliação efetuados na sequência de primeira transmissão na vigência do IMI.
  11. Constata-se que o novo valor patrimonial apurado para aquele no procedimento de avaliação acima mencionado apenas vigorou a partir de 31-12-2012. E que a atualização do mesmo radicou no motivo ao qual corresponde o código 67, significativo de avaliação geral da propriedade urbana.
  12. Já se a razão da atualização se alicerçasse numa avaliação realizada em resultado da primeira transmissão na vigência do IMI o código correspondente a tal atualização seria o 57.
  13. Face ao exposto – constante dos respetivos registos informáticos - não pode subsistir a mínima dúvida de que os serviços avaliaram o imóvel no âmbito da avaliação geral do imobiliário urbano.
  14. De acordo, aliás, com o n.º 10 do já tão mencionado artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003 (o qual lhe foi acrescentado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30/11), e que comina: “10 - Ficam abrangidos pela avaliação geral os prédios urbanos que em 1 de dezembro de 2011 não tenham sido avaliados e em relação aos quais não tenha sido iniciado procedimento de avaliação, nos termos do CIMI.”.
  15. A Requerente bem sabe que tal avaliação não assentou no regime transitório, pois não lhe foi liquidado IMI com base no novo valor patrimonial tributário (VPT) do imóvel anteriormente a 2012. Não tendo o mesmo retroagido à data da aquisição do imóvel para efeitos de imposto sobre o património (IMI), imperioso será concluir que não poderá ficcionar-se essa mesma retroatividade para efeitos de imposto sobre o rendimento (IRS).
  16. Admitir um VPT para efeitos de IMI e outro para efeitos de IRS contrariaria não só a “unidade do sistema jurídico” como a presunção de “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.”
  17. Em 25 de agosto, a Requerente apresentou as suas alegações escritas, concluindo, no essencial, que o VPT a ser considerado deve ser de €262.330, conforme atribuído em 19-12-2012 na parte herdada em 75% em 2010 e invocando jurisprudência que, no seu entender, é demonstrativa da sua posição.
  18. SANEAMENTO
    1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos do RJAT, artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a).
    2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos do RJAT, artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
    3. O processo não enferma de nulidades.
  19. MATÉRIA DE FACTO
    1. Factos dados como provados
      1. O Imóvel foi alienado em 2019 por €265.000;
      2. O Imóvel foi adquirido por sucessão em dois momentos distintos:
        1. 25% em 2000, por força da morte do pai da Requerente; e
        2. 75% em 2010, por força da morte da mãe da Requerente.
      3. O VPT do Imóvel resultante da reavaliação espoletada em dezembro de 2012 e fixado em 10 de janeiro de 2013, foi de €262.330.
    2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base nos documentos juntos ao pedido arbitral.

  1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
    1. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. CPPT, artigo 123.º, n.º 2 e Código de Processo Civil (“CPC”), artigo 607.º, n.º 3, aplicáveis ex vi RJAT, artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e).
    2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. CPC, anterior artigo 511.º, n.º 1, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi RJAT artigo 29.º, n.º 1, alínea e)).
    3. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do CPPT, artigo 110.º, n.º 7 e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
    4. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
  2. DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
    1. A questão central no presente processo prende-se com a determinação do valor de aquisição relativo à parte de imóvel adquirido em 2010 (75%) do Imóvel.
    2. Em dezembro de 2010, data do óbito da mãe da Requerente e momento em que esta adquiriu os 75% restantes do Imóvel, dispunha o Código do IRS, artigo 45.º, relativo ao “Valor de aquisição a título gratuito” que:

“1- Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:

a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;

b) O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido.

2 - (Revogado) (Lei n.º 3-B/2010 - 28/04)

3 - No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta, nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação. (Lei n.º 3-B/2010 - 28/04)”. (negritos e sublinhados nossos).

  1. Tendo em consideração a isenção de Imposto do Selo existente nas transmissões mortis causa entre ascendentes e descendentes, será aplicável o Código do IRS, artigo 45.º, n.º 1, al. b).
  2. Nos termos do Código do Imposto do Selo (“IS”), artigo 13.º, relativo ao valor tributável dos bens imóveis (na secção relativa a transmissões gratuitas, i.e., Secção II), na redação em vigor à data dos factos: “1 - O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.

2 - No caso de imóveis e direitos sobre eles incidentes cujo valor não seja determinado por aplicação do disposto neste artigo e no caso do artigo 14.º do CIMT, é o valor declarado ou o resultante de avaliação, consoante o que for maior.

