SUMÁRIO:
I – Num contrato de prestação de serviços, em que se praticam operações médicas isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, do Código do IVA, as prestações acessórias da prestação principal apenas estão isentas de imposto se puderem considerar-se estreitamente conexas com aquela, no sentido de serem indispensáveis ou indissociáveis da realização das operações isentas.
II – Obrigações de não concorrência e de “encerramento e desativação” de capacidade laboratorial instalada concorrente não podem considerar-se prestações acessórias da prestação médica que se mantém, ainda que esta se pudesse considerar principal.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof. Doutor Victor Calvete (árbitro presidente), Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora e Dr. A. Sérgio de Matos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11 de Abril de 2022, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., LDA., NIUPC ..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... ... (“A...”), na qualidade de sucessora jurídica de B..., LDA, com sede na Rua ..., ..., ..., R/C Dto, ...-... ...,
doravante “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), com vista à obtenção de decisão de anulação do ato de liquidação de IVA n.º 2021..., relativo ao período 2017/09, no valor de EUR 98.325,00, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 04.11.2021 (“Liquidação de IVA”, junta como doc. 1), e a correspondente liquidação de juros compensatórios, no valor de EUR 14.974,20, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 04.11.2021 (“Liquidação de Juros Compensatórios”, junta como doc. 2), bem como a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no pagamento de gastos suportados com a prestação indevida de garantia bancária para suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2021... e Apensos, originado pelas referidas liquidações contestadas.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 03 de Fevereiro de 2022, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, automaticamente, notificado à AT.
Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar (artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 11 de Abril de 2022.
Em 16 de Maio de 2022, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, concluindo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, com as legais consequências.
Considerando que a questão dos autos é puramente de Direito e que não foram indicadas testemunhas, por despacho de 26 de Maio de 2022 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo (artigo 19.º do RJAT), da celeridade, da simplificação e da informalidade processuais (artigo 29.º, n.º 2, do RJAT). Bem como, por se não afigurar útil a repetição das razões das Partes em alegações, foram estas dispensadas, ao abrigo dos mesmos princípios, embora sujeitando tal dispensa à não oposição no prazo de 5 dias.
Em 01 de Junho de 2022, e em face do despacho que antecede, veio a Requerente solicitar que a Requerida fosse instada a juntar aos autos:
¬ o processo administrativo;
¬ o “processo de evidência de trabalho” mencionado na sua Resposta;
¬ cópia do contrato original que serviu de base à liquidação em crise e elementos
documentais que atestem termos em que foi obtido;
¬ comprovativo da notificação aos mandatários da Requerente de “processo de evidência de trabalho” e cópia do contrato original que serviu de base à liquidação e respetivos elementos documentais que atestem termos em que foi obtido, na sequência de pedido de emissão de certidão apresentada.
Acrescenta a nota de que só em face destes elementos estaria em condições de tomar posição sobre a necessidade de apresentação de alegações escritas, nomeadamente, para pleno exercício do contraditório.
Em 07 de Junho de 2022, a AT juntou os processos administrativos relativos aos procedimentos inspectivos credenciados pelas Ordens de Serviço OI2020... e OI2020... .
Em 11 de Julho de 2022, a Requerida juntou aos autos o Processo de Evidência de Trabalho (PET), sob a alegação de que “...apenas no passado dia 08/07/2022, foi enviado a esta Direcção de Serviços pela Direcção de Finanças do Porto.”
Em resposta a esta junção de documentos, em 15 de Julho de 2022, veio a Requerida argumentar que o contrato agora constante do referido «Processo de Evidência de Trabalho» não estava disponível para consulta pelo mandatário aquando da consulta ocorrida em 16 de Novembro de 2021, que em momento algum, no decurso da ação inspetiva, foi confrontada com o contrato em causa, que a certidão solicitada com a «totalidade dos processos administrativos relativos às Ordens de Serviço n.ºs OI2020... e OI2020...» não tem qualquer contrato, o que para si torna evidente que, na data de emissão a certidão, a 30 de novembro de 2021, não existia no Processo Administrativo o contrato aqui em causa, sendo que, necessariamente, o Processo de Evidência de Trabalho só terá sido elaborado, numerado e rubricado em data posterior. Acrescenta que a numeração do «Processo de Evidência de Trabalho» não é consistente com a numeração do Processo Administrativo, que resulta evidente da numeração sequencial do «Processo de Evidência de Trabalho» que o contrato só foi junto ao Processo após a emissão do Relatório de Inspeção Tributária, pelo que, não pode, logicamente, ter servido de suporte documental ao ato de liquidação em crise, que atenta a numeração do «Processo de Evidência de Trabalho», é evidente que o contrato foi junto ao processo em momento posterior ao encerramento da diligência inspetiva (cf., fls. 1, página 2, onde expressamente se encerrou a ordem de serviço OI2020...) e que o contrato foi obtido no âmbito de ação inspetiva já encerrada e, consequentemente, não credenciada, o que determina a ilegalidade do meio de prova assim obtido (artigo 115.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário), devendo ser desconsiderado para todos os efeitos legais.
Na sequência requer:
A) O confronto da cópia do contrato submetida com o original, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 34.º, n.º 3 e 115.º, n.º 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
B) Indicação da data em que a numeração manual do denominado «Processo de Evidência de Trabalho» teve lugar.
C) Identificação do funcionário responsável pela numeração do denominado «Processo de Evidência de Trabalho».
D) Seja ordenado o desentranhamento do contrato junto aos autos por ter sido obtido no âmbito de procedimento inspetivo já encerrado.
E) Seja ordenado o desentranhamento do contrato junto aos autos por não ter constituído fundamento de facto da liquidação em crise.
Mais requer, caso não seja ordenado o desentranhamento do contrato junto aos autos, e por tal prova se revelar essencial à descoberta da verdade material, a inquirição das seguintes testemunhas (a notificar pelo CAAD):
¬ Funcionário responsável pela elaboração do Processo de Evidência de Trabalho;
¬ Senhor Chefe da Divisão de Inspeção Tributária I da Direção de Finanças do Porto, Dr. C..., com domicílio profissional na Rua de ..., ..., ...-... Porto.
Por despacho de 09 de Setembro de 2022, houve-se circunstancialmente prejudicada a produção de alegações, revogando-se a anterior fixação de prazo para o efeito. Quanto ao necessário para se determinar a verdade procedimental, fixou-se um prazo de 10 dias para a AT declarar em que circunstâncias acedeu ao contrato junto aos autos com o Processo de Evidência de Trabalho, bem como a razão para não ter este sido disponibilizado à Requerente aquando do “pedido de emissão de certidão apresentada”.
Em 20 de Setembro de 2022, a Requerida veio aos autos esclarecer, entre o mais, o seguinte:
“...
O Processo de Inspeção Tributária (PIT) contem todas as peças processuais tipificadas no RCPITA, designadamente, a ordem de serviço, o expediente trocado com o contribuinte e terceiros, o projeto de relatório de inspeção tributária, o exercício do direito de audição, o relatório de inspeção tributária.
O Processo de Evidência de Trabalho (PET) contem os papéis de trabalho reunidos durante o procedimento inspetivo pelo inspetor, recolhidos junto do contribuinte, das aplicações informáticas da AT, de outros processos e de terceiros, que podem ou não ter relevância direta para a fundamentação das correções constantes do Relatório de Inspeção Tributária. Constitui ... um volume autónomo que pode não estar fisicamente junto do Processo de Inspeção Tributária.
No que concerne ao caso concreto e para cabal elucidação da situação, reputamos de útil a análise cronológica do correio eletrónico trocado entre diversos serviços da AT e o mandatário do sujeito passivo, cujo suporte se junta em anexo:
1. No dia 10/11/2021 o mandatário dirigiu à Direção de Finanças do Porto, com conhecimento, no que releva, ao Chefe de Divisão da DIT I (onde correram os procedimentos inspetivos) correio eletrónico a solicitar a consulta urgente dos processos administrativos relativos aos procedimentos inspetivos credenciados pelas Ordens de Serviço OI2020... e OI2020..., referentes aos contribuintes A..., LDA, NIF ... e B..., LDA, NIF ..., respetivamente.
...
3. No dia 16/11/2021 o mandatário dirigiu-se às instalações da Direção de Finanças do Porto onde consultou os dois processos de inspeção, incluindo PIT e PET, na presença do Inspetor Tributário D..., que se mostra disponível para testemunhar este facto.
4. No dia 18/11/2021 o mandatário remeteu correio eletrónico dirigido ao Serviço de Finanças de Gondomar ..., com conhecimento àquele inspetor, solicitando emissão de certidão que contivesse a totalidade dos processos administrativos relativos às Ordens de Serviço OI2020... e OI2020..., na sequência da consulta dos mesmos.
...
6. No dia 02/12/2021, e apenas em relação à Ordem de Serviço OI2020..., veio o mandatário solicitar certidão do PET.
7. Como na organização deste PET o Inspetor Tributário optou pela gravação de um CD, dada a dimensão e natureza dos elementos recolhidos, não era possível a sua remessa por correio eletrónico da Direção de Finanças do Porto para o Serviço de Finanças de Gondomar, com vista à elaboração da certidão, pelo que o mesmo seguiu por comunicação interna.
Termos em que, respondendo diretamente ao invocado pelo mandatário, aquando da consulta de ambos os processos de inspeção, que incluíram o PIT e o PET, o contrato referido na informação integrava o PET, quer da Ordem de Serviço OI2020..., quer da Ordem de Serviço OI2020..., tal como ainda integra.
O facto de o mandatário ter optado por solicitar apenas a certidão do PET da OI2020... foi compreendida pela necessidade de conhecer o teor do referido CD, obstáculo que não se colocava em relação ao PET da OI2020... que se encontrava em papel e foi analisado no dia 16/11/2021 aquando da consulta presencial dos processos.
No que concerne à resposta ao ponto 4 do douto despacho, relativamente às circunstâncias em que a AT acedeu ao referido contrato, aquelas encontram-se descritas nas páginas iniciais do PIT de ambas as Ordens de Serviço, nomeadamente:
No âmbito de ação inspetiva interna à sociedade E..., SA – NIPC: ..., apurou-se que os sujeitos passivos objeto das Ordens de Serviço OI2020... e OI2020... celebraram um contrato de prestação de serviços com aquela sociedade, em 2017, contendo uma contrapartida de pagamento a estes contribuintes sem a liquidação do respetivo IVA.
A não emissão de certidão complementar, do PET relativo à Ordem de Serviço OI2020..., ficou a dever-se ao facto de o mesmo não ter sido expressamente solicitado, ao contrário do que sucedeu em relação à Ordem de Serviço OI2020... .
Cumpre reforçar que o PET é em geral um repositório de informação recolhida junto do próprio contribuinte ou de terceiros que com aquele se relacionam, e que contem elementos do seu conhecimento pelo que, considerando o facto de as certidões estarem sujeitas ao pagamento de emolumentos cuja quantificação depende do número de folhas a certificar, o mesmo só é remetido quando expressamente solicitado.
