Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 294/2022-T
Data da decisão: 2023-01-04  IVA  
Valor do pedido: € 80.160,55
Tema: IVA – Prestações de Serviços – Ginásios – Serviços de nutrição – Isenção de IVA.
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SUMÁRIO:

I – As consultas de nutrição prestadas por profissional qualificado a uma entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de ginásio e fitness, são autonomizáveis para efeitos de tributação em IVA.

II – As referidas consultas de nutrição podem ser isentas de IVA nos termos do artº. 9º., al. 1) do CIVA, mesmo que contratadas em conjunto com a prestação dos serviços de ginásio e de fitness e ainda que não tenham sido realizadas.

III - Porém, essa isenção só ocorre se as mesmas consultas não tiveram apenas em vista um acompanhamento nutricional geral, mas a prestação de serviços de assistência para diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou problemas de saúde.

***

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-07-2022, Regina de Almeida Monteiro (Presidente), José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora e Catarina Belim (Árbitros adjuntos), acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

No dia 26-04-2022 a sociedade comercial A..., LDA., com o NIF ... com sede na Rua..., n.º..., ...-... Matosinhos, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, doravante “RJAT”.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

 

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º 2022..., de 20.01.2022, bem como das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e de juros compensatórios (e respetivas demonstrações de acertos de contas e compensações) que lhe estão subjacentes, referentes ao ano 2017, no valor global de € 80.160,55:

Período

N.º Liquidação

Liquidação

J. Compensatórios

2017-01

...

€ 5.610,48

€ 643,13

2017-02

...

€ 6.196,35

€ 689,23

2017-03

...

€ 6.119,23

€ 660,54

2017-04

...

€ 6.345,58

€ 662,02

2017-05

...

€ 6.326,40

€ 640,61

2017-06

...

€ 3.650,41

€ 357,24

2017-07

...

€ 7.441,28

€ 702,13

2017-08

...

€ 6.956,26

€ 634,25

2017-09

...

  € 5.883,41

€ 516,45

2017-10

...

  € 6.011,96 

€ 507,31

2017-11

...

 € 6.375,48

€ 513,53

2017-12

...

 € 6.234,25

€ 483,02

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 28-04-2022.

A Requerente não procedeu à indicação de árbitros, tendo a designação do coletivo competido ao Conselho Deontológico do CAAD, a qual não mereceu oposição.

Os árbitros designados aceitaram tempestivamente a nomeação.

O tribunal arbitral ficou constituído em 05-07-2022.

A AT apresentou resposta em 23-09-2022, na qual se defendeu por exceção e impugnação, tendo junto o processo administrativo aos autos.

Tendo sido notificada para o efeito, a Requerente apresentou, em 18-10-2022, resposta à exceção invocada pela AT tendo-se ainda pronunciado, em sede de contraditório, quanto ao teor da resposta da AT invocando fundamentação a posteriori dos atos.

Foi realizada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT no dia 23-11-2022, na qual foram inquiridas as testemunhas apresentadas por Requerente (tendo sido ouvidas 3 testemunhas e dispensadas 5 testemunhas por requerimento da Requerente para alteração do rol de testemunhas, e dispensadas 2 testemunhas, com concordância da Requerida, no decurso da reunião do artigo 18.º do RJAT).

Foram apresentadas alegações pelo Sujeito Passivo e pela AT nas quais as Partes mantiveram a posição jurídica.

 

II. Posição das Partes 

           

II.1. Requerente

 

A Requerente alega a ilegalidade das liquidações adicionais em causa com base nos seguintes vícios de violação de lei:

 

Posição da Requerente quanto à ilegalidade das liquidações adicionais

Fundamentos da AT

Ilegalidade invocada pela Requerente

1. O direito a poder aceder às consultas de nutrição pelos clientes e a realização da consulta de nutrição são distintos e apenas a realização efetiva da consulta dá lugar à aplicação da isenção do IVA prevista no artigo 9.º n.º 1 do Código do IVA (distinção entre comercialização de um direito à consulta face a uma consulta efetiva de nutrição)

As correções padecem de erro sobre os pressupostos de direito em que assentam na medida em que (cfr. Art. 50º e 117.º e segs do PPA):

  • Não existe nenhuma qualificação legal que permita este enquadramento conforme parecer da Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, citado na decisão arbitral do processo 373/2018-T; de 14.06.2019 e acórdão Air France-KLM, processo C-250/14, de 23-12-2015 e Caso MEO, processo n.º 295/17, de 22-11-2018;
  • Nos termos da jurisprudência citada do TJUE, os serviços consideram-se prestados com a disponibilização de tais consultas, o que sucedeu, não sendo afetados pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito;
  • A não utilização dos serviços de nutrição pelos clientes da Requerente apenas poderia ser questionada em sede de não sujeição a imposto, com a consequente devolução dos valores pagos aos clientes, e não em sede de pôr em causa a aplicação da isenção do IVA.

2. A AT coloca em causa a isenção tendo em conta a valoração excessiva que: (i) os serviços de nutrição têm na esfera da Requerente e (ii) que a Requerente não tem meios humanos para prestar estes serviços

As correções são ilegais na medida em que (cfr. Art. 50º e 156º e segs do PPA e 192º do PPA):

 

  • A AT viola o princípio constitucional da iniciativa privada, artigo 61.º n.º 1 da CRP, quando coloca em causa o modelo de negócio prosseguido pela Requerente, modelo esse com atividade efetiva e real por meio de consultas presenciais, telemáticas e por telefone e um acompanhamento permanente e constante que exige a valorização económica.
  • Os clientes pagaram um total de consultas de nutrição de € 221.808,45 no ano de 2017, consultas essas faturadas no momento em que foram disponibilizadas e que, como tal, devem ser tratadas como consultas de nutrição, independentemente de o cliente as utilizar ou não, conforme jurisprudência do TJUE citada;
  • Em nenhum momento a AT coloca em causa a finalidade terapêutica dos serviços de nutrição prestados pela Requerente, quer em fase inspetiva (doc. 11 junto ao PPA), quer em sede de reclamação graciosa (doc. 1 junto ao PPA);
  • A AT não pode desconsiderar o volume de negócios total de € 221.808,45 relativo a consultas de nutrição efetivamente disponibilizadas ao cliente; tais serviços, tendo finalidade terapêutica, são isentos de IVA nos termos do artigo 9.º n.º 1 do CIVA.

