Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 517/2021-T
Data da decisão: 2023-01-03  IVA  
Valor do pedido: € 8.446.898,89
Tema: IVA – Sujeitos passivos mistos: tributação - Os métodos previstos no Ofício Circulado nº 30.108, da Autoridade Tributária e Aduaneira: sua legalidade – Artigos 9º, 19º a 25º, 23º-2 e 4, CIVA e 173º a 175º, da Diretiva IVA - A Jurisprudência Uniformizadora do STA.
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SUMÁRIO: I – Da Jurisprudência recente e constante do STA, conclui-se não ser ilegal   o critério adotado pela Administração Tributária fixado no seu Ofício Circulado nº 30.108, de 30 de janeiro de 2009. II – Não está assim viciada por erro quanto ao regime jurídico aplicável à dedução de IVA, a declaração apresentada pelo Requerente, Banco sujeito passivo misto de IVA, relativa ao ano de 2019, especialmente quando fica por demonstrar (ónus do Requerente) que  os custos comuns tivessem sido sobretudo incorridos com as prestações de serviços conexionadas com os atos de disponibilização de veículos, ou seja, que   os recursos de utilização mista da atividade de leasing fossem sobretudo consumidos nas tarefas e procedimentos necessários à disponibilização dos bens locados. III -  Não há diferenças substanciais, para efeitos de dedução do IVA incorrido nos custos de disponibilização das viaturas, entre a locação financeira e as situações de crédito com reserva de propriedade (CRP), porquanto em qualquer dos casos o que está em causa, para o efeito apontado, é a aquisição de uma viatura escolhida pelo cliente do Banco, encontrando-se a diferença essencial  entre essas operações no negócio ou contrato que é celebrado a seguir à aquisição do veículo e que, no caso de contrato de crédito com reserva de propriedade, está sujeito a regime diferente ou específico em termos de IVA, independentemente de serem os mesmos os custos associados a ambas as operações (leasing  e CRP). IV - No cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2019 – i.e., do coeficiente de imputação específico, foram corretamente considerados (i) os valores relativos à transmissão das viaturas adquiridas no âmbito da atividade de CRP e (ii) os valores respeitantes às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira (ou leasing) celebrados pelo Banco requerente.

 

 

ACÓRDÃO

Os árbitros, José Poças Falcão (Presidente do Tribunal), Joaquim Silvério Mateus e Nuno Raposo Jacinto (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

  1. A..., S.A., doravante abreviadamente designado também por “Requerente” ou “Banco”, com o número de identificação fiscal ... e sede na Rua ..., n.º ..., Porto, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, veio apresentar pedido de pronúncia arbitral (PPA) visando a declaração de (i)legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) apresentada pelo Requerente (cf. Documento 1, com o PPA),  bem como a anulação parcial da autoliquidação de IVA referente ao ano 2019, materializada na declaração periódica de imposto referente ao mês de Dezembro daquele ano, nos termos da qual o Requerente procedeu à determinação, em excesso, do montante de € 8.446.898,89 de prestação tributária entregue ao Estado (cf. Documento 2,  com o PPA)
  1. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada somente por “Requerida”, “ATA” ou “AT)”.
  2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
  3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o presidente do Conselho Deontológico do CAAD, por despacho de 10-11-2021, comunicou a designação dos árbitros que iriam constituir o Tribunal Coletivo.
  4. As partes, devidamente notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  5. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 10-11-2021.
  6. Notificada para esse efeito, a AT apresentou Resposta em 7-1-2022
  7. Por despacho de 11-1-2022, o Tribunal decidiu suspender a instância em consequência do óbito, entretanto ocorrido, de um dos árbitros do Coletivo que havia sido designado.
  8. Ulteriormente, foi o Tribunal Coletivo reconstituído, com a designação e aceitação do novo árbitro, Senhor Dr. Joaquim Silvério Mateus, em substituição do anterior, declarada a cessação da suspensão da instância e determinado o prosseguimento do processo sem necessidade de repetição de qualquer dos atos anteriores, passando o Tribunal a ser constituído, sem oposição das partes, pelos árbitros signatários (cfr despachos  de 18-4-2022 e  26-4-2022).
  9. Em 14-9-2022, teve lugar a reunião do Tribunal com as partes (artigo 18º, do RJAT) e o ato de inquirição de testemunha indicada pelo Banco.
  10. Ambas as partes apresentaram alegações finais escritas em 4-10-2022 (o Banco) e em 11-10-2022 (a AT).
  11. Admitindo, pelas vicissitudes do processo, não ser possível concluir a decisão até à data designada (30-11-2022), o Tribunal, por despacho de 29-11-2022, prevenindo diferentes entendimentos quanto à contagem do prazo previsto no artigo 21º-1, do RJAT, decidiu, cautelarmente, a sua prorrogação, nos termos do nº 2, desse normativo.

 

O Pedido e sua fundamentação

  1. Pede o Requerente que o Tribunal:
  1. Decrete a anulação  “(...) da decisão de indeferimento que versou sobre a Reclamação Graciosa da autoliquidação apresentada (...)”;
  2. Anule  parcialmente  a  “(...) autoliquidação de IVA efetuada pelo Requerente nas declarações periódicas de imposto relativas ao ano 2019 – materializada em definitivo na entrega da declaração periódica referentes ao mês de Dezembro daquele ano -, que resultou da aplicação da percentagem de dedução de 8% ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos, calculada de acordo com os entendimentos veiculados pela AT, nomeadamente as instruções ilegais do Ofício-Circulado n.º 30108, quando, de acordo com a legislação nacional e comunitária do IVA, a percentagem de dedução deveria corresponder a 33% (...)”;
  3. Condene a AT na restituição ao Requerente “(...) do valor do IVA pago em excesso nas supra referidas declarações periódicas de imposto, no montante global de € 8.446.898,89 (...)” e...
  4. ... condene a AT no pagamento de “(...) juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT, em particular do seu n.º 2, contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente a Dezembro de 2019 até à restituição do imposto pago em excesso com referência a este ano (...);
  5. “(...) A título subsidiário, atenta a natureza institucional e a base legal em que assenta a arbitragem tributária, se e na medida em que não seja claro para o tribunal arbitral, não obstante a jurisprudência comunitária já produzida sobre a matéria, o alcance dos artigos 168.º e 173.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, ou de qualquer outra norma da mesma Diretiva que possa em seu juízo interferir com a boa solução deste caso concreto, deverá então este Tribunal Arbitral promover o reenvio prejudicial das questões que entenda suscitar para o Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b), e no artigo 267.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, relativamente à consideração do valor da  transmissão de viaturas na catividade de CRP e das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira no cálculo da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista (...)”.

 

Fundamentação do pedido

  1.  A fundamentar o pedido, alega o Banco, no essencial e em síntese:

 

  1. O Requerente é uma instituição de crédito, cujo objecto social consiste na realização das operações descritas no n.º 1 do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro[1] e que  realiza operações financeiras enquadráveis na isenção constante da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto  (caso das operações de financiamento/concessão de crédito, das operações relativas a pagamentos e, em geral, das transações relativas à negociação e venda de títulos) e...
  2. ..., simultaneamente, o Requerente realiza operações financeiras que conferem o direito à dedução deste imposto (cf. a alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA), concretamente, “(...) operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres, custódia de títulos, entre outras que por esforço de síntese não se enumeram (...)” 
  3. Vem suscitar o Banco a pronúncia, a título imediato, sobre a (i)legalidade da decisão de indeferimento que versou sobre a Reclamação Graciosa da autoliquidação apresentada pelo Requerente, e a título mediato sobre a (ii)legalidade do acto tributário de (auto)liquidação de IVA referente ao ano 2019, materializada na declaração periódica relativa ao mês de Dezembro do ano 2019, no âmbito da qual o Requerente procedeu à regularização do imposto por si incorrido em recursos de utilização mista, segundo critérios definitivos, na declaração periódica referente ao mês de Dezembro daquele ano (cf. o n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA).
  4. Em concreto, peticiona o Requerente a correção daquela autoliquidação de imposto do ano 2019 – materializada na entrega da declaração periódica referente ao mês de Dezembro desse mesmo ano –, no que tange à dedução de IVA incorrido em recursos de utilização mista efetuada no âmbito das seguintes áreas de atividade:

             (i) Crédito com reserva de propriedade (“CRP”) e,

            (ii)  Locação financeira.