No caso em apreço, o contrato de prestação de serviços, tinha como intervenientes os contribuintes A..., LDA, NIF ... e B..., LDA, NIF ..., razão pelo qual é do conhecimento destes, sendo certo que no próprio relatório de inspeção tributária se encontram refletidas as cláusulas mais relevantes para a apreciação dos factos que estiveram na origem dos atos desfavoráveis aqueles contribuintes.”
A Requerida juntou a tais esclarecimentos um documento com a referida sucessão cronológica da correspondência electrónica trocada com o Ilustre Mandatário da Requerente.
Em 03 de Outubro de 2022, veio a Requerente novamente exercer o contraditório repartido, em síntese, pelos seguintes temas: Inexistência de “contrato” no processo administrativo; Ausência de comunicação do “contrato” ao mandatário; “PET” forjado na pendência da ação arbitral; Ausência de “CD” no processo consultado.
Por fim, diz que a não ser desentranhado o “contrato” dos autos, importará, então, inquirir os respetivos chefes de equipa, chefes de divisão e Diretores da Direção de Finanças do Porto e da Direção de Finanças de Viseu, por forma a compreender em que medida o padrão seguido neste processo dista do padrão normalmente assumido pela Autoridade Tributária e Aduaneira e requer:
A) Desentranhamento do “PET” e do “contrato” dos autos e prossecução da ação arbitral; ou caso tal desentranhamento não ocorra, e por tal prova se revelar essencial à descoberta da verdade material:
B) O confronto da cópia do contrato submetida com o original, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 34.º, n.º 3 e 115.º, n.º 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
C) Indicação da data em que a numeração manual do denominado «Processo de Evidência de Trabalho» teve lugar.
D) Identificação do funcionário responsável pela numeração do denominado «Processo de Evidência de Trabalho».
E) Inquirição das seguintes testemunhas (a notificar pelo CAAD):
¬ Senhora Chefe de Equipa, Dra. F..., com domicílio profissional na Rua ..., ..., ...-... Porto.
¬ Senhor Chefe da Divisão de Inspeção Tributária I da Direção de Finanças do Porto, Dr. C..., com domicílio profissional na Rua ..., ..., ...-... Porto.
¬ Senhora Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, Direção de Finanças de ..., Dra. G..., com domicílio profissional na..., ..., ...-..., ... .
¬ Senhora Diretora de Finanças do Porto, Dra. H..., com domicílio profissional na Rua ..., ..., ... -... Porto.
¬ Senhora Diretora de Finanças de ..., Dra. I..., com domicílio profissional na ...,...,...-..., ... .
Por despacho de 10 de Outubro de 2022, dadas as vicissitudes na tramitação processual e decurso do período de férias judiciais, determinou-se a prorrogação por dois meses do prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, ao abrigo do disposto no seu n.º 2.
Por despacho de 17 de Outubro de 2022, e por referência ao pronunciado e requerido pela Requerente em 03-10-2022, o Tribunal decidiu:
a. Indeferir o desentranhamento solicitado, que se manifesta aliás contraditório com anterior solicitação da Requerente para a junção aos autos dos elementos em falta;
b. Convidar a Requerente a, se assim o entender, juntar o original, ou cópia autenticada, do contrato na sua posse para se fazer o único cotejo relevante: o do original com a cópia ora constante dos autos, devendo essa junção ocorrer com as alegações a que se refere a al. g) abaixo;
c. Indeferir o requerido em C) e D) do novo requerimento da Requerente, por tal apuramento não se se revelar necessário à boa decisão do presente caso;
d. Indeferir a audição das testemunhas indicadas pela Requerente posteriormente ao pedido de pronúncia arbitral, por esta ser justificada “por forma a compreender em que medida o padrão seguido neste processo dista do padrão normalmente assumido pela Autoridade Tributária e Aduaneira”, e não ser da competência do presente Tribunal averiguar se a forma de tramitação do procedimento no caso dos autos corresponde ou não à dos demais, nem tal se afigurar relevante para a decisão do processo;
e. Dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT por nenhuma das partes ter indicado nos seus requerimentos de pedido de pronúncia arbitral e de resposta qualquer prova a produzir, nem a indicada posteriormente se afigurar relevante, nos termos expostos;
f. Por isso, indeferir, por extemporânea (al. d) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT), a indicação superveniente de testemunhas feita pelas partes por não indicarem razões desse arrolamento fora do momento próprio, nem se afigurarem ao tribunal razões de apuramento da verdade material que determinem a admissão do respectivo depoimento;
g. Fixar o prazo de 15 dias sucessivos para alegações;
(...)
Por despacho de 29-11-2022, admitindo-se não ser possível ter a decisão até à data anteriormente estimada (30-11-2022) e que o prazo fixado no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT terminava no dia 11 de Dezembro, decidiu-se, por precaução, prorrogar tal prazo por dois meses, ao abrigo do disposto no seu n.º 2.
Apenas a Requerente apresentou alegações, nas quais reiterou e desenvolveu a argumentação já expendida no PPA.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das liquidações de IVA, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. Fundamentação de Facto
1. Matéria de Facto Provada
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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À data dos factos, a “B..., Lda.” (B...) tinha por objeto a prestação de serviços médicos no domínio dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, designadamente na área das análises clínicas, estando enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal, praticando operações mistas com afetação real de parte dos bens e serviços (PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
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No dia 7.02.2019, a A... incorporou, através de fusão, a sociedade B... (PPA - doc. 3).
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A B..., NIPC ..., foi sujeita ao procedimento inspetivo interno de âmbito parcial, dirigido ao IVA do período 201709, credenciado pela Ordem de Serviço OI2020..., datada de 16-11-2020 (PA).
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A “A..., Lda.” (A...), NIPC..., aqui requerente, foi sujeita ao procedimento inspetivo externo de âmbito parcial, dirigido ao IVA do período 201704, credenciado pela Ordem de Serviço OI2020..., datada de 27-10-2020 (PA).
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A Direção de Finanças do Porto dirigiu, no dia 29.10.2020, um pedido de extensão de competência territorial à Direção de Finanças de Viseu com vista à realização de uma ação inspetiva à sociedade B... (PPA - doc. 4).
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A Direção de Finanças do Porto fundamenta a extensão da competência com base na existência de dois contratos “substancialmente idênticos”: um celebrado pela A..., o qual estava a ser já analisado pela Direção de Finanças do Porto no âmbito de uma ação inspetiva, e outro celebrado pela B... (PA).
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Colhe-se do processo administrativo (PA) que a DF Porto fundamentou a extensão de competência expressamente nos seguintes termos:
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No dia 4.11.2020, a Diretora de Finanças de Viseu autorizou a extensão de competência territorial à Direção de Finanças do Porto para a prática de atos inspetivos à B..., com fundamento na necessidade desta direção realizar “atos inspetivos necessários e indispensáveis a uma investigação mais profunda, com o objetivo de analisar, entre outros, as relações entre a B... e a A...” (PA).
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Na sequência de parecer e proposta favoráveis, datados de 11.11.2020, o Procedimento Inspetivo foi autorizado por despacho de 12.11.2020, emitido pelo Chefe de Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, nos termos seguintes:
«No âmbito de ação inspetiva interna à sociedade E..., S.A., apurou-se que o SP identificado em epígrafe [B...] celebrou com aquela sociedade, no ano 2017, um contrato de prestação de serviços e parceria. Uma das contrapartidas do contrato foi o pagamento ao SP da quantia de 427.500€, que, pela análise efetuada, estaria sujeita a IVA e dele não isenta. Uma vez que o SP não procedeu à liquidação do imposto respetivo e tendo sido obtida concordância da DF da sede do SP para extensão da competência territorial à DF Porto, solicita-se a emissão da Ordem de Serviço interna, de âmbito parcial, dirigida ao IVA do ano de 2017, para proceder às correções devidas» (PA).
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A Requerente não foi notificada do início da ação inspetiva credenciada pela Ordem de Serviço datada de 16-11-2020, com o n.º OI2020... (PPA 12, não contestado).
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Na Certidão do Procedimento Administrativo (PPA - doc. 4) não consta o contrato celebrado entre a Requerente e a E..., S.A. (“E...”).
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No âmbito do Procedimento Inspetivo a Requerente nunca foi notificada para proceder à junção do contrato que formaliza a parceria estabelecida com a E... (PPA 19, não contestado).
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Em resultado do Procedimento Inspetivo e do Relatório de Inspeção Tributária, foram emitidas a Liquidação de IVA n.º 2021..., no valor de € 98.325,00, e a correspondente Liquidação de Juros Compensatórios, no valor de € 14.974,20, cuja legalidade a Requerente contesta (PPA – docs. 1 e 2).
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A Liquidação de IVA e a Liquidação de Juros Compensatórios deram origem ao processo de execução fiscal número ...2021... e apensos (PPA – doc. 5).
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Com vista à suspensão do processo de execução fiscal, a Requerente apresentou garantia bancária com o n.º ... (PPA – doc. 5).
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Em 13 de setembro de 2017, a b... celebrou com as sociedades E..., J... LDA (“J...”) e K... SGPS SA um contrato de prestação de serviços e parceria relativo à realização de análises clínicas (PPA 30 e PET).
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Em 11 de Julho de 2022, a Requerida juntou aos autos o Processo de Evidência de Trabalho (PET) elaborado no âmbito da acção inspectiva credenciada pela referida OI2020..., no qual se integra o mencionado contrato de prestação de serviços e parceria, devidamente rubricado e assinado.
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Do mesmo PET, e anexos ao referido contrato, constam, entre outros, os seguintes documentos:
- Emitido pela E... para a B..., sob a epígrafe V/ Factura Nº Contrato_13, com a referência 700000103, a designação Contrato B... – 13-09-2017 a 13-09-2017, Qtd 1,000, Preço 427.500,00, Valor 427.500,00;
- Nota de lançamento, datada de 13/09/2017, com o n.º 5090047, com a descrição “B... (Viseu), Contrato de Prestação de Serviços e Parceria, Cláusula Quarta Contrato Pagamento Inicial...”, no valor de € 252.000,00;
- Cheque da mesma data e valor, emitido sobre o Banco …, pela E... a favor da B...;
- Emitido pela E... para a B..., Pagamento Nº ...0, datado de 30.04.2018, informando ordem de transferência para regularização das referidas Factura e Contrato, no valor de 175.500,00 euros;
- Três comprovativos tranferências bancárias do Banco … , no valor de 50.000,00 eur cada, e um no valor de 25.500,00 eur, todos datados de 30-04-2018, com origem em conta da E... e destino em conta da B... (PET).
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Além de visar obter serviços de análises clínicas nas melhores condições possíveis, o referido contrato de prestação de serviços e parceria incluiu para a Requerente as obrigações de desmantelamento do laboratório de Viseu, de exclusividade, de renúncia perante as entidades competentes às Convenções e aos licenciamentos do seu laboratório sito em Viseu e dos Postos de Colheita, autorizando a solicitação de tais licenciamentos e convenções para a E..., de não concorrência e de não assédio (PET, Contrato de Prestação de Serviços e Parceria, Cláusulas Primeira, n.º 4, Quarta, n.º 1, e Quinta, n.ºs 1 e 2).