 

A Requerente respondeu à exceção invocada pela AT com base nos seguintes argumentos:

 

Posição da Requerente quanto à exceção apresentada pela AT

Exceção invocada pela AT

Contraditório da Requerente

Ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, porque a Requerente não alegou vícios para as seguintes correções que se seguem:

  • € 1.190,97 e de € 346,15 respeitante ao IVA indevidamente deduzido no período de 2017;
  • € 28.075,32 quanto às correções de IVA efetuadas àquele mesmo exercício, quanto a vendas cujo imposto não fora liquidado (métodos indiretos)

 

O PPA formulado pela Requerente tem por objeto a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e, por inerência, a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação que lhe estão subjacentes, pelo que não está em causa nestes autos conhecer quaisquer outros atos ou factos tributários que não os expostos no pedido de pronúncia arbitral, nomeadamente, o IVA deduzido e o valor do IVA das vendas omitidas, como alega – indevidamente – a Requerida.

A causa de pedir da petição inicial está devida e cabalmente identificada no pedido de pronúncia arbitral – art. 5.º do seu petitório, em que é expressamente referido que “Em síntese, no presente pedido de pronúncia arbitral está em causa a aplicação da isenção do IVA prevista no artigo 9.º, n.º 1, do Código do IVA, que a Requerente aplicou quer às consultas de nutrição por si realizadas, quer ao direito àquelas consultas atribuído aos clientes da Requerente no exercício de 2017, e que a AT veio a questionar”.

Caso assim não se entenda, ao abrigo do artigo 7.º do CPTA requer a Requerente que se retifique o pedido da petição apresentada a este Tribunal para o seguinte:

 “Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, deverá V. Exa. ordenar a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo que terá por objeto analisar a legalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, bem como das liquidações de IVA e de juros (e respetivas demonstrações de acertos de contas e compensações) identificadas quanto ao exercício de 2017 e, julgando procedente, por provado, o Pedido, deverá o Tribunal declarar a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e dos atos tributários aqui impugnados e, consequentemente, proceder à sua anulação na parte correspondente às correções aqui impugnadas.

 

 

Por fim, em sede de exercício do direito ao contraditório à resposta da AT, a Requerente invoca a ilegalidade de fundamentação à posteriori dos atos (requerimento de 18-10-2022) com base nos seguintes fundamentos que se passam a transcrever:

 

Posição da Requerente quanto à resposta da AT – contraditório

  • “2. (…) Como refere no seu relatório de inspeção (documento n.º 11), a fls. 12 e seguintes, a Autoridade Tributária (“AT”) considera que “Estamos, portanto, perante duas operações económicas distintas, com enquadramentos em sede de IVA distintos. Por um lado, temos a atividade de ginásio (direito de acesso às instalações e usufruto das máquinas e monitores), operação sujeita a IVA e dele não isento, mas que confere direito à dedução e, por outro lado, temos a consulta de nutrição, operação sujeita a IVA, mas dele isento por força do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA e que não confere direito à dedução. Nesta lógica de modelo de negócio, e relativamente ao enquadramento tributário atribuído pelo contribuinte, contesta-se a isenção invocada pela A... em duas vertentes: (i) na distinção dos factos tributários em causa e (ii) na medida da dimensão de valoração da componente isenta.” – sublinhado nosso.”
  • “18. Na resposta apresentada pela Requerida a este douto Tribunal Arbitral, a AT vem alicerçar a sua posição noutro argumentário, totalmente inovatório e a posteriori, nomeadamente, na falta de demonstração da “finalidade terapêutica”, em violação clara e grosseira do direito de defesa da aqui Requerente.”
  • 19. Ao contrário do que refere a Requerida no ponto 14.º da sua resposta, os serviços de inspeção tributária em momento algum referiram que não se aplicaria a isenção por não se verificar a finalidade terapêutica.”
  • “22. (..) a Requerida demora-se em mais de 15 pontos da sua defesa a tentar justificar a inserção da indevida, porque ilegal, fundamentação a posteriori. “
  • “24. Nos artigos 83.º e 84.º [resposta] a AT refere “E, bem assim, por maioria de razão, tal como bem assinalam os SIT, num regime de mera disponibilização, no qual, os serviços são facturados independentemente de serem ou não prestados e, no caso, ao não terem sido prestados, por maioria de razão, não poderão ter fins terapêuticos.” e, ainda “Ora, atenta a Jurisprudência do TJUE, o único erro dos SIT, terá sido não corrigir também a parte relativa às consultas efectivamente prestadas, por também a estas, atento o supra exposto, não se aplicar a isenção, ou seja, as correcções dos SIT, a pecarem por algo seria por defeito, mas tal não cabe aqui apreciar”.
  • “25. De facto, a Requerida passa grande parte da sua resposta a tentar compor uma argumentação que em momento algum anterior havia invocado,”
  • “36. Sendo que, como bem sabe a Requerida, porque não pode deixar de saber, o respeito pelos mais elementares direitos dos contribuintes obriga a que a fundamentação seja contemporânea e contextual e, acima de tudo, que não se presuma (como quer fazer agora crer a Requerida), devendo resultar de forma clara, expressa e inequívoca do próprio ato,
  • “41. Como vem pacifica e reiteradamente a jurisprudência a considerar “A fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida, cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13,
  • “42. Sendo que a validade do ato terá necessariamente de ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados” – cfr. Acórdão do STA de 22.03.2018, rec. 0208/17.
  • “46. Assim sendo, como é, não restam dúvidas de que a fundamentação trazida agora para apreciação deste Tribunal Arbitral não poderá ser considerada”
  • “47. Devendo desconsiderar-se na sua totalidade a fundamentação da Requerida relativamente aos fins terapêuticos, mantendo-se apenas a fundamentação já esgrimida em sede de relatório de inspeção.”

 

 

II.2. Requerida

 

As liquidações adicionais aqui em causa têm por base os seguintes fundamentos:

 

Posição da Requerida no Relatório de Inspeção

1.

III. 1.1.3. Enquadramento tributário das atividades de serviço da A...

(…) Está aqui em causa uma operação económica que, enquanto fornecida num "pacote" que engloba uma série de direitos, e sem opção de escolha (não há plano de preços sem estes direitos incluídos), consagra a opção por um modelo de negócio cujos serviços seriam facilmente autonomizáveis e independentes, se fosse aplicado outro modelo.