3 - Se os bens forem expropriados por utilidade pública antes da liquidação, o seu valor será o montante da indemnização.

4 - Na determinação dos valores patrimoniais tributários de bens imóveis ou de figuras parcelares do direito de propriedade, observam-se as regras previstas no CIMT para as transmissões onerosas.

5 - No prazo para a apresentação da participação a que se refere o artigo 26.º, podem os interessados requerer a avaliação de imóveis nos termos e para os efeitos previstos no artigo 30.º do CIMT.

6 - Quando a propriedade for transmitida separadamente do usufruto, o imposto devido pelo adquirente, em consequência da consolidação da propriedade com o usufruto, incide sobre a diferença entre o valor patrimonial tributário do prédio constante da matriz e o valor da sua propriedade considerado na respectiva liquidação.(Aditada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro).”(negritos e sublinhados nossos).

  1. Como referem J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, o “número 1 deste artigo estabelece aquela que será a regra geral, determinando que o valor tributável dos prédios é o seu valor patrimonial tributário constante da matriz à data da transmissão. Tratando-se de prédios não inscritos nas matrizes, ou que nestas constem sem valor patrimonial, o valor tributável é, igualmente, o valor patrimonial tributário, determinado por avaliação. Correspondendo ao parágrafo 2.° do artigo 20.° do CIMSISD, no sentido de tomar o valor patrimonial tributário como base de tributação das transmissões gratuitas de bens, este preceito diverge do anterior na medida em que deixa de atribuir relevância ao valor que aos imóveis seja atribuído em inventário ou título de partilhas mesmo que este seja superior àquele. Acolhe também esta norma o disposto no § 2.° do artigo 30.° do mesmo Código que determinava que o valor patrimonial tributário a considerar para a liquidação do imposto nas transmissões gratuitas era o que estivesse inscrito na matriz à data da respectiva transmissão. Esta norma deverá, porém, ser conjugada com a do n.º 4 a qual estabelece que na determinação dos valores patrimoniais dos prédios ou de figuras parcelares do direito de propriedade deverão ser observadas as regras previstas no CIMT. Será, nomeadamente, o caso das relativas à determinação do valor do usufruto, do direito de superfície e valor da propriedade solo, do direito de uso ou habitação, dos bens onerados com encargo de pensão bem como do valor desta, constantes dos artigos 12.° e 13.° do referido Código. Será também o caso da avaliação de prédios omissos na matriz ou nela inscritos sem valor patrimonial cuja avaliação deverá ser efectuada de acordo com as regras, procedimentos e critérios de avaliação estabelecidos no CIMI, conforme prevê o n." 1 do artigo 14.° do CIMT. Estas regras são, ainda complementadas, com as disposições dos artigos 19.° e 21.°, relativos a prédios onerados com encargo de pensão ou renda e, de uma maneira geral, com aplicação supletiva das regras constantes dos artigos 13.° e 15.° do CIMT relativas à determinação do valor tributável nas transmissões gratuitas de bens”. (J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto do Selo, 1 ed. Lisboa: Engifisco, 2005, p. 609-610).
  2. Nestes termos, decorre do referido Código do IS, artigo 13.º, n.º 1, que, em regra, o valor de aquisição é determinado com base VPT “constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão.”.
  3. Na opinião deste Tribunal parecem resultar do quadro legislativo aplicável dois elementos distintos: (1) que o valor de aquisição deve resultar de uma avaliação nos termos do Código do IMI; e (2) que essa avaliação deveria reportar-se ao momento da transmissão.
  4. Ou seja, a lei não parece existir uma avaliação anterior à transmissão, mas apenas que exista uma avaliação nos termos do Código do IMI e que essa avaliação reflita o estado do imóvel na data da transmissão.
  5. De acordo com o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro:

“1 - Enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor, sem prejuízo, quanto a prédios arrendados, do disposto no artigo 17.º

2 - O disposto no n.º 1 aplica-se às primeiras transmissões gratuitas isentas de imposto do selo, bem como às previstas na alínea e) do n.º 5 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, ocorridas após 1 de Janeiro de 2004, inclusive.

3 - O disposto no presente artigo aplica-se também às primeiras transmissões de partes sociais de sociedades sujeitas a IMT, ou de estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas de cujo activo façam parte prédios urbanos, ocorridas após 1 de Janeiro de 2004, inclusive.

