Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 171/2022-T
Data da decisão: 2023-01-25  IMI  
Valor do pedido: € 10.608,95
Tema: CIMI – art. 45.º e 37.º/4 – valor patrimonial dos terrenos - avaliação
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Sumário

Sendo o imposto devido a partir do ano em que surjam alterações que determinem a variação do valor patrimonial tributário de um prédio, a avaliação deve ser feita por aplicação da lei vigente à data da concessão da licença.

 

I – Relatório 

1. A..., L.da, doravante designada como Requerente, pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., ...-... ..., veio requerer , ao abrigo do disposto nos art.os 2.º/1 b), 5.º/2 a) e b) e 10.º/1 b) e /2, todos do DL 10/2011, de 20.01 (RJAT), a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir o respectivo pedido de pronúncia relativa aos actos de fixação de valores patrimoniais tributários (segundas avaliações) de terrenos de construção, correspondentes a quarenta artigos matriciais, devidamente identificados, da freguesia de ..., concelho de ..., distrito de Setúbal.

2. É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por AT ou Requerida.

3.  Em 16 de Março de 2022 o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT.

4. De acordo com o preceituado nos artigos 5.º/3 a), 6.º/2 a) e 11.º/1 a) do RJAT, o Ex.mo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

5. O Tribunal Arbitral ficou constituído em 27 de Maio de 2022.

6. Em 4 de Julho de 2022 a Requerida apresentou Resposta, com defesa por impugnação, juntando, no dia seguinte, o processo administrativo.

7. Em 2 de Dezembro de 2022 foi proferido despacho de prorrogação, por dois meses, do prazo para emissão e notificação da decisão nos termos do art. 21.º/2 do RJAT.

 8. Em 5 de Dezembro de 2022 foi proferido despacho dispensando a reunião prevista no art. 18.º do mesmo diploma, facultando às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas, sendo, para o efeito, concedido um prazo de 10 dias sucessivos.

9. A Requerente apresentou as suas alegações em 20 de Dezembro de 2022 e a Requerida em 12 de Janeiro de 2023.

Posição da Requerente

10. A Requerente começa por invocar a falta de fundamentação dos actos impugnados (nomeadamente a fixação da percentagem da Veap em 40% e a variação dos VPT entre as avaliações), e a nulidade daí decorrente, nos termos dos art.os 268.º/3 da Constituição, 36.º do CPPT (Código de Procedimento e Processo Tributário), 77.º/2 da LGT (Lei Geral Tributária).

11. Recorda depois que as avaliações impugnadas foram efectuadas nos termos da redacção do art. 45.º do CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis), em vigor desde 1 de Janeiro de 2021, quando o facto tributário relevante (o aditamento ao alvará de loteamento) ocorreu em 15 de Dezembro de 2020, pelo que deveria ter sido aplicada a versão anterior (em vigor à data da prática deste facto).

12. A alteração dos termos do cálculo do valor patrimonial dos terrenos implicou um agravamento substancial do valor de base da tributação dos prédios em questão – nomeadamente por introduzir coeficientes de afectação e de localização e por alterar o critério de determinação da percentagem das construções autorizadas.

13. Recorda, por isso, que o próprio art. 10.º/1 do CIMI determina que os prédios urbanos se presumem concluídos ou modificados na data da concessão das licenças (o que, no caso em análise, corresponderá ao aditamento ao alvará de loteamento, ou seja, 15 de Dezembro de 2020).

14. A requerente solicitou a actualização da matriz, através de declaração, no prazo de 60 dias a contar das alterações (em concreto no dia 12 de Fevereiro de 2021), nos termos do art. 13.º/1 d) do CIMI.

15. Ora, sendo o imposto devido a partir do ano em que ocorreram as alterações que determinaram a variação do valor patrimonial tributário – nos termos do art. 9.º/1 c) do CIMI – os efeitos dessas alterações produzem efeitos à data em que ocorreram.

16. A Requerente reconhece que o art. 37.º/4 do CIMI determina expressamente que a avaliação se reporta à data do pedido de inscrição ou actualização do prédio na matriz, não aceitando, todavia, que desta disposição se deva retirar que a lei aplicável seja a que esteja em vigor na data desse pedido.

17. Entende antes que a disposição em causa visa apenas afastar da avaliação eventuais vicissitudes que ocorram durante o procedimento de avaliação,

18. Distinguindo, portanto, o momento do pedido – correspondente à entrega do modelo 1 do IMI, o qual determina o início do processo – e o momento da produção dos efeitos tributários (do nascimento do crédito tributário) que corresponde ao do facto tributário (no caso, do aditamento ao alvará de loteamento, decorrente da reavaliação).