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Na alínea F. Dos Considerandos do Contrato consta o seguinte: “No contrato identificado no considerando A [celebrado em 18 de Abril de 2017] as partes excluíram expressamente a actividade laboratorial de análisess clínicas dos distritos de Viseu e de Coimbra, actividade que se pretende agora incluir no acordo celebrado nesta data” – o que se conjuga com o estabelecido na Cláusula Primeira, n.º 2 : “A actividade do Grupo L... na área das análises Clínicas passou, nos termos do contrato identificado no considerando A, a ser realizada pela E... com excepção do laboratório de Viseu propriedade da B..., localizado em instalações suas e dos postos de colheita a esse laboratório afectos, localizados nos distritos de Viseu e Coimbra” (PET).
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Os preços das análises clínicas são essencialmente definidos por convenções celebradas com diversas entidades, nomeadamente, o Serviço Nacional de Saúde, a ADSE e seguradoras (PPA 42, por acordo).
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Do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) consta, entre o mais, o seguinte:
«II.3.4 Actividade Exercida na Área das Análises Clínicas
A B... Lda (doravante designada por B... ou sujeito passivo), no início do exercício de 2017, dedicava-se, nomeadamente, à prestação de serviços médicos no domínio dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, designadamente na área das análises clínicas.
A B... era proprietária de diversas clínicas médicas situadas no território nacional que explorava ou geria, respetivamente, sob a marca e designação “K...”, “A...", e “B...”.
A atividade na área das análises clínicas vinha sendo exercida com base, nomeadamente, em:
- Um laboratório de análises clínicas de sua propriedade localizado em Viseu.
- 17 postos de colheita localizados em clínicas médicas suas (7) ou de terceiros (10).
A 13 de setembro de 2017, o sujeito passivo celebra “Contrato de Prestação de Serviços e Parceria” com a sociedade E..., S.A. (doravante E...), sociedade de topo do Grupo M... .
O contrato teve também como outorgantes as sociedades J... Lda (doravante J...), detentora da maioria o capital social do sujeito passivo, e K... SGPS SA (sociedade assim nomeada no contrato, mas registada, à data, como N... SGPS SA e doravante designada unicamente por SGPS), entidade de topo do Grupo L... que controlava diversas sociedades no setor da saúde nelas se incluindo a B... e a J... .
No contrato celebrado, a B... acordou:
- Cessar, durante a vigência do contrato, a atividade laboratorial na área das análises clínicas nos distritos de Viseu e Coimbra, obrigando-se a não exercer qualquer concorrência à E... nessa atividade e área geográfica.
- Proceder à desativação e extinção do seu laboratório de análises clínicas situado em Viseu.
- Renunciar, junto das entidades competentes no setor da saúde, às convenções e ao licenciamento do laboratório de análises clínicas e dos postos de colheita, solicitando a sua transferência para a E... .
- Estabelecer com a E... uma parceria, pelo período de 20 anos, canalizando para os laboratórios da E..., em regime de exclusividade, a realização de todas as análises clínicas das colheitas efetuadas nos diversos postos de colheita que explorava ou em quaisquer outros que viesse a explorar nos distritos de Viseu e Coimbra.
A partir daquela data, a atividade da B... na área das análises clínicas resumiu-se, essencialmente, às fases pré e pós-analítica do serviço de análises clínicas efetuada nos postos de colheita que explorava nos distritos de Viseu e Coimbra.
Importa referir que, em 18 de abril de 2017, já tinha sido celebrado contrato de idêntica natureza ao que está ser analisado, entre a entidade do Grupo L... que desenvolvia a atividade na área das análises clínicas fora dos distritos de Viseu e Coimbra (sociedade relacionada na qual viria a B... a ser incorporada por fusão no ano de 2019), a SGPS e a E... . Nesse contrato tinha sido excluída expressamente a atividade de análises clínicas desenvolvida nos distritos de Viseu e de Coimbra, atividade que foi agora incluída no contrato celebrado pela B... .
(…)
No ponto II.3.5. Contrato de Prestação de Serviços e Parceria Celebrado com a E..., efetuou-se uma análise detalhada e aprofundada dos termos do referido contrato, sendo de salientar o seguinte:
A cessação da atividade laboratorial na área das análises clínicas consubstanciava-se no desmantelamento da capacidade laboratorial instalada, designadamente através da desativação e extinção do laboratório de análises clínicas do sujeito passivo situado em Viseu.
A obrigação de não concorrência assumida pela B... perante a E... materializava-se, não só na área laboratorial de prestação de serviços médicos no âmbito das análises clínicas, através da obrigatoriedade de não admissão em instalações do sujeito passivo ou de não contratação de qualquer outro laboratório de análises clínicas, mas também fora dessa área, pelo impedimento de contratualizar a exploração de postos de colheita ou a realização de análises clínicas (ainda que em laboratórios da E...) com terceiros que já canalizem análises clínicas para laboratórios da E... ou em cujas instalações se encontrem já instalados postos de colheita da E... .
No âmbito da parceria estabelecida ficou definida a continuação da exploração dos postos de colheita pela B... e a canalização exclusiva da realização de todas as análises clínicas colhidas naqueles postos para laboratórios da E... ou outros que esta viesse a indicar. Por forma a operacionalizar essa canalização em regime de exclusividade, o sujeito passivo renunciaria às convenções e aos licenciamentos dos três laboratórios de análises clínicas sitos em Viseu, e dos postos de colheita que explorava.
Assim, durante a vigência da parceria, a atividade da B... na área das análises clínicas resumir-se-ia, essencialmente, às fases pré e pós-analítica do serviço de análises clínicas, sendo a fase analítica da incumbência da E... .
- As contrapartidas acordadas para a B... dividem-se pelas cláusulas Terceira e Quarta do contrato.
Na Cláusula Terceira previa-se uma remuneração para a B... de montante igual a 47,5% ou 45% do valor faturado pela E... por cada análise clínica efetuada em colheitas provenientes dos postos do sujeito passivo, durante a vigência do contrato, consoante o volume de negócios derivado dessas colheitas e nesse ano fosse superior ou inferior a 300.000,00 €, respetivamente.
Na Cláusula Quarta está estipulado o pagamento pela E... à B... das quantias de 252.000,00 €, na data do contrato, e de 175.000,00 €, após a conclusão do processo de auditoria operacional e de faturação aos postos de colheita próprios e geridos pelo sujeito passivo.
III.2. ANÁLISE DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS ASSUMIDAS PELA B...
No “Contrato de Prestação de Serviços e Parceria” celebrado com a E..., o sujeito passivo assumiu, essencialmente, quatro obrigações principais, nomeadamente as de:
- Desmantelamento da capacidade laboratorial instalada.
- Não concorrência com a E... .
- Canalização, em regime de exclusividade, da realização de todas as análises clínicas colhidas em postos de colheita por si explorados para laboratórios da E... .
- Prestação do serviço correspondente às fases pré e pós-analítica do serviço de análises clínicas relativamente às colheitas provenientes dos seus postos de colheita.
De facto, o contrato celebrado não se resume apenas a estabelecer uma remuneração para a B... em função das colheitas encaminhadas para análise em laboratórios da E... .
Além disso, estabelece um conjunto de outras obrigações para o sujeito passivo que vão muito além da mera prestação da parte do serviço de análises clínicas correspondente às fases pré e pós-analítica.
Desde logo, consagra um regime de exclusividade para a E... na análise clínica das colheitas efetuadas em postos da B... e, bem como estabelece uma obrigação de não concorrência para a B..., impedindo o sujeito passivo de recorrer, quer a laboratórios próprios, quer a laboratórios de entidades terceiras para esse efeito, e limitando, ainda, a possibilidade de expansão da rede de postos de colheita em determinadas circunstâncias.
Ademais, impõe ao sujeito passivo o desmantelamento da capacidade laboratorial instalada através da desativação e extinção dos laboratórios de análises clínicas de que era proprietário, conduzindo à inevitável cessação da atividade laboratorial pelo sujeito passivo.
Isto é, a B... e a E... poderiam ter estabelecido uma parceria ou um acordo de prestação de serviços, conforme comummente ocorre no setor das análises clínicas, definindo unicamente uma contrapartida para o sujeito passivo em função das colheitas efetuadas nos seus postos e encaminhadas para análise em laboratórios da E..., de forma a remunerar a B... pela parte do serviço de análises clínicas que lhe incumbia, designadamente a relativa às fases pré e pós-analítica. Sendo, aliás, usual no setor que a remuneração desse serviço seja estabelecida em termos similares aos da Cláusula Terceira do “Contrato de Prestação de Serviços e Parceria”, designadamente correspondendo a uma percentagem do valor total do serviço de análises clínicas faturado.
Todavia, a parceria é bem mais abrangente, contemplando as demais obrigações anteriormente referidas que, na prática, não só impedem o sujeito passivo de recorrer aos seus laboratórios ou aos laboratórios de outras entidades que não as indicadas pela E... para o processamento das colheitas efetuadas na sua vasta rede de postos de colheita, ficando exclusivamente vinculado aos laboratórios da E..., como obrigam, inclusive, ao desmantelamento da sua capacidade laboratorial.
Essas obrigações determinam a cessação de toda a atividade laboratorial da B..., desde logo, por incapacidade de prestação da parte analítica do serviço de análises clínicas e limitam a atividade do sujeito passivo, na área das análises clínicas, no âmbito territorial definido no contrato e durante a vigência do mesmo, à “mera” exploração dos postos de colheita.
Importa, ainda, salientar o caráter definitivo do desmantelamento da capacidade laboratorial do sujeito passivo, o qual extravasa, claramente, o período de vigência da parceria. Na realidade, quando a parceria terminar, a B... se pretender retomar a atividade laboratorial na área das análises clínicas terá, necessariamente, de voltar a reunir meios materiais e humanos necessários, uma vez que procedeu à desativação e extinção do laboratório que detinha.
Quanto às restantes obrigações assumidas pela B..., que se encontram, basicamente, plasmadas nos n.ºs 3 (designadamente a partir do ponto iv) a 8 da Cláusula Primeira do contrato, estas respeitam, fundamentalmente, à operacionalização da parceria, subsumindo-se, grosso modo, às obrigações principais referidas dado serem, essencialmente, instrumentais destas, ou a obrigações de caráter genérico como a obrigatoriedade de a B... prestar os serviços com zelo e de acordo com as práticas legais do setor.
Face ao exposto, designaremos as obrigações da B... que decorrem do “Contrato de Prestação de Serviços e Parceria” celebrado com a E..., sinteticamente, pelos seguintes termos:
- Desmantelamento da capacidade laboratorial.
- Obrigação de não concorrência.
- Regime de exclusividade.
- Prestação de serviços médicos.
