Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 271/2022-T
Data da decisão: 2022-12-12  IMT  
Valor do pedido: € 51.891,41
Tema: IMT - Convolação de isenções.
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SUMÁRIO: A convolação ou cumulação sucessiva de isenções, em sede de IMT, não está prevista no sistema fiscal. Tendo sido aplicada a isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, que se encontra condicionada à alienação dos imóveis no prazo de cinco anos, não poderá o adquirente, passado o referido prazo sem ter cumprido a condição, beneficiar da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I. RELATÓRIO

 

 

1. O pedido

A..., S.A., com o número de identificação fiscal ... e com sede na ..., n.º ..., ...‐..., Lisboa (doravante “Requerente”) vem, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e n.os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 Março, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL para se pronunciar sobre a legalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) com os n.os ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ..., emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no montante total de € 51.891,41, requerendo a sua anulação. 

 

Mais requer que, sendo julgado procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, lhe sejam pagos, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária (“LGT”), os respectivos juros indemnizatórios

 

2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida)

 

3. Tramitação processual

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado e aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 20.04.2022 e de seguida notificado à AT e à Requerente;

 

Em 26.05.2022, o signatário foi designado como árbitro singular, pelo Senhor Presidente do Concelho Deontológico, nos termos e para efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 11.º do RJAT, tendo tal nomeação sido aceite em 27.05.2022 e notificada às partes em 09.06.2022. 

 

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do mesmo artigo sem que as Partes se tivessem oposto, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 29.06.2022.

 

Por despacho arbitral de 29.06.2022 foi determinada a notificação do dirigente máximo da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta.

 

A Requerida apresentou Resposta em 19.09.2022 e em 21.10.2022 apresentou o Processo Administrativo.

 

Por despacho arbitral de 26.10.2022 foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e, pelo mesmo despacho, foi determinada a notificação das Partes para, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias. 

Pelo mesmo despacho foi ainda determinado que a Requerente deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente e que a decisão arbitral seria proferida e notificada às Partes até ao dia 15 de dezembro de 2022. 

 

A Requerida apresentou alegações escritas em 22.11.2022 comunicando que mantém a posição que defendeu com a Resposta.

 

4. Resumo da fundamentação invocada pelas Partes 

 

4.1. Pela Requerente

 

4.1.1. Depois de defender a admissibilidade da cumulação de pedidos abrangendo as liquidações impugnadas, a Requerente apresenta a matéria de facto que considera relevante, de onde se destaca, a referência ao seu objeto social, que é o exercício da actividade bancária, o facto de ter adquirido, em 2016 e 2017, no âmbito de processos de insolvência de várias entidades, agindo na qualidade de credor das mesmas, diversos bens imóveis, aquisições essas que, segundo afirma, beneficiaram de isenção de IMT ao abrigo do artigo 8.º do CIMT.

Mais informa a Requerente que passados os cinco anos legalmente previstos no n.º 6 do artigo 11.º do CIMT se verificou a caducidade da referida isenção e que, no decurso de 2022, foram emitidas pela AT as liquidações de IMT associadas àquelas operações de aquisição de imóveis, no montante total de € 51.891,41, que foram integral e atempadamente pagas.

Porém, nos termos que protesta demonstrar, entende a Requerente que os mencionados actos de liquidação de IMT – objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral – são ilegais, porque emitidos pela AT com base em manifesto erro na interpretação e aplicação in casu das regras de Direito aplicáveis.

Com efeito, continua a Requerente, as operações de aquisição em análise (em 2016 e 2017) deveriam ter beneficiado da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, que é uma isenção definitiva, e não da isenção de IMT estabelecida no artigo 8.º do referido Código, que apenas foi invocada porque, à data da realização das operações em análise, a AT defendia – em sentido contrário à jurisprudência e à doutrina – que aquela isenção de IMT consagrada no CIRE tinha um âmbito de aplicação consideravelmente limitado, podendo a mesma ser aplicada única e exclusivamente nas situações em que estivesse em causa a aquisição da “universalidade dos bens”.

Pelo que, continua a Requerente, não podendo concordar com aquele entendimento da AT e logo com os actos tributários de liquidação de IMT sub judice, vem apresentar o presente pedido arbitral, requerendo a anulação das referidas liquidações e o respetivo reembolso do imposto em causa.

 

4.1.2. A Requerente passa de seguida a fazer referência ao artigo 8.º do CIMT e à condição imposta no n.º 6 do artigo 11.º do mesmo Código segundo o qual estando em causa “uma isenção condicionada, a mesma deverá considerar‐se caducada quando os prédios não forem alienados no prazo de cinco anos a contar da data da aquisição”.

Ora, continua a Requerente, tratando‐se, assim, de uma isenção condicionada, uma vez verificada a causa de caducidade supra descrita, deve ser promovida a liquidação do IMT correspondente à aquisição em causa.

Porém, continua a Requerente, a isenção referente às aquisições em causa não deveria ter sido a prevista no artigo 8.º do CIMT mas sim a consagrada no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE. 

 

4.1.3. Seguidamente, a Requerente, para suportar a discordância com o entendimento da AT na data das aquisições (2016 e 2017), discorre sobre a maior amplitude da isenção de IMT consagrada no artigo 270.º do CIRE que é aplicável, por um lado, a operações de aquisição integral ou parcial da empresa objecto do processo de insolvência e, por outro, face a meros actos de aquisição de bens imóveis isoladamente considerados realizados na fase de liquidação do ativo da mesma.

Para fundamentar esta sua interpretação do citado artigo 270.º, a Requerente apresenta os antecedentes legais da referida norma, cita várias normas e os Preâmbulos do CIRE e do seu antecessor Código dos Processos de Recuperação de Empresa e de Falência (“CPEREF”), extraindo a conclusão que qualquer interpretação mais restritiva daquela norma colidiria com a ratio legis da mesma, que assenta na agilização do processo de insolvência, por forma a satisfazer os interesses dos credores.

 

4.1.4. Para o mesmo efeito, a Requerente passa depois a invocar jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) que se pronunciou já sobre esta matéria, concluindo que a isenção em análise deve ser aplicada a “operações de alienação de elementos do activo” – contrariando o entendimento perfilhado pela AT, acima descrito.

Assim, a título exemplificativo, no âmbito do Processo n.º 01085/13, de 17 de Dezembro, o STA esclareceu que a previsão normativa em análise visa “(…) fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas também do interesse público da retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador, dando um «bónus» a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente – compre estes bens que compra mais barato porque não tem de pagar o IMT que seria devido na aquisição de um imóvel similar fora do processo de insolvência – e que serão vendidos em fase de liquidação (…)” (realce nosso).

Neste contexto, nos termos consagrados no referido aresto, continua a Requerente, o STA concluiu que, para aferir sobre o alcance visado com a estatuição da isenção de IMT em apreço, não se impõe recorrer a uma interpretação extensiva da mesma.

Na verdade, o STA esclarece que, para o efeito, basta questionar se “faz qualquer diferença que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu activo e o seu passivo, que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, que se esteja a vender bens que integravam o seu património mas não eram utilizados no seu giro comercial – por exemplo um imóvel recebido em pagamento de uma dívida de que a empresa insolvente era credora – para que se esteja perante uma venda que é praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente?” (sublinhado nosso).

E, nesta sequência, conclui o STA que: “Cremos que a resposta não pode deixar de ser negativa” (sublinhado nosso).

Deste modo, o STA decide expressamente que “O n.º 2 deste artigo, não repete a isenção que estatuiu no n.º 1, estende‐a para as pessoas que, exteriores ao processo de insolvência (…) adquiram bens imóveis unitariamente considerados ou integrados na aquisição global ou parcial da empresa” (realce e sublinhado nossos).