  1. Verificou o Requerente existir um erro na autoliquidação de imposto efetuada no ano 2019, em virtude de, com referência aos recursos de utilização mista adquiridos no âmbito daquelas áreas de atividade, não ter procedido à dedução do IVA por si incorrido em conformidade com a legislação nacional e comunitária aplicáveis (sublinhado nosso).
  2. Em particular, verificou o Requerente que, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2019 – i.e., do coeficiente de imputação específico –, foram (incorretamente) desconsiderados (i) os valores relativos à transmissão das viaturas adquiridas no âmbito da atividade de CRP e (ii) os valores respeitantes às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira (ou leasing) por si celebrados.
  3. Sendo que, a desconsideração daqueles valores originou uma dedução de IVA inferior àquela a que tinha direito nos termos da legislação aplicável, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária em excesso.
  4. Assim, na autoliquidação aqui reclamada, o Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva, para o ano 2019, de 8%, a qual, quando aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 33.787.595,57), se materializou no valor de € 2.703.007,65 de IVA dedutível.
  5. Contudo, caso, no cálculo daquela percentagem de dedução, tivessem sido (corretamente) considerados, nos termos da lei, os valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com o CRP e os valores relativos às amortizações financeiras do leasing, tal percentagem ascenderia a 33% (ao invés de 8%).
  6. E, aplicando a percentagem de dedução de 33% ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista (no montante de € 33.787.595,57), o Requerente teria o direito a deduzir IVA no valor de € 11.149.906,54 (ao invés de € 2.703.007,65).
  7. Concluindo, pede que a autoliquidação efetuada com referência ao ano 2019 seja anulada na parte referente ao IVA que, por motivo de erro, não foi deduzido pelo Requerente, correspondente a € 8.446.898,89 (i.e., € 11.149.906,54 - € 2.703.007,65).
  8. Tal montante consubstancia a prestação tributária entregue em excesso pelo Requerente, devendo o mesmo ser-lhe restituído na íntegra.
  9. Ao valor da prestação tributária deverão acrescer juros indemnizatórios desde a data de apresentação da declaração periódica relativa ao mês de Dezembro de 2019 – 7 de Fevereiro de 2020 - até à efetiva restituição ao Requerente da prestação tributária por este entregue em excesso, dado que o erro aqui em análise é total e exclusivamente imputável à AT, conquanto, conforme resulta demonstrado de seguida, o mesmo decorreu da aplicação de instruções (normas regulamentares) e entendimentos por esta divulgados (sublinhado nosso).
  10. Ou seja: relativamente às situações em que o Requerente identificou uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações cativas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta (“direct attribution”), ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.
  11. É o que sucede no âmbito da aquisição de bens objeto dos contratos de locação financeira - v.g. a aquisição de uma viatura para subsequente locação financeira -, relativamente aos quais foi deduzido, na íntegra, o IVA incorrido, em virtude de tais bens estarem diretamente ligados a operações tributadas, realizadas a jusante pelo Requerente – a locação financeira –, as quais conferem o direito à dedução.
  12. Em idêntico sentido, nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, o Requerente não deduziu qualquer montante de IVA.
  13. Por outro lado, nas situações em que o Requerente identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações cativas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objetivos do nível/grau de utilização efetiva, aplicou o método da afetação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA. 
  14. Este método foi aplicado, em concreto, com referência aos encargos especificamente associados à aquisição de Terminais de Pagamento Automático – (“TPA’s”).
  15. Por fim, para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), o Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA.
  16. Com efeito, relativamente a estes encargos comuns ou recursos de utilização mista não foi possível ao Requerente proceder à aplicação do outro método de dedução parcial, como a afetação real, na medida em que este método de dedução implicaria sempre a clara distinção dos bens e serviços adquiridos para cada tipologia de operações – o que sempre se revelaria impraticável em determinadas situações, designadamente nas aquisições de recursos utilizados no desenvolvimento da globalidade das operações do Requerente, nomeadamente, os consumos de eletricidade, de água, de papel, de material informático (hardware e software), de telecomunicações, entre muitos outros.
  17. De facto, não sendo viável determinar um ou vários critérios objetivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afetação real (critérios objetivos a que alude o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA), nas aquisições daqueles recursos de utilização mista, restou ao Requerente a aplicação do referido método da percentagem de dedução.
  18. De notar que, a determinação da percentagem de dedução acima referida foi concretizada no estrito cumprimento dos ditames constantes no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-geral da Área de Gestão Tributária do IVA.
  19. Assim, veio o Banco a verificar que o cálculo da referida percentagem de dedução se encontrava viciado por erro no regime jurídico aplicável ao seu direito à dedução, i.e. um “erro de direito” (sublinhado nosso).
  20. O  Requerente “(...) percecionou que as restrições impostas pela AT no referido Ofício-Circulado[2] não podiam ser aceites, porque manifestamente ilegais, e que, como tal, deveria ter incluído na sua percentagem de dedução (i)  os valores relativos à transmissão das viaturas no âmbito da atividade de CRP; e ainda  (ii) os montantes respeitantes às amortizações financeiras dos contratos de leasing.
  21. E, procedendo à inclusão daqueles valores no cálculo da percentagem de dedução apurada para o ano 2019, a mesma passou a ser de 33% (ao invés de 8%) e o valor de IVA dedutível na aquisição de recursos de utilização mista passou a ser de € 11.149.906,54 (ao invés de € 2.703.007,65) (sublinhados nossos).
  22. Apurou assim o Requerente uma entrega de imposto em excesso no montante de
    € 8.446.898,89 (i.e., € 11.149.906,54 - € 2.703.007,65) [negrito nosso].

As atividades de CRP e Leasing desenvolvidas pelo Requerente

  1. O Requerente apurou que deveria ter incluído, na sua percentagem de dedução, i) os valores relativos à transmissão das viaturas no âmbito da atividade de CRP e ii) os montantes respeitantes às amortizações financeiras dos contratos de leasing celebrados.
  2. Atenta a natureza daquelas atividades e a forma como as mesmas são desenvolvidas pelo Requerente, aqueles valores não poderiam deixar de ser incluídos no apuramento da sua percentagem de dedução.
  3. O Requerente celebra contratos de CRP, nos termos dos quais os seus clientes adquirem veículos automóveis, novos ou usados, ficando estes a constar do seu registo de propriedade enquanto proprietários, mas sendo constituída reserva de propriedade a favor do Requerente.
  4.  Neste contexto contratual, o Requerente celebra, assim, num primeiro momento, um contrato de compra e venda com uma entidade terceira, adquirindo o veículo pretendido pelo seu cliente, e, num segundo momento, um contrato de mútuo com este último, em que é acordada a concessão de crédito que irá possibilitar ao mesmo adquirir o veículo em apreço.
  5. Com a celebração do contrato de mútuo, o cliente (mutuário) do Requerente aceita que a reserva de propriedade seja convencionada a favor desta entidade, devendo tal reserva de propriedade manter-se até que o mutuante receba integralmente o crédito entretanto constituído.
  6. A constituição da reserva de propriedade a favor do Requerente visa assegurar o integral pagamento, por parte do seu cliente, dos montantes devidos com referência ao contrato de mútuo celebrado, por forma a prevenir eventuais situações de incumprimento, permitindo obter a expedita restituição do bem no caso de falta de pagamento das prestações do crédito acordadas.
  7. Para o desenvolvimento desta atividade de CRP, o Requerente recorre naturalmente à sua rede de Balcões, bem como a diversas direções (Direção de Financiamento Automóvel, Direção de Marketing Empresas, Direção de Planeamento, Direção de Operações, entre outras), utilizando, por conseguinte, um conjunto muito significativo de recursos (exclusivos e mistos).
  8. Neste âmbito, a comercialização do produto de CRP é efetuada pelos diversos balcões do Requerente (à semelhança de um conjunto vasto de outros produtos bancários e financeiros), o que envolve, por si só, o consumo de um significativo leque de recursos humanos e técnicos que compõem a estrutura do Requerente.
  9. Entre os diversos recursos consumidos pelos balcões da Requerente que têm intervenção na atividade de CRP destacam-se inter alia: recursos humanos, comunicações, material de escritório, deslocações e estadas, eletricidade e combustíveis.
  10. Adicionalmente à intervenção, numa primeira fase, da rede de balcões, são utilizados, na comercialização deste, uma multiplicidade de departamentos do Requerente.
  11. A atividade de CRP é coordenada pela Direção de Financiamento Automóvel, a qual assegura a gestão de todas as operações de financiamento automóvel, ou seja, operações de leasing, ALD e de CRP.
  12. Para o efeito, também a Direção de Financiamento Automóvel incorre num conjunto significativo de recursos necessários à prossecução da atividade de CRP, nomeadamente na parte respeitante à disponibilização ou transmissão das viaturas aos clientes, como sejam recursos humanos, comunicações, material de escritório, deslocações e estadas, contencioso e notariado. Existem ainda outras direções do Requerente que contribuem para a atividade de CRP, como a Direção de Marketing de Empresas, responsável pelo desenvolvimento de ações de publicidade, as direções envolvidas na gestão de riscos (v.g., Direção de Planeamento e Direção de Operações), entre outras.
  13. O procedimento supra mencionado tem vindo a manter-se o mesmo ao longo dos anos.
  14. Assim, as aquisições de bens e serviços necessários ao desenvolvimento desta atividade de CRP - tais como aqueles acima exemplificados - consubstanciam recursos de utilização mista, comportando, consequentemente, IVA parcialmente dedutível.
  15. Até ao presente momento, o IVA correspondente a estes recursos de utilização mista não é objecto de dedução por via da aplicação do critério de imputação específico, na medida em que o Requerente, por imposição da AT, não tem vindo a considerar os proveitos decorrentes da venda das viaturas neste rácio.
  16.  De facto, tal procedimento deve-se ao facto de, na ação inspetiva realizada pela AT com referência ao ano 2012[3], a AT ter concluído que “deve considerar-se apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação direta o IVA da parte relativa ao capital foi integralmente deduzido” porquanto, no seu entender, “a atividade do A... não consiste na compra e venda de bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade. E, dessa atividade obtém, fundamentalmente, juros[4].
  17.  Não obstante, dado o efetivo consumo de recursos de utilização mista pela atividade de CRPrecursos esses concretamente relacionados com a transmissão de viaturas objeto dos contratos –, a sua não consideração no coeficiente de imputação específico conduziria a que a parcela do IVA incorrido nestes recursos não tivesse em consideração a plenitude da atividade de CRP, gerando sempre uma efetiva desvantagem injustificada na capacidade de dedução do Requerente.
  18.  A atividade de CRP é assim necessariamente composta por duas operações distintas: a par da celebração do contrato de compra e venda do bem, há sempre lugar à celebração de um contrato de mútuo entre o Requerente (mutuante) e o seu cliente (mutuário), através do qual é acordada a concessão, pelo primeiro, de um crédito que irá possibilitar ao último adquirir o bem em causa. (sublinhado do Tribunal).
  19.  No caso concreto da atividade de CRP existem sempre duas operações distintas, autonomizadas e com diferente enquadramento em IVA: tributação, nos termos gerais, da operação de transmissão de viaturas e isenção de IVA na concessão do crédito (cf. a subalínea a) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA).
  20. Pelo exposto, a consideração da componente de transmissão de viaturas da atividade de CRP no coeficiente de imputação específico, atendendo ao consumo de recursos necessários para a realizar, revela-se fulcral para aferir a exata medida do direito à dedução, em conformidade com a legislação nacional e comunitária.
  21. A determinação da percentagem de dedução acima referida foi concretizada no estrito cumprimento dos ditames constantes no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-geral da Área de Gestão Tributária do IVA
  22. O Requerente percecionou que as restrições impostas pela AT no referido Ofício-Circulado não podiam ser aceites, porque manifestamente ilegais, e que, como tal, deveria ter incluído na sua percentagem de dedução:
    • os valores relativos à transmissão das viaturas no âmbito da atividade de CRP; e ainda
    • os montantes respeitantes às amortizações financeiras dos contratos de leasing.
  23.   Dado o efetivo consumo de recursos de utilização mista pela atividade de CRP – recursos esses concretamente relacionados com a transmissão de viaturas objecto dos contratos –, a sua não consideração no coeficiente de imputação específico conduziria a que a parcela do IVA incorrido nestes recursos não tivesse em consideração a plenitude da atividade de CRP, gerando sempre uma efetiva desvantagem injustificada na capacidade de dedução do Requerente.
  24.   No caso concreto da atividade de CRP existem sempre duas operações distintas, autonomizadas e com diferente enquadramento em IVA: tributação, nos termos gerais, da operação de transmissão de viaturas e isenção de IVA na concessão do crédito [cf. a subalínea a) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA].
  25. A  consideração da componente de transmissão de viaturas da atividade de CRP no coeficiente de imputação específico, atendendo ao consumo de recursos necessários para a realizar, revela-se fulcral para aferir a exata medida do direito à dedução, em conformidade com a legislação nacional e comunitária.
  26. Em concreto: pretende o Requerente a correção das declarações periódicas de imposto submetidas no ano em causa em virtude de o mesmo ter incorrido em erro relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto por si incorrido.
  27. Assim, no que respeita ao IVA incorrido no âmbito da sua atividade de CRP, tem o Requerente o direito de deduzir o montante adicional de € 2.027.255,73 (relativo à variação percentual, de 8% para 14%, do coeficiente de imputação específico), conforme se demonstra na tabela infra:

Apuramento da percentagem de dedução do ano 2019 - atividade de crédito com reserva de propriedade

 

Apuramento inicial

Apuramento revisto

Numerador

Operações que conferem o direito à dedução

€ 63.819.104,20

€ 120.281.443,26

Total Numerador

€ 63.819.104,20

€ 120.281.443,26

Denominador

Operações que conferem o direito à dedução

€ 63.819.104,20

€ 120.281.443,26

Operações que não conferem o direito à dedução

€ 742.913.948,76

 
 

 

€ 742.913 948,76

Total Denominador

€ 806.733 052,96

€ 863.195 392,02

Coeficiente

8%

14%

IVA incorrido

€ 33.787.595,57

IVA a deduzir adicionalmente

€ 2.027.255,73

 

 

  1. Conclui no sentido de que que o contrato de leasing é muito mais do que um contrato de financiamento, consistindo, também, numa efetiva (e diária) disponibilização do veículo ao locatário...
  2. ... sendo a consideração dos montantes respeitantes às amortizações financeiras dos contratos de leasing no coeficiente de imputação específico, atendendo ao correspondente consumo de recursos respeitante à disponibilização de viaturas, fulcral para aferir a exata medida do direito à dedução.
  3. Consequentemente, no que respeita ao IVA incorrido âmbito da sua atividade de leasing, tem o Requerente o direito de deduzir o montante adicional de € 6.419.643,16 (relativo à variação percentual, de 14% para 33%, do coeficiente de imputação específico), conforme se demonstra na tabela infra:

 

 

Apuramento do CIE com inclusão da componente de transmissão de viaturas de CRP e com exclusão da componente de capital do leasing

Apuramento do CIE com inclusão da componente de transmissão de viaturas de CRP e da componente de capital do leasing

Numerador

Operações que conferem o direito à dedução

€ 120.281.443,26

€ 406.352.865,37

Total Numerador

€ 120.281.443,26

€ 406.352.865,37

Denominador

Operações que conferem o direito à dedução

€ 120.281.443,26

€ 406.352.865,37

Operações que não conferem o direito à dedução

€ 742.913 948,76

€ 837.619.617,74

Total Denominador

€ 863.195.392,02

€ 1.243.972.483,11

Coeficiente

14%

33%

IVA incorrido

€ 33.787.595,57

IVA a deduzir adicionalmente

€ 6.419.643,16

 

 

  1. Com base nas orientações (ilegais) da AT – constantes do já referido Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, - o Requerente, no ano 2019, incorreu em erro relativamente ao regime jurídico que rege o exercício do direito à dedução do imposto vertido nos recursos de utilização mista por si adquiridos (“erro de direito”), assiste-lhe o direito a corrigir a sua dedução de imposto, regularizando, a seu favor, o montante de imposto que, por motivo daquele erro, não deduziu...
  2.   ... considerando que a autoliquidação de IVA efetuada pelo Requerente, nas declarações periódicas de imposto relativas ao ano 2019, originou uma entrega em excesso de imposto ao Estado, no montante total de € 8.446.898,89...
  3. ... importância que deverá ser restituída ao Requerente, acrescida de juros indemnizatórios.
  4. Subsidiariamente, “(...)atenta a natureza institucional e a base legal em que assenta a arbitragem tributária, se e na medida em que não seja claro para o tribunal arbitral, não obstante a jurisprudência comunitária já produzida sobre a matéria, o alcance dos artigos 168.º e 173.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, ou de qualquer outra norma da mesma Diretiva que possa em seu juízo interferir com a boa solução deste caso concreto, deverá então este Tribunal Arbitral promover o reenvio prejudicial das questões que entenda suscitar para o Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b), e no artigo 267.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, relativamente à consideração do valor da  transmissão de viaturas na catividade de CRP e das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira no cálculo da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista (...)”.

 

Resposta da AT

  1.  A Autoridade Tributária Aduaneira (AT), notificada para apresentar Resposta, exerceu esse direito, alegando em síntese:
  • A aplicação do art.º 23.º do Código do IVA restringe-se à determinação do imposto dedutível relativo aos bens e/ou serviços de utilização mista, ou seja, aos bens e/ou serviços utilizados conjuntamente em atividades que conferem o direito a dedução e em atividades que não conferem esse direito.
  • Desenvolvendo o Requerente uma atividade que envolve operações que permitem a dedução do imposto suportado a montante, como sejam a locação financeira mobiliária, e outras que não a possibilitam, designadamente a concessão de crédito, porque isentas sem direito a dedução nos termos da al. 27) do art.º 9.º do Código do IVA, tem de se observar o previsto no art.º 23.º, do mesmo Código, para efeitos de apuramento da parcela dedutível do imposto contido nos recursos adquiridos e que foram objecto de utilização mista.
  • Os sujeitos passivos podem utilizar, para efeitos de dedução do imposto que onerou os bens e serviços de utilização conjunta (isto é, que onerou os bens e serviços que vão ser utilizados conjuntamente em operações que geram outputs que conferem direito a dedução e outputs que não conferem esse direito), o método da afetação real ou o método da percentagem de dedução (vulgo pro rata), de utilização supletiva, os quais têm por objetivo determinar o grau de utilização desses bens e serviços naqueles grupos de operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem direito à dedução.
  • Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, a Autoridade Tributária pode impor condições especiais ou fazer cessar este procedimento no caso de se verificar que provocam ou são suscetíveis provocar distorções significativas na tributação.
  • A percentagem de dedução ou pro rata resulta, conforme dispõe o n.º 4 do art.º 23.º do Código do IVA, “de uma fração que comporta no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento”.
  • Da utilização deste método (pro rata, previsto no n.º 4 do art.º 23.º do Código do IVA) deve resultar imposto dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante das operações que permitem a dedução.
  • Envolvendo o apuramento do IVA o universo das operações sujeitas a imposto, ambos os membros da fração devem ser constituídos pelo respetivo valor tributável determinado de acordo com as regras estabelecidas no art.º 16.º do Código do IVA.
  • A aplicação deste método (pro rata) ao Requerente, decorrente das especificidades das diferentes atividades desenvolvidas, levaria a que a percentagem de dedução tivesse na sua base de cálculo valores tributáveis que, correspondendo à contraprestação obtida ou a obter do adquirente ou destinatário, refletem os juros e outros proveitos obtidos, como acontece nas operações de crédito, e valores tributáveis que correspondem ao somatório de duas parcelas, juros obtidos e capital reembolsado, como se verifica nas operações de locação financeira e ALD [cf. al. h) do n.º 2 do art.º 16.º do Código do IVA].
  • A componente “capital” corresponde à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado e não constitui, por consequência, contrapartida de uma transmissão de bens ou prestação de serviços.
  • Atendendo às especificidades da atividade desenvolvida pelo Requerente, a percentagem de dedução ou pro rata geral, apurada nos termos do normativo em análise, não tem mérito para medir o grau de consumo que as duas categorias de operações, com e sem direito a dedução, fazem dos bens e serviços que lhes são indistintamente alocados e, consequentemente, não pode ser utilizada para determinar a parcela dedutível do IVA liquidado a montante.
  • É o que decorre das instruções vertidas no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, da Autoridade Tributária e Aduaneira:

«9.Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA»

  • Deverá então ser utilizado um rácio cujas variáveis sejam homogeneizadas, a fim de se tornarem coerentes entre si, e que se tornará numa percentagem especialmente indicada à realidade a que vai ser aplicada (e que mais não será do que um coeficiente de imputação que se enquadra no método de afetação real), de acordo com o n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA.
  • Assim, atendendo a que, nas operações de Leasing e ALD, o locador assume o papel de intermediário entre o fornecedor e o locatário na transação do bem, os ganhos decorrentes da atividade consubstanciam-se apenas nos juros e encargos recebidos no âmbito dos respetivos contratos, dado que a amortização financeira é um mero reembolso da quantia gasta pelo locador na aquisição do bem locado.
  • O valor do capital recuperado no âmbito da venda de viaturas recebidas por via da rescisão antecipada/anulação de contratos de Leasing e ALD, também não deve contribuir para o apuramento da percentagem de dedução específica, por igualmente mais não consistir do que um mero reembolso do (valor do) capital emprestado/financiamento concedido para a aquisição (valor de aquisição
  • Acresce que, tendo determinada viatura sido adquirida com vista a integrar um contrato de locação financeira ou ALD, todo o capital que vier a ser recuperado não irá acrescentar valor (“valor acrescentado”) à sua atividade, motivo porque a percentagem de dedução específica de imposto, deverá excluir do seu cálculo o capital subjacente aos contratos de Leasing e ALD incluído naquelas bases.
  • A percentagem de dedução específica de imposto deverá excluir do seu cálculo o capital subjacente aos contratos de Leasing e ALD incluído naquelas bases.
  • Nos casos em que o capital não seja recuperado através das rendas dos contratos de locação financeira ou ALD, mas venha a ser recuperado de outra forma (como seja através da transmissão desses bens), o mesmo, tratando-se de um mero reembolso do (valor do) capital emprestado/financiamento concedido para a aquisição (valor de aquisição) do bem locado, deverá também ser desconsiderado para efeitos da determinação da percentagem de dedução.
  • Verifica-se que o Requerente utilizou o método da afetação real, considerou (dentro deste método) um coeficiente de imputação específico, de acordo com o n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA, o qual, em respeito pelos princípios referidos, procurava evitar a existência de distorções significativas na tributação.
  • O critério adotado pelo Requerente foi o mais adequado para servir os propósitos do IVA, na medida em que, para efeitos de dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços objeto de utilização conjunta nos vários tipos de atividades em apreço, foi utilizado o método da afetação real, com recurso a um coeficiente de imputação constituído por um rácio em que as respetivas variáveis (no numerador e no denominador), sendo não só homogéneas e coerentes entre si como especialmente direcionadas às atividades em apreço, permitiu espelhar com objetividade o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades (isto é, permitiu determinar o grau de utilização dos bens e serviços adquiridos a montante nas operações a jusante sujeitas com e sem direito a dedução), em cumprimento do n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA.
  • Em síntese, o Requerente, utilizou (corretamente) um rácio cujas variáveis sendo homogéneas e coerentes entre si, se consubstanciaram numa percentagem especialmente indicada à realidade a que foi aplicada, na medida em que, no cálculo do coeficiente de imputação específico, apenas considerou o montante correspondente aos juros e outros rendimentos.
  • Não são plausíveis os motivos avançados pela Requerente para alterar o método de imputação específica para cálculo do montante a deduzir do IVA, não podendo assim ser aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
  • Para se determinar a parcela dedutível do imposto contido nos bens e serviços de utilização mista, as variáveis contidas na fração têm de ser homogéneas/coerentes entre si na medida em que a falta de coerência das variáveis utilizadas é suscetível de provocar vantagens ou desvantagens injustificadas, como vimos.
  • As razões que estiveram na base da emissão do Ofício-Circulado n.º 30108, de 2009-01-30, aplicam-se na sua plenitude ao presente caso, com uma agravante, pois enquanto a atividade de Leasing e ALD representa uma atividade sujeita e não isenta de IVA, já no caso do financiamento da reserva de propriedade, estamos perante uma operação que é sujeita a IVA, mas isenta ao abrigo da subalínea a) da al. 27) do art.º 9.º do Código do IVA, e, por maioria de razão ainda menos sentido fará, neste caso, considerar quer no numerador, quer no denominador da fração, o valor da transmissão das viaturas aos clientes.
  • De notar que as operações de CRP podem até implicar a utilização de alguns bens ou serviços mistos, mas essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de CRP (e de locação financeira e de ALD) celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.
  • Nestas condições, o cálculo do direito à dedução incluindo no coeficiente o valor de venda das viaturas no caso do CRP - que os clientes recebem em financiamento e em paralelo entregam ao financiador para compensar a disponibilização dos veículos - leva a determinar um coeficiente de dedução do IVA pago a montante (nos bens e serviços de utilização mista) que, reafirma-se, é substancialmente menos preciso do que o resultante do método que vem sendo aplicado, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão das operações relativas à disponibilização de viaturas.
  • Este aumento artificial do coeficiente de imputação específico, revela-se como um favorecimento injustificado do Requerente, originando distorções significativas na tributação.