Ao contratualizar o direito de acesso ao ginásio, o cliente está obrigatoriamente a contratualizar o direito a avaliação física inicial, o direito ao plano de treino e o direito a uma consulta trimestral de nutrição (a um preço, aparentemente, mais acessível).

Estamos, portanto, perante duas operações económicas distintas, com enquadramentos em sede de IVA distintos. Por um lado, temos a atividade de ginásio (direito de acesso às instalações e usufruto das máquinas e monitores), operação sujeita a IVA e dele não isenta, mas que confere direito à dedução e, por outro lado, temos a consulta de nutrição, operação sujeita a IVA, mas dele isenta por força do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, que não confere direito à dedução”.

Nesta 1ógica de modelo de negócio, e relativamente ao enquadramento tributário atribuído pelo contribuinte, contesta-se a isenção invocada pela A... em duas vertentes: (i) na distinção dos factos tributários em causa e (ii) na medida da dimensão de valoração da componente isenta.

 

Vejamos, pois, cada uma dessas vertentes:

  1. distinção dos factos tributários

Por um lado, entende-se que, enquanto pacote de direitos comercializáveis, o "direito à consulta de nutrição" não consubstancia um facto tributário que reúna todos os quesitos obrigatórios previstos na Diretiva Comunitária  do IVA e transpostos para a legislação interna segundo os quais, para estar isenta nos termos do n.º 1 do artigo 9 do CIVA, a prestação de serviços tem de ter por finalidade diagnosticar, tratar e curar (se possível) doenças ou anomalias de saúde, num quadro de confiança entre o paciente e o prestador de serviços. O direito à consulta (quando não é exercido) não diagnostica, não previne, não trata, nem cura, por si só, qualquer doença ou anomalia de saúde.

Além disso, se atentarmos ao estatuído no artigo 7º do CIVA, relativa ao "Facto gerador e exigibilidade do imposto", verificamos na sua alínea b) que o imposto é devido e torna-se exigível nas prestações de serviços no momento da sua realização. Ora, no momento da concretização do direito à consulta, não estamos perante o fato tributário da consulta propriamente dita. E neste sentido, a comercialização do "direito à consulta" consubstancia um facto jurídico real, mas distinto do facto jurídico isento nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA. Estamos perante uma prestação de serviços isenta nestes termos quando estamos perante "prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, ..., e outras profissões paramédicas". Importa aqui salientar que a isenção prevista no n.º 1 do artigo 9° do CIVA aplica-se aos factos reais (consulta de nutrição efetivamente prestada) e não a direitos de consulta.

Assim, ao analisarmos as operações económicas em causa, estamos perante dois factos tributários distintos:

• a consulta de nutrição,

• o direito à consulta;

Ora, a consulta é um facto jurídico distinto do mero direito a consulta. Sendo certo que a isenção do primeiro está plasmada nas isenções vertidas e elencadas no artigo 9° do CIVA, essa mesma evidência não se verifica quanta ao direito à consulta, independentemente do modelo de negócio adotado, sobretudo se quem vende esse direito não tem capacidade para prestar os serviços em causa.

Note-se que quando a empresa vende os serviços do acesso ao ginásio, a empresa tem permanentemente ao dispor dos seus clientes toda a infraestrutura necessária à prática do desporto (tem instalações abertas devidamente apetrechadas e tem pessoal técnico em permanência ao dispor dos clientes) e é por isso que, relativamente a esse caso até se pode também estar perante a "venda" do mero direito de aceder aos serviços do ginásio (quer o cliente os utilize ou não).

Assim, se a empresa não realiza os serviços, porque desde logo não tem meios suficientes para tal, então qualquer quantia que lhe seja paga para, alegadamente, usufruir de algo que nunca se realizará (e sem que exista possibilidade de reembolso do valor pago), mais não é do que o pagamento dos serviços  que lhe são efetivamente prestados/disponibilizados relacionados com a fruição do ginásio, ou, quando muito de um mero adiantamento, e, nesse caso, também por aí estaríamos perante uma operação sujeita a IVA e dele não isenta.

 

  1. dimensão da valoração da componente isenta

 

Por outro lado, quando atrás referimos que o que está em causa é um problema de dimensão, tal significa que não está em causa a isenção de uma consulta de nutrição concretamente realizada, mas sim a uma valoração "excessiva" de um direito já de si entendido como não isento.

E tal facto é evidente desde logo na distribuição do volume de negócios apresentado pela A... face às suas diferentes atividades (ginásio e nutrição):

 

Atento o volume de negócios observado no quadro acima (valores declarados), estaríamos perante uma "clínica de nutrição" (que oferece exercício físico?) e não perante um ginásio que oferece serviços complementares na área da saúde.

(…)

A desmesurada proporção do valor da faturação isenta, associada ao exercício pleno do direito à dedução corroboram a noção de que estamos perante um manuseamento irregular dos valores faturados por forma a obter vantagens do ponto de vista tributário.

Esta realidade é facilmente observável no quadro infra na medida em que, ao separar desta forma artificial o valor da consulta de nutrição em valor autónomo do valor cobrado a final ao cliente, a A... estipulou que o peso no valor total da fatura ascendesse a 49,95%. Este valor não traduz a verdade tributária porquanto a consulta integrada no pacote da atividade física, ao ser decomposta, altera a realidade económica das operações, uma vez que transforma o complemento da nutrição na atividade principal da A... (algo que contraria totalmente a realidade observável) e através do mecanismo de isenção do artigo 9° do IVA, altera a funcionalidade do sistema.

 

 

2.

111.1.1.4 Capacidade para a realização das consultas de aconselhamento nutricional. impossibilidade da efetiva realização da quantidade de serviços de nutrição faturados.     quanto à não sujeição a IVA da cedência de pessoal

(…)  de acordo com o ficheiro SAF-T da contabilidade, em 2017 foram faturados
€ 221.808,45 de consultas de nutrição. Tendo em conta que cada consulta custa em média € 29,7011, temos 7.468 consultas por ano, cerca de 622 consultas por mês. Tal número de consultas é perfeitamente irrealista tendo em conta que a empresa apenas dispõe de uma nutricionista e que esta não se encontra a tempo integral em 2017.

(…)

Também é verdade que a desconsideração total da isenção invocada não obedeceria nem ao princípio da verdade material, nem ao princípio da proporcionalidade previstos no RCPITA, na medida em que, no momenta em que se efetiva a consulta (que é o momenta em que se exerce o direito à mesma), ocorre, efetivamente, um facto tributário isento nos termos do n.º 1 do artigo 9° do CIVA.