Dos termos supra expendidos resulta que, ainda que a venda realizada na fase de liquidação do activo da empresa se reporte ao único bem integrante da massa insolvente, a isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE será sempre aplicável.

Em paralelo, a Requerente vem destacar a decisão proferida pelo STA no Processo n.º 0949/11, de 30 de Maio, no âmbito da qual veio o Tribunal reconhecer a necessidade de assegurar uma interpretação conforme com os articulados da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), concluindo que qualquer interpretação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE contrária à interpretação descrita supra colidiria “(…) com o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao Governo ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE, fixado nos artigos 2.º e seguintes da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto (…)”.

A Requerente informa também que a questão jurídica aqui em análise tem sido também objecto de inúmeras decisões arbitrais, todas no mesmo e inequívoco sentido – a aplicação de isenção de IMT não apenas às aquisições de empresas ou estabelecimentos destas (enquanto universalidade de bens), mas também às operações de aquisição de elementos do seu activo, ao abrigo do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE (cf., entre outros, Processo n.º 764/2014‐T, Processo n.º 95/2015‐T, Processo n.º 123/2015‐T).

 

4.1.5. Em face de tudo o que ficou exposto, conclui a Requerente, resulta demonstrado que – ao contrário do anterior entendimento defendido (e reiteradamente aplicado) pela AT – a isenção de IMT consagrada no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE é aplicável a operações de transmissão onerosa de imóveis, desde que as mesmas estejam integradas num plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação, ou sejam praticadas na fase de liquidação da massa insolvente, incluindo assim:

1. As vendas, permutas e cessão da universalidade da empresa ou de estabelecimentos que a constituam, e

 2. As alienações isoladas de bens imóveis pertencentes ao activo da empresa insolvente.

 

Por conseguinte, conclui nesta parte a Requerente, resulta evidente que as operações de aquisição de imóveis sub judice, realizadas no âmbito dos processos de insolvência em referência, são subsumíveis no âmbito do benefício fiscal em IMT consagrado no artigo 270.º do CIRE e, como tal, não deveria ter havido lugar aos actos tributários de liquidação de IMT, cuja anulação aqui se requer.

 

4.1.6. A Requerente passa a seguir a analisar a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMT, recuando novamente a 2016 e a 2017, dizendo que, como ficou expendido, resulta evidente que, no caso vertente, se encontravam reunidos os requisitos para a aplicação da isenção de IMT consagrada no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.

De facto, tal como referido, a isenção em apreço é aplicável a “actos de venda, permuta ou cessão de empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

 

4.1.7. Resultando assim evidente, no entender da Requerente, que as operações de aquisição dos bens imóveis sub judice (em 2016 e 2017) se encontram abrangidas pela isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE e que, por conseguinte, não poderia ter sido liquidado IMT com referência às mesmas.  

Pelo que, conclui, os actos de liquidação de IMT ora controvertidos se encontram feridos de ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

4.1.8. A Requerente termina pedindo que:

a) Seja declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de IMT que identificou, procedendo‐se, consequentemente, à anulação dos mesmos, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;

b) Seja a AT condenada a reembolsar a Requerente do valor do IMT pago, no valor de € 51.891,41, acrescido dos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária (“LGT”), por pagamento indevido da prestação tributária.

 

 

4.2. Pela Requerida

 

Na sua RESPOSTA, a Requerida identifica cada uma das liquidações impugnadas, as suas datas e os imóveis a que dizem respeito, e identifica igualmente as liquidações anteriores, referentes aos anos de 2016 e de 2017, em que não foi apurado IMT a pagar face à isenção que foi aplicada às respetivas transmissões.

Dá conta que Requerente beneficiou da isenção de IMT prevista no n.º 1 do artigo 8.º do CIMT observando que a mesma se encontra legalmente condicionada à efetiva alienação dos imóveis no prazo de 5 anos, nos termos do n º 6 do artigo 11.º do CIMT.

Assim, continua a Requerida, decorrido o prazo de cinco (5) anos sem que tenha ocorrido a alienação dos imóveis, foi a própria Requerente que solicitou a liquidação de IMT, apresentando para o efeito novas declarações Modelo 1, que geraram as liquidações impugnadas, acrescentando que tais liquidações de IMT foram oportunamente pagas pela Requerente.

 

A Requerida defende-se por EXCEÇÃO e por IMPUGNAÇÃO

 

4.2.1. Por exceção: 

 

A Requerida começa por invocar o erro na forma do processo uma vez que, em seu entender, a Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral visando atacar as supra identificadas liquidações de IMT, embora o thema decidendum se prenda com a concessão e reconhecimento de benefícios fiscais previstos no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE e no art.º 8.º do CIMT.

Ora, continua a Requerida, é a ação administrativa que configura o meio processual adequado para efetuar a apreciação da matéria (pois constitui o meio de reação destinado a apreciar actos em matéria tributária – n.º 2 do art.º 97.ºdo CPPT) e não o pedido de pronúncia arbitral.

Assim, continua a Requerida, a impropriedade do meio processual consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos art.º 577.º e n.º 1 do art.º 278.º ambos do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

A Requerida invoca também a exceção da incompetência do Centro de Arbitragem em razão da matéria, porquanto a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, pelo que a incompetência em razão da matéria consubstancia também uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no n.º 1 e 2 do art.º 576.º e na alínea a) do art.º 577.º do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

E a Requerida reforça ainda a invocação da exceção da incompetência em razão da matéria dizendo que o tribunal arbitral é incompetente para reconhecer a isenção fiscal relacionada com a transmissão de bens imóveis em processo de insolvência ou em processos executivos, dado que a verificação dos pressupostos desse tipo de isenções, quer as previstas no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, quer as previstas no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, recai exclusivamente sobre o órgão judicial onde correu o processo, lembrando a Requerida que, no caso da situação em apreço, o centro de arbitragem não foi o órgão judicial onde correu o processo de insolvência e que o mesmo não detém sequer os elementos mínimos para aferir da verificação dos pressupostos legais exigidos no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE e no n.º1 do art.º 8.º do CIMT.

A Requerida conclui, pois, que a incompetência material do centro de arbitragem para a apreciação da questão da isenção fiscal consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no n.º 1 e 2 do art.º 576.º e na alínea a) do art.º 577.º do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

4.2.2. Por impugnação

 

4.2.2.1. Depois de discorrer longamente sobre o conceito e definições da figura dos benefícios fiscais, das modalidades que podem assumir, do seu enquadramento constitucional e sobre as regras de interpretação das suas normas, a Requerida adverte que este centro de arbitragem deverá ter especial parcimónia ao interpretar a questão aqui em dissensão.

Com efeito, continua a Requerida, há que considerar que quer a isenção do IMT prevista no artigo 8.º do CIMT, quer a isenção do IMT estabelecida no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, constituem isenções a que o legislador atribuiu finalidades distintas, circunstância que decorre, desde logo, da literalidade das normas que estatuem tais isenções.

 

No caso da isenção prevista no artigo 8.º n.º 1 do CIMT, trata-se de uma isenção criada especificamente em sede de IMT, de carácter estrutural, específica, dirigida ao sector financeiro aquando da “obrigação” de aquisição de imóveis, sendo que as aquisições deste tipo de bens “será marginal” à actividade das entidades suas beneficiárias.