III.3. ANÁLISE DAS CONTRAPARTIDAS FINANCEIRAS PARA A B...
Atendamos, agora, às contrapartidas para o sujeito passivo definidas no “Contrato de Prestação de Serviços e Parceria” que, conforme anteriormente referido, dividem-se pelas cláusulas Terceira e Quarta do contrato:
“CLÁUSULA TERCEIRA
1. Como contrapartida das obrigações assumidas pelas partes no presente Contrato, incluindo a prestação pela B... dos serviços médicos da fase pré-analítica e pós-analítica e a exclusividade conferida pela B... à E... na prestação dos serviços laboratoriais de realização das análises clínicas das amostras colhidas nos Postos ou em qualquer outro posto de colheita sob a marca “A...” que a B... venha a instalar nas clínicas K... ou em qualquer Outra Clínica ou, ainda, em clínicas de terceiros, com as exceções referidas no presente contrato a E... pagará à B...:
a) Caso o volume de negócios anual for superior a € 300.000,00, uma remuneração, pelos serviços médicos, de valor igual a 47,5% do valor faturado pela E... por cada análise clínica efetuada em colheitas provenientes dos postos (…), ou em colheitas provenientes de postos, atuais ou futuros, inseridos em Clínicas L...(…);
b) Caso o volume de negócios anual for inferior € 300.000,00, uma remuneração pelos serviços médicos, de valor igual a 45% do valor faturado pela E... por cada análise clínica efetuada em colheitas provenientes dos postos (…), ou em colheitas provenientes de postos, atuais ou futuros, inseridos em Clínicas L... (…);
CLÁUSULA QUARTA
Como contrapartida deste contrato de atividade médica laboratorial (fase pré-analítica e pós-analítica) relativa à realização das análises colhidas nos Postos ou em qualquer outro posto de colheita sob as marcas “B...” e “A..." que a B... venha a instalar nas clínicas L... ou em qualquer Outra Clínica ou, ainda, em clínicas de terceiros, consubstanciado (i) pelo encerramento e desativação do laboratório da B... situado em Viseu e (ii)) pela canalização da realização das análises clínicas colhidas nos postos acima
referidos, em exclusividade, para Laboratórios E... e, ainda, como contrapartida das demais obrigações assumidas pela B... para com a E... neste Contrato, a E... paga nesta data à B..., que aqui lhe dá a respetiva quitação, a quantia de € 252.000,00, a que acrescerá mais um pagamento de € 175.500,00 a realizar nos 10 dias seguintes à conclusão do processo de auditoria operacional e de faturação aos postos de colheita próprios e geridos pela B... (…)”. (sublinhados e negritos nossos)
Pela análise do clausulado do contrato verifica-se que se encontram previstos dois tipos de contrapartidas:
- Na Cláusula Terceira, uma contrapartida mediata, intrinsecamente ligada às análises clínicas a efetuar pela E... de colheitas provenientes de postos da B... durante a vigência do contrato, cujo valor é diretamente proporcional ao valor que vier a ser faturado pela E... com cada uma dessas análises, uma vez que equivale a uma percentagem deste (45% ou 47,5%, consoante o volume de negócios registado nesse ano).
No texto do clausulado encontra-se expressamente indicado que a contrapartida respeita a “remuneração pelos serviços médicos”.
- Na Cláusula Quarta, uma contrapartida imediata, no valor total de 427.500,00 €, a serem pagos 252.000,00 € na data do contrato e 175.500,00 € após a conclusão do processo de auditoria operacional e de faturação aos postos de colheita da B... .
No texto do clausulado encontra-se expressamente indicado que a quantia indicada é contrapartida “(i) pelo encerramento e desativação do laboratório da B... situado em Viseu e (ii) pela canalização da realização das análises clínicas colhidas nos postos acima referidos, em exclusividade, para Laboratórios E... e, ainda, (…) das demais obrigações assumidas pela B...”.
Deste modo, se a Cláusula Terceira alude expressamente à prestação de serviços médicos e apenas a essa, sendo omissa quanto às restantes obrigações, a Cláusula Quarta refere-se especificamente ao desmantelamento da capacidade laboratorial e regime de exclusividade, não fazendo qualquer menção à prestação de serviços médicos.
Quanto às “demais obrigações” referidas na parte final do texto citado da Cláusula Quarta, após a referência expressa à prestação de serviços médicos (na Cláusula Terceira) e ao desmantelamento da capacidade laboratorial e regime de exclusividade (na Cláusula Quarta), na nossa opinião, apenas se poderá referir à obrigação de não concorrência prevista na Cláusula Quinta e restantes obrigações plasmadas nos n.ºs 3 a 8 da Cláusula Primeira do contrato.
Por outro lado, importa salientar que a contrapartida inserta na Cláusula Terceira corresponde a uma percentagem do valor faturado pela E... de análises clínicas efetuadas a colheitas provenientes de postos da B... e vai sendo apurada à medida que essas análises clínicas são realizadas, pelo que existe uma relação direta entre cada análise clínica realizada pela E... e a respetiva prestação de serviços médicos/remuneração obtida pelo sujeito passivo.
Aliás, esta contrapartida de 45% ou 47,5% do valor faturado pela E..., não só é perfeitamente compatível com o facto de remunerar a prestação de serviços médicos, efetuada pelo sujeito passivo, como faz todo o sentido, dado que o serviço prestado pela B... corresponde a uma parte do “ciclo produtivo” do serviço de análises clínicas.
Pelo contrário, a contrapartida prevista na Cláusula Quarta é definida ab initio, não dependendo diretamente de cada análise clínica efetuada pela E... com base em colheitas de postos da B... e, consequentemente, não tendo relação direta com as prestações de serviços médicos do sujeito passivo.
É verdade que o valor da contrapartida teve como um dos pressupostos o definido no ponto (ii) do n.º 2 daquela cláusula, isto é, a obtenção pela E... de uma faturação mínima anual de 300.000,00 € pela realização de análises clínicas às colheitas efetuadas em postos do sujeito passivo. Contudo, também teve como o pressuposto a obtenção desse volume de negócios mínimo nos 12 meses anteriores à celebração do contrato, conforme definido no ponto (i) do n.º 2 da Cláusula Quarta.
Sendo que, neste caso, até se encontra prevista, no n.º 3 do mesmo clausulado, a redução do valor a pagar ao abrigo da Cláusula Quarta se aquele pressuposto de obtenção pela B..., nos 12 meses anteriores à celebração do contrato, de um volume de negócios mínimo de 300.000,00 € com o pagamento de análises clínicas colhidas nos seus postos colheita e realizadas no seu laboratório de Viseu, não fosse cumprido. O que não acontece no outro caso.
Tal demonstra inequivocamente que a eventual redução do valor da contrapartida definida na Cláusula Quarta não se encontra relacionada com as prestações de serviços médicos a efetuar ao abrigo do contrato e que os pressupostos definidos no n.º 2 quanto volume de negócios da B... nos 12 meses anteriores à celebração do contrato e durante a vigência do mesmo corresponderam, unicamente, à base de cálculo do valor a atribuir pelos direitos que estão a ser remunerados nessa cláusula.
Se levarmos em linha de conta que esses direitos são o desmantelamento da capacidade laboratorial, a obrigação de não concorrência e o regime de exclusividade concedido à E..., mais se entende que o seu valor tenha sido determinado segundo aqueles pressupostos, uma vez que, principalmente no caso da obrigação de não concorrência e do regime de exclusividade, estes direitos dependem direta e fortemente da dimensão do respetivo negócio. Como é evidente, não é de todo indiferente para efeitos de valorização do direito de exclusividade, por exemplo, que tal se refira a um negócio com cem mil ou dez milhões euros de volume de negócios anual, a um posto de colheita numa pequena vila do interior ou a um grupo estabelecido e reconhecido no setor com uma vasta rede de postos e forte implantação regional.
Consequentemente, o valor da contrapartida estabelecida na Cláusula Quarta é definido e pode ser ajustado em função da dimensão do negócio, aferida pelo volume de negócios do ano respetivo, sem que tal resulte diretamente de qualquer prestação de serviços médicos por parte do sujeito passivo.
Aliás, também na contrapartida prevista na Cláusula Terceira, neste caso para a prestação de serviços médicos, o valor da percentagem de remuneração para o sujeito passivo varia em função do volume de negócios desse ano (45% ou 47,5%, consoante o volume de negócios seja inferior ou superior a 300.000,00 €, respetivamente), o que demonstra, uma vez mais, que a dependência do volume de negócios do ano não define a natureza das obrigações que estão a ser remuneradas mas apenas introduz um fator diferenciador na remuneração subordinado à dimensão do negócio.
Face ao exposto, e atento não só o elemento literal do clausulado, mas também a natureza das contrapartidas e das suas condicionantes, é, no nosso entendimento, absolutamente inequívoco que o “Contrato de Prestação de Serviços e Parceria” estabelece dois tipos de contrapartidas que se destinam a remunerar realidades distintas, a saber:
-Na Cláusula Terceira, a prestação de serviços médicos durante a vigência do contrato.
- Na Cláusula Quarta, as demais obrigações assumidas pela B..., designadamente o desmantelamento da capacidade laboratorial, a obrigação de não concorrência e o regime de exclusividade concedido à E... .
(...)”
III.4. ENQUADRAMENTO EM SEDE DE IVA
O IVA é um imposto geral sobre o consumo que abrange na sua incidência, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA, “(…) as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo de imposto agindo como tal, sendo sujeitos passivos do imposto, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º,” [a]s pessoas (…) coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de (…) prestação de serviços”.
O n.º 1 do artigo 4.º do mesmo código, considera “(…) como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens”.
O conceito de prestação de serviços adotado no Código do IVA tem, portanto, caráter residual e natureza puramente económica, uma vez que se abstrai da qualificação jurídica contemplada no artigo 1154.º do Código Civil, excedendo-a enquanto conceito mais lato, na medida em que abrange a transmissão de direitos (que sendo cessões de bens incorpóreos não são enquadráveis no conceito de transmissão de bens), as obrigações de conteúdo negativo e as prestações de serviços coativas.
A respeito das obrigações de conteúdo negativo importa referir que, de acordo com a redação da alínea b) do artigo 25.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro, usualmente conhecida por Diretiva do IVA, “uma prestação de serviços pode consistir, designadamente (…) [n]a obrigação de não fazer ou de tolerar um ato ou uma situação” e que, sendo o IVA um imposto de matriz comunitária, a ordem jurídica nacional deve, obrigatoriamente, submeter-se às especificações normativas, constantes, nomeadamente, daquela Diretiva, cujo regime legal se encontra transposto, na ordem jurídica nacional, no Código do IVA.
Consequentemente, as obrigações do sujeito passivo decorrentes do “Contrato de Prestação de Serviços e Parceria” celebrado com a E..., designadamente a prestação de serviços médicos, por um lado, e o desmantelamento da capacidade laboratorial, a obrigação de não concorrência e o regime de exclusividade concedido, por outro, configuram, todas elas, prestações de serviços sujeitas a imposto.