Assim, solicitou-se à A... informação detalhada das consultas efetivamente realizadas de modo a aferir quanta à correta avaliação dos serviços de nutrição.

Em resposta a A... apresentou um mapa, em excel, de consultas de nutrição efetivamente realizadas (cópia no Anexo 1), identificando os clientes e os dias de realização das mesmas, o qual se resume no quadro infra:

 

(…) face à informação fornecida, (…) a A... prestou 1095 consultas de nutrição, muito longe das 2880 que se estimaram anteriormente com base numa duração média de 30 minutos e muito mais longe ainda das consultas de nutrição que foram faturadas - 7468 consultas.

III.1.1.5 IVA em falta

(…) Nestes termos propõe-se:

  1. a aceitação da isenção de IVA nas 1095 consultas de nutrição efetuadas valoradas no preço de € 29,70, faturado aos clientes; e,
  2. a liquidação do IVA em falta sobre a restante base tributável.

 

 

A AT mantém os mesmos fundamentos no indeferimento da reclamação graciosa.

 

 

III. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, relativa a atos de liquidação de IVA, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), tendo em conta que a notificação do indeferimento da reclamação graciosa foi registada no dia 24-01-2022, pelo que se considera notificada a Requerente no dia 27-01-2022 (doc. 2 do PPA) e a presente ação deduzida em 26-04-2022.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

 

IV. Fundamentação de Facto

 

IV.I.    Factos provados

 

Com relevo para a decisão, são provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente, é uma sociedade por quotas constituída em 03-11-2015 e está registada com o objeto social de “Atividades de ginásio, atividades de ensino desportivo e recreativo; outras atividades desportivas não especificadas, designadamente produtores e promotores de acontecimentos desportivos com ou sem instalações; comércio a retalho de qualquer espécie de artigos desportivos nacionais e internacionais; comércio a retalho de suplementos alimentares relacionados com a prática desportiva; outras atividades de saúde humana, nomeadamente fisioterapia e nutrição”.
  2. A Requerente tem os seguintes CAEs de atividade:

 

  1. A Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal de IVA.
  2. A Requerente está registada na Entidade Reguladora da Saúde (ERS), desde 23 de setembro de 2015.
  3. A Requerente possuía instalações e equipamentos adequados ao exercício físico e à prestação de consultas de nutrição, bem como colaboradores qualificados para estas atividades. 
  4. A Requerente cobrou aos seus clientes, no ano de 2017:
  • € 221.808,45 quanto à atividade de nutrição;
  • € 218.924,38 quanto à atividade de ginásio;
  • € 3.436,30 quanto a vendas de produtos.

G. A Requerente oferecia aos clientes acesso às suas instalações para a prática de exercício físico e consultas de nutrição em diversas modalidades, todas com pagamentos mensais que incluíam, a par do acesso ao ginásio, 1/3 de uma consulta de nutrição a que os clientes tinham direito trimestralmente.

  1. A Requerente oferecia consultas de nutrição “extra”, fora das mensalidades, pelo valor de € 50 a consulta.
  2. Em 2017, a Requerente praticou os seguintes preços quanto às atividades prosseguidas:

 

  1.  Sobre a parte correspondente à atividade de nutrição, a Requerente aplicou, nas respetivas faturas, a isenção de IVA constante do artigo 9.º n.º 1 do Código do IVA.
  2. Em 2017 foram realizadas pela Requerente 1095 consultas de nutrição.
  3. As consultas foram realizadas por 1 nutricionista, trabalhadora independente, devidamente habilitada e que auferiu um rendimento anual de € 7.720.
  4. A atividade de nutrição também tem finalidade terapêutica.
  5. A Requerente possuía mais de 20 colaboradores afetos à área do ginásio.
  6. A Requerente foi objeto de uma inspeção tributária externa de âmbito parcial (IRC e IVA) com a ordem de serviço n.º OI2019... .
  7. Foram realizadas correções relativas a IVA em falta à taxa de 23% sobre valores cobrados por nutrição, no valor total de € 43.536,01.
  8. Foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios enumeradas no ponto “I. Relatório”, as quais foram contestadas em sede de reclamação graciosa, indeferida com notificação a 27-01-2022.
  9. A Requerente apresentou PPA contra estes atos tributários em 26-4-2022

 

 

IV. 2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

IV. 3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental, a prova testemunhal e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.

Nesta sede importa relevar que as testemunhas inquiridas foram credíveis e permitiram

provar que a Requerente - com exceção da última testemunha que não era cliente em 2017 – estava, na data dos factos, devidamente habilitada a prestar consultas de nutrição.

 

 

V. Do Direito

 

1. As questões a decidir são as seguintes:

- ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir;

- fundamentação a posteriori por parte da AT com a invocação de que as consultas não realizadas não têm finalidade terapêutica;

- se as consultas de nutrição não têm autonomia e são acessórias no contrato que a requerente celebra com os seus clientes, fazendo parte de um conjunto de serviços;

- se, em todo o caso, só gozam de isenção de IVA as consultas efetivamente realizadas ou também as meramente contratadas e em que condições.

As duas primeiras são questões de natureza processual, sendo nos termos legais, exceções dilatórias e as duas últimas são questões de direito material que têm a ver com o objecto do presente processo arbitral.

 

V. 1. Exceção Dilatória da ineptidão da petição inicial:

 

Na sua resposta, a AT suscita a questão da ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, porque a Requerente não alegou vícios para as correções que a AT identifica e que constavam do relatório da inspeção tributária, a saber, € 1.190,97 e de € 346,15 respeitante ao IVA indevidamente deduzido no período de 2017 e € 28.075,32 quanto às correções de IVA efetuadas àquele mesmo exercício, quanto a vendas cujo imposto não fora liquidado (métodos indiretos).

Por sua vez, a requerente respondeu a esta exceção alegando que o PPA formulado tem por objeto a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e, por inerência, a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação que lhe estão subjacentes, pelo que não está em causa nestes autos conhecer quaisquer outros atos ou factos tributários que não os expostos no pedido de pronúncia arbitral, nomeadamente, o IVA deduzido e o valor do IVA das vendas omitidas, como alega – indevidamente – a Requerida.