19. Considera mesmo a Requerente que o entendimento que imponha que a avaliação se faça à luz do regime vigente à data do pedido de actualização seria susceptível de gerar desigualdade já que, para factos tributários ocorridos na mesma data poderá gerar avaliações diversas, dependendo da data em que (dentro dos sessenta dias determinados pela lei) sejam os diferentes pedidos apresentados.

20. Insiste ainda a Requerente de que, não se admitindo o efeito retroactivo à lei fiscal, não pode um regime que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2021 aplicar-se a um facto tributário (avaliação) anterior.

21. A Requerente refere mesmo alguma doutrina em abono da sua interpretação (Pires, J.M. 2015, Lições de Impostos sobre o património e do selo, Coimbra: Almedina, pp. 189 e 194; Mateus, S. & Corvelo de Freitas, L., 2005, Impostos sobre o Património Imobiliário. Imposto do Selo, Lisboa: Engifisco, p. 133, 134; Leite de Campos, D, Silva Rodrigues, B., Lopes de Sousa, J. 2012, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Damaia: Encontro da Escrita, 4.ª Ed. pg. 293-294).

22. Subsidiariamente a Requerente considera que também a aplicação pela AT do art. 45.º do CIMI na redacção actual padecerá de nulidade por ter sido feita com aplicação dos critérios previstos no art. 42.º/3 e da Portaria 420-A/2015 de 31.12, sendo que, em sua opinião, esses critérios se encontram desactualizados.

23. Também subsidiariamente – ou seja, caso se entenda ser devida a aplicação do art. 45.º na redacção actual – a Requerente considera que este novo regime padece de diversas inconstitucionalidades, por violação dos princípios da igualdade e da justiça, da proibição da retroactividade fiscal e da protecção da confiança, da capacidade contributiva, da proporcionalidade.

24. A violação dos princípios da igualdade (art. 13.º e 104.º/3 CRP) decorrerá da proibição genérica da discriminação – no caso, dos contribuintes – ou do arbítrio, do qual decorre a uniformidade dos impostos: todos devem estar adstritos ao pagamento de impostos com base no mesmo critério (ac. Tribunal Constitucional 106/2013 de 20.02.2013) - o que implica a observância do princípio da igualdade e capacidade contributiva (o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério).

25. Ora para uma mesma situação fiscal, a aplicação do critério do art. 37.º/4 do CIMI faria com que fosse aplicada a redacção anterior do art. 45.º CIMI a um contribuinte que apresentasse o Modelo 1 do IMI ainda em 2020, sendo, portanto, exigido um tributo diferente daquele que a AT pretende exigir à Requerente.

26. Sublinha ainda a Requerente que, com esse critério, perante a inacção do contribuinte, no caso de ser a AT a efectuar a avaliação, esta poderia escolher o momento em que as regras da avaliação lhe permitissem uma maior arrecadação de receita.

27. Considera a Requerente que o princípio da igualdade estará ainda violado pela dupla oneração do factor localização nos terrenos de construção, situação que não ocorre em relação a outra tipologia de prédios, impedindo, assim, a igualdade contributiva.

28. Já a violação do princípio da justiça (266.º/2 CRP, 3.º CPA, 55.º LGT) implica que a AT não se alheie das consequências práticas da sua actuação, devendo, por isso, abster-se da prática de actos de que resulte a violação de princípios constitucionalmente protegidos (ac. TCA Sul de 21.06.2003, proc. 561/01), o que obrigaria a Requerida a ter em conta a diferença dos resultados, conforme a Requerente tivesse apresentado ainda em Dezembro de 2000 ou em 2001 o Modelo 1 do IMI.

29. A violação do princípio da não retroactividade fiscal (art. 103.º/3 CRP) decorre do carácter inovador da nova redacção do art. 45.º CIMI (ac. STA de 6.10.2021, proc. 1293/17), uma vez que é o momento em que ocorre o acto que determina o pagamento do imposto, e não o momento da sua liquidação (ac. TC 85/2013). Ora, no caso a situação de facto reveladora da capacidade tributária é o aditamento ao alvará, que foi emitido em 2020, sendo que a entrada em vigor do novo art. 45.º do CIMI dá-se em 1.1.2021, pelo que a sua aplicação implica uma violação clara dos termos do 103.º/3 CRP (e bem assim do art. 12.º/1 LGT).