 

II. SANEAMENTO DO PROCESSO

  1. Em função do objeto do pedido, este Tribunal arbitral é absolutamente competente.
  2. As partes são legítimas, capazes e estão devidamente representadas.
  3. Não há exceções ou nulidades alegadas, ou de conhecimento oficioso, de que importe conhecer

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

A - Os factos provados

  1. O Tribunal considera provados, com relevo para o objeto do pedido, os seguintes factos:
  1. O Requerente é uma instituição de crédito que, no âmbito da sua atividade, realiza operações enquadráveis nas isenções constantes nas subalíneas da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto – tais como, operações de financiamento/concessão de crédito, operações associadas a pagamentos e, em geral, transações relativas à negociação e venda de títulos.
  2. O Requerente realiza igualmente operações que conferem o direito à dedução deste imposto (cf. a alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA), designadamente, operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres e custódia de títulos, entre outras.
  3. Uma vez que adquire recursos que são utilizados simultaneamente em operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem tal direito, o Requerente encontra-se abrangido por distintos regimes de dedução do IVA incorrido.
  4. O Requerente identificou uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas e aplicou consequentemente, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.
  5. Foi o que sucedeu no âmbito da aquisição de bens objecto dos contratos de locação financeira - v.g. a aquisição de uma viatura para subsequente locação financeira -, relativamente aos quais foi deduzido, na íntegra, o IVA incorrido, em virtude de tais bens estarem diretamente ligados a operações tributadas, realizadas a jusante pelo Requerente;
  6. Em idêntico sentido, nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, o ora requerente não deduziu qualquer montante de IVA.
  7. Por outro lado, nas situações em que o Requerente identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objetivos do nível/grau de utilização efetiva, aplicou o método da afetação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA.
  8. Para determinar a medida de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afetas indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas, i.e., aos recursos de utilização mista, o Requerente aplicou o método geral e supletivo do critério de imputação específico, conforme determinado pelo Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-geral da Área de Gestão Tributária do IVA.
  9. O Banco considerou não exequível quantificar o IVA incorrido em cada um dos procedimentos e tarefas que compõem o leasing e...
  10. ... adotou (ab initio) o coeficiente de imputação específico como método de dedução do imposto incorrido nos recursos de utilização mista.
  11. Deste modo, relativamente a estes encargos comuns ou recursos de utilização mista não foi possível ao Banco proceder à aplicação de outro critério de afetação real, na medida em que tal implicaria uma clara distinção dos bens e serviços adquiridos para cada tipologia de operações, o que é impraticável face à natureza dos recursos (de utilização mista) em causa, nomeadamente, os consumos de eletricidade, de água, de papel, de material informático (hardware e software), de telecomunicações, entre outros.
  12. Não sendo viável encontrar um ou vários critérios objetivos passíveis de permitir, de forma minimamente rigorosa e segura, a determinação do IVA dedutível, através do método da afetação real (a que alude o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA) nas aquisições de recursos de utilização mista, o Requerente, conforme acima salientado, aplicou o critério de imputação específico, nos termos consagrados no Ofício-Circulado n.º 30108.
  13. O Requerente procedeu, pela forma descrita,  à  (auto)liquidação de IVA relativa ao período de imposto de 2019/12 (dezembro), com  dedução, segundo critérios provisórios, nas declarações periódicas referentes aos meses de Janeiro a Novembro de 2019, do IVA por si incorrido em recursos de utilização mista, e segundo critérios definitivos, na declaração periódica referente ao mês de Dezembro do mesmo ano (cf. o n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA).
  14. Ulteriormente, na sequência de uma revisão de procedimentos relativos à sua atividade, o Banco, concluindo pela existência de erro no regime legal aplicável e que resultava do ofício mencionado supra em l), peticionou a anulação da citada autoliquidação na parte referente ao IVA e que resultava da divergência de aplicação das percentagens aos bens e serviços de utilização mista, num total de € 8.446.898,69, relativa a

 i)        contratos de reserva de propriedade (“CRP”);

ii)        contratos de locação financeira (“leasing”).

  • Em concreto, verificou o Requerente existir erro na (auto)liquidação efetuada no ano 2019, em virtude de, com referência aos recursos de utilização mista adquiridos no âmbito das áreas de atividade referidas supra, não ter alegadamente procedido à dedução do IVA por si incorrido em conformidade com a legislação nacional e comunitária deste imposto.
  • Assim, com referência ao cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2019 – i.e., do coeficiente de imputação específico –, haviam sido desconsiderados (i) os valores relativos à transmissão das viaturas adquiridas no âmbito da atividade de CRP e (ii) os valores respeitantes às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira (ou leasing) por si celebrados. Mais concretamente:
  • O Requerente havia apurado inicialmente uma percentagem de dedução definitiva para o ano 2019 de 8%, a qual, quando aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 33.787.595,57) se materializou no valor de € 2.703.007,65 de IVA dedutível...
  • ... quando, se no cálculo daquela percentagem de dedução, tivessem sido considerados, os valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com a atividade de CRP e os valores relativos às amortizações financeiras do leasing, tal percentagem ascenderia a 33% (ao invés de 8%).
  • Na sobredita (auto)liquidação de IVA com referência ao ano de 2019 não foi assim deduzida a importância de € 8.446.898,89 (i.e., € 33.787.595,57 x 33% - € 2.703.007,65).
  • Quer o valor da renda (na locação financeira), quer a componente das comissões que são faturadas com IVA aos locatários,  incluem o segmento respeitante aos custos comuns/gerais que o Banco estima incorrer com as prestações de serviços mistas, mas que não consegue segregar entre o que sejam atos de disponibilização de veículos e atos de gestão e de financiamento dos contratos,
  • ... assim como de entre o que são os custos comuns às atividades sujeitas e às atividades isentas de IVA.
  • Os custos comuns da Requerente são não apenas remunerados pelo débito de comissões junto dos clientes de locação financeira, como também através de componente da renda referente aos juros (remuneração do risco) e encargos.
  • O Banco apresentou reclamação graciosa nos termos previstos nos artigos 68º e 131º, do CPPT, em conjugação com o artigo 97º, do CIVA, contra o ato tributário de autoliquidação de IVA respeitante ao citado período de imposto de 2019/12 (dezembro), invocando a ilegalidade da autoliquidação, decorrente da ilegalidade do Ofício-circulado nº 30.108, de 30 de janeiro de 2009 por este consagrar uma percentagem de dedução do IVA com base em critérios incompatíveis com o direito nacional e comunitário;
  • Por despacho da Diretora Adjunta da Unidade dos Grandes Contribuintes (por delegação de competência) de 25-5-2021, a AT indeferiu  totalmente a reclamação mencionada com os fundamentos que constam dos documentos 1 a 7, juntos com o pedido de pronúncia arbitral apresentado em 30-8-2021

 

 

       B – Os factos não provados

  1. Não ficou provado:

–  que os custos comuns do Requerente fossem sobretudo incorridos com as prestações de serviços conexionadas com os atos de disponibilização de veículos, ou seja, que   os recursos de utilização mista da atividade de leasing fossem sobretudo consumidos nas tarefas e procedimentos necessários à disponibilização dos bens locados (i.e., na denominada fase pós-venda), quer pela vasta rede de balcões e departamentos utilizada para o efeito, quer pelo período prolongado de vigência desta fase

 

       C - Fundamentação da matéria de facto

  1. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
  2. A convicção do Tribunal para a sobredita definição do quadro factual, alicerçou-se, essencialmente, nos documentos incorporados no processo (Docs 1 a 7, juntos pelo Banco), incluindo a cópia do processo administrativo instrutor junta pela AT, em conjugação com o depoimento testemunhal prestado por B..., Diretor Comercial da atual Direção de Consumer Finance – Financiamento Automóvel do Requerente, Banco A..., S.A.
  3. Esta testemunha, indicada pelo Requerente, com a sua especial qualificação profissional, depôs revelando espontaneidade, exaustividade e credibilidade de modo a convencer o Tribunal sobre o modo como o Requerente desenvolve a área do negócio aqui em causa (concretamente, a atividade de locação financeira e crédito com reserva de propriedade), distinguindo as suas fases que denominou de pré-contratação e de pós venda: a primeira traduzida ou assente em cerca de 200 acordos ou parcerias celebrados com marcas de automóveis e concessionários, estendida a mais de 500 pontos de venda que fazem a captação de clientes; nesta rede incluem-se os Balcões ou agências do próprio Banco; após análise de perfil risco do cliente através de simulador on line, praticamente sem intervenção humana, concluído este procedimento e obtida a aceitação ou concordância do cliente, é o processo enviado aos serviços competentes do Banco para formalização e concessão do crédito; a segunda fase (pós venda) implica mais tempo consumido porquanto engloba situações que têm a ver com o incumprimento do contrato, o processo de legalização (por exemplo, da reserva de propriedade e a emissão do IUC  - serviços pagos à parte pelo cliente, em comissões administrativas). De assinalar que a testemunha não foi capaz de medir e/ou separar os custos em cada fase do processo, tendo afirmado não possuir o Banco contabilidade analítica nesta área, não lhe sendo possível emitir juízos com um mínimo de solidez ou credibilidade sobre a imputação dos recursos mistos consumidos, tais como call centers ou software informático. Não pôde ainda a testemunha separar ou distinguir custos incorridos na disponibilização dos veículos objeto de locação financeira e custos com a gestão do financiamento associado, tratando-os todos, globalmente, como “custos comuns”. Adiantou ainda que os custos de disponibilização do contrato de locação financeira são, no essencial, os referentes à fase de pré-venda, incluindo a tramitação do processo de aquisição e entrega do veículo ao cliente.  Considerou ainda a testemunha um grande paralelismo de procedimentos entre o leasing e o processo de concessão de crédito com a garantia de reserva de propriedade (CRP).
  4. Ou seja: em matéria de quantificação e grau de utilização dos meios utilizados pelo Banco na disponibilização de veículos, nada de concreto ou certo foi apurado em consequência do depoimento testemunhal ou, como foi assinalado pelo Tribunal  no decurso  do depoimento, após conclusão deste e sem contestação, “(...)  “a testemunha terá de certa forma respondido que não é possível determinar quais as despesas ou os custos  com a parte da disponibilização dos veículos e com a parte do financiamento.”