 

A causa de pedir da petição inicial está devida e cabalmente identificada no pedido de pronúncia arbitral – art. 5.º do seu petitório -, em que é expressamente referido que “Em síntese, no presente pedido de pronúncia arbitral está em causa a aplicação da isenção do IVA prevista no artigo 9.º, n.º 1, do Código do IVA, que a Requerente aplicou quer às consultas de nutrição por si realizadas, quer ao direito àquelas consultas atribuído aos clientes da Requerente no exercício de 2017, e que a AT veio a questionar”.

 

Entendemos que a AT não tem qualquer razão e se os actos que indica como não impugnados, o não foram efetivamente, tal só pode resultar da forma como foram feitas as notas de liquidação.

Com efeito, as liquidações notificadas à ora requerente “misturam” todas as liquidações de IVA constantes do relatório da Inspeção Tributária, na sequência, aliás, das conclusões da ação inspetiva e que constam do quadro elaborado no ponto I.2 dessas mesmas conclusões.

Ora, resulta desse quadro que os valores de “€ 1.190,97 e de € 346,15 respeitante ao IVA indevidamente deduzido no período de 2017”, foram desdobrados pelas 12 liquidações notificadas à requerente, pelo que, em todas essas liquidações há também e essencialmente valores de IVA não liquidado por causa das consultas de nutrição e valores de IVA obtidos por outras correções.

E o mesmo se diga quanto à quantia de “€ 28.075,32 quanto às correções de IVA efetuadas àquele mesmo exercício, quanto a vendas cujo imposto não fora liquidado (métodos indiretos)” e que foram “disseminados” pelas diferentes liquidações, aqui segundo um critério matemática das parcelas iguais.

Por isso, ao impugnar em primeira linha o indeferimento da reclamação graciosa e em segunda linha as liquidações que na mesma eram impugnadas, a requerente fê-lo com a invocação expressa de um fundamento que atinge todas as liquidações – as mesmas não discriminam a que apuramentos do relatório da Inspeção Tributária se referem -, fundamento esse que é o da “aplicação da isenção do IVA prevista no artigo 9.º, n.º 1, do Código do IVA, que a Requerente aplicou quer às consultas de nutrição por si realizadas, quer ao direito àquelas consultas atribuído aos clientes da Requerente no exercício de 2017” e que constitui o objecto dos presentes autos.

Por isso, entendemos que não se verifica a referida ineptidão do PPA, ainda que parcialmente, pois o pedido formulado e depois retificado visa todas as liquidações e nada nessas liquidações discrimina os pontos referidos pela AT como não impugnados.

Daí que a presente impugnação arbitral tenha o valor de € 80.160,55, que corresponde à soma das liquidações de IVA dos 12 meses de 2017, no valor de € 73.151,09 e de juros compensatórios desses 12 meses, no valor de € 7 009,46.

E todas as liquidações serão impugnáveis com fundamento violação do regime de isenção de IVA invocado pela requerente para pedir a sua anulação.

 

Improcede assim a exceção dilatória de ineptidão do PPA deduzida pela AT.

 

           

V. II. Questão prévia da fundamentação a posteriori

 

Na sua resposta, segundo a requerente, a AT apresenta um outro argumento que não constava do relatório da Inspeção Tributária, nem da decisão da reclamação graciosa. Invoca agora a AT que existe uma falta de demonstração da “finalidade terapêutica” das consultas de nutrição.

Com efeito, em lado algum do seu relatório, alega ainda a requerente, os serviços de inspeção tributária referem que as consultas de nutrição prestadas pela requerente não podem beneficiar da isenção de IVA, por não se demonstrar a finalidade terapêutica das mesmas.

Porém, a AT, no artigo 15.º da sua resposta, vai mais longe e escreve que “focar-nos-emos, exclusivamente no fundamento da falta de finalidade terapêutica como obstáculo à aplicação da inserção a consultas de nutrição, faturadas com aplicação da isenção, mas não prestadas”.

É jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores que não é admissível uma fundamentação a posteriori, tendo em conta que o tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu.

Mais recentemente foi a mesma jurisprudência reafirmada pelo Ac. do STA de 28/10/2020, proferido no processo 02887/13.8BEPRT e publicitado em http://www.dgsi.pt/jsta, onde se decidiu:

“I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.

II - Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou”.

 

Escreveu-se nesse acórdão que as razões que a AT não levou ao relatório que constituem a declaração formal fundamentadora das correções e das subsequentes liquidações, constituem uma fundamentação a posteriori, claramente inadmissível tendo em conta que o tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do ato sindicado tal como ele ocorreu.

Apreciando a sua legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, o tribunal não pode substituir-se à Administração e ir ponderar se o ato pode ser sancionado com distinta fundamentação e argumentação jurídica.

Neste sentido, ainda o Acórdão do STA, de 22/03/2018, proferido no processo n.º 0208/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta, do qual consta:

“Ou seja, o acervo dos fundamentos e argumentos agora esgrimidos em sede de recurso não constam expressamente do relatório da inspeção, indo mais além do que ali ficou dito.

Sabendo nós que a fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida, cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. n.º 01674/13 e de 23/4/2014, proc. n.º 01690/13, sendo que a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser "aditados", podemos concluir sem margem para dúvida que, ainda que fosse reconhecida razão à recorrente com base nos fundamentos agora esgrimidos tal não poderia ser determinante para a manutenção do acto anulado pelo tribunal a quo e, logicamente, também não poderia conduzir à revogação da sentença recorrida.

……………………………………………………………………………………………………………………….

Pelo exposto, não restam dúvidas que a questão trazida agora para apreciação deste Supremo Tribunal não pode determinar a manutenção ou anulação do acto tributário impugnado.

Pelo que se nos afigura que o recurso não merece provimento”.

 

Consequentemente, não pode este tribunal apreciar um novo fundamento, que não consta do ato impugnado – nova liquidação fundamentada em relatório dos serviços de Inspeção Tributária e decisão do processo de reclamação graciosa – e apenas foi trazido ao processo em sede de resposta da AT, pelo que não cabe no âmbito da impugnação ora deduzida pela requerente[1].

Porém, no relatório da inspeção tributária refere-se que “O direito à consulta (quando não é exercido) não diagnostica, não previne, não trata, nem cura, por si só, qualquer doença ou anomalia de saúde”. Porém, não refere de forma expressa a finalidade terapêutica, embora pareça fazê-lo tacitamente.