 

Por sua vez, continua a Requerida, no caso do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE trata-se de um beneficio fiscal de reconhecimento automático, a impulso do interessado (cf.al. d) do n.º 8 do art.º 10.º do CIMT), cuja aplicação depende de as transmissões onerosas de imóveis da empresa insolvente se encontrarem integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

4.2.2.2. Por outro lado, segundo a Requerida, verifica-se que a Requerente pretende agora, decorridos que foram cinco anos do facto tributário, (período durante o qual a Requerente beneficiou da isenção prevista no art.º 8.º do CIMT), a anulação da liquidação de IMT, através da troca dos benefícios, com efeitos retroativos, relativamente aos imóveis que não vendeu no prazo legal, ou seja, pretende a Requerente, enviesadamente e conforme mais lhe apraz, que não sendo possível beneficiar de um beneficio fiscal, pós o mesmo haver caducado, então beneficie-se de outro…

Porém, ao contrário do pretendido pela Requerente, perante a factualidade enquadrável em ambas as previsões, n.º 2 do art.º do 270.º do CIRE e do art.º 8º do CIMT, não há que admitir que se possa verificar qualquer tipo de aplicação cumulativa ou sucessiva de benefícios fiscais.

 

Assim, continua a Requerida, em termos gerais, as condições para usufruir de uma isenção de IMT têm de ser aferidas no momento em que ocorre o facto gerador de imposto, que a isenção visa impedir, sendo que a usufruição de uma isenção no momento em que ocorre a obrigação tributária traduz-se na verificação de um facto impeditivo da tributação e invalida (por inutilidade) a aplicação de uma outra isenção.

 

O que está em causa no caso sub judice, diz também a Requerida, reconduz-se, tão só, à questão de o Requerente não ter cumprido a condição prevista no artigo 11.º n.º 6 do CIMT, relativamente aos imóveis em causa, que beneficiaram da isenção prevista no artigo 8.º, não os tendo alienado no prazo previsto de 5 anos, salientando que a pretendida troca de isenções, com efeitos retroactivos, ou a sua aplicação sucessiva, para além de carecer de fundamento legal, atenta contra o princípio da certeza e segurança jurídicas, acrescentando ainda que todos os prazos para apresentação dos meios de defesa previstos no procedimento tributário para corrigir os elementos declarados estão, há muito, ultrapassados!

 

A Requerida invoca a decisão proferida no processo CAAD nº 613/2021-T, a propósito de uma situação em tudo semelhante, segundo a qual, em resumo, as liquidações impugnadas não podem ser havidas por ilegais, uma vez que a AT mais não fez que aplicar a lei aos factos declarados pelo sujeito passivo (os que tinha obrigação legal de conhecer), o qual violou – com prejuízo para si próprio, é certo – o dever de colaboração que sobre ele impendia (art. 59º, nº 4 da LGT). 

 

4.2.2.3. A Requerida passa de seguida a transcrever o teor do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT e do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, voltando novamente à análise dos seus pressupostos e finalidades, citando jurisprudência do STA, para acrescentar que a Requerente optou, no acto translativo do prédio, por invocar outra isenção de IMT para impedir a tributação, deve considerar-se que existiu uma renúncia à isenção ora requerida, ao abrigo do n.º 2 do art.º 270.º do CIRE, cuja aplicação ficou, subsequentemente, prejudicada, relembrando que cada benefício fiscal tem fins e objectivos próprios e constitui, sempre, uma despesa fiscal, e que os benefícios fiscais não são um mero cardápio ao dispor dos contribuintes que vendo caducada uma isenção, logo lançam mão de outro qualquer benefício fiscal, não invocado ab initioconforme mais lhes apraz.

 

4.2.2.4. A Requerida rejeita a possibilidade legal de haver lugar a sucessão, acumulação ou a troca de isenções. Tendo sido a isenção prevista no art.º 8.º do CIMT requerida e usufruída pelo contribuinte no acto de aquisição/translativo, não existe possibilidade de atribuição posterior da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE., 

A Requerida considera que o reconhecimento da isenção fiscal depende da iniciativa dos interessados (cfr. art.º 65.º do CPPT e art.º s 8.º e 10.º do CIMT), invocando novamente a decisão proferida no 613/2021-T, sublinha que não há uma coexistência de um direito subjectivo a duas isenções aplicáveis aos mesmos factos tributários, nem qualquer outra circunstância que, de algum modo, possam legitimar um direito superveniente à opção por parte da empresa interessada na isenção de IMT, 

 

Concluindo que a alegação de que a Requerente deveria ter beneficiado da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE - uma isenção definitiva - e não da isenção de IMT 

estabelecida no artigo 8.º do Código do IMT, - uma isenção condicionada - deverá improceder, até porque o direito subjectivo a tal isenção perdeu-se à data do acto translativo do imóvel, tudo se reconduzindo ao facto de a Requerente não ter cumprido a condição prevista no artigo 11.º n.º 6 do CIMT, relativamente aos imóveis em causa, que beneficiaram da isenção prevista no artigo 8.º, não os tendo alienado no prazo previsto de 5 anos.

 

4.2.2.5. Sem conceder, a Requerida acrescenta que, face ao n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, a pretensa e alegada ilegalidade das liquidações apenas se poderia colocar relativamente às liquidações relacionadas com as aquisições de prédios a sociedades insolventes, cujo valor ascende a € 38.712.39, e não a €51.891,41, como pretende a Requerente, uma vez que se excluem as aquisições relativas a cinco prédios que a seguir identifica, e cujo valor ascende a €13.179,02, ou seja com exclusão das aquisições efectuadas quer à cooperativa insolvente, quer às pessoas singulares insolventes, a saber:

Fracção autónoma “F” do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia de..., concelho de Lisboa, adquirida, em 29-12-2016, no âmbito do processo de insolvência n.º .../12...TYLSB, que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, em que era insolvente “B..., CRL”, NICP...;

O prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., e o prédio rústico, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., ambos da união de freguesias de ... e ..., concelho de Proença-a-Nova, adquiridos a C...;

A fracção autónoma “D” do prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, adquirida a D...;

O prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo..., da união de freguesias de... e ..., concelho de Torre de Moncorvo, adquirido a E... e mulher.

 

Assim, conclui a Requerida, invocando jurisprudência do STA e do CAAD, que face ao que vem exposto e não concedendo quanto às restantes aquisições, é legítimo concluir, que pelo menos os imóveis acima identificados nunca poderiam, nem podem vir a beneficiar da isenção prevista no art.º 270.º nº 2 do CIRE, o que explica o recurso por parte da requerente à isenção prevista no art.º 8.º do CIMT, não padecendo as respectivas liquidações em crise, de qualquer ilegalidade.

 

4.2.2.6. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios a Requerida alega que não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer indemnização, nos termos do disposto no art.º 43.º da LGT e que, caso os mesmos fossem reconhecidos, teriam que ser calculados somente relativamente à quantia de € 38.712,39 e apenas deveriam ser considerados nos termos do disposto no art.º 43.º nº 3 alínea c) da LGT, uma vez que que não se verifica qualquer erro imputável aos serviços, tendo em conta que o imposto foi declarado e pago pelo sujeito passivo, e as respectivas liquidações efectuadas de acordo com as normas vigentes.

 

4.2.2.7. Nestes termos, termina finalmente a Requerida:

a) Deverão as exceções invocadas proceder, ou, não se entendendo assim, o que não se concede;

b) Deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências, ou, não se entendendo assim, o que não se concede;

c) Deverá o valor da acção ser considerado em € 38.712.39;

d) Deverá o peticionado em sede de juros indemnizatórios ser indeferido.

 

II. SANEAMENTO

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT, e 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente (art.º 2º, n.º 1, a), do RJAT). 