Preenchidos os pressupostos de incidência, importa, agora, avaliar se alguma(s) daquelas obrigações, apesar de sujeitas a imposto, se encontra(m) isenta(s) do mesmo.
As isenções de IVA nas operações internas estão consagradas no artigo 9.º do Código do IVA, designadamente, no que ao campo da saúde diz respeito, nos n.ºs 1 a 5, assumindo particular importância, no caso em concreto, os n.ºs 1 e 2 daquele articulado.
Os referidos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do Código do IVA preveem que estão isentas de imposto:
“1) As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”;
- “2) As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”; e resultam da transposição para a ordem jurídica interna das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, que determinam que os Estados Membros devem isentar:
- “b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;
- c) As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”.
A jurisprudência comunitária, emanada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), tem vindo paulatinamente a clarificar o conceito e âmbito de aplicação daquelas isenções, sendo importante referir algumas das conclusões extraídas:
- As isenções devem ser interpretadas de forma estrita, visto que representam derrogações ao princípio geral de incidência tendencialmente universal do imposto, consignado no n.º 1 do artigo 2.º da Diretiva IVA.
- As alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA têm âmbitos distintos e visam regulamentar a totalidade das isenções das prestações de serviços médicos.
- No que respeita ao conceito de prestações de serviços médicos, consideram-se abrangidas pela isenção as que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde.
- Tal significa que as prestações de serviços que não tenham tal objetivo terapêutico, ou que não sejam estreitamente conexas com o mesmo, estão excluídas do âmbito de aplicação da isenção.
- A finalidade terapêutica não deve, todavia, ser compreendida numa aceção particularmente restrita, podendo as prestações médicas efetuadas com fins de prevenção beneficiar da isenção de imposto.
Posto isto, voltemos ao caso em concreto para análise do tratamento, em sede de IVA, das contrapartidas previstas no “Contrato de Prestação de Serviços e Parceria”.
Conforme referido na parte final do ponto III.3. Análise das Contrapartidas Financeiras para a B..., as contrapartidas previstas na Cláusula Terceira destinam-se a remunerar a prestação de serviços médicos durante a vigência do contrato.
Estas prestações serão isentas de imposto ao abrigo do n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA desde que tenham finalidade terapêutica, uma vez que, respeitando a uma parte indissociável e indispensável da prestação de serviços de análises clínicas, correspondem a “operações (…) estreitamente conexas” com a prestação de serviços médicos, efetuadas por “estabelecimentos (…) similares”, na aceção daquele articulado.
Tal decorre da jurisprudência comunitária, com particular ênfase no Acórdão do TJUE, datado de 8 de junho de 2006, referente ao Proc. C-106/05 (Acórdão L.u.P.) em que foi entendido que as análises clínicas são abrangidas, tendo em conta a sua finalidade terapêutica, pelo conceito de “assistência médica” previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, sendo um laboratório de análises clínicas considerado um estabelecimento da “mesma natureza” que os “estabelecimentos hospitalares” e os “centros de assistência médica e de diagnóstico” na aceção dessa disposição.
Já no que se refere à contrapartida prevista na Cláusula Quarta de 427.500,00 €, o enquadramento terá, necessariamente, de ser diferente, não sendo aplicável a isenção de imposto referida no parágrafo anterior.
De facto, conforme devidamente escalpelizado no ponto III.3. Análise das Contrapartidas Financeiras para a B..., esta contrapartida não depende diretamente de cada análise clínica efetuada pela E... com base em colheitas de postos da B... e, consequentemente, não tem relação direta com as prestações de serviços médicos efetuadas pelo sujeito passivo, referindo-se especificamente e remunerando exclusivamente as demais obrigações assumidas pela B..., designadamente, o desmantelamento da sua capacidade laboratorial, a obrigação de não concorrência e o regime de exclusividade concedido à E... .
Aliás, não se poderá aceitar entendimento diverso tendo em conta que as referidas obrigações, na prática, são a antítese da prestação de um serviço médico, ao, nomeadamente, obrigarem o sujeito passivo ao encerramento e desativação de laboratórios de análises clínicas, à cessação da atividade laboratorial nessa área ou ao limitarem-no na expansão da sua rede de postos de colheita. Essa limitação da oferta e diminuição da concorrência, especialmente na área laboratorial do serviço de análises clínicas, não é compaginável com o objetivo da isenção de imposto, não aproveitando aos pacientes que necessitem de cuidados médicos dada a falta de finalidade terapêutica, não diagnosticando ou tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde, beneficiando exclusivamente a E... no sentido da proteção económica do seu negócio.
Consequentemente, os serviços remunerados pela Cláusula Quarta, no valor de 427.500,00 €, não podem beneficiar da isenção prevista nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 9.º do Código do IVA e, uma vez que não aproveitam de qualquer outra isenção, serão sujeitos a IVA e dele não isentos.
(…)»
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Inconformada com as liquidações acima identificadas, a Requerente apresentou, em 01-02-2022, o presente pedido de pronúncia arbitral.
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O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 11 de Abril de 2022.
2. Factos não Provados
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Ao Tribunal não foram dados a conhecer os meios pelos quais a Direção de Finanças do Porto teve acesso ao contrato que terá fundamentado as Liquidações de IVA.
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A Requerente solicitou o confronto da cópia do “contrato” submetida com o original, mas tal solicitação não foi atendida.
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A Requerida confessa que nunca o “PET” em formato físico foi exibido à Requerente ou aos seus mandatários.
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O “PET” e o “contrato” nunca existiram em formato físico nem em formato de “CD” no processo administrativo.
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O “PET” foi forjado já no decurso da ação arbitral.
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O “contrato” não se encontrava junto ao “PET” e só veio a ser junto ao “PET” na pendência da ação, como o comprova a numeração.
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Do ponto de vista geográfico, a obrigação de exclusividade apenas se circunscreveu aos distritos de Coimbra e Viseu, não tendo sido imposta qualquer limitação à realização de atividade laboratorial no restante território nacional.
Não há outros factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela
Requerente e pela Requerida.
3. Motivação da Decisão de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
A convicção dos árbitros fundou-se unicamente na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.
Releva notar que, ao contrário do alegado pela Requerente, a AT esclareceu (v. requerimento de 20.09.2022) as circunstâncias em que teve acesso ao contrato, evidenciando até que “...aquelas encontram-se descritas nas páginas iniciais do PIT de ambas as Ordens de Serviço, nomeadamente:
No âmbito de ação inspetiva interna à sociedade E..., SA – NIPC: ..., apurou-se que os sujeitos passivos objeto das Ordens de Serviço OI2020... e OI2020... celebraram um contrato de prestação de serviços com aquela sociedade, em 2017, contendo uma contrapartida de pagamento a estes contribuintes sem a liquidação do respetivo IVA.”. Donde emerge que não foi antes de instaurado qualquer procedimento inspectivo, mas sim na sequência e no âmbito de acção inspectiva que a Direcção de Finanças do Porto dirigiu um pedido de extensão de competência territorial à Direcção de Finanças de Viseu (Factos Provados E), F), G), I), e Facto Não Provado A).
É verdade que a Requerente solicitou o confronto da cópia do “contrato” submetida com o original e tal solicitação foi atendida, ao invés do que alega. Como revela o Despacho deste Tribunal, datado de 17.10.2022, convidou-se a Requerente a, se assim o entendesse, juntar o original, ou cópia autenticada, do contrato na sua posse para se fazer o único cotejo relevante: o do original com a cópia ora constante dos autos, devendo essa junção ocorrer com as alegações. Tanto mais que a Requerida já tinha reconhecido possuir apenas cópia do contrato, facto que ressalta do artigo 17.º da Resposta: “... conforme referido na proposta de inspeção bem como na fundamentação do pedido de extensão da competência territorial, ambos constantes do Processo Administrativo a que a Requerente teve acesso, a cópia do Contrato tinha sido obtida no âmbito de ação inspetiva interna à E..., pelo que não se mostrou necessário proceder à notificação da B... para a sua disponibilização.” Todavia, a Requerente nada pronunciou sobre tal convite para juntar o “contrato”, nem o juntou efectivamente – daí o Facto Não Provado B).
Também não é correcto afirmar-se que a Requerida confessa que nunca o “PET” em formato físico foi exibido à Requerente ou aos seus mandatários. Pelo contrário, na sua pronúncia de 20.09.2022, explicitou que “3. No dia 16/11/2021 o mandatário dirigiu-se às instalações da Direção de Finanças do Porto onde consultou os dois processos de inspeção, incluindo PIT e PET, na presença do Inspetor Tributário D..., que se mostra disponível para testemunhar este facto.” Aliás, na resposta que apresentou em 03.10.2022, a Requerente insistiu no desentranhamento do “PET” e do “contrato”, não deixando de manifestar o seu entendimento de que “... a inquirição do senhor inspetor como testemunha – que é na verdade um dever legal que decorre do exercício das suas funções – nada mais acrescenta, já que o senhor inspetor não pode depor livremente e os factos demonstrativos de conduta reiteradamente inadimplente estão suficientemente claros.” – por isso, o Facto Não Provado C).
Por outro lado, é de evidenciar que o aludido “Contrato de Prestação de Serviços e Parceria” se encontra largamente transcrito quer no Relatório de Inspecção Tributária (RIT), datado de 29.07.2021, quer no respectivo Projecto de Correcções, datado de 15.06.2021, o que incute no Tribunal a forte convicção de que tal contrato já constava do Processo Administrativo, (incluindo “PIT” e “PET”) nessas datas, tendo conduzido à rejeição das afirmações, aparentemente infundadas, que conformam os Factos Não Provados D), E), e F). Como tal, não tem fundamento a questão da inatendibilidade do suposto “contrato” como único meio de prova que procurava sustentar os fundamentos de facto da liquidação, porquanto a Requerida esclareceu como teve acesso ao mesmo e tal esclarecimento não suscita dúvidas quanto à validade e legitimidade da aquisição dessa prova para os autos (Factos Provados F., G. e I.). Acresce que tal contrato não seria o único meio de prova a sustentar de facto a fundamentação da liquidação impugnada, como o demonstram os outros documentos agregados no PET, comprovativos dos valores pagos pela E... à B... no âmbito do contrato entre ambas celebrado, em 13/09/2017 (Factos Provados P., Q. e R.). Ressalta ainda que, representando os documentos a que se vem aludindo fotocópias de originais (o “contrato” mostra-se, inclusive, rubricado e assinado) a Requerente não impugna a sua exactidão, pelo que deve entender-se que fazem prova plena dos factos e coisas que representam (v. artigo 368.º do Código Civil e Parecer do Prof. Inocêncio Galvão Telles, CJ, Ano IX, Tomo IV, pags. 6 e ss.). Aliás, a Requerente confessa que em 13 de setembro de 2017, celebrou com as sociedades E..., J... LDA (“J...”) e K... SGPS SA um contrato de prestação de serviços e parceria relativo à realização de análises clínicas (Facto Provado P.) e atendendo à caracterização que dele apresenta, mormente nos itens 55.º e segs. do PPA, emerge à evidência que está a referir-se exactamente ao mesmo “contrato”.