Ora a fundamentação tem de ser expressa, como resulta do artigo 77.º da Lei Geral Tributária e não o é no presente caso.

Por isso, não se considerará autonomamente o fundamento invocado pela AT a posteriori de que as consultas de nutrição não têm finalidade terapêutica, embora se possam averiguar se as consultas eventualmente não diagnosticam, não previnem, não tratam, nem curam, por si só, qualquer doença ou anomalia de saúde

 

V.III. Apreciação do mérito

 

1. No relatório da Inspeção tributária começa por considerar-se que as consultas de nutrição não têm autonomia face ao tipo de contrato que a requerente celebra com os utilizadores dos seus ginásios, pelo que são atividades acessórias, por fazerem parte de um conjunto de serviços.

No ordenamento jurídico português, o exercício das atividades profissionais na área da saúde designadas por atividades paramédicas, encontra-se regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, que estabelece as respetivas condições e naquelas inclui a Dietética, definida como a “aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.” – artigo 1.º, n.º 3 do referido diploma e n.º 5 da Lista anexa.

De acordo com o artigo 1.º, n.º 1 do citado Decreto-lei n.º 261/93, as atividades paramédicas “compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação”, visando assim, quer a fase de tratamento de um problema, quer a sua prevenção, sendo este último aspeto particularmente importante e sensível no domínio das doenças crónicas como a hipertensão e a diabetes, verdadeiros flagelos de saúde pública das sociedades modernas, cuja relação com a obesidade e a manutenção de hábitos sedentários é por todos conhecida, constando do anexo ao referido diploma os conhecimentos de nutrição, no âmbito da dietética

Adicionalmente, o Decreto-lei n.º 320/99, de 11 de agosto, em concretização da base I da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto (“Lei de Bases da Saúde”), veio definir os princípios gerais “em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica” e proceder à sua regulamentação, incluindo de forma expressa no seu âmbito a profissão de Dietista.

O exercício da profissão de “nutricionista” ou “dietista” está dependente de título profissional, atualmente atribuído pela Ordem dos Nutricionistas, criada pela Lei n.º 51/2010, de 14 de dezembro, e sujeita às correspondentes regras técnicas e deontológicas, podendo a profissão “ser exercida de forma liberal, quer a título individual, quer em sociedade, ou por conta de outrem” – cf. artigos 2.º e 3.º n.º 1. Conforme dispõe o Regulamento de Inscrição na Ordem dos Nutricionista, Regulamento n.º 308/2016, de 23 de março, podem inscrever-se como “nutricionistas” os licenciados em ciências da nutrição, dietética ou em dietética e nutrição.

Os serviços de nutrição inserem-se, desta forma, na prestação de cuidados de saúde, sendo a sua área de atuação a alimentação humana, com o objetivo de prevenir e tratar as doenças associadas a uma incorreta alimentação, em linha com as políticas de saúde promovidas pelo Governo e por organizações com competências na área, como a Organização Mundial de Saúde.

Posto isto, a prestação de serviços de aconselhamento nutricional através de consultas é, nos termos da legislação acima referida, enquadrável no âmbito da prestação de serviços paramédicos e, em consequência, subsumível à norma de isenção de IVA constante do artigo 9.º, 1) do Código deste imposto.

Assim, as consultas de nutrição prestadas pela Requerente consubstanciam prática clínica e foram realizadas por profissionais de saúde, nutricionistas, por aquela contratados e inscritos na respetiva ordem profissional, com observância das regras definidas pelo legislador nacional.

É inequívoco que tais serviços visam a proteção da saúde dos clientes, numa conceção holística do conceito de saúde que reclama a promoção de estilos de vida saudáveis e uma abordagem multissetorial que conjuga, entre outros fatores, um regime alimentar adequado com atividade física.

Desta forma, encontram-se reunidos os requisitos indispensáveis e suficientes à aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, que transpõe o artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA, nos termos preconizados pela jurisprudência europeia e também pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”), de 23 de março de 2010, processo n.º 3816/10, se preencherem todos os requisitos para essa isenção.

Porém, na parte que agora nos interessa, o facto de estarem as consultas de nutrição, abrangidas por um contrato mais amplo que prevê a prática de ginásio, não impede que possam ser isentadas de IVA se reunirem os demais requisitos que a mais recente jurisprudência define como necessários a essa isenção.

No mesmo sentido foi o Acórdão TJUE de 4/3/2021, proferido no Processo C-581/19, designado por Caso Frenetikexito, onde se conclui que “Quando um sujeito passivo fornece prestações de serviços nas áreas da nutrição, do fitness e do bem‑estar físico, como no caso em apreço, estão em causa prestações distintas e independentes umas das outras na aceção da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.”

Portanto, as prestações de serviços abrangidas pelos contratos promovidos pela requerente correspondem a prestações diferentes para efeitos de tributação em IVA, por serem até realizadas por pessoas com qualificações diferentes e terem finalidades diferentes, não se verificando aqui nenhuma das exceções referidas no acórdão citado do TJUE, pois as consultas de nutrição não se inserem com a prática de ginásio e fitness como prestação complexa única, nem como prestação acessória.

Consequentemente as consultas de nutrição e a respetiva prestação de serviços devem ser consideradas uma prestação independente para efeitos de tributação em IVA.

 

2. Mas o ponto fulcral da questão de direito é o de saber se as consultas pagas antecipadamente e não utilizadas também beneficiam da isenção de IVA previsto no artº. 9º., al l) do CIVA.

Podemos desde já afirmar que a interpretação desta norma sofreu nos últimos anos uma forte restrição na sua aplicabilidade por força do Acórdão do TJUE de 4/3/2021, proferido no Processo C-581/19, designado por Caso Frenetikexito e por força do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de outubro de 2021, proferido no Proc.º 77/20.2BALSB.

Ora, no primeiro dos citados acórdãos, o TJUE decidiu que “um acompanhamento nutricional, como o que está aqui em causa, só é, em todo o caso, uma prestação de serviços de assistência isenta na aceção do artigo 132.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 se se destinar a uma finalidade terapêutica, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.”

Por sua vez, o Supremo Tribunal Administrativo no segundo dos acórdãos citados decidiu uniformizar jurisprudência nos seguintes termos: “Os serviços de acompanhamento nutricional prestados, através de profissional certificado, habilitado e contratado para esse efeito, por entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de atividades desportivas em ginásios e como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva não têm finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9.º, 1), do Código do IVA.”