O processo não enferma de nulidades. 

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos dados como provados:

 

Em face do PPA e documentos juntos, da Resposta e do Processo Administrativo, dá-se por provada a seguinte matéria de facto:

 

1. As liquidações de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) impugnadas, no montante total de € 51.891,41, identificam-se com os dados que passam a apresentar-se: 

 

1.1. A Liquidação n.º ..., de 07-01-2022, no valor de € 6.207,88 (DUC n.º...), é relativa à aquisição da fracção autónoma “F” do prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., freguesia de ... a, concelho de Lisboa.

Esta fração autónoma foi adquirida por escritura notarial celebrada em 29-12-2016, no âmbito do processo de insolvência n.º .../12...TYLSB, que correu termos no ... Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, em que era insolvente a sociedade “B..., CRL”, NIPC... .

Na referida escritura pública outorgaram, como comprador, o A... ora Requerente e, na posição de vendedor, o administrador da insolvência.

Na mesma escritura consta que foi arquivado documento da liquidação de IMT, emitido em 6.12.2016, pelo SF de Lisboa ..., com isenção ao abrigo do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT (Vd. DOC 3 junto com o PPA);

 

1.2. A Liquidação n.º ..., de 07-01-2022, no valor de € 4.114,50 (DUC n.º...), é relativa à aquisição da fração autónoma “M” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da união de freguesias de ..., ... e ..., concelho de Montemor-o-Novo e à aquisição da fração autónoma “Q” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da mesma união de freguesias e do mesmo concelho.

Estas duas frações autónomas foram adquiridas pelo A... ora Requerente em 19-12-2016, no âmbito do processo de insolvência n.º .../16...T8MMN-E, que correu termos na comarca de Évora, Montemor-o-Novo, em que era insolvente a sociedade “F..., Lda.”, NIPC... .

O título translativo foi elaborado e subscrito pelo Administrador da Insolvência, com base no artigo 827.º do Código de Processo Civil, no qual foi averbado que a transmissão beneficiou de isenção de IMT ao abrigo do artigo 270.º, n.º 2, do DL 53/2004, de 18 de março (que aprovou o CIRE), perante documento de liquidação emitido pelo serviço de finanças competente (Vd. DOC 3 junto com o PPA);

 

1.3. A Liquidação n.º..., de 07-01-2022, no valor de € 5.408,00 (DUC n.º...), é relativa à aquisição da fracção autónoma “N” do prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo..., da união de freguesias de ..., ... e ..., concelho de Montemor-o-Novo e à aquisição da fracção autónoma “R” do prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da mesma união de freguesias e do mesmo concelho.

Estas frações autónomas foram adquiridas pelo A... ora Requerente em 28-12-2016, no âmbito do processo de insolvência n.º .../16...T8MMN-E, que correu termos na comarca de Évora, Montemor-o-Novo, em que era insolvente a sociedade “F..., Lda.”, NIPC... .

O título translativo foi elaborado e subscrito pelo Administrador da Insolvência, com base no artigo 827.º do Código de Processo Civil, no qual foi averbado que a transmissão beneficiou de isenção de IMT ao abrigo do artigo 270.º, n.º 2, do DL 53/2004, de 18 de março (que aprovou o CIRE), perante documento de liquidação emitido pelo serviço de finanças competente (Vd. DOC 3 junto com o PPA);

 

1.4. A Liquidação n.º ..., de 02-02-2022, no valor de € 9.041,50 (DUC n.º...), é relativa à aquisição da fracção autónoma “A” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da freguesia de ..., concelho de Amadora.

Esta fração autónoma foi adquirida por escritura notarial outorgada em 26-01-2017, no âmbito do processo de insolvência n.º .../98, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal de Comércio da Comarca de Lisboa, em que era insolvente a sociedade “G..., Lda.”, NIPC ... .

Na referida escritura pública outorgaram, como comprador, o A... ora Requerente e, na posição de vendedor, o Administrador Judicial.

Na mesma escritura consta que foi arquivado documento da liquidação de IMT, emitido em 18.11.2016, sem fazer referência a qualquer norma de isenção nem ao pagamento do imposto (Vd. DOC 3 junto com o PPA);

 

1.5. A Liquidação n.º ..., de 02-03-2022, no valor de € 19.904,64 (DUC n.º...), é relativa à aquisição da fracção autónoma “B” do prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo..., da freguesia de ..., concelho de Coimbra, à aquisição das fracções autónomas A e B do prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., da mesma freguesia e concelho de Coimbra.

Estas frações autónomas foram adquiridas por escritura notarial outorgada em 20-02-2017, no âmbito do processo de insolvência n.º .../15...T8LRA, que correu termos no Tribunal de Comarca de Leiria – Instância Central – 1ª Secção do Comércio – J 2, em que era insolvente a sociedade “H..., Lda.”, NICP ... . 

Na referida escritura pública outorgaram, como comprador, o A... ora Requerente e, na posição de vendedor, o Administrador da Insolvência.

Na mesma escritura consta que foi arquivado documento da liquidação de IMT com isenção ao abrigo do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT (Vd. DOC 3 junto com o PPA);

 

1.6. A Liquidação n.º ..., de 28-02-2022, no valor de € 6.405,94 (DUC n.º...), é relativa à aquisição do prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Proença-a-Nova e à aquisição do prédio rústico, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., da mesma união de freguesias e do mesmo concelho.

Estes prédios foram adquiridos por escritura notarial outorgada em 26-01-2017, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...T8SRT, que correu termos na Comarca de Castelo Branco, Fundão - Instância Central – Secção do Comércio – J 1, em que era insolvente C..., NIF ...;

Na referida escritura pública outorgaram, como comprador, o A... ora Requerente e, na posição de vendedor, o Administrador Judicial.

Na mesma escritura consta que foi arquivado documento da liquidação de IMT, emitido em 23 de janeiro de 2017, sem indicação se a transmissão beneficiou ou não de qualquer isenção de IMT ou se foi pago imposto (Vd. DOC 3 junto com o PPA);

 

1.7. A Liquidação n.º ..., de 17-01-2022, no valor de € 214,50 (DUC n.º...), é relativa à aquisição da fracção autónoma “D” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia.

Esta fração autónoma foi adquirida por escritura notarial celebrada em 21-12-2016, no âmbito do processo de insolvência n.º .../15...T8VNG, que correu termos na Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia –Instância Central – 2.ª Secção do Comércio – J 3, em que era insolvente D..., NIF ... .

Na referida escritura pública outorgaram, como comprador, o A... ora Requerente e, na posição de vendedor, o Administrador da Insolvência.

Na mesma escritura consta que foi arquivado documento da liquidação de IMT, emitido em 7/12/2016, sem indicação se a transmissão beneficiou ou não de qualquer isenção de IMT ou se foi pago imposto (Vd. DOC 3 junto com o PPA);

 

1.8. A Liquidação n.º ..., de 02-03-2022, no valor de € 350,70 (DUC n.º...), é relativa à aquisição do prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Torre de Moncorvo.

Este prédio foi adquirido pelo A... ora Requerente, sendo alienante o Administrador da Insolvência, no âmbito do processo de insolvência n.º .../15...T8TMC, que correu termos na Comarca de Bragança, Torre de Moncorvo – Instância Local – Secção Competência Genérica – J - um, em que era insolvente E... e mulher, NIF... .

O título translativo foi outorgado na Conservatória do Registo Predial de ..., em 3 de fevereiro de 2017, no qual foi averbado que a transmissão foi isenta de IMT ao abrigo do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT (Vd. DOC 3 junto com o PPA);

 

1.9. A Liquidação n.º ..., de 14-01-2022, no valor de € 243,75 (DUC n.º...), é relativa à aquisição da quota/parte de 360/1000 do prédio urbano (terreno para construção), inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Tomar.