Por último, não é exacto dizer-se, como diz a Requerente, que “Do ponto de vista geográfico, a obrigação de exclusividade apenas se circunscreveu aos distritos de Coimbra e Viseu, não tendo sido imposta qualquer limitação à realização de atividade laboratorial no restante território nacional.” (Facto Não Provado G). Na verdade, resulta do Facto Provado T que já desde 18.04.2017 a actividade do Grupo L... na área das análises Clínicas passou a ser realizada pela E..., com excepção do laboratório de Viseu propriedade da B..., localizado em instalações suas e dos postos de colheita a esse laboratório afectos, localizados nos distritos de Viseu e Coimbra, actividade que se pretendeu incluir no acordo celebrado em 13.09.2017. Estes factos são confirmados pela consulta do PA mencionado no Facto Provado D) - procedimento inspetivo externo de âmbito parcial, dirigido ao IVA do período 201704, credenciado pela Ordem de Serviço OI2020..., no qual foi inspeccionada a “A..., Lda.” (A...), NIPC...– onde se integra um contrato substancialmente idêntico ao aqui focado e que, conforme explicitado no Facto Provado F), estava a ser já analisado pela Direção de Finanças do Porto no âmbito de uma acção inspetiva.
IV. Fundamentação Jurídica
1. Questões a Decidir
A anulação das liquidações pretendida pela Requerente mostra-se alicerçada nos seguintes fundamentos:
(i) Vício procedimental de incompetência territorial da Direção de Finanças que realizou o procedimento inspetivo;
(ii) Vício procedimental de insuficiência de procedimento inspetivo por não terem sido realizadas as diligências mínimas necessárias à emissão de uma decisão devidamente fundamentada;
(iii) Vício de violação de lei quanto à fundamentação de facto e de direito, por não estarem em causa prestações desagregadas, mas sim prestações incindíveis e subordinadas à prestação principal de serviços de análises clínicas;
(iv) Vício de violação de lei quanto à fundamentação de direito, pois, caso se considerasse autonomamente as prestações acessórias, tal operação não estaria sujeita a IVA por constituir transmissão do estabelecimento não sujeita;
(v) Vício de violação de lei quanto à fundamentação de direito no que respeita ao tratamento da operação de “desmantelamento”, por não estar em causa uma prestação de
serviços.
2 - APRECIAÇÃO
2.1 - Vício procedimental de incompetência territorial da Direção de Finanças que realizou o procedimento inspetivo
Sobre esta questão alega resumidamente: “As Liquidações de IVA impugnadas deverão ser anuladas com fundamento em vício procedimental de incompetência territorial da Direção de Finanças do Porto para realizar o procedimento inspetivo, uma vez que o serviço competente era a Direção de Finanças de Viseu. A extensão de competência territorial ocorreu antes sequer de ser iniciado o procedimento inspetivo e visou, não a habilitação da Direção de Finanças do Porto a praticar certos atos inspetivos, mas sim a transferência de todo o procedimento inspetivo para a sua alçada. Além disso, a fundamentação apresentada para justificar a extensão da competência territorial assentou em conceitos meramente genéricos, conclusivos e insindicáveis. Não tendo existido qualquer ato de ratificação por parte da Direção de Finanças de Viseu que tivesse, em prazo, sanado esta ilegalidade, os atos praticados padecem de um vício procedimental, que determina ilegalidade do ato de liquidação subsequente.”
Respondendo diz a Requerida:
“- Conforme relatado no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), foi solicitada, ao abrigo do artigo 17.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), a extensão da competência territorial à unidade orgânica desconcentrada competente nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º do RCPITA, no caso em concreto a Direção de Finanças de Viseu.
- Atentos os fundamentos inscritos no pedido efetuado foi concedida à Direção de
Finanças do Porto a extensão da competência territorial para a prática de atos inspetivos à
Requerente relativamente ao ano de 2017, por despacho, de 4 de novembro de 2020, da Exma.Diretora de Finanças de Viseu.
- Conforme consta do RIT, o procedimento inspetivo foi interno, desenvolvido a coberto da Ordem de Serviço OI2020... e teve início a 6 de maio de 2021. O referido procedimento foi concluído a 3 de setembro de 2021 com a notificação à Requerente do RIT.”
Vejamos o que diz a Lei – Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), em vigor à data dos factos:
Artigo 16º
Competência material e territorial
1 - São competentes para a prática dos atos de inspeção tributária, nos termos da lei, os seguintes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira: (redação da Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro)
a) A Unidade dos Grandes Contribuintes, relativamente aos sujeitos passivos que de acordo com os critérios definidos sejam considerados como grandes contribuintes; (redação do Decreto-Lei n.º 6/2013 de 17 de janeiro)
b) As direções de serviços de inspeção tributária que nos termos da orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira integram a área operativa da inspeção tributária, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários que sejam selecionados no âmbito das suas competências ou designados pelo diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira; (redação da Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro)
c) As unidades orgânicas desconcentradas, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários com domicílio ou sede fiscal na sua área territorial. (redação do Decreto-Lei n.º 6/2013 de 17 de janeiro)
2 - (Revogado.) (pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro)
Artigo 17.º
Extensão da competência
Os actos de inspecção podem estender-se a áreas territoriais diversas das previstas no artigo anterior ou ser efectuados por outro serviço, mediante decisão fundamentada da entidade que os tiver ordenado. (*redacção da Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro)
Constata-se, portanto, que, não obstante a competência territorial prevista no artigo 16.º, podem os actos de inspecção estender-se a áreas territoriais diversas das aí previstas ou mesmo ser efectuados por outro serviço, mediante decisão fundamentada da entidade que os tiver ordenado, nos termos do artigo 17.º, ambos do RCPITA.
Compulsada a prova, foi exactamente o que aconteceu no caso dos autos. A Direcção de Finanças do Porto, uma vez que tinha em presença dois contratos “substancialmente idênticos” - um celebrado pela A..., que estava já a ser por si analisado no âmbito de uma ação inspetiva, e outro celebrado pela B... -, fundamentou a extensão de competência nos termos que constam expressamente do Facto Provado G, que aqui se dão por integrados. No dia 4.11.2020, a Diretora de Finanças de Viseu autorizou a extensão de competência territorial à Direção de Finanças do Porto para a prática de atos inspetivos à B..., com fundamento na necessidade desta direção realizar “atos inspetivos necessários e indispensáveis a uma investigação mais profunda, com o objetivo de analisar, entre outros, as relações entre a B... e a A...” (Facto Provado H).
Na sequência de parecer e proposta favoráveis, datados de 11.11.2020, o Procedimento Inspetivo foi autorizado por despacho de 12.11.2020, emitido pelo Chefe de Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, nos termos que constam expressamente do Facto Provado I, que aqui se dão por reproduzidos.
Em 06.08.2021, a DF Viseu emitiu despacho de concordância com o Relatório/Conclusões do PIT, competência delegada na respectiva Chefe de Divisão (PA – fls. 121).
Enquanto tal, os actos inspectivos realizados mostram-se harmonizados com o preceituado na Lei, não existindo o vício procedimental de incompetência territorial alegado pela Requerente, pelo que improcede a anulação radicada no mesmo.
2.2 - Vício procedimental de insuficiência de procedimento inspetivo por não terem sido realizadas as diligências mínimas necessárias à emissão de uma decisão devidamente
Fundamentada
A este propósito aduz a Requerente, em síntese: “As Liquidações de IVA impugnadas deverão ser anuladas com fundamento na insuficiência de procedimento inspetivo, não só porque do processo administrativo que suportou o procedimento inspetivo não consta o “contrato” celebrado entre a Requerente e a E... (nem sequer os meios pelos quais a Direção de Finanças do Porto teria tido acesso ao referido contrato), como ainda, porque não resulta de qualquer nota de diligência inspetiva nem do Relatório de Inspeção Tributária que a Requerente alguma vez tenha sido questionada quanto às circunstâncias, termos e fundamentos de quaisquer contratos celebrados pela E... . Violou, pois, a Autoridade Tributária e Aduaneira o seu dever de respeito pelo princípio da verdade material e correspondente dever de desencadear diligências probatórias mínimas ao correto apuramento dos factos”.
Na Resposta, a Requerida contrapõe sumariamente o seguinte:
“- ...a cópia do Contrato tinha sido obtida no âmbito de ação inspetiva interna à E..., pelo que não se mostrou necessário proceder à notificação da B... para a sua disponibilização.
- ...a cópia do Contrato consta do Processo Administrativo, nomeadamente do respetivo Processo de Evidência de Trabalho...
- ...quanto à interpretação ou sentido dados a cláusulas contratuais específicas ou às circunstâncias, termos e fundamentos do Contrato, saliente-se que a Requerente teria sempre a possibilidade de formalizar o seu entendimento no âmbito do exercício do direito de audição, tendo optado por não o fazer.”
A inspecção tributária compreende, entre outras, as actuações da administração tributária tendentes a confirmar os elementos declarados e a indagação de factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários e obedece aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação. Deve, ademais, a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas ao objectivo da descoberta da verdade material e praticar as acções adequadas e proporcionais aos objectivos de inspecção tributária. O princípio do contraditório não pode pôr em causa os objectivos das acções de inspecção tributária, nem afectar o rigor, operacionalidade e eficácia que se lhes exigem (v. artigos 2.º, n.º 2, als. a) e b), 5.º, 6.º, 7.º e 8.º, n.º 2, do RCPITA).
Antes de mais, não corresponde à verdade afirmar que do processo administrativo que suportou o procedimento inspetivo não consta o “contrato” celebrado entre a Requerente e a E..., nem sequer os meios pelos quais a Direção de Finanças do Porto teria tido acesso ao referido contrato. Pelo contrário, resulta demonstrado (Facto Provado Q) que o aludido contrato faz parte integrante do Processo de Evidência de Trabalho (PET) elaborado no âmbito da acção inspectiva credenciada pela referida OI2020..., junto aos autos em 11.07.2022, mostrando-se rubricado e assinado. Outrossim, está comprovado em que circunstâncias a AT acedeu a tal contrato (Facto Provado G), sendo que as mesmas se evidenciam até nas páginas iniciais dos PIT autuados, concretamente: “...No âmbito de ação inspetiva interna à sociedade E..., SA – NIPC:..., apurou-se que os sujeitos passivos objeto das Ordens de Serviço OI2020... [A...) e OI2020... [B...] celebraram um contrato de prestação de serviços com aquela sociedade, em 2017,...”.