 

III. FUNDAMENTAÇÃO (cont)

 

       O DIREITO

       Thema decidendum

  1. O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente e, por objeto mediato, a autoliquidação de IVA relativa ao ano de 2019, melhor identificada no pedido,  nos termos da qual, por motivo de alegado erro relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto nos recursos de utilização mista, o Banco  procedeu, segundo alega, à entrega ou pagamento em excesso, do montante de IVA de € 8.446.898,89, pugnando o Banco pela respetiva anulação e pelo reconhecimento de direito ao reembolso de  valores que alega indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

 

Análise da questão essencial

  1. A questão sub juditio tem sido polémica e reconduz-se ao problema da modelação ou dos critérios desta para efeitos de tributação em IVA, no caso dos chamados “sujeitos passivos mistos”, ou seja, daquelas entidades que praticam quer operações sujeitas a IVA quer operações não sujeitas a este imposto, como são concretamente, as operações de leasing (sujeitas a IVA) efetuadas pelos Bancos (em que a atividade principal é a concessão de crédito (isenta de IVA) – Cfr artigo 9º, nº 27,  16º-2/h) e 23º, do CIVA.
  2.  Na verdade, esta matéria tem sido abundantemente discutida quer na Jurisprudência dos Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD,  quer na Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente em vários  acórdãos uniformizadores ou para fixação de Jurisprudência, quer ainda no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), como melhor se irá especificar.
  3.  Assim é que, em decisões proferidas por alguns Tribunais Arbitrais, tem sido sufragado, quiçá maioritariamente, entendimento divergente do que veio mais recentemente a considerar-se consolidado pela Jurisprudência do STA,  maxime em recursos de decisões dos Tribunais Arbitrais   para uniformização de Jurisprudência[5].
  4.  No cerne da questão encontram-se, neste e nos demais casos, os divergentes entendimentos das partes relativamente à dedução   de IVA quanto aos bens e serviços de utilização mista (artigo 23º, do CIVA), designadamente quando é sujeito passivo de IVA uma instituição de crédito que, para além das operações financeiras que integram o seu objeto específico, pratica ainda operações de leasing, ALD e crédito com a garantia de  reserva de propriedade (CRP).
  5. Ou seja e mais concretamente: ponderados os métodos ou formas de cálculo da dedução de IVA quando o sujeito passivo efetua operações que conferem direito a dedução e outras que não conferem esse direito, discute-se então  se enferma ou não de vícios de ilegalidade por falta dos pressupostos de facto e de direito, a liquidação de IVA em que o cálculo do pro rata excluiu da base desse cálculo os montantes respeitantes à amortização de capital incluído nas rendas de locação e os montantes referentes a créditos titularizados.
  6. A clássica atividade bancária de concessão de crédito constitui uma atividade isenta de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 27, do CIVA, não tendo os juros liquidados qualquer imposto.
  7. Ao invés, a locação financeira[6] constitui uma atividade totalmente tributada, nos termos gerais do Código do IVA, razão pela qual as rendas de leasing são inteiramente sujeitas a IVA, ainda que, além de uma componente de amortização, compreendam uma componente de financiamento.
  8. É exatamente esse aspeto que o artigo 16.º do CIVA pretende deixar claro no seu n.º 2, alínea h), prevendo que o valor tributável das operações de locação financeira corresponde ao “valor da renda recebida ou a receber do locatário” – ou seja, não existindo qualquer desagregação neste valor. Nessa medida, as instituições de crédito que, por exemplo, operam simultaneamente em atividades de leasing automóvel constituirão “sujeitos passivos mistos”, realizando operações que conferem direito à dedução e outras que o não conferem.
  9. Na prática o contrato de locação financeira é comummente utilizado como forma de proporcionar crédito bancário e não é propriamente destinado a proporcionar a transferência de propriedade do bem locado.

 

O contrato de leasing ou de locação financeira[7]

  1. O núcleo essencial deste contrato acaba por reconduzir-se a uma prestação de serviço traduzida na disponibilidade ou uso do bem (no caso, automóvel) pelo locatário, a troco de uma remuneração do locador - a renda, que engloba a amortização do preço do veículo e juros -, com eventual acordo de compra pelo locatário, por um valor residual, no final do contrato.
  2. Assim é que, se poderá, de certo modo, considerar, na transposição da natureza e regime deste contrato para a perspetiva tributária, que,  a esta luz,  a locação financeira é uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do disposto no nº 1, do artigo 4º, do CIVA.
  3. Entrando na apreciação dos custos diretos - inputs que se podem associar a concretos outputs - o IVA será dedutível ou não dedutível na sua totalidade, consoante estejam ligados à atividade da entidade que confere direito à dedução ou àquela que o não confere. No que respeita aos custos mistos - inputs que estejam indistintamente associados a uma e outra área de atividade - o IVA será dedutível apenas em parte.

 

O artigo 23º, do CIVA e os métodos de. dedução dos custos “promíscuos”.

  1. Deste modo, o artigo 23.º do CIVA contempla dois métodos de dedução parcial, de forma a tratar estes custos mistos ou promíscuos:  o método do pro rata, que  prevê o direito à dedução na proporção do valor das operações que conferem o direito à dedução, alicerçando-se na presunção de que o aproveitamento dos custos mistos varia na direta razão do volume de negócios de cada área de atividade e  o método da afectação real que prevê o direito à dedução em função de indicadores distintos do valor das operações - o número de trabalhadores, a massa salarial, o espaço ocupado, etc… - alicerçando-se na presunção de que o aproveitamento dos custos mistos aproxima-se mais destes indicadores do que do valor das operações.
  2. De acordo com o teor do artigo 23.º, n.º 1, alínea b) do CIVA, o método do pro rata constitui o método-regra de dedução aplicável aos sujeitos passivos mistos, enquanto o método da afetação real é aplicável, somente, por opção do sujeito passivo ou por imposição da AT, imposição essa que pode ter lugar, designadamente, quando a aplicação do método pro rata conduza a “distorções significativas na tributação” (artigo 23.º, n.º 2, alínea b) do CIVA).

 

O Ofício Circulado nº 30.108

  1. A partir do ano de 2009, refletindo o que era a prática da Autoridade Tributária, que invocava o risco de “distorções significativas na tributação”, foi emitido o Ofício-Circulado n.º 30.108 (transcrito infra). Este ofício previa que «os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades” (…), “na aplicação do método da afetação real (...) e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.°4 do artigo 23.º do CIVA.”
  2. Conclui-se, assim, que a estas entidades (as que no âmbito da atividade financeira, v. g., Bancos, pratiquem também operações de leasing e ALD) não é aplicável o método do pro rata, tal como o consta do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA; ao invés, ser-lhes-á aplicável um “coeficiente de imputação específico”, que se traduz em expurgar do pro rata a componente de amortização das rendas de leasing, deixando que no pro rata permaneça apenas a componente de financiamento ou juro. Este coeficiente de imputação específico – uma percentagem ainda, mas modelada de precisa maneira - é representado pela AT como método de afectação real.
  3. Este entendimento da AT impõe, assim, a estes sujeitos passivos, o expurgo do numerador e denominador do pro rata a componente de amortização das rendas e mantida apenas a componente de financiamento,  método que acaba por reduzir substancialmente a percentagem de dedução, uma vez que o valor da amortização do automóvel tende a ser elevado face ao juro.
  4. Tal entendimento vinha a ser preconizado pela AT perante tais sujeitos passivos, mesmo antes de ser emitido o Ofício-Circulado n.º 30.108, por se ter constatado que, a partir dos anos 90, as entidades bancárias foram alargando a sua atividade muito para além daquilo que era o seu core business (i.e., a concessão de crédito), oferecendo aos seus clientes soluções de financiamento automóvel com múltiplos contornos.
  5. Ao obrigar à utilização deste “coeficiente de imputação específico”, a AT deu origem a uma grande celeuma junto do sector bancário que, como se viu, os Tribunais vieram a refletir,  estribada em dois argumentos essenciais: 1º a alegação de que o direito europeu não permite modelar, desta forma, o pro rata, cuja fórmula de cálculo se encontra concretizada no artigo 174.º, n.º 2, da Diretiva IVA, excluindo, assim, a discricionariedade dos estados-membros; 2º a imposição de um “critério de imputação específico” pelo direito europeu carece, no entanto, de previsão na lei nacional e não tem sustentação no Código do IVA, que só prevê o método da percentagem na sua forma “pura” e o método da afetação real, não admitindo um terceiro método.

 

O enquadramento legal e jurídico

  1. Transcrevem-se, para melhor facilidade expositiva, as disposições legais e instrução administrativa mais relevantes para apreciar e dirimir o litígio:

Código do IVA (CIVA):

 

Artigo 23.º

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista 

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior: a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas; b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.

6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.

7 - Os sujeitos passivos que iniciem a actividade ou a alterem substancialmente podem praticar a dedução do imposto com base numa percentagem provisória estimada, a inscrever nas declarações a que se referem os artigos 31.º e 32.º

8 - Para determinação da percentagem de dedução, o quociente da fracção é arredondado para a centésima imediatamente superior.