Este prédio urbano foi adquirido pelo A... ora Requerente, sendo alienante o Administrador da Insolvência, no âmbito do processo de insolvência n.º .../16...T8STR-A, que correu termos na Comarca de Santarém – Instância Central – Secção do Comércio – J 2, em que era insolvente a sociedade “I... Construções Unipessoal, Lda.”, NIPC ... .

O título translativo foi outorgado na Primeira Conservatória do Registo Predial de ..., em 6 de dezembro de 2016, no qual foi averbado que a transmissão foi isenta de IMT ao abrigo do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT (Vd. DOC 3 junto com o PPA);

 

1.10. Atentando nos títulos translativos supra mencionados, cuja cópia consta no DOC 3 junto pela Requerente, constata-se que em 4 casos (Vd. supra 1.1, 1.5, 1.8 e 1.9) foi averbado que a transmissão beneficiou de isenção ao abrigo do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, em dois casos (Vd. supra 1.2 e 1.3) foi averbado que a transmissão beneficiou de isenção ao abrigo do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE e em três casos o título translativo é omisso sobre se as transmissões beneficiaram ou não de isenção, considerando-se nestes três casos, face à posição das Partes, que as transmissões beneficiaram de isenção ao abrigo do referido artigo 8.º do CIMT;

 

1.11. Dá-se por provado que a Requerente, face ao teor dos emails de 3 de janeiro e de 28 de fevereiro de 2022 da sua autoria e a seguir reproduzidos, dirigidos ao SF de Lisboa ..., não invocou nem apresentou perante a AT qualquer pretensão à aplicação sucessiva ou à convolação de isenções, tendo-se limitado a pedir que se procedesse á emissão das liquidações de IMT que fossem devidas, relativamente às transmissões ocorridas em 2016 e 2017, nos quais se reconhecia que os imóveis cuja aquisição beneficiou de isenção de IMT não tinham sido revendidos no prazo de cinco anos (a cópia dos referidos emails foi junta pela Requerida com o processo administrativo).

 

Anota-se que o prédio inscrito sob o artigo urbano ..., freguesia de..., concelho de Amadora, que deu origem à liquidação impugnada n.º ..., de 02-02-2022, no valor de € 9.041,50 (DUC n.º...), não consta nos referidos emails.

 

 

 

 

 

 

1.12. Em matéria de pagamento das liquidações impugnadas, a Requerente afirma que as mesmas foram integral e atempadamente pagas, a Requerida confirma o pagamento (artigo 124.º da Resposta), sendo que nenhuma das Partes indica as datas do pagamento nem carreou para os autos a prova documental desse pagamento.

 

1.13. Dá-se por provado que o Requerente é uma sociedade cujo objeto social é o exercício da actividade bancária, incluindo todas as operações compatíveis com essa actividade e que, nesse contexto, adquiriu, conforme cópia dos títulos translativos juntos com o PPA (DOC 3) e no âmbito de processos de insolvência de diversas entidades – quer de pessoas colectivas quer de pessoas singulares – agindo na qualidade de credor das mesmas, os bens imóveis mencionados em cada uma das liquidações impugnadas (cujos artigos matriciais estão mencionados supra em 1.1 a 1.9).

 

2. Factos não provados

Com relevo para a presente decisão arbitral, não existem factos essenciais não provados.

 

 3. Motivação quanto à matéria de facto

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima descritos, tendo por base os documentos juntos aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, não contestadas, à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.

 

Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

1. Questão Prévia. Da exceção do erro na forma do processo e da incompetência do tribunal arbitral

 

A matéria das exceções invocadas pela Requerida quanto ao erro na forma do processo e quanto à incompetência material do tribunal arbitral para conhecer de questões relacionadas com o reconhecimento de isenções têm fundamentos comuns, pelo que se vai proceder à apreciação conjunta das referidas exceções.

A Requerida suscita as excepções do erro na forma de processo e da incompetência material do Tribunal Arbitral por, em suma, considerar que está em causa o reconhecimento de isenções, matéria que, em seu entender, deve ser apreciada nos tribunais tributários através da competente acção administrativa e por, no caso específico das isenções previstas no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT e no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, a competência recair exclusivamente sobre o órgão judicial onde correu o processo.

 

Porém, em discordância com o alegado pela Requerida, vem sendo jurisprudência do CAAD, de que se dá como exemplo o processo 599/2015-T, que atentando no conjunto das pretensões que podem constituir objeto de decisões arbitrais em matéria tributária, tal como previsto no artigo 2.º n.º 1 do RJAT, em conjugação com a Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, constata-se que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto da impugnação, não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT. Uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração não deixa, portanto, de ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação.

Ora, no caso em apreço e atentando no pedido formulado pela Requerente, constata-se que são impugnados actos de liquidação de IMT em que, independentemente da fundamentação invocada e da sua consistência ou inconsistência, se questiona a legalidade de liquidações por, em resumo, a AT não ter recusado o pedido de liquidação que a própria ora Requerente lhe dirigiu e por não ter convolado oficiosamente a isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, inicialmente aplicada, para a isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.

Assim, ao contrário do alegado pela Requerida, o PPA não tem por objeto obter a declaração de ilegalidade das liquidações por violação dos pressupostos das isenções, levando o tribunal a ter que conhecer de uma matéria que está fora da sua competência, sendo antes suscitada a ilegalidade de atos de liquidação decorrente de não ter sido decidida a pretendida convolação ou troca oficiosa entre duas isenções.

 

Ora, como tem sido amplamente aceite pela jurisprudência do CAAD e dos Tribunais Superiores, o meio processual competente para conhecer da legalidade dos atos de liquidação em geral é o processo de impugnação judicial e, quanto à competência, no processo arbitral podem, salvo exceções tipificadas na lei, ser conhecidas todas as ilegalidades imputadas aos atos de liquidação, como decorre do artigo 99.º do CPPT, subsidiariamente aplicável

 

Assim, sem necessidade de mais considerações, improcedem as exceções dilatórias invocadas pela Requerida.

 

2. Da questão de fundo

 

2.1. Matérias que ao tribunal compete conhecer e decidir e sentido da decisão arbitral a proferir

 

2.1.1. Thema decidendum

 

Atentando nos contornos gerais das situações tributárias colocadas à apreciação deste tribunal arbitral, o que compete conhecer e decidir é se são ilegais as liquidações de IMT lançadas a pedido da ora Requerente, relativas a transmissões ocorridas em 2016 e 2017 que, no seu dizer, beneficiaram da isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, tendo entretanto decorrido o prazo de 5 anos previsto no n.º 6 do artigo 11.º do CIMT sem que os prédios tivessem sido alienados, e se essa ilegalidade decorre do facto de os Serviço de Finanças perante os quais foram requeridas, as ter lançado, em vez de ter aplicado oficiosamente a isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, como defende a Requerente, ou se, como defende a Requerida, essas liquidações não merecem qualquer censura uma vez que as transmissões beneficiaram de uma isenção condicionada e que, perante a falta de verificação da condição e perante a ausência de norma que determinasse a convolação ou troca de isenções, nada mais haveria a fazer do que proceder à sua emissão.

 

Os limites da matéria colocada a julgamento do tribunal arbitral, nos termos acabados de sintetizar, faz com que o mesmo não deva conhecer de outras questões marginais que as situações tributárias conexas com as liquidações impugnadas poderiam envolver, tendo ou não sido suscitadas pelas Partes, as quais ficam prejudicadas pela solução acolhida pela presente decisão arbitral (cfr. artigo 123.º do CPPT e artigos 607.º e 608.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, do RJAT). 