30. De facto, o princípio da não retroactividade proíbe a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável (ac. TC 128/09 de 12.03.2009),

31. Sendo claro que uma norma é retroactiva quando ela se refere na sua previsão a factos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor (Xavier, A. 1981, Manual de Direito Fiscal, Coimbra: Almedina, p. 196)

32. A retroactividade implica, só por si, uma violação do princípio da protecção da confiança, já que gera uma a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, [sendo] inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar […] quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (ac. TC 287/90 de 30.10.1990). No caso, ao criar uma alteração ao nível da incidência tributária, pretendendo que a mesma se aplique a um facto tributário anterior à sua entrada em vigor, deparamo-nos com uma afectação inadmissível, arbitrária e excessivamente onerosa das legítimas expectativas dos contribuintes.

33. A violação do princípio da capacidade contributiva – que decorre do princípio da igualdade sendo aflorado, no tocante ao património do art. 104.º/3 CRP – decorrerá do desrespeito pela necessária conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto, o qual surge fundamentalmente pêlos termos em que a AT aplica duplamente o factor de localização.

34. A violação do princípio da proporcionalidade (art. 2.º e 266.º CRP) – o qual impõe a ponderação entre os fins prosseguidos e os sacrifícios exigidos aos contribuintes – resultará da ablação patrimonial excessiva causada pelo imposto, na nova redacção do art. 45.º CIMI.

Posição da Requerida

35. A Requerida impugna a pretendida falta de fundamentação dos actos de avaliação, a ilegalidade dos mesmos e a pretensa violação dos princípios constitucionais da igualdade, justiça, proibição da retroactividade fiscal, protecção da confiança, capacidade contributiva e proporcionalidade

36. Sobre a falta de fundamentação a AT explica que na aplicação da fórmula que explicita o critério actual do art. 45.º CIMI, cabe apenas determinar as percentagens a aplicar (no intervalo entre 15% e 45%) relativamente ao valor das edificações autorizadas ou previstas com terreno, sendo que, para o efeito, a Portaria 420-A/2015 de 31.12 determina objectivamente os termos dessa determinação.

37. Assim, nos termos da mesma Portaria, situando-se os terrenos em causa na freguesia de ..., ..., numa área homogénea, a percentagem do valor das edificações autorizadas ou previstas é de 40 %. A fundamentação é, portanto, bastante ao remeter para os critérios aplicáveis (nos termos da jurisprudência – cf- ac. STA de 11.12.2007, 615/04).

38. Explica ainda a Requerida que o referido aumento das áreas consideradas nas segundas avaliações dos terrenos inscritos na matriz sob artigos ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... da freguesia de ..., corresponde a apenas 1 me coincidem com as áreas que constam do Aditamento n.º 4 ao Alvará de Loteamento n.º .../2007, emitido em 15-12-2020, correspondendo ao Alvará de Loteamento n.º .../2007, que está na origem das avaliações impugnadas.

39. Sobre a ilegalidade das avaliações decorrentes da lei aplicada – especificamente sobre a aplicação da redacção do art. 45.º CIMI vigente à data do facto tributário (2020) ou do pedido de actualização (2021), a Requerida recorda que o art. 37.º/4 CIMI estabelece que a avaliação se reporta à data do pedido de inscrição ou actualização do prédio na matriz, o que supõe, portanto, que seja essa a data em que a avaliação é feita, por aplicação do quadro legal vigente. Cita, em abono da sua posição, alguma doutrina (Rocha, A. S. & Brás, E. J. M, 2018, Tributação do Património IMI-IMT e Imposto do Selo, Anotados e Comentados, Coimbra: Almedina, 2.ª Edição revista, ampliada e actualizada, p. 154; Mateus, S. & Corvelo de Freitas, L., 2005, Impostos sobre o Património Imobiliário. Imposto do Selo, Lisboa: Engifisco, p. 191, 192; Pires, J.M., 2018, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Coimbra: Almedina, 3.ª Edição, pp. 188 a 190).

40. Ressalva mesmo que á Requerente teria sido possível apresentar até 31.12.2020 as declarações em causa, o que teria levado a que fossem avaliados nos termos da redacção vigente até ao final desse ano civil.