9 - Para efeitos do disposto neste artigo, pode o Ministro das Finanças, relativamente a determinadas actividades, considerar como inexistentes as operações que dêem lugar à dedução ou as que não confiram esse direito, sempre que as mesmas constituam uma parte insignificante do total do volume de negócios e não se mostre viável o procedimento previsto nos n.os 2 e 3.

 

As Diretivas IVA[8]

Os artigos 173º, 174º e 175º, da Diretiva nº 2006/112/CE, do Conselho, de 28.11.2006, estabelecem o seguinte: 

 

Pro rata de dedução

Artigo 173.o

1.   No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168º, 169º e 170º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (sublinhado nosso).O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174º e 175º, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo.

2.   Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:

a)

Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respetiva atividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;

b)

 Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respetiva atividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;

 

c)

Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efeituar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

 

d)

Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do nº 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;

e)

Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respetivo montante for insignificante.»

 Artigo 174º. [9]

1.         O pro rata de dedução resulta de uma fração que inclui os seguintes montantes:

a)

No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168º e 169º;

b)

No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73º.

2.   Em derrogação do disposto no nº 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a)

O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b)

O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c)

O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.o 1 do artigo 135º, se se tratar de operações acessórias.

3.  Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.

Artigo 175.o

1.   O pro rata de dedução é determinado anualmente, fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior.

2.   O pro rata aplicável provisoriamente a determinado ano é calculado com base nas operações do ano anterior. Na falta de tal referência, ou quando esta não seja significativa, o pro rata é estimado provisoriamente, sob controlo da administração, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões.

Todavia, os Estados–Membros podem continuar a aplicar a sua regulamentação em vigor em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados–Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão.

3.   A fixação do pro rata definitivo, que é determinado para cada ano durante o ano seguinte, implica a regularização das deduções operadas com base no pro rata aplicado provisoriamente.

 

 

O teor do ofício circulado da AT nº 30108, de 30-1-2009

 

Esta instrução administrativa estabelece o seguinte (realçando-se o que interessa neste processo, através da parte  sublinhada):    

 

Assunto: IVA - Direito à dedução Regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD

Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte:

1. O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.

2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou prorata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do prorata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º).

3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.

4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.

5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

6. Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas. No entanto, mediante a aplicação de um prorata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

 9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA (sublinhado nosso).

 

  1. O Banco ora  Requerente, é um sujeito passivo do IVA, tal como decorre do artigo 2º, nº 1, alínea a) do Código do IVA que, no âmbito da sua atividade económica,  pratica operações de financiamento e concessão de crédito às quais se aplica a isenção do IVA prevista no nº 27 do artigo 9º do CIVA e, simultaneamente, pratica operações de locação financeira mobiliária (Leasing e Aluguer de longa duração),  tributadas em IVA, nos termos do artigo 16º, nº2, alínea h), do CIVA.

 

Jurisprudência arbitral e do TJUE

  1.  Contrariamente ao procedimento da AT, e ainda que a Diretiva IVA permita a modelação dos critérios de imputação dos custos mistos e eventual imposição de “coeficientes de imputação específicos” com tradução na exclusão de valores determinados do pro rata, os tribunais arbitrais têm, desde 2017, considerado que falta norma legal no nosso direito interno que dê respaldo à utilização deste critério.
  2. Pressupondo que existe algum grau de liberdade na Diretiva IVA, o legislador português não fez uso da mesma, porquanto o artigo 23.º do CIVA contempla apenas dois métodos de dedução absolutamente estanques: o método do pro rata, assente no volume de negócios e expresso numa percentagem calculada de acordo com o artigo 23.º, n.º 4, e o método da afetação real, assente em indicadores objetivos e que não pode exprimir-se em percentagem alguma.
  3. Assim, a redação do artigo 23.º do CIVA não permite que a AT possa aplicar um terceiro método, motivo pelo qual o Ofício-Circulado n.º 30.108 violaria o princípio da legalidade tributária, ou seja, os métodos de dedução são “caixas fechadas”.
  4.  Era este a doutrina  arbitral que  vinha sendo defendida de forma muito uniforme e que está espelhada, por exemplo e no essencial, nos acórdãos  proferidos nos processos do CAAD  nºs 309/2017-T,  311/2017-T, 312/2017-T, 335/2018-T, 339/2018-T, 498/2018-T, 646/2018-T, 442/2019-T[10] e 907/2019-T[11],  que se encontram publicados no respetivo sítio da internet (www.caad.org.pt)
  5. Seria assim  sobre a totalidade das rendas (da locação financeira) , sem distinção entre juro e capital, que se deveria liquidar IVA, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário” e,  consequentemente,  o numerador da fração que exprime a percentagem a dedução seria constituído pelo “montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja,  pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respetivo denominador seria o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras operações.
  6. Certo que o Ofício Circulado nº 30.108 citado e transcrito supra, para as instituições de crédito que pratiquem também operações de leasing e ALD e no uso da faculdade prevista no artigo 23º-3, do CIVA, estabelece um coeficiente específico que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros no entendimento de que a aplicação do pro rata geral estabelecido no artigo 23º-4, do CIVA pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, ou sejaveio estabelecer que aqueles sujeitos passivos passassem a utilizar o método da afetação real, pelas formas previstas nos nºs 8 e 9, do citado ofício circulado.

 

Acórdão “Banco Mais”

 

  1. Ponderando  que as circulares e instruções da AT, são meras orientações genéricas que se destinam a uniformizar, no âmbito dos serviços, a interpretação e aplicação das normas tributárias mas que, apesar da força vinculativa para a AT (cf artigo 68º-A/1, da LGT), não podem sobrepor-se aos atos normativos de valor hierárquico superior nem podem servir de fundamento jurídico válido para, designadamente, imporem critério de dedução que não tenha suficiente e consistente apoio nos textos legais, tal entendimento não teve acolhimento na Jurisprudência do STA que validou o poder exercido pela AT pela forma de circular ou ofício circulado, na linha interpretativa do acórdão  proferido em 10-07-2014, no processo n.º C-183/13 (conhecido vulgarmente por “Acórdão Banco Mais”), proferido no âmbito de reenvio prejudicial, onde o TJUE entendeu que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 «não se opõe a que um Estado-Membro (...) obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos».
  2. Na referida alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece-se que «os Estados-membros podem» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».
  3. Estava em causa neste processo (conhecido, como se disse, como “Caso Banco Mais”), a realização de atividade de crédito e de leasing automóvel por um Banco português e ainda não tinha sido emitido, na altura, o ofício circulado nº 30.108 supra referido e transcrito.
  4. A decisão do TJUE nesse processo foi no sentido de que “O artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme - deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.”
  5. Aí se assinalou que os EM (estados membros da UE) têm grande margem de liberdade na modelação dos critérios de dedução e o TJUE não exclui um “pro rata mitigado” como era aplicado em Portugal e que a condição para o efeito é a de que o pro rata mitigado produza resultados mais precisos na dedução dos custos mistos que um pro rata simples e  que assim obedeça ao princípio da neutralidade (nº32): “Para este efeito, a Sexta Diretiva não se opõe a que os Estados‑Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (v., neste sentido, acórdão BLC Baumarkt, EU:C:2012:689, n.° 24).”
  6. No caso do leasing automóvel, o TJUE sugere que a exclusão da componente amortização do pro rata conduz a resultados mais precisos porque será a componente financiamento que consume o essencial dos custos mistos, ainda que incumbe ao tribunal de reenvio verificar se assim é :  “(...)A este propósito, há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efetivamente esse o caso no processo principal. Ora, nestas condições, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o setor automóvel.”
  7. Pois bem, começamos por reafirmar que  o artigo 23º, do CIVA, não corresponde a mera e simples transposição do disposto na citada Diretiva IVA na medida em que, ao contrário desta, não previu ou consagrou o CIVA a possibilidade de a AT poder mitigar o pro rata, designadamente impondo que determinadas verbas sejam, ou não, consideradas no numerador / denominador da fórmula de cálculo da percentagem de dedução, ou seja, embora a Diretiva lhe conferisse essa margem, no nosso ordenamento jurídico (ou seja no CIVA) consagrou-se apenas a possibilidade de a AT impor o uso de um determinado método (afetação real ou pro rata).
  8. Ora compulsado o Acórdão do TJUE proferido no citado e denominado “Caso Banco Mais” logo se verifica que o mesmo parece assentar num equívoco, já que assume, sem efetivamente o apurar, que a lei portuguesa (mais precisamente o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.
  9. Por outro lado, será de assinalar que, nos termos do artigo 267.º do TFUE , a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, se limita à «interpretação dos Tratados», e à «validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União», pelo que não se estende à interpretação do artigo 23.º do CIVA, na parte em que consubstancia opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas pela Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, à sua discricionariedade, sendo que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, não é uma disposição de aplicação direta, pois é dirigida aos «Estados-Membros» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços.
  10. Como se verá, a Jurisprudência do STA foi consolidada em sentido não convergente e, pelo contrário mesmo divergente destes entendimentos, espelhado em várias decisões arbitrais anteriores a tal consolidação.

 