 

2.1.2. Matérias cujo conhecimento fica prejudicado pela solução acolhida na decisão arbitral

 

Cingindo-se, pois, o thema decidendum ao que fica consignado nos dois parágrafos anteriores não compete a este tribunal arbitral pronunciar-se de mérito sobre outras matérias suscitadas pelas Partes, a seguir resumidas, a que apenas se faz referência porque, ainda que marginalmente, podem clarificar a posição assumida pelo tribunal arbitral na presente decisão

 

Assim, quanto às matérias acabadas de referir, destacam-se as seguintes: 

 

Em primeiro lugar, sobre a ampla e desenvolvida reflexão apresentada pela Requerente no PPA sobre os pressupostos da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, sobre a sua interpretação e abrangência, sobre os seus antecedentes históricos e sobre a jurisprudência dos tribunais superiores sobre a matéria, considera este tribunal, ainda que possa não discordar da Requerente, que toda essa análise não tem qualquer interesse ou relevância para decidir se havia ou não lugar à convolação ou à troca de isenções, nos termos pretendidos pela Requerente, e por via disso, para aferir da legalidade ou ilegalidade das liquidações impugnadas.

O tribunal arbitral também não discorda da afirmação da Requerente de que a isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, ao contrário da isenção prevista no n.º 1 do artigo 8.º do CIMT, não está sujeita à condição da revenda no prazo de cinco anos, embora, como bem assinala a Requerida, contenha outras limitações a que a Requerente não aludiu.

Porém, também esta constatação não tem qualquer relevância para sustentar a declaração de ilegalidade que a Requerente pretende assacar às liquidações impugnadas. 

 

Quanto às questões suscitadas pela Requerida, há algumas que são irrelevantes para decidir a questão de fundo colocada à apreciação do tribunal arbitral, tal como a mesma é vista pelo mesmo, mas que não seriam irrelevantes se outra fosse a decisão proferida.

É o caso do que Requerida alega na parte final da Resposta e como está fixado pela jurisprudência que aí invoca, que, em relação a cinco transmissões, identificadas supra em III.1.1, III.1.6, III.1.7 e III.1.8, não seriam as mesmas subsumíveis na previsão do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, dado que esta norma abrange apenas a alienação de imóveis do ativo de empresas, sendo que nessas cinco transmissões os titulares dos bens transmitidos eram pessoas singulares e uma Cooperativa e, devido a tal facto, nunca as mesmas poderiam beneficiar desta isenção.

A referência a esta questão levantada pela Requerida tem alguma relevância na medida em que a mesma alegou, sem ser contraditada pela Requerente, que foi perante tal impossibilidade que em 2016 e 2017 foi requerido que lhe fosse aplicada a isenção prevista no artigo 8.º do CIMT que a mesma agora contesta.

 

2.1.3. Transmissões a que a pretendida convolação ou troca de isenções ficaria limitada se fosse acolhida a pretensão da Requerente. 

 

Não deixa de se consignar que, se por mera hipótese, o tribunal arbitral concordasse com o pedido de convolação ou troca de isenções que, ainda assim, a mesma não abrangeria todas as transmissões apresentadas pela Requerente que deram origem às liquidações impugnadas.

Com efeito, só em 3 casos (transmissões identificadas em III.1.4, em III.1.5 e em III.1.9) é que faria sentido a pretendida convolação ou troca de isenções, uma vez que, nas transmissões identificadas em III.1.1, III.1.6, III.1.7 e III.1.8, como está observado na parte final do número anterior, não seria aplicável o pretendido n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, acrescendo que nas transmissões identificadas em III.1.2 e em III.1.3 a ora Requerente já beneficiou da isenção prevista no citado preceito legal (como é dado por provado em III.1.10).

 

2.1.4. Eventuais ilegalidades não suscitadas pelas Partes

 

A propósito das duas transmissões identificadas em III.1.2 e III.1.3, as quais, face ao que foi feito constar nos títulos translativos, beneficiaram da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, poderá estar em causa a ilegalidade das liquidações lançadas sobre as mesmas, na medida em que, como alegado pela Requerente, esta isenção não está condicionada pelo requisito da alienação previsto no artigo 11.º, n.º 6, do CIMT.

Não obstante, não se vai conhecer dessa eventual ilegalidade na medida em que, por razões que se desconhecem, a mesma não foi suscitada pelo PPA nem foi contraditada pela AT.

 

2.2. Da inconsistência da fundamentação invocada pela Requerente para sustentar a sua pretensão de fazer substituir a isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, pela isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.

 

Como supra já foi sintetizado, a ilegalidade que a Requerente atribui às liquidações impugnadas resulta do facto de a AT ter emitido as liquidações que a própria Requerente requereu e, em vez disso, de não ter convolado oficiosamente a isenção inicialmente aplicada pela prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE. 

 

Ou seja, segundo a tese da Requerente explanada no PPA, como a isenção do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, aplicada nas transmissões de 2016 e 2017, não foi a mais favorável, porque impunha a condição da revenda no prazo de cinco anos, deveria ser agora, em 2022, passados os referidos cinco anos e perante o incumprimento da condição, que a AT deveria ter reconhecido oficiosamente outra isenção, mais favorável e de natureza definitiva porque não impunha qualquer condição quanto à alienação dos prédios, que é justamente a prevista no referido n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, e que por isso deveria ter-se abstido de lançar as liquidações impugnadas.

 

Deve desde já adiantar-se que, no entender deste tribunal arbitral e respeitando as opiniões em contrário, esta pretensão da Requerente de, sem mais, ver trocada uma isenção por outra, nos termos em que vem apresentar essa pretensão, carece de total apoio legal.

 

Com efeito, analisando o teor dos títulos translativos (Vd. DOC 3 em anexo ao PPA e matéria de facto dada por provada em III supra) observa-se que foi por iniciativa do adquirente A..., ora Requerente, que em 2016 e 2017, previamente à formalização dos títulos translativos, foram apresentados os modelos 1 do IMT junto dos serviços de finanças competentes que, por sua vez, emitiram as liquidações (algumas com invocação do artigo 8.º 1 do CIMT outras do artigo 270.º 1 do CIRE e outras sem indicação de normas) tendo sido esses documentos que foram apresentados, mencionados e arquivados nos títulos translativos elaborados pelas entidades que formalizaram as transmissões.

 

Afirma a Requerente que só requereu a isenção prevista no dito artigo 8.º, n.º 1, do CIMT e não a prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE porque à data da realização das operações em análise, defendia a AT – em sentido contrário à jurisprudência e à doutrina – que aquela isenção de IMT consagrada no CIRE tinha um âmbito de aplicação consideravelmente limitado, podendo a mesma ser aplicada única e exclusivamente nas situações em que estivesse em causa a aquisição da “universalidade dos bens”.

 

Além da já assinalada falta de correspondência entre os documentos juntos e a afirmação da Requerente sobre a aplicação da isenção prevista no dito artigo 8.º, n.º 1, a todas as transmissões, a referência à posição da AT sobre a amplitude da aplicação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE como causa da sua não invocação, não pode deixar de merecer as seguintes considerações.

 

Em primeiro lugar, o tribunal arbitral assinala que não foi apresentada qualquer prova para suportar a afirmação de que foi a interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE que impediu a Requerente de requerer a sua aplicação, ou que a AT rejeitou emitir as liquidações com base na interpretação que fazia dessa mesma norma de isenção.