41. Pronunciando-se ainda sobre a ilegalidade da aplicação do art. 45.º CIMI a Requerida não aceita a pretensão da Requerente de que a percentagem do Veap, prevista na nova redacção do artigo 45.º CIMI, não possa assentar nos critérios de zonamento aprovados pela Portaria 420-A/2015, de 31.12 e estabelecidos no artigo 42.º/3 CIMI (por essa portaria ter sido aprovada antes da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2021 e por ter atendido às acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário dos terrenos para construção). Entende antes que a redacção do artigo 45.º/3, do CIMI não colide com os critérios e metodologia que foram seguidos para determinar as percentagens em vigor, aprovadas pela Portaria 420-A/2015, não havendo, por isso, qualquer ilegalidade.

42. Relativamente às inconstitucionalidades, a Requerida começa por contestar a pretensa violação do princípio da igualdade lembrando que a entrega dos modelos em diferentes datas pode naturalmente operar resultados diferentes na medida em que a lei vigente nesses diferentes momentos seja também ela diferente. Haverá, assim situações distintas que geram resultados distintos.

43. De facto, tal como salienta o Tribunal Constitucional, as alterações legislativas podem operar modificações no tratamento normativo conferido a uma dada categoria de situações, já que as abrangidas pelo regime revogado são objecto de uma valoração diferente daquela que incidirá sobre as situações às quais se aplica a lei nova (ac. 20.10.1999, 580/99).

44. Refuta ainda, a Requerida, a pretensão de que haveria uma violação do princípio da igualdade na medida em que o detentor de um terreno para construção, por comparação com o detentor de um prédio edificado, será especialmente onerado e tributado, sem que haja razão atendível para o efeito. E fá-lo explicando que se trata de realidades distintas (um edifício ou um terreno para construção), as quais, por isso, são objecto de diferentes regimes de avaliação.

45. Refuta igualmente qualquer violação do princípio da não retroactividade na aplicação da lei tributária, lembrando, de novo, que a entrega dos Modelos 1 do IMI ocorreu em 2021, e portanto, em data posterior à entrada em vigor da versão actual do art. 45.º CIMI.

46. Quanto á pretensa violação do princípio da protecção da confiança, a Requerida recorda que tendo a nova redacção do art. 45.º sido aprovada em 26.11.2020 – ainda antes, portanto, da apresentação dos modelos 1 do IMI (em 15.12.2029) - a Requerente sabia, ou devia saber da alteração do regime e da entrada em vigor dessa alteração, não havendo, por isso, qualquer expectativa a proteger.

47. Relativamente à violação do princípio da proporcionalidade – por força da aplicação duplicada dos factores de cálculo do valor patrimonial tributário – a Requerida recorda a relevância do coeficiente de localização (que resulta evidente da diferença do valor dos terrenos nas grandes cidades ou no interior do país) que não se soma ao coeficiente de localização previsto no art. 45.º/2 CIMI, já que, neste caso, esse coeficiente pode ter um factos majorativo ou minorativo, sendo que as percentagens do valor das edificações autorizadas ou previstas variam entre 15% e 45 %, funcionando sempre como um factor minorativo, por terem em conta apenas uma percentagem (menos de 100%) do valor do edifício a construir.

48. A alegada violação do princípio da capacidade tributária é também contestada pela Requerida por considerar que, na avaliação fiscal dos terrenos para construção, esse princípio se concretiza através do método de cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos, sendo necessário ter em conta factores de cálculo que permitam aproximar o valor patrimonial dos terrenos do seu valor de mercado, dado que o valor de mercado do imóvel é indiciador da capacidade contributiva

49.  Assim sendo, as percentagens previstas no artigo 45.º do CIMI não permitem, por si só, chegar a valores próximos dos valores de mercado dos terrenos para construção, quando desacompanhadas do coeficiente de localização, pelo a aproximação ao valor de mercado dos imóveis não pode revestir a violação do princípio da capacidade contributiva.

 

II. Saneamento

50. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo dirigido à anulação de actos de fixação de valores patrimoniais consubstanciados em segundas avaliações (v. art.os 2.º e 5.º do RJAT).

51. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, do RJAT.

52. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. art.os 4.º e 10.º/2 do RJAT e art. 1.º da Portaria 112-A/2011, de 22.3).

53. É admissível a cumulação de pedidos relativos a diferentes actos tendo em conta que estão em discussão as mesmas circunstâncias de facto e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, relativos à elegibilidade dos benefícios fiscais, conforme previsto no artigo 3.º/1 do RJAT.

54. Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

III. Matéria de facto

Factos provados

55. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

A.   A Requerente é proprietária dos terrenos para construção, todos da freguesia de..., concelho de ..., distrito de Setúbal, melhor identificados na Tabela seguinte:

Ofício n.º

Ficha n.º

Artigo

Provisório

 

Ofício n.º

Ficha n.º

Artigo

Provisório

...

11453827

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11453847

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11453828

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11453849

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11453832

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11453852

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11453853

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11453834

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11453854

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11453855

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11453836

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11453869

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11453837

...

 

...

11453868

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11453838

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11453867

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11453839

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11453866

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11453840

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11453865

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11453841

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11453864

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11453842

...

 

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11453863

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11453843

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11453844

...

 

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11453858

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11453845

...

 

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11453857

...

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11453846

...

 

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11453856

...

 

 

B.    Os terrenos para construção resultam das seguintes alterações, realizadas em 2020: simples anexação de dois ou, no caso de um desses prédios, de 3 lotes de terreno anteriormente inscritos na matriz (prédios correspondentes aos artigos provisórios ... a ...), ou da simples correcção das áreas dos respectivos lotes de terreno (prédios correspondentes aos artigos ... e ...);

C.    A Requerente solicitou um aditamento ao respectivo alvará de loteamento, o qual foi emitido em 15.12.2020;

D.   Na sequência das alterações operadas pelo aditamento ao alvará de loteamento, a Requerente apresentou em 12.02.2021 declaração Modelo 1 do IMI para actualização dos Terrenos para Construção;

E.    A Requerente foi notificada em 27.8.2021 do resultado das primeiras avaliações;

F.    A Requerente apresentou em 13.10.2021 o pedido de segunda avaliação junto do Serviço de Finanças de ...;

G.   Em 20.01.2022 teve lugar, no Serviço de Finanças de ..., a reunião da comissão de avaliação de peritos;

H.   As áreas declaradas pela Requerente e as áreas consideradas na primeira avaliação dos Terrenos Construção são coincidentes, todavia, as áreas consideradas aquando da notificação da segunda avaliação são distintas nalguns casos, aumentando o valor do VPT nos artigos ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... .

I.      Em 14.02.2022, a Requerente foi notificada do resultado das segundas avaliações, as quais foram efectuadas por aplicação da redacção do art. 45.º CIMI vigente desde 1.1.2021.

 

Factos não provados

56. Não há factos relevantes para esta decisão arbitral que não se tenham provado.

57. O tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada ou não provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo remetido pela AT.

III. Matéria de Direito

58. A questão inicial a averiguar no presente processo prende-se com a aplicação da lei no tempo, nomeadamente em saber se, no caso, a avaliação dos terrenos deveria ter sido feita nos termos da redacção do art. 45.º do CIMI vigente até 31.12.2020 – tal como pretende a Requerente – ou se, pelo contrário, deveria ter sido aplicada a lei vigente a partir de 1.1.2021 – tal como fez a Requerida nos actos impugnados.

59. A favor da aplicação da versão de 2020 estará o facto de o aditamento ao alvará de loteamento ter sido emitido em 15.12.2020.

60. A Requerente entende tratar-se do facto gerador do crédito tributário – e sobre isso, não parecem subsistir quaisquer dúvidas – pelo que deve aplicar-se a lei vigente nesse momento.

61. A Requerida invoca os termos do art. 37.º/4 do CIMI que estabelece que a avaliação se reporta à data do pedido de inscrição ou actualização do prédio na matriz.

62. São consistentes, ambos os argumentos. Mas, sendo incompatíveis, será necessário aprofundar a análise.

63. Ainda que se admita genericamente o princípio de que se deva aplicar ao facto tributário a lei vigente à data da sua produção ou ocorrência, tem de aceitar-se que o legislador possa introduzir regras especiais – como parece ter ocorrido, nos termos do art. 37.º/4 CIMI. 

64. A Requerente não parece questionar essa possibilidade. Levanta, todavia, a questão da interpretação desta regra. Pretende, por isso, que esta disposição não permita retirar que a lei aplicável seja a que esteja em vigor na data da apresentação desse pedido, mas antes, de uma regra que pretende apenas afastar da avaliação eventuais vicissitudes que ocorram durante o procedimento de avaliação.