A Jurisprudência do STA

  1. Entre 2015 e 2020, o STA não reconhecia validade incondicional aos “coeficientes de imputação específicos”, construídos por modelação do pro rata, defendendo que a sua validade dependeria sempre da demonstração de que esses critérios de imputação produzissem resultados mais rigorosos que o método da percentagem e que a aplicação de tal método da percentagem pode, por isso, gerar distorções significativas na tributação.
  2. Todavia e abreviando razões, em especial  depois da publicação do  denominado e mencionado “Acórdão Banco Mais”(Acórdão do TJUE, de 10.7.2014 – Proc nº C-183/13), o STA passa a anular, em sede de recurso,  as decisões arbitrais ou  a determinar, a devolução dos processos aos tribunais tributários de primeira instância (v. g., Acórdão no Recurso nº 1077/14.7BEPRT) e, até certo momento,  aos tribunais arbitrais, com vista a apurar se a utilização dos bens e serviços mistos é, sobretudo, determinada pelas operações de financiamento e de gestão dos contratos de locação financeira ou, por outro lado, pela disponibilização dos veículos, sendo que, no âmbito da prova, o STA relembra que o ónus da prova cabe ao sujeito passivo, (Cfr. v. g., os Acórdãos do STA nos processos nºs 101/19, 84/19, 87/20, 32/20, 63/20, 101/20.9BALSB[12], 113/20, 74/21.0BALSB, 75/21.9BALSB, 89/21.9BALSB, 118/21.6BALSB, 66/21.0BALSB, 48/20.9BALSB e 38/20.1BALSB)[13]
  3.  A posição uniforme do STA sobre esta temática está descrita e dalgum modo sintetizada,  em recente  acórdão do Pleno do STA, proferido, por unanimidade – Acórdão proferido em 23-2-2022 no Proc nº 101/20.9BALSB (publicado em www.dgsi.pt– que anulou a decisão arbitral proferida no processo do CAAD nº 706/2019-T.
  4. Assim  se considerou que esta questão (idêntica à que constitui o thema decidendum destes autos)  “[(...) foi já objecto de decisão em diversos arestos recentes do Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do S.T.A., em sentido que aqui se reitera e cujos textos estão integralmente disponíveis em www.dgsi.pt, orientação jurisprudencial essa que se pode, atualmente, ter por consolidada (sublinhado nosso)  (cfr.v.g.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/01/2021,  rec.101/19.1BALSB;  ac.S.T.A.-Pleno  da  2ª.Secção,  24/03/2021, rec 87/20.0BALSB[14]; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 21/04/2021, rec.113/20.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 22/09/2021, rec.145/20.0BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/11/2021, rec.63/20.2BALSB)]. Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, tendo presente o disposto no artº.8º, nº.3, do C.Civil, e a finalidade dos acórdãos de uniformização de jurisprudência, os quais visam garantir a certeza do direito e o princípio da igualdade, evitando que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito obtenham dos Tribunais respostas diferentes, limitamo-nos a remeter, nos termos dos artºs.663º, nº.5, e 679º, ambos do C.P.Civil, regime aplicável "ex vi"  artº.281º, do C.P.P.T., para a fundamentação do referido acórdão de 24 de Março de 2021, proferido no processo com o nº.87/20.0BALSB, o qual uniformizou jurisprudência no sentido de que "[n]os termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afetação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.", para concluirmos, como aí, pela procedência do recurso e pela anulação da decisão arbitral recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva (...)”.
  5.  Dos acórdãos  para uniformização de jurisprudência proferidos sobre a matéria  (e foram e têm sido vários, como se viu), concluiu-se também e  designadamente, que,  ao abrigo da citada  legislação europeia transposta para o artigo 23.º, n.° 2,  do Código do IVA, o legislador nacional permitiu condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação, o que determina que,  para o cálculo do pro rata, apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro. Uma hipótese que o STA condiciona ao facto do método aplicado garantir uma determinação mais precisa do pro rata de dedução que resulta do critério baseado no volume de negócios.
  6. Deste modo, na esteira desta jurisprudência uniformizadora do STA, os tribunais arbitrais proferiram já decisões recentes, afastando-se da tese da violação do princípio da legalidade e reconhecendo como fundamento do coeficiente de imputação específico aplicado pela AT, as regras que prevêem a afetação real.
  7. A título de exemplo, refira-se o Acórdão n.º 759/2019-T, de 5 de Setembro de 2020, concluindo que "a norma do artigo 23.°, n.º 2, do CIVA, ao permitir que Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 173.°, n.º 2, alínea c), da Directiva 2006/1 12/CE, correspondendo à sua transposição para o direito interno", tese acolhida também no acórdão n.º 927/2019-T, de 21 de Setembro de 2020.
  8. Há, por conseguinte, uma convergência da jurisprudência arbitral, das decisões do STA e da tese adotada, nesta matéria, pelo TJUE, sem prejuízo de se  reconhecer  que a legitimação que o STA faz dos citados  métodos de imputação alternativos não é incondicional mas antes apenas admissível quando produza melhores resultados que o pro rata.
  9. Dito doutro modo: a sucessão mais recente de Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência proferidos no âmbito de recursos interpostos de decisões arbitrais, designadamente de algumas das citadas, impõem a conclusão no sentido da validade formal e substancial do citado ofício circulado nº 30.108, da AT e a consequente imposição de critérios de “pro rata” específicos e, em certos casos, mesmo obrigatórios.
  10. Deste modo,  o sujeito passivo que realize operações mistas no sentido apontado e que  opte pela aplicação do método de afetação real, se tiver várias despesas comuns afetas a diversas atividades, umas que conferem direito à dedução de IVA e outras que deste imposto estejam isentas, o imposto suportado relativamente a estas últimas despesas deve ser deduzido de acordo com a aplicação de uma percentagem calculada em função do respetivo destino, coexistindo, dalgum modo, a aplicação do método da afetação real com o método do pro rata.
  11. Ou seja: a Administração Fiscal pode efetivamente obrigar o sujeito passivo que seja um Banco (como no caso dos autos), a incluir no numerador e no denominador que serve para o cálculo da percentagem da dedução, apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos a essa atividade (leasing, ALD, CRP) quando a utilização dos bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respetivos [cfr., além dos já citados e outros arestos,  o Acórdão do TJUE, de 10-7-2014 – Proc nº C-183/13 (Acórdão “Banco Mais”); Ac. do STA (Pleno) da 2ª Secção de 24-2-2021, recurso nº 84/19.8BALSB; Ac do STA (Pleno) da 2ª Sec. De 24-3-2021, recurso nº 87/20.0BALSB; Ac do STA (Pleno) da 2ª Secção de 23-2-2022, Recurso nº 101/20.9BALSB].
  12. Assinale-se, também com especial realce e particularmente elucidativo, o Acórdão proferido pelo STA, no recurso nº 052/19, de 4-3-2020, em que, transcrevendo, se ponderou:

«(... ) A questão em causa nos presentes autos já se colocou por diversas vezes a este Supremo Tribunal Administrativo, que tem respondido de forma uniforme nos diversos Acórdãos proferidos a seu respeito - veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos por esta Secção do STA a 4 de Março de 2015 no Processo n.0 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.0 0485/17 (Acórdão Fundamento).

Concordamos com esta orientação jurisprudencial, não apenas por ser aquela que se encontra actualmente consolidada mas também, e sobretudo, por ser aquela que se revela mais curial.

Tal como aconteceu nos arestas acima referidos, também nos presentes autos se verifica que a questão a decidir é em tudo idêntica à que foi objecto de pronúncia pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no processo n.º C-183/13 (Acórdão Banco Mais), na sequência de pedido de reenvio suscitado por este STA no âmbito do processo n.0 1017/12.

Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.0 n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado "Cálculo do pro rata de dedução") remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.0 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, "embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.0 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.0 23).

Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23° nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA - artº 17°, nº 5, terceiro parágrafo, ai. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»".

E é precisamente por este motivo que não colhe a argumentação da Recorrida quando vem arguir que nos termos do disposto na alínea h) do n.0 2 do artigo 16.0 do Código do IVA é, necessariamente, "toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível "distinguir onde a lei não distingue" aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista". E não colhe porque, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.0 n.0 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.( ...)»

 

O ónus da prova

  1. Reafirme-se ainda que, conforme tem sido reiteradamente assinalado  pelo STA, compete ao sujeito passivo a prova dos factos constitutivos do direito à dedução, assim o onerando (também no caso concreto) a alegação e demonstração de que, apesar de ser uma instituição financeira que realiza operações de locação financeira ou leasing, ALD e CRP para o setor automóvel utilizando bens e serviços de utilização mista, esta utilização não é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos (sublinhado nosso)  [cfr, v. g., Acórdão do STA (Pleno da 2ª Sec) de 20-1-2021, Recurso nº 101/19.1BALSB; Acórdão do STA (Pleno da 2ª Sec), de 24-3-2021, Recurso nº 87/20.0BALSB; Acórdão do STA (Pleno da 2ª Sec. de 15-11-2017, Recurso nº 485/17][15].
  2. É, por conseguinte, aceitável, à luz da Jurisprudência uniforme do STA, o entendimento de que o procedimento previsto no mencionado Ofício Circulado nº 30.108, se revela conforme com as normas internas e comunitárias, em especial com os artigos 16º e 23º, do CIVA e com os artigos 174º e 175º, da denominada “Diretiva IVA)
  3. Mais concretamente e no caso do TJUE, este entendeu efetivamente que o direito interno (concretamente o artigo 23º-2 e 3, do CIVA) legitimava a AT a derrogar, de certo modo, a regra de cálculo do pro rata prevista na Diretiva IVA, ou seja, que tal acervo normativo conjugado com os princípios da neutralidade e da proporcionalidade que enformam o IVA, permite aos Estados Membros da UE a fixação de um quociente de dedução específico quando e se for considerado que tal permite uma maior aproximação da realidade, sendo que o método definido pela AT portuguesa  “(...) é, em princípio, mais preciso que o previsto na Sexta Diretiva, dado que considerou apenas a parte das rendas pagas que servem para compensar a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador (...)” (Cfr Tânia Meireles Cunha, IVA e Locação Financeira de bens Móveis na Jurisprudência do TJUE”, Cadernos de IVA 2015. Almedina/2015, pp. 419-448).
  4. Na verdade, analisada a doutrina fixada pelo TJUE no citado acórdão “Banco Mais” bem como ainda no Acórdão de 18-10-2018, proferido no processo nº C-153/17 (Acórdão “VW Financial Services UK, Ld.”), os critérios de imputação específicos fixado pela AT no Ofício Circulado nº 30.108, deverão ser ainda reconhecidos como modalidades de afetação real[16].

 

Subsumindo mais de perto:

  1. Entendeu o Banco requerente que deveria ter incluído, na sua percentagem de dedução de IVA (i) os valores relativos à transmissão de viaturas no âmbito d atividade de CRP (crédito com  a garantia de reserva de propriedade) e (ii) os montantes respeitantes às amortizações financeiras dos contratos de leasing celebrados, e que tal omissão ou incorreção constituiu um erro resultante do cumprimento do estabelecido no Ofício Circulado da AT nº 30108, de 30-1-2009, de que resultou a aplicação de coeficiente específico que não tem sustentação legal (esta matéria foi já objeto de análise supra).
  2. Pois bem: não ficou provado no caso sub juditio - e, como se viu, seria esse ónus do Requerente - “(...)  que os custos comuns do Banco fossem sobretudo incorridos com as prestações de serviços conexionadas com os atos de disponibilização de veículos (...)”
  3. Ou seja: não demonstrou o Banco que o método que na declaração inicial de IVA utilizou e que é o traduzido no citado Ofício Circulado nº 30.108 citado, não fosse o adequado para efeitos de exercício do direito à dedução.
  4. Pelo contrário: ao ficar por demonstrar o aproveitamento dos recursos de utilização mista na mesma proporção da pretendida dedução de IVA, é circunstância, só por si justificativa da imposição da obrigatoriedade do critério adotado pela AT e definido no mencionado Ofício Circulado.
  5. Isto porque, designadamente, dos nºs 2 e 3, do artigo 23º, do CIVA, tão pouco  resulta que o poder conferido à AT dependa da verificação cumulativa das duas alíneas do citado nº 3 (distorções de tributação e atividades económicas distintas).
  6. De todo o modo, sendo óbvia a distorção de tributação em resultado da desproporção já abordada no caso de ser sufragado o entendimento do Banco, a verdade é que não se mostra ensaiada sequer uma tentativa de contrariar esse pressuposto, no caso de ser considerado necessário.
  7.  Mas, no essencial, sustenta o Banco a sua posição na ilegalidade do citado Ofício Circulado, maxime, na fixação pela AT de coeficientes específicos de tributação,
  8. Ora, como se viu, da Jurisprudência uniforme e especialmente qualificada do STA, transparece a legalidade da atuação da AT na medida em que o Ofício Circulado nº 30.108, se revela conforme com as normas internas e comunitárias, em especial com os artigos 16º e 23º, do CIVA e com os artigos 174º e 175º, da “Diretiva IVA).
  9. E sendo esta a Jurisprudência uniforme e pacífica, não pode este Tribunal Arbitral deixar de a seguir sob pena de incumprir o disposto no artigo 8º, nº 3, do Código Civil [“(...) nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (...)”].