Deste modo, por força destas decisões interpretativas, que no caso da decisão do STA é de uniformização de jurisprudência, para que possa beneficiar da isenção de IVA prevista no artigo 9.º, alínea 1 do CIVA, as consultas de nutrição terão de ter uma finalidade terapêutica.

Ora, para que a requerente pudesse beneficiar dessa isenção como pretende teria de alegar e provar a finalidade terapêutica das consultas prestadas a cada um dos seus associados ou clientes, porque o IVA é um imposto geral sobre o consumo, em que se tributam as transmissões de bens e a prestação de serviços, que comporta um regime geral e diversos regimes especiais, qualquer deles objeto dum elevado grau de harmonização comunitária, harmonização, que como refere Casalta Nabais[2] obtida não apenas pela legislação comunitária, mas sobretudo pela aplicação que dessa legislação vem fazendo o TJUE.

 

Deste modo, face a esta orientação jurisprudencial uniforme, europeia e nacional, parece que não deverá considerar-se como abrangidas pela isenção referida o simples facto de se ter contratado e pago consultas, que depois não se realizaram, pois que não é possível averiguar qual a sua finalidade, a qual poderia constar logo da contratação ou estar subjacente a essa mesma contratação, podendo eventualmente estar inscrita nas fichas de cada associado, havendo neste caso a necessidade de respeito pela proteção de dados a ressalvar.

Mas o certo é que a requerente não alegou que as consultas, mesmo quando contratadas, tivessem essa finalidade terapêutica, o que poderia eventualmente colocar como isentas as consultas contratadas ainda que não realizadas.

E nem a prova testemunhal produzida permite concluir seguramente que todas as consultas não realizadas tivessem essa finalidade.

Porém, face aos textos legais aplicáveis, deverá analisar-se se, independentemente do carácter terapêutico, a simples contratação de consultas pode permitir a isenção de IVA.

Com efeito, o artº. 132º., nº. 1, al. c) da Diretiva IVA prevê uma isenção de IVA em benefício das «prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado‑Membro em causa».

Por sua vez, o artigo 9.o do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado português transpõe o artigo 132.o da Diretiva IVA e no seu n.o 1 “isenta as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.”

Sobre a questão concreta de saber se essa isenção apenas ocorre se e quando houver uma efetiva prestação de serviços, no caso de nutrição, através da consulta, presencial ou on line e subsequente aconselhamento, o Acórdão do TJUE de 4/3/2021, proferido no Processo C-581/19 (Caso Frenetikexito) não se pronuncia, remetendo para outras decisões do TJUE:

 

“62. A questão de saber se a isenção prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA exige que se usufrua efetivamente da prestação só excecionalmente será relevante. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou, noutro contexto, que a apreciação, para efeitos de IVA, de uma prestação de serviços não depende da questão de saber se o prestador se limita a colocá‑la à disposição ou se a fornece efetivamente”.

Os acórdãos objeto de remissão são os Acórdãos de 21 de março de 2002, Kennemer Golf (C‑174/00, EU:C:2002:200, n.º 40), e de 27 de março de 2014, Le Rayon d’Or (C‑151/13, EU:C:2014:185, n.º 36).

Ora, neste último escreve-se que:

“37. Assim, a circunstância de as prestações de cuidados de saúde fornecidas no processo principal aos residentes não serem definidas antecipadamente nem individualizadas e de a remuneração ser paga sob a forma de um montante fixo também não é suscetível de afetar o nexo direto existente entre a prestação de serviços efetuada e a contrapartida recebida, cujo montante é determinado antecipadamente e segundo critérios bem determinados.

38. Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à questão prejudicial que o artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva e o artigo 73.° da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que o pagamento de um montante como o «montante fixo para cuidados de saúde» em causa no processo principal constitui a contrapartida das prestações de cuidados de saúde efetuadas a título oneroso por um LTIPD em benefício dos seus residentes e, por isso, é abrangida pelo âmbito de aplicação do IVA”.

Acaba depois nas suas conclusões o citado acórdão por consagrar esta doutrina, ou seja, “o pagamento de um montante como o «montante fixo para cuidados de saúde» em causa no processo principal constitui a contrapartida das prestações de cuidados de saúde efetuadas a título oneroso”.

Portanto e não obstante o teor literal das normas citadas parecer pressupor a realização efetiva das consultas para que o pagamento das mesmas possa beneficiar da isenção, como parecia resultar do termo “efetuadas”, o certo é que a simples suscetibilidade de poderem ser efetuadas permite que as mesmas possam ser abrangidas por essa isenção.

Porém, no caso concreto, tal não pode acontecer.

Como referimos atrás não resulta dos contratos celebrados pela requerente com os seus associados que houvesse uma intenção terapêutica nessas consultas.

É que devemos distinguir, como o faz, o acórdão do TJUE de 4/3/2021, que terá de ter uma finalidade terapêutica, ao menos, na perspetiva de diagnosticar uma doença.

 

“60. ……. Para beneficiar dessa isenção, seria necessário que se verificasse uma prestação de serviços de assistência. Só são abrangidas pelo conceito de prestações de serviços de assistência as prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou problemas de saúde. É, portanto, condição que estas tenham uma finalidade terapêutica”.

 

61. Isso não acontece num acompanhamento nutricional geral. É certo que o Tribunal de Justiça concebe a finalidade terapêutica de forma ampla, aceitando também medidas de prevenção destinadas a proteger ou a manter a saúde. Estas devem, todavia, destinar‑se a impedir, evitar ou prevenir uma doença, uma lesão ou anomalias de saúde, ou detetar doenças latentes ou incipientes”. Uma relação incerta, sem risco concreto de prejuízo para a saúde, é tão insuficiente neste caso quanto uma finalidade puramente estética. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a prestação de serviços de acompanhamento visa a prevenção de determinadas doenças e o seu tratamento, ou se visa apenas o bem‑estar geral ou a aparência.

62. A questão de saber se a isenção prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA exige que se usufrua efetivamente da prestação só excecionalmente será relevante. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou, noutro contexto, que a apreciação, para efeitos de IVA, de uma prestação de serviços não depende da questão de saber se o prestador se limita a colocá‑la à disposição ou se a fornece efetivamente”.