Bem como, reputa-se inconsequente afirmar que não resulta de qualquer nota de diligência inspetiva nem do Relatório de Inspeção Tributária que a Requerente alguma vez tenha sido questionada quanto às circunstâncias, termos e fundamentos de quaisquer contratos celebrados pela E... . Na verdade, quanto à interpretação ou sentido dados a cláusulas contratuais específicas ou às circunstâncias da celebração “contrato”, afigura-se evidente que a Requerida não ficaria necessariamente vinculada às explicações ou esclarecimentos que a Requerente entendesse fornecer-lhe, pelo que qualquer diligência nesse sentido seria, à partida, inócua ou mesmo inadequada. Acresce que, conforme salientado pela Requerida, a Requerente teria sempre a possibilidade de formalizar o seu entendimento no âmbito do exercício do direito de audição. Porém, optou por não o fazer.
Cabe ainda notar que a circunstância de a Requerente não ter sido notificada do início da ação inspetiva credenciada pela Ordem de Serviço datada de 16-11-2020, com o n.º OI2020... (Facto Provado J) não constitui irregularidade alguma, porquanto a notificação prévia do procedimento de inspecção somente é exigida no caso de procedimento externo de inspecção, sendo que no caso em apreço tal procedimento foi interno (v. artigos 13.º 49.º, n.º 1, do RCPITA).
Por outro lado, o facto de no âmbito do Procedimento Inspetivo a Requerente nunca ter sido notificada para proceder à junção do contrato que formaliza a parceria estabelecida com a E... (Facto Provado L), tem a lógica explicação de a AT já estar em posse de uma cópia desse mesmo contrato, pelo que tal solicitação constituiria um acto inútil.
Pelo exposto, afigura-se que a actuação inspectiva posta em crise não deixou de observar os princípios pelos quais deve reger-se, maxime os da verdade material, da proporcionalidade e do contraditório, tendo a administração tributária adoptado as iniciativas adequadas e proporcionais aos objectivos da inspecção.
Assim, improcede o vício de insuficiência de procedimento inspetivo.
2.3 - Vício de violação de lei quanto à fundamentação de facto e de direito, por não
estarem em causa prestações desagregadas, mas sim prestações incindíveis e subordinadas à prestação principal de serviços de análises clínicas
Nas conclusões do PPA, a Requerente resume a sua explanação sobre este tema do modo seguinte:
“Para além da obrigação principal de prestação de serviços de análises clínicas, a Requerente ficou, em virtude da celebração do acordo com a E..., sujeita a um conjunto de obrigações acessórias subordinadas (não independentes, pressupostas e residuais) da obrigação principal que tinham exclusivamente em vista permitir a satisfação da atividade de análises clínicas nas melhores condições possíveis, em particular, (i) obrigações desmantelamento do laboratório de Viseu; (ii) obrigações de exclusividade; (iii) transmissão dos postos de colheita para convenções celebradas pela E...; (iv) obrigação mútua de não assediar.
A contrapartida fixada contratualmente para a prestação dos serviços de análises clínicas consistiu em duas parcelas: (i) montante correspondente a percentagem do volume de negócios relativo a colheitas realizadas nos postos de colheita relevantes (entre 45% e 47,5%) e (ii) montante inicial calculado por referência ao volume de faturação das análises clínicas realizadas nos 12 meses anteriores à celebração do contrato de parceria (correspondente a EUR 427.500,00).
A contrapartida financeira em causa tem uma relação direta, incindível e subordinada
à prestação de serviços de análises clínicas cuja contratação exigiu a assunção de determinadas obrigações subordinadas. Se, por um lado, nenhuma das obrigações acessórias suprarreferidas seriam assumidas se não fosse celebrado o acordo de parceria na realização de análises clínicas, por outro, essas obrigações foram condição essencial, tanto económica como regulatória, para a celebração do acordo.
A contrapartida foi fixada globalmente e unicamente repartida entre montante inicialmente recebido e montantes posteriormente a receber.
Pelo que, tanto a obrigação principal de prestação de serviços de análises clínicas (serviço estreitamente conexo com serviços médicos), como as restantes prestações acessórias não independentes do serviço principal estão isentas de IVA.”
Sobre esta questão a Requerida respondeu, em síntese:
- Quanto ao alegado “vício quanto à fundamentação de facto”, começa por dizer que não há qualquer argumento que não tenha já sido devida e detalhadamente ponderado, analisado e rebatido no capítulo III do RIT, com particular incidência nos pontos III.2. e III.3.
- No RIT ficou evidenciado de forma inequívoca que as contrapartidas para a Requerente definidas no Contrato são de dois tipos, com natureza, valor, formas de cálculo e pagamento e condicionantes diversas, destinando-se a remunerar realidades distintas, e que o Contrato prevê expressamente essa diferenciação da remuneração consoante o tipo de obrigações assumidas, não as considerando de forma alguma incindíveis ou subordinadas umas às outras.
- As obrigações assumidas pela B... no Contrato abrangidas pela Cláusula Quarta, designadamente o desmantelamento da capacidade laboratorial, a obrigação de não concorrência e o regime de exclusividade concedido à E..., não só não são indispensáveis, como não são, sequer, estritamente necessárias para a prestação de serviços médicos, beneficiando essencialmente a E..., no sentido da proteção económica do seu negócio, e a Requerente, como forma de obter melhores condições de preço para si.
- Conforme mencionado no RIT, é usual, no setor das análises clínicas, o estabelecimento de parcerias relativas à prestação da parte do serviço de análises clínicas correspondente às fases pré e pós-analítica sem que sejam incluídas obrigações adicionais como as previstas na Cláusula Quarta.
- Quanto ao alegado “vício quanto à fundamentação de direito dada a aplicação de regime de isenção de IVA da prestação principal às prestações acessórias”, a alegação da Requerente de que as obrigações remuneradas pela Cláusula Quarta do Contrato poderiam gozar de isenção de IVA enquanto prestações acessórias não independentes do serviço principal de análises clínicas (fases pré e pósanalíticas) carece totalmente de fundamento, desde logo porque não se encontram verificados os indícios que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, caraterizam esse tipo de prestação.
- Não se verifica a «inexistência de decomposição do preço em parcelas, em função de cada uma das prestações» dado que o Contrato prevê expressamente a diferenciação da remuneração consoante o tipo de obrigações assumidas, estabelecendo na Cláusula Terceira, as contrapartidas da prestação de serviços médicos durante a vigência do contrato e na Cláusula Quarta, as contrapartidas das demais obrigações assumidas pela B..., designadamente o desmantelamento da capacidade laboratorial, a obrigação de não concorrência e o regime de exclusividade concedido.
- Não se verifica, igualmente, o caráter meramente instrumental daquelas obrigações face à prestação de serviços médicos ou um outro elemento característico das prestações acessórias não independentes que é o facto de o destinatário dessas prestações não ter nenhum interesse económico autónomo nessas prestações, porquanto aquelas obrigações não são estritamente necessárias para a prestação de serviços médicos, são independentes destas e possuem um valor intrínseco próprio (o que justifica o facto de terem sido exigidas pela E... como condição para a realização da parceria e aceites pela Requerente como forma de obtenção do melhor preço).
- Quanto às limitações jurídicas no plano regulatório, elas resultam da forma como o negócio foi estruturado (com a E... a assegurar a prestação do serviço junto dos pacientes e a remunerar a B... pelas fases pré e pós-analíticas da prestação de serviços de análises, em detrimento da subcontratação pela B... à E... da parte analítica dessa prestação), uma vez que, como a própria Requerente refere no quesito 37, anteriormente à celebração da parceria já a B... recorria a laboratórios externos para a realização de análises a colheitas efetuadas nos seus postos, sendo que tais limitações não estão relacionadas com as obrigações remuneradas pela Cláusula Quarta, nomeadamente o desmantelamento da capacidade laboratorial, a obrigação de não concorrência e o regime de exclusividade concedido, mas sim com a prestação principal de análises clínicas (fases pré e pós-analíticas).
Apreciando,
Sob a questão ora em título, chegamos ao ponto que pode designar-se como o “nó górdio” do presente pedido arbitral, ou seja, saber se lendo e interpretando o “contrato”, mormente as suas Cláusulas 3ª e 4ª, nos confrontamos com prestações desagregadas ou, pelo contrário, com prestações incindíveis e subordinadas à prestação principal de serviços de análises clínicas, matéria em que as Partes defendem, como se vê, posições diametralmente opostas.
Verificando a Lei, dispõe a al. 2) do art.º 9.º do Código do IVA que estão isentas “As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.
Esta norma transpõe para a ordem jurídica interna a al. b) do n.º 1 do art.º 132.º da Diretiva 2006,/112/CE do Conselho, de 28/11, que preceitua estarem isentas de imposto a “hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”.
Preceito este que deve ser conjugado com o do artigo 134.°, al. a) da Directiva:
“As entregas de bens e as prestações de serviços ficam excluídas do benefício da isenção prevista nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n.o 1 do artigo 132.º, nos seguintes casos:
a) Quando não forem indispensáveis à realização de operações isentas;”
Sobre a temática decidiu o TJUE, em acórdão de 13-01-2022, Termas Sulfurosas de Alcafache, S.A., C-513/20, EU:C:2022:18, n.º 26, que “A assistência médica e hospitalar referida no artigo 132.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva IVA é, segundo a jurisprudência, a que tenha por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde (Acórdãos de 6 de novembro de 2003, Dornier, C‑45/01, EU:C:2003:595, n.° 48; de 1 de dezembro de 2005, Ygeia, C‑394/04 e C‑395/04, EU:C:2005:734, n.° 24; e de 18 de setembro de 2019, Peters, C‑700/17, EU:C:2019:753, n.° 20). Além disso, as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção prevista nesta disposição (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2010, CopyGene, C‑262/08, EU:C:2010:328, n.° 30)”.
Como a própria AT reconhece (item 51.º da Resposta), é pacífico o enquadramento das prestações de serviços de “análises clínicas”, realizadas por laboratórios, no conceito de «assistência médica», sendo o mesmo confirmado na jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nos acórdãos “L.u.P.”, de 2006-06-08, processo C-106/05; “De Fruytier”, de 2015-07-02, processo C-334/14; acórdão “Peters”, de 2019-09-18, processo C-700/17.
No que toca ao conceito de “operações estreitamente conexas ou relacionadas” com a assistência médica, na ausência de uma definição legal expressa, o TJUE tem vindo a pronunciar-se sobre o mesmo, designadamente em acórdão de 1 de dezembro de 2005, Ygeia, C 394/04 e C 395/04, EU:C:2005:734, n.º 17: “Tal como o Tribunal de Justiça já declarou, o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea b), da referida directiva [Sexta Directiva IVA, correspondente ao actual artigo 132.°, n.° 1, alínea b)] não contém nenhuma definição do conceito de «operações [...] estreitamente conexas» com a hospitalização ou com a assistência médica (acórdão de 11 de Janeiro de 2001, Comissão/França, C‑76/99, Colect., p. I‑249, n.° 22). Todavia, resulta dos próprios termos dessa disposição que esta não visa prestações que não apresentem qualquer conexão com a hospitalização dos destinatários dessas prestações nem com a assistência médica eventualmente recebida por estes (acórdão Dornier, já referido, n.° 33)”.