 

Crédito com reserva de propriedade

  1. Certo que no caso sub juditio é também suscitada a questão de saber se o crédito concedido com reserva de propriedade do automóvel (porque é desse tipo de operações que se trata) não deverá ter tratamento (fiscal) diferenciado, não subsumível aos critérios do Ofício Circulado nº 30.108
  2. Pois bem: não parece que haja diferenças substanciais, para efeitos de dedução do IVA incorrido nos custos de disponibilização das viaturas, entre a locação financeira e as situações de crédito com reserva de propriedade, porquanto em qualquer dos casos o que está em causa, para o efeito apontado, é a aquisição de uma viatura escolhido pelo cliente do Banco.
  3.  A diferença dessas operações está, sobretudo ou essencialmente, no negócio ou contrato que é celebrado a seguir à aquisição e que, no caso de contrato de crédito com reserva de propriedade, está sujeito a regime diferente ou específico em termos de IVA.
  4. Ou seja: a parte comum em todos esses negócios é sempre a disponibilização da viatura e os custos que lhe são associados (com a encomenda do veículo, procedimentos respetivos, licenças, matrículas, etc etc.). É esta a primeira parte.
  5. Depois, ou ocorre a venda do veículo ao cliente com reserva de propriedade para garantir o reembolso do crédito, ou haverá a operação de locação financeira ou leasing ou, noutros casos, a celebração de contrato de aluguer de longa duração (ALD).
  6. E nesta segunda parte não há diferenças no tratamento e, consequentemente, na aplicabilidade do regime previsto no Ofício Circulado nº 30.108.
  7. Em conclusão: não havendo fundamento para separar essas situações, inexiste consequentemente fundamento para não analisar a CRP em conjunto com a situação do leasing.
  8. Essencial, como se deixou expresso anteriormente e resulta espelhado nos acórdãos citados ou em alguns deles, era a questão de saber se, em qualquer desses casos (leasing ou CRP), a utilização dos bens ou serviços de utilização mista pelo sujeito passivo (o Banco), era sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos respetivos contratos, sendo ainda evidenciado que o ofício circulado citado, consagra um método menos suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados e de conduzir a situações de distorção significativa na tributação.
  9. Ora tal prova não foi feita e foi mesmo manifestada pela testemunha arrolada pelo Banco, uma impossibilidade de tal acontecer com um mínimo de rigor ou credibilidade.
  10. Terão assim de improceder os pedidos de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e de anulação parcial da mencionada autoliquidação efetuada pelo Banco e de que resultou a aplicação da percentagem de dedução 8% ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos, calculada à luz dos critérios previstos no citado Ofício Circulado nº 30.108 e prejudicados, deste modo, os pedidos de restituição do valor peticionado de € 8.446.698,89 e juros.

 

Do pedido de reenvio prejudicial para o TJUE

  1. Relativamente ao pedido de reenvio prejudicial, não se antolham fundamentos para tal na medida em que, quer a Jurisprudência nacional quer a Jurisprudência do TJUE, fizeram já, e abundantemente no caso do STA, a abordagem de todas as questões aqui tratadas de modo a que não se suscitem dúvidas ao Tribunal sobre o sentido que deva ter a decisão, muito especialmente quanto a matérias que poderiam ser objeto de apreciação pelo TJUE em sede de reenvio prejudicial.

 

IV.  – DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal Coletivo, julgar totalmente improcedentes os pedidos, principal e subsidiário e, em consequência:

  1. Mantém na ordem jurídica o sobredito ato de indeferimento da reclamação graciosa identificada no pedido;
  2. Mantém na ordem jurídica a autoliquidação de IVA efetuada pelo Requerente nas declarações periódicas de imposto relativas a 2019 e de que resultou a aplicação da percentagem de dedução de 8% ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos;
  3. Indefere o pedido subsidiário de reenvio prejudicial
  4. Julga prejudicados os demais pedidos e questões suscitados e
  5. Condena o Banco Requerente nas custas do processo.

 

V.  - VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 8.446.898,89.

 

VI.  – CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 104.958,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente, conforme anteriormente decidido.

  • Notifique-se

 

Lisboa e CAAD, 3 de janeiro de 2023

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

José Poças Falcão

(Presidente e Relator)

 

 

Nuno Filipe Raposo Jacinto

(Árbitro Adjunto)

 

 

Joaquim Silvério Dias Mateus

(Árbitro Adjunto)

 

 



[1] Com as alterações introduzidas por ulteriores diplomas.

[2] Bem como em ações inspetivas realizadas junto do Requerente

[3] Acão inspetiva com a Ordem de Serviço n.º OI2014..., de 17 de Março de 2014.

[4] De notar que esta conclusão foi reiterada pela AT nas inspeções realizadas nos anos seguintes.

[5] Ao longo deste acórdão serão indicadas algumas dessas decisões.

[6] A locação tem a sua base jurídica e legal nos artigos 1022º a 111º, do Código Civil;  e o tipo particular de locação financeira tem o seu regime jurídico consagrado no DL nº 149/95, de 24/6, que, no artigo 1º, o define como “(...) contrato pelo qual uma entidade – o locador financeiro – concede a outra – o locatário financeiro – o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a uma terceiro, por indicação do locatário(...)”.

 

[7] Cfr nota anterior.

[8] A   Diretiva nº 77/388/CEE, de 17 de maio de 1977, foi revogada e substituída pela Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006, que nenhuma alteração substancial introduziu aos pressupostos fundamentais do exercício do crédito de imposto (cfr, v. g.,  artigos 17º e  19º, da Diretiva anterior e 173º e ss., da Diretiva atual).

[9] Corresponde, ao artigo 19º, da Sexta Diretiva (77/388/CEE, de 17-5-1977).

[10] Neste processo foi proferido acórdão por Tribunal que integrou, como árbitro presidente, quem igualmente preside a este Tribunal. As condições e pressupostos de facto tinham, no entanto, contornos completamente diferentes dos que se verificam no presente caso, designadamente, existiam factos, números e valores invocados por ambas as partes e que permitiram outro tipo de reflexões e conclusões que, pese embora o bem estruturado voto de vencido de um dos co-árbitros (Professor Sérgio Vasques),  permitiu a procedência do pedido de pronúncia numa altura em que ainda não estava, como veio a estar, consolidada, em sentido contrário,  a Jurisprudência do STA sobre este thema decidendum. Esta decisão arbitral foi, aliás, não conhecida pelo STA no seu acórdão nº 26/20.8BALSB, de 30-9-2020, publicada em www.dgsi.pt

 

[11] Neste processo arbitral, que correu também entre as mesmas partes e com pedido e causa de pedir idênticos, foi igualmente sufragado o entendimento que o STA veio, como se viu, a não acompanhar em diversas decisões. Daí a divergência entre essa decisão e a que se irá proferir nos presentes autos, considerando, entretanto, a consolidação de jurisprudência em sede de recursos uniformizadores e que não podia, sob pena de incumprimento ou não obediência ao disposto no artigo 8º-2, do Código Civil, deixar de ser seguida.

[12] Neste processo (STA, nº 101/20.9BALSB – Recurso Jurisdicional - Pleno), foi decidido, na linha da Jurisprudência uniforme do STA apontada, anular, por acórdão de 23-2-2022, a decisão arbitral proferida  no processo arbitral nº 706/2019-T, que correu termos entre as mesmas partes. Nesse aresto relativamente recente do STA está citada abundante Jurisprudência a fundamentar a conclusão de que tal orientação jurisprudencial “(...) se pode ter, atualmente, por consolidada (...) (sublinhado nosso). Este Acórdão do STA, está publicado em www.dgsi.pt.

[13] Cfr ainda os Acórdãos de 29-10-2014 (proc nº 01075/13; de 3-6-2015 (proc 0970/13); 17-6-2015 (01874/13); 27-1-2016 (proc 0331/14 e 15-11-2017 (proc 0485/17). E ainda os acórdãos uniformizadores de jurisprudência de 4-3-2020 (Proc 52/19.0) e 6-5-2020 (Proc 01745/10.2).

[14] Este acórdão do STA foi proferido, em sede de recurso para uniformização de jurisprudência, interposto do acórdão arbitral proferido no proc  CAAD Nº 854/2019-T, publicado em www.caad.pt

[15] Cfr. ainda na mesma linha jurisprudencial, o Acórdão, mais recente,  datado de 12-10-2022, da 2ª Secçao do STA (Processo nº 01173/08.0BELRS, publicado em www.dgsi.pt).

[16] No que respeita ao Acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd., há que fazer notar que estava em causa uma sociedade financeira do Reino Unido – que também realizava operações de leasing automóvel –, mas cujo direito no Reino Unido, diferentemente do que acontece em Portugal, obrigava à desagregação das rendas de leasing em duas operações para efeitos de IVA.

A componente do juro estava isenta de imposto e apenas a componente da amortização era tributada, sendo que, a somar a isto, as autoridades fiscais locais também excluíam a componente de amortização do pro rata, por entenderem que os custos mistos estavam predominantemente associados à componente juro do financiamento, que era o cerne da actividade.

Assim, estando a componente de juros isenta enquanto operação de crédito, o método aplicado pelo Reino Unido tinha um resultado mais gravoso para os contribuintes e não tão rigoroso quanto o assumido a nível nacional, uma vez que para o cálculo da percentagem de dedução, não eram tidas em conta as despesas com os bens e serviços repercutidos na componentes juros.

O raciocínio do Acórdão Volkswagen não pode ser aplicado à situação em concreto, porquanto o IVA incide sobre a totalidade da renda, abarcando a componente juro; componente que, de acordo com o Acórdão do TJUE C-183/13 (Banco Mais), constitui a contrapartida dos custos (bens e serviços) incorridos no financiamento e na gestão dos contratos de locação financeira suportados pelo locador financeiro, uma vez que constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel – ponto 34 do citado Acórdão do TJUE /C-183/134.