Face ao que se deixa exposto, não temos dúvidas em afirmar que não são apenas as consultas efetivamente realizadas que gozam de isenção de IVA, mas também aquelas que foram contratadas e não foram utilizadas.

Porém, face à recente orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo é necessário que essas consultas visem um qualquer fim terapêutico, ao menos sob a forma de diagnóstico, de doenças e não um simples “acompanhamento nutricional geral”.

Porque tal facto não foi alegado pela requerente, sobre quem, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, recaía o ónus da prova, nem emerge de qualquer outro elemento probatório, tem o presente pedido de pronúncia arbitral de improceder, pois que apenas eram impugnadas as liquidações adicionais de IVA, porque não consideraram isentas as prestações de serviços não utilizadas.

 

 

VI. Decisão:

 

Em face do exposto acorda o coletivo de árbitros deste Tribunal julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a Requerida do pedido, com as legais consequências.

 

 

  1. Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em 80.160,55 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

  1. Custas

 

Custas no montante de 2.754,00 €, a cargo da Requerente, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

           

Notifique-se.

 

Lisboa, 4 de janeiro de 2023

 

 

 (Regina de Almeida Monteiro – árbitro Presidente)

 

 

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora – Árbitro Adjunto e Relator)

 

 

 

(Catarina Belim- Árbitro Adjunta)

(com declaração de voto)

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

  1. Admitindo a complexidade do tema em discussão e com todo o respeito pela decisão do coletivo, não consigo acompanhar a mesma na parte em que invoca que pela Requerente, nos termos do artigo 74º., nº. 1 da LGT, recaía o ónus da prova de demonstrar que as consultas prestadas visavam um qualquer fim terapêutico, ao menos sob a forma de diagnóstico, de doenças e não um simples “acompanhamento nutricional geral”.
  2. O processo arbitral é um processo de anulação dos atos tributários com base na sua ilegalidade (artigo 2.º do RJAT).
  3.  Neste caso particular, estamos perante liquidações adicionais de imposto efetuadas pela AT.
  4. A AT arroga o seu direito a liquidar adicionalmente IVA com base nos fundamentos invocados para as correções, tais como constantes do Relatório de Inspeção, competindo-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito, nos termos do artigo 74.º da LGT.
  5. Ao tribunal arbitral compete avaliar os vícios de ilegalidade arguidos pela Requerente referentes a tais correções, nos termos do artigo 124.º do CPPT.
  6. Em nenhum momento, nos autos, a AT questiona a finalidade terapêutica dos serviços de nutrição - antes pelo contrário está implícito no relatório de inspeção e no indeferimento da reclamação graciosa – ponto III. 1.1.3., que os serviços têm finalidade terapêutica.
  7. De igual modo, decorre dos autos que a Requerente defende e junta elementos para demonstrar que os serviços por si prestados têm finalidade terapêutica (cfr. artigo 71.º da Reclamação Graciosa, o que foi confirmado pela prova testemunhal apresentada em que pelos menos 1 das testemunhas indicou que teve as consultas de nutrição por indicação médica):

71.º

As consultas de nutrição prestadas pela Reclamante, quer presencialmente, quer por meios telemáticos, subsumem-se a uma prática clínica, tendo sido realizadas por um profissional de saúde, uma nutricionista, contratada pela Reclamante, e inscrita na respetiva Ordem dos Nutricionistas, em cumprimento das normas estabelecidas pelo legislador Português”.

  1. A AT invoca como fundamento para as correções que os serviços apenas têm fim terapêutico quando são realizados, fazendo a distinção entre o direito à consulta (tributado) e a consulta efetiva (isenta).
  2. E daqui deriva este voto de vencida – se, face à jurisprudência do TJUE se conclui que esta distinção de factos tributários não é aplicável – então as liquidações estão feridas de vício de ilegalidade por os seus fundamentos conterem erro nos pressupostos de direito em que assentam, cabendo a sua anulação, não sendo competência do tribunal arbitral “devolver” o ónus da prova à Requerente quanto à finalidade terapêutica dos serviços.
  3.  É que procedendo um dos vícios arguidos de ilegalidade, fica prejudicado o conhecimento dos demais, nos termos do artigo 124.º do CPPT, por ser inútil o conhecimento dos restantes vícios imputados à liquidação impugnada (nos termos do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  4. Por fim, sempre se refira que as liquidações sempre deveriam, afinal, ser mantidas na nossa ordem jurídica, não pelo 1.º fundamento das correções invocado pela AT mas pelo 2.º fundamento invocado: resulta inequívoco dos autos que existiu uma valoração excessiva dos serviços de nutrição na esfera da Requerente.
  5. Com efeito, apesar de cerca de metade das receitas da Requerente, € 221.808,45 em 2017, serem provenientes de serviços de nutrição, apenas 1 nutricionista, em mais de 20 colaboradores, estava contratada, tendo essa colaboradora recebido pelos seus serviços um valor anual de € 7.720 (ou seja, pouco mais que o salário mínimo na data), o que demonstra bem que, apesar de ter cobrado mais de 7.000 consultas por ano, a Requerente não se preparou, nem investiu, na prestação efetiva de tais consultas. Nesta sede não resultaram dos autos, nem da prova testemunhal, que existisse a opção de contratar os serviços de ginásio sem os serviços de nutrição, o que implicaria necessariamente um investimento efetivo por parte da Requerente em meios humanos para realizar as mais de 7000 consultas incluídas na mensalidade paga pelos clientes. Sucede que não resultaram indícios de que a Requerente tinha processos ou capacidade implementada para prestar todos os serviços que cobrou: além de apenas ter contratado 1 nutricionista, não existiu indicação de esforço comercial ou proatividade dos demais quadros da Requerente em agendar as consultas trimestrais com todos os clientes ou campanhas ativas para realizar mais serviços de nutrição. Tal é refletido no volume de consultas efetivamente prestadas no ano de 2017: 1095 consultas de nutrição no ano de 2017 (3 por dia em média, longe das 19 em média que seriam necessárias para corresponder ao valor cobrado de mais de 7000 consultas).

 

Catarina Belim

 

 

 



[1] No mesmo sentido, no âmbito do direito administrativo, o Acórdão do STA de 19/11/2020, proferido no processo 01359/I8.9BELSB, publicitado em http://www.dgsi.pt/jsta.

[2] Direito Fiscal, Coimbra, 10ª. Edição, 2017, nota 169 da pág. 573