4 - Será promovida uma avaliação geral dos prédios urbanos, no prazo máximo de 10 anos após a entrada em vigor do CIMI.

5 - Quando se proceder à avaliação geral dos prédios urbanos ou rústicos, será afectada para despesas do serviço de avaliações uma percentagem até 5, a fixar e regulamentar por portaria do Ministro das Finanças, do IMI cobrado nos anos em que se realizar aquela avaliação.”

  1. Com relevância para a presente análise, à data da aquisição, pela Requerente, dos 75% do Imóvel, o artigo 15.º acima transcrito dispunha de um número 8 que determinava que o “disposto no n.º 2 do presente artigo não se aplica ao cônjuge, descendentes e ascendentes, nas transmissões por morte de que forem beneficiários, salvo vontade expressa pelos próprios”.
  2. Acresce, ainda, que o número 2 do artigo 15.º acima transcrito foi, inclusivamente, revogado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, tendo esta alteração entrado em vigor em 1 de dezembro de 2011.
  3. Na ausência, nos autos, de referência a que a Requerente tivesse manifestado vontade expressa na aplicação do artigo 15.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, nos termos da lei, não parece existir base legal para uma avaliação casuística após a primeira transmissão ocorrida após a entrada em vigor do referido Decreto-Lei,
  4. O que parece, aliás, consistente com a Declaração apresentada em 19 de dezembro de 2021 (com o número de registo...– número que consta igualmente da CPU), junta como parte 9/21 ao PA, nos termos da qual, o motivo para a avaliação foi o motivo 18 (Avaliação Geral).
  5. Assim, a primeira avaliação do Imóvel, efetuada nos termos do Código do IMI, após a transmissão, foi a avaliação geral dos prédios urbanos.
  6. Em todo o caso, na opinião deste Tribunal, é esse o VPT que deverá servir de base ao valor de aquisição do Imóvel para o apuramento do IS que seria devido, caso não existisse norma de isenção deste tributo.
  7. Isto porque, tal como referido, de acordo com o artigo 13.º, n.º 1 do Código do IS, para onde remete o Código do IRS, o valor a ser considerado para efeitos de IS é o VPT constante da matriz “nos termos do CIMI”.
  8. Ora, uma vez que os 75% que a primeira avaliação nos termos do Código do IMI, foi a que ocorreu em 2013, deve ser esse o valor considerado como valor de aquisição.
  9. Embora no momento da transmissão a matriz ainda não refletisse uma avaliação nos termos do Código do IMI, a avaliação de 2013 foi já efetuada de acordo com estas regras, ou seja.
  10. A utilização do VPT resultante da avaliação ocorrida em 2013 será o único que respeita com a letra e com o espírito da lei (Código do IRS e do IS), porquanto em 2010, data do óbito (data da transmissão), o imóvel teria, pelo menos, o valor resultante da avaliação de 2013 (com ligeiras variações resultantes, nomeadamente da idade), já que foi feita com as regras do Código do IMI.
  11. Repare-se, até, que o valor base do metro quadrado para efeitos de IMI se manteve estável entre 2010 e 2013 (Cfr. Portaria n.º 1456/2009, de 30 de dezembro, Portaria n.º 1330/2010, de 31 de dezembro, Portaria n.º 307/2011 de 21 de dezembro, Portaria n.º 424/2012, de 28 de dezembro).
  12. O que menos respeitaria, na opinião deste Tribunal, a letra e espírito da lei, seria aplicar a uma aquisição ocorrida na vigência do atual Código do IS e do IMI, um VPT não determinado com base nas regras resultantes do Código do IMI (por força de um atraso na avaliação do património imobiliário).
  13. Também neste sentido se têm pronunciado diversas sentenças proferidas no âmbito do CAAD, a saber: 615/2015-T, 139/2018-T, 584/2019-T ou 736/2020-T.

 

  1. DECISÃO

Termos em que se decide, julgar procedente o pedido arbitral e anular a liquidação de IRS de 2019, na parte em que não tomou por base no cálculo mais-valia (em particular, na determinação do valor de aquisição) o valor resultante da avaliação do Imóvel, nos termos do Código do IMI, ocorrida em 2013 e correspondentes juros compensatórios, bem como a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa.

 

  1. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €42.000, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida.

 

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 1 de fevereiro de 2023

 

O Árbitro

 

 

(Leonardo Marques dos Santos)