65. Aqui reside o ponto essencial da discordância, sendo que tanto a Requerente como a Requerida, invocam, em seu favor, doutrina e jurisprudência diversa. Em nenhum caso é, todavia, citada contribuição que directamente se refira à questão em apreço. Por isso, os ensinamentos carreados servem apenas para apoiar os diferentes passos no raciocínio apresentado por cada uma das partes. A situação é tanto mais curiosa, quanto chega mesmo a ser invocado, em dois casos, o mesmo autor e obra por ambas as partes (especificamente a obra de Joaquim Silvério Mateus e Leonel Corvelo de Freitas, de 2005, Impostos sobre o Património Imobiliário. Imposto do Selo; também a obra de José Maria Fernandes Pires Lições de Impostos sobre o património e do selo é citada por ambos, mas enquanto a Requerente se refere à edição de 2015, a Requerida remete para a edição de 2018).

66. A Requerente invoca, em seu favor, a inconstitucionalidade do regime aplicável a partir de 2021. Assim, este regime violaria o princípio da igualdade, da justiça, da protecção da confiança, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.

67. Não tem razão a Requerente, nos termos, aliás, bem argumentados pela Requerida.

68. Assim, não há violação do princípio da igualdade porque este impõe tratamento idêntico a situações idênticas e diferente a situações diferentes. E, no caso, as situações aduzidas são diferentes. Essa diferença resulta das alterações do regime aplicável o que não pode senão admitir-se, já que, de outra maneira, estar-se-ia a extinguir o próprio poder legislativo.

69. Também não há violação do princípio da igualdade na medida em que o detentor de um terreno para construção, por comparação com o detentor de um prédio edificado, seja especialmente onerado e tributado, já que se trata de realidades distintas que, por isso, podem ser sujeitas a diferentes critérios de avaliação.

70. Não há violação do princípio da justiça, decorrente da diferença dos resultados na aplicação dos diferentes regimes (de 2020 e 2021), exactamente por se tratar de diferentes regimes (que, por serem distintos, naturalmente gerarão resultados, também eles, distintos).

71. Não há violação do princípio da protecção da confiança já que a própria variação do regime legal aplicável era do conhecimento a Requerente – por ser anterior ao facto tributário – e esta podia mesmo ter evitado a aplicação do regime mais desfavorável. 

72. Não há também violação do princípio da proporcionalidade já que mesmo a dupla aplicação do factor localização não gera um encargo objectivamente excessivo.

73. Não há violação do princípio da capacidade contributiva na medida em que os critérios legais visam aferir o real valor dos imóveis, sendo que as diferenças na aplicação resultarão dessa diferenciação (ou da variação do regime legal que pode envolver algum agravamento do esforço contributivo).

74. Deixamos de fora, todavia, um princípio invocado pela Requerente cuja violação pode bem ocorrer, se aplicado o regime de 2021. Trata-se do princípio da não retroactividade fiscal (art. 103.º/3 CRP).

75. De facto, uma vez que é o momento em que ocorre o acto que determina o pagamento do imposto, e não o momento da sua liquidação (ac. TC 85/2013) e constituindo a nova redacção do art. 45.º CIMI uma norma com carácter inovador (e não meramente interpretativo, portanto) – tal como resulta do ac. STA de 6.10.2021, no proc. 1293/17 – sendo o novo regime claramente menos favorável, tem de reconhecer-se que a aplicação do regime de 2021 a um facto de 2020 tem natureza retroactiva.

76. Assim, a interpretar-se o art. 37.º/4 do CIMI tal como pretende a Requerida, forçoso seria reconhecer-se que a lei estaria a determinar que a avaliação se fizesse por aplicação de um regime posterior ao facto tributário, impondo, portanto, efeitos retroactivos à aplicação.

77. Neste termos, por aplicação do princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição (cf. Canotilho, J. J. G., 2003, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pp. 1226 ss.) importará acolher o sentido e alcance restritivos do art. 37.º/4 CIMI defendidos pela Requerente, considerando que essa norma não impõe que na avaliação seja aplicada a lei vigente à data do pedido de da actualização do prédio.

78. Ficam prejudicadas outras alegações, mostrando-se nomeadamente desnecessária a análise relativa à falta de fundamentação dos actos, alegada pela Requerente.

 

IV. Decisão

Em face do exposto, decide-se

1.     Julgar procedente o pedido de anulação dos actos de fixação de valores patrimoniais consubstanciados nas segundas avaliações supra identificadas,

2.     Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

V. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 10.608,95 (dez mil, seiscentos e oito euros e noventa e cinco cêntimos) nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º/1 a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º/2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de 918.00 € (novecentos e dezoito euros), a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º/2, e 22.º/4, do RJAT, e artigo 4.º/5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2023

O Árbitro 

Rui M. Marrana

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto 

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.