De resto, constata-se, como supra já referido, que em dois títulos translativos juntos pela Requerente (identificados em III. 1.2 e III. 1.3), envolvendo a transmissão de quatro imóveis, esses títulos foram instruídos com documentos de liquidação, emitidos a pedido do mesmo adquirente e ora Requerente, em que foi mencionada a isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º DL n.º 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), tendo sido essa isenção que foi averbada nos documentos de liquidação emitidos pelos serviços de finanças sem que, face ao que neles consta, tivesse havido qualquer rejeição por parte desses serviços. 

 

Ainda a propósito da afirmação da Requerente de que foi por razões imputáveis à AT, que fazia uma interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, que não apresentou as declarações modelo 1 do IMT a pedir a isenção aí prevista – afirmação que como acabamos de observar só em parte corresponde à prova documental apresentada – nada impedia, face à dita posição da AT, que a Requerente, nos prazos legais previstos nas amplas garantias de impugnação administrativa e judicial previstas no CIMT, na LGT e no CPPT, tivesse reagido à aplicação da isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, peticionando a sua convolação para a que considerava mais adequada para defesa dos seus legítimos interesses.

 

Aliás, sempre se dirá que a AT alterou a sua posição, referente à abrangência da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, através do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 26 de janeiro de 2017, divulgado através da circular 4/2017, tendo adaptado a sua posição à jurisprudência dos tribunais superiores, nos seguintes termos: 

A aplicação dos benefícios fiscais previstos no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE não depende da coisa vendida, permutada ou cedida abranger a universalidade da empresa insolvente ou um seu estabelecimento. Assim, os atos de venda, permuta ou cessão, de forma isolada, de imóveis da empresa ou de estabelecimentos desta estão isentos de IMT, desde que integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.»

 

Ora, quando a AT alterou a sua posição, a Requerente estava em tempo para usar todas as garantias previstas na lei para corrigir a situação e (tentar) beneficiar da isenção definitiva que agora invoca.

 

2.3. Do método declarativo prévio. A Iniciativa do pedido de liquidação e da verificação dos pressupostos das isenções

 

Em reforço da posição que o tribunal está a assumir não deixa de se comentar a tese, subjacente à pretensão apresentada pela Requerente, de que estando em causa uma isenção automática, como é a prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, a AT não tinha que se subordinar aos pedidos apresentados pela Requerente nem a qualquer outra condição tendo, ao invés, que reconhecer oficiosamente a convolação ou troca das isenções e abster-se de lançar as liquidações impugnadas.

Também neste ponto este tribunal não acompanha a argumentação invocada pela Requerente  

 

Com efeito, não pode deixar de se contrapor, dando neste ponto razão à Requerida, que os serviços de finanças, quer em 2016 e 2017, quer agora em 2022, se limitaram a responder à pretensão da adquirente que lhe apresentou pedidos de emissão de documentos de liquidação de IMT, no primeiro caso para que fossem emitidos documentos de liquidação com averbamento de isenções (nalguns casos os documentos juntos não esclarecem o que foi pedido) para que os mesmos pudessem ser apresentados junto dos oficiais públicos que iriam titular as transmissões e, em 2022 (vd. supra III.1.11), para que fossem emitidas as liquidações devidas por falta de alienação dos bens no prazo legal de cinco anos.

 

Ora, face à prova carreada para os autos, esta sequência de petições e o momento da sua prática não tiveram subjacente qualquer tipo de coação imposta à Requerente nem foi cometida qualquer arbitrariedade por parte dos serviços da AT. A prática dessas formalidades visou antes dar cumprimento ao ónus legal previsto na estrutura normativa do CIMT para que a Requerente pudesse aceder à isenção que invocou, no primeiro caso, e para dar cumprimento à obrigação de pedir a liquidação do imposto por caducidade da isenção. 

 

Nos impostos de obrigação única, como é o caso do IMT, cujo facto tributário consiste numa transmissão onerosa de um bem imóvel, a obrigação tributária nasce com a verificação do referido pressuposto de facto, impondo a lei, que a liquidação do imposto devido seja previamente requerida e, no caso de ser devido imposto, que o mesmo seja pago antes da  outorga do título translativo do referido bem.

O mesmo se passando quando a liquidação, em vez de constituir um título de pagamento, constitua um documento comprovativo que não há lugar a pagamento porque uma determinada norma fiscal beneficia o interessado e dispensa-o dessa obrigação.  

 

Vejam-se, na parte mais relevante, os seguintes preceitos do CIMT, em vigor à data dos factos tributários subjudice, com base nos quais se corporiza o método declarativo prévio aplicável ao lançamento das liquidações de IMT e, quando é o caso, à declaração das respetivas isenções:

 

Desde logo, no artigo 10.º, n.º 1, do CIMT, enuncia-se a regra geral de que as isenções em IMT, sejam elas de aplicação automática ou sujeitas a reconhecimento administrativo, implicam a iniciativa dos interessados e o seu pedido deve ser apresentado antes da celebração do ato ou do contrato translativo dos bens e também antes da própria liquidação do imposto. 

O referido preceito legal tem a seguinte redação:

1 - As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar.

 

E esta regra é aplicável, quer quanto às isenções previstas no próprio Código, quer também às previstas na denominada legislação extravagante.

Com efeito, determina-se neste mesmo artigo 10.º, no n.º 8, alínea d), que: São de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º, as seguintes isenções:

d) As isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código.

 

Em linha com os preceitos transcritos, o artigo 19.º estabelece o seguinte: Iniciativa da liquidação. 1. A liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida.

3 - A declaração prevista no n.º 1 deve também ser apresentada, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, antes do acto ou facto translativo dos bens, nas situações de isenção.

 

Por sua vez, o artigo 22.º do CIMT determinava que: 1 - A liquidação do IMT precede o acto ou facto translativo dos bens, ainda que a transmissão esteja subordinada a condição suspensiva, haja reserva de propriedade, bem como nos casos de contrato para pessoa a nomear nos termos previstos na alínea b) do artigo 4.º, salvo quando o imposto deva ser pago posteriormente, nos termos do artigo 36.º

 

Este sistema de liquidação prévia é reforçado pelo artigo 49.º do CIMT, que impõe algumas regras de cooperação aos notários e a outras entidades que desempenhem funções idênticas, dispondo: Artigo 49.º Obrigações de cooperação dos notários e de outras entidades
1 - Quando seja devido IMT, os notários e outros funcionários ou entidades que desempenhem funções notariais, bem como as entidades e profissionais com competência para autenticar documentos particulares que titulem actos ou contratos sujeitos a registo predial, não podem lavrar as escrituras, quaisquer outros instrumentos notariais ou documentos particulares ou autenticar documentos particulares que operem transmissões de bens imóveis nem proceder ao reconhecimento de assinaturas nos contratos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 2.º, sem que lhes seja apresentado o extracto da declaração referida no artigo 19.º acompanhada do correspondente comprovativo da cobrança, que arquivarão, disso fazendo menção no documento a que respeitam, sempre que a liquidação deva preceder a transmissão.


3 - Havendo lugar a isenção, as entidades referidas no n.º 1 devem averbar a isenção e exigir o documento comprovativo que arquivam.

 

Como se constata, no caso das isenções, a regra da precedência da verificação da isenção, trate-se de isenções automáticas ou pendentes de reconhecimento, está em linha com a obrigação de liquidação e pagamento prévio do imposto, não restando ao intérprete ou aplicador da lei margem para atuações discricionárias ou para agir em termos diferentes.

 

A este propósito chamam-se à colação oportunas considerações expendidas na decisão arbitral proferida no processo 613/2021-T, também citada pela Requerida na sua Resposta, versando uma situação tributária semelhante à aqui em apreço, em que se considerou que o caráter automático de um benefício fiscal não desonera o interessado de o invocar perante a administração. Aliás, nem poderia ser de outro modo, pois sistemas de “tributação em massa”, como são os atuais, assentam nas declarações dos contribuintes – a obrigação de imposto é, num primeiro momento, apurada face ao por eles declarados, até pela impossibilidade prática de ser a administração a conhecer e apurar oficiosamente cada situação tributária. Isto sem prejuízo da possibilidade de posterior correção do declarado, por não correspondência à verdade ou à legalidade, a iniciativa da administração e, também, por iniciativa dos próprios, os quais se podem insurgir, através das vias procedimentais ou processuais adequadas, contra liquidações fundadas em erróneas declarações por si apresentadas. 

Este princípio da declaração – estrutural do sistema fiscal, como vimos - aparece expressamente afirmado para casos como os em análise pela al. d) do nº 8 do art.º 10 do CIMT - são de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º, as seguintes isenções: d) As isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código (no presente caso, o CIRE). 

 

Está em causa um ónus, a exigência legal que o interessado pratique determinada conduta, juridicamente relevante, sob pena de não alcançar um benefício, ou, eventualmente, suportar 

uma desvantagem. Neste caso, o ónus de declarar que as aquisições efetuadas preenchiam os pressupostos da isenção prevista no artº 270º, nº 2, do CIRE. 

Ónus que, por regra, deveria ser cumprido antes dos atos translativos dos imóveis, como dispõe a citada norma do CIMT. 

 

Ora, a Requerente nunca declarou à AT que tais aquisições estavam abrangidas pelo artº 270º, n.º 2 do CIRE, nunca substituiu ou tentou substituir a declaração inicial (na qual invocou a aplicabilidade da isenção prevista no artº 7º do CIMT) por outra em que invocasse a aplicabilidade desta outra isenção. 

Se a sua pretensão tivesse sido negada, teria, então, a possibilidade de a tentar fazer valer judicialmente pelo meio processual adequado. Mas não o fez. Aliás, como dado provado, foi a Requerente quem “provocou” as liquidações que ora impugna. 

 

2.4. Da ausência de norma legal que preveja a convolação automática e a todo o tempo entre isenções 

 

Na ausência de qualquer norma legal específica que preveja a convolação ou troca de isenções, muitos menos que essa convolação possa ser decretada a todo o tempo, como parece pretender a Requerente, não pode o intérprete e aplicador do direito fiscal preencher essa lacuna dado que, como é do conhecimento comum, estando-se perante matéria que integra os elementos essenciais do imposto, por exigência constitucional só a lei poderia estabelecer essa possibilidade.

 

O que decorre do alegado pela Requerente é que, além de não ter invocado nos modelos 1 do IMT que apresentou em 2016 e 2017 a isenção que agora diz que lhe era mais favorável, a Requerente também não tomou posteriormente a iniciativa de se socorrer dos meios procedimentais e processuais previstos na lei fiscal para pedir atempadamente a pretendida convolação – considerando até que a AT logo no início de 2017 divulgou a correcção da sua interpretação sobre o artigo 270.º, n.º 2, do CIRE – e vem agora, passado mais de cinco anos e depois de não ter cumprido a condição que a lei impunha às isenções de que então beneficiou, apresentar a pretensão de convolação ou troca de isenções e por via disso a ilegalidade das liquidações, invocando amplas e extensas descrições da jurisprudência dos tribunais superiores relativamente à interpretação que os mesmos têm feito, não sobre a mesma questão de facto e de direito aqui em discussão, mas sobre a abrangência do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.

Como já foi referido, o presente tribunal arbitral não discorda da interpretação apresentada pela Requerente sobre a evolução do artigo 270.º do CIRE nem, muito menos, sobre a jurisprudência invocada sobre a sua interpretação.  

Porém, há que clarificar, nada disso está em causa e por maior que seja a abrangência do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE e mesmo que todas as transmissões ai coubessem – o que como se viu até nem era o caso – não é esta norma que, só por si e sem ter sido invocada no momento oportuno e pelos meios adequados, viria agora suportar a pretensão de, pela sua aplicação a destempo, fundamentar a declaração de ilegalidade das liquidações de IMT impugnadas. 

 

A Requerente perdeu oportunidade para invocar atempadamente a isenção que agora pretende ver reconhecida ou até para corrigir posteriormente os erros declarativos que cometeu em 2016 e 2017 ao ter invocado isenções menos favoráveis. Nada tendo feito, vem agora tentar corrigir esses erros e omissões, que lhe são exclusivamente imputáveis, sendo que, como é sabido, a falta de ação para lá dos prazos legais faz precludir o respectivo direito e só em caso de nulidade – vício que aqui não foi invocado e que não se reconhece – é que o n.º 3 do artigo 102.º do CPPT permitiria agir a todo o tempo.

 

Conclusão

 

As liquidações impugnadas tiveram por base o incumprimento do disposto no n.º 6 do artigo 11.º do CIMT, que determina expressamente que “deixam de beneficiar de isenção as aquisições a que se refere o artigo 8.º, se os prédios não forem alienados no prazo de cinco anos a contar da data da aquisição …”, na medida em que a Requerente adquiriu vários prédios em 2016 e 2017, declarados isentos de IMT ao abrigo do referido artigo 8.º do respetivo Código, que não foram alienados no prazo de cinco anos, sendo a própria Requerente que, no início de 2022, perante a caducidade das isenções, se voltou a dirigir aos serviços da AT requerendo a emissão das liquidações devidas.

 

 A Requerente procedeu ao seu pagamento e veio de seguida, através do PPA que deu origem ao presente processo arbitral, requerer a declaração de ilegalidade dessas liquidações, alegando que teria direito à isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE e que esta isenção só não foi requerida em 2016 e 2017 porque a AT fazia uma interpretação restritiva da abrangência do referido preceito legal.

 

Como amplamente explanado, entende o tribunal arbitral que a pretensão da Requerente não pode proceder, por um lado, porque, como supra desenvolvido, não deu cumprimento aos requisitos legais previstos no CIMT e, por outro lado, porque só depois de verificada a caducidade, é que veio pedir a convolação da isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, que requereu e de que beneficiou, para a isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, que não requereu e de que pretende agora beneficiar, sem que, no decurso dos referidos cinco anos, tenha utilizado os procedimentos administrativos ou judiciais previstos nas leis tributárias para suscitar a pretendida correcão, convolação ou troca.

 

Acrescendo ainda, em desfavor da pretensão da Requerente, que o sistema fiscal não prevê qualquer norma que permita a convolação de isenções, mesmo quando as mesmas são de aplicação automática, muito menos que essa convolação possa ser decidida oficiosamente e a todo o tempo. 

 

Improcede assim o pedido formulado pela Requerente no sentido de ser declarada a ilegalidade das liquidações impugnadas e, em razão desta improcedência, fica prejudicado o conhecimento do pedido acessório relativo aos juros indemnizatórios. 

 

IV. DECISÃO

 

Nestes termos, o presente tribunal arbitral singular decide julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IMT impugnadas e supra identificadas, no montante total de € 51.891,41 e, em consequência, não conhecer do pedido relativo aos juros indemnizatórios.

 

VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 51.891,41. 

 

CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, é de € 2.142,00 o montante das custas previstas no artigo 4.º da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

 

Lisboa, 12 de dezembro de 2022

 

 

O Árbitro,

 

(Joaquim Silvério Dias Mateus)