No mesmo acórdão, n.º 26, exarou o TJUE que “...os Estados‑Membros devem excluir do benefício da isenção as prestações de serviços previstas, nomeadamente, no n.° 1, alínea b), do mesmo artigo, se não forem indispensáveis à realização das operações isentas.”
Em harmonia com este entendimento, i.e., no sentido da indispensabilidade para a isenção, se manifestou o mesmo Tribunal no acórdão de 14 de junho de 2007, Horizon College, C 434/05, n.° 38: “...como resulta igualmente do artigo 13.°, A, n.° 2, alínea b), primeiro travessão, da Sexta Directiva, as prestações de serviços e as entregas de bens estreitamente conexas com as operações principais previstas, nomeadamente, no n.° 1, alínea i), desse mesmo artigo só podem beneficiar da isenção se forem indispensáveis à realização dessas operações isentas (v. igualmente, neste sentido, acórdãos, já referidos, Comissão/Alemanha, n.° 48; Ygeia, n.° 26; e Stichting Kinderopvang Enschede, n.° 25).”
Idem no acórdão de 8 de outubro de 2020, Finanzamt D, C 657/19, n.° 31: “No que respeita, em primeiro lugar, à condição segundo a qual as prestações de serviços devem estar estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, esta condição deve ser lida à luz do artigo 134.º, alínea a), da Diretiva IVA, que exige, em qualquer caso, que as entregas de bens ou as prestações de serviços em causa sejam indispensáveis à realização das operações abrangidas pela assistência social e pela segurança social (v., neste sentido, Acórdão de 9 de fevereiro de 2006, Stichting Kinderopvang Enschede, C‑415/04, EU:C:2006:95, n.os 24 e 25).
Focando o objetivo prosseguido pelo art.º 132.°, n.º 1, al. b), da Diretiva do IVA, o TJUE declarou que “... a isenção das operações estreitamente conexas com a hospitalização ou a assistência médica se destina a garantir que o benefício destas não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resultaria se elas próprias, ou as operações com elas estreitamente conexas, fossem sujeitas a IVA.” (v. acórdãos de 11 de janeiro de 2001, Comissão/França, C 76/99, n.º 23, e de 1 de dezembro de 2005, Ygeia, C 394/04 e C 395/04,
n.º 23).
Considerando tal objectivo, ainda no acórdão de 01-12-2005, Ygeia, C 394/04 e C 395/04, n.º 25, conclui o TJUE que: “... só as prestações de serviços que se inscrevem logicamente no quadro do fornecimento dos serviços de hospitalização e de assistência médica e que constituem uma etapa indispensável no processo de prestação desses serviços para atingir as finalidades terapêuticas prosseguidas por estes são susceptíveis de constituir «operações [...] estreitamente conexas» na acepção dessa disposição. Com efeito, só tais prestações são susceptíveis de influir no custo dos cuidados de saúde cuja isenção em questão permite torná‑los acessíveis aos particulares.”
***
Vistas, no essencial, a legislação aplicável e a jurisprudência do TJUE que sobre a mesma vem sendo produzida, é chegado o momento de analisar o Contrato de Prestação de Serviços e Parceria celebrado entre a Requerente e a E..., a 13-09-2022, maxime as respectivas cláusulas terceira e quarta, em torno das quais roda a polémica ilustrada nestes autos. Para tanto, além do próprio documento (“contrato”), vamos socorrer-nos da matéria assente no Facto Provado V e, sempre que se justificar, transcrever as partes do RIT que não nos mereçam qualquer censura.
“CLÁUSULA TERCEIRA
1. Como contrapartida das obrigações assumidas pelas partes no presente Contrato, incluindo a prestação pela B... dos serviços médicos da fase pré-analítica e pós-analítica e a exclusividade conferida pela B... à E... na prestação dos serviços laboratoriais de realização das análises clínicas das amostras colhidas nos Postos ou em qualquer outro posto de colheita sob a marca “A...” que a B... venha a instalar nas clínicas L... ou em qualquer Outra Clínica ou, ainda, em clínicas de terceiros, com as exceções referidas no presente contrato a E... pagará à B...:
a) Caso o volume de negócios anual for superior a € 300.000,00, uma remuneração, pelos serviços médicos, de valor igual a 47,5% do valor faturado pela E... por cada análise clínica efetuada em colheitas provenientes dos postos (…), ou em colheitas provenientes de postos, atuais ou futuros, inseridos em Clínicas L... (…);
b) Caso o volume de negócios anual for inferior € 300.000,00, uma remuneração pelos serviços médicos, de valor igual a 45% do valor faturado pela E... por cada análise clínica efetuada em colheitas provenientes dos postos (…), ou em colheitas provenientes de postos, atuais ou futuros, inseridos em Clínicas L... (…);
CLÁUSULA QUARTA
1. Como contrapartida deste contrato de atividade médica laboratorial (fase pré-analítica e pós-analítica) relativa à realização das análises colhidas nos Postos ou em qualquer outro posto de colheita sob as marcas “B...” e “A..." que a B... venha a instalar nas clínicas L... ou em qualquer Outra Clínica ou, ainda, em clínicas de terceiros, consubstanciado (i) pelo encerramento e desativação do laboratório da B... situado em Viseu e (ii) pela canalização da realização das análises clínicas colhidas nos postos acima referidos, em exclusividade, para Laboratórios E... e, ainda, como contrapartida das demais obrigações assumidas pela B... para com a E... neste Contrato, a E... paga nesta data à B..., que aqui lhe dá a respetiva quitação, a quantia de € 252.000,00, a que acrescerá mais um pagamento de € 175.500,00 a realizar nos 10 dias seguintes à conclusão do processo de auditoria operacional e de faturação aos postos de colheita próprios e geridos pela B... (…)”
À vista deste clausulado, forçoso será concluir como no RIT:
“ … verifica-se que se encontram previstos dois tipos de contrapartidas:
- Na Cláusula Terceira, uma contrapartida mediata, intrinsecamente ligada às análises clínicas a efetuar pela E... de colheitas provenientes de postos da B... durante a vigência do contrato, cujo valor é diretamente proporcional ao valor que vier a ser faturado pela E... com cada uma dessas análises, uma vez que equivale a uma percentagem deste (45% ou 47,5%, consoante o volume de negócios registado nesse ano).
No texto do clausulado encontra-se expressamente indicado que a contrapartida respeita a “remuneração pelos serviços médicos”.
- Na Cláusula Quarta, uma contrapartida imediata, no valor total de 427.500,00 €, a serem pagos 252.000,00 € na data do contrato e 175.500,00 € após a conclusão do processo de auditoria operacional e de faturação aos postos de colheita da B... .
No texto do clausulado encontra-se expressamente indicado que a quantia indicada é contrapartida “(i) pelo encerramento e desativação do laboratório da B... situado em Viseu e (ii) pela canalização da realização das análises clínicas colhidas nos postos acima referidos, em exclusividade, para Laboratórios E... e, ainda, (…) das demais obrigações assumidas pela B...”.
Deste modo, se a Cláusula Terceira alude expressamente à prestação de serviços médicos e apenas a essa, sendo omissa quanto às restantes obrigações, a Cláusula Quarta refere-se especificamente ao desmantelamento da capacidade laboratorial e regime de exclusividade, não fazendo qualquer menção à prestação de serviços médicos.
Quanto às “demais obrigações” referidas na parte final do texto citado da Cláusula Quarta, … apenas se poderá referir à obrigação de não concorrência prevista na Cláusula Quinta e restantes obrigações plasmadas nos n.ºs 3 a 8 da Cláusula Primeira do contrato.
… importa salientar que a contrapartida inserta na Cláusula Terceira corresponde a uma percentagem do valor faturado pela E... de análises clínicas efetuadas a colheitas provenientes de postos da B... e vai sendo apurada à medida que essas análises clínicas são realizadas, pelo que existe uma relação direta entre cada análise clínica realizada pela E... e a respetiva prestação de serviços médicos/remuneração obtida pelo sujeito passivo.
Aliás, esta contrapartida de 45% ou 47,5% do valor faturado pela E..., não só é perfeitamente compatível com o facto de remunerar a prestação de serviços médicos, efetuada pelo sujeito passivo, como faz todo o sentido, dado que o serviço prestado pela B... corresponde a uma parte do “ciclo produtivo” do serviço de análises clínicas.
Pelo contrário, a contrapartida prevista na Cláusula Quarta é definida ab initio, não dependendo diretamente de cada análise clínica efetuada pela E... com base em colheitas de postos da B... e, consequentemente, não tendo relação direta com as prestações de serviços médicos do sujeito passivo.
(…)
Face ao exposto, e atento não só o elemento literal do clausulado, mas também a natureza das contrapartidas e das suas condicionantes, é … absolutamente inequívoco que o “Contrato de Prestação de Serviços e Parceria” estabelece dois tipos de contrapartidas que se destinam a remunerar realidades distintas, a saber:
-Na Cláusula Terceira, a prestação de serviços médicos durante a vigência do contrato.
- Na Cláusula Quarta, as demais obrigações assumidas pela B..., designadamente o desmantelamento da capacidade laboratorial, a obrigação de não concorrência e o regime de exclusividade concedido à E....”
(...)
O IVA é um imposto geral sobre o consumo que abrange na sua incidência, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA, “(…) as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo de imposto agindo como tal, sendo sujeitos passivos do imposto, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º,” [a]s pessoas (…) coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de (…) prestação de serviços”.
O n.º 1 do artigo 4.º do mesmo código, considera “(…) como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens”.
O conceito de prestação de serviços adotado no Código do IVA tem, portanto, caráter residual e natureza puramente económica, uma vez que se abstrai da qualificação jurídica contemplada no artigo 1154.º do Código Civil, excedendo-a enquanto conceito mais lato, na medida em que abrange a transmissão de direitos (que sendo cessões de bens incorpóreos não são enquadráveis no conceito de transmissão de bens), as obrigações de conteúdo negativo e as prestações de serviços coativas.
A respeito das obrigações de conteúdo negativo importa referir que, de acordo com a redação da alínea b) do artigo 25.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro, usualmente conhecida por Diretiva do IVA, “uma prestação de serviços pode consistir, designadamente (…) [n]a obrigação de não fazer ou de tolerar um ato ou uma situação” e que, sendo o IVA um imposto de matriz comunitária, a ordem jurídica nacional deve, obrigatoriamente, submeter-se às especificações normativas, constantes, nomeadamente, daquela Diretiva, cujo regime legal se encontra transposto, na ordem jurídica nacional, no Código do IVA.
Consequentemente, as obrigações do sujeito passivo decorrentes do “Contrato de Prestação de Serviços e Parceria” celebrado com a E..., designadamente a prestação de serviços médicos, por um lado, e o desmantelamento da capacidade laboratorial, a obrigação de não concorrência e o regime de exclusividade concedido, por outro, configuram, todas elas, prestações de serviços sujeitas a imposto.
(…)
As isenções de IVA nas operações internas estão consagradas no artigo 9.º do Código do IVA, designadamente, no que ao campo da saúde diz respeito, nos n.ºs 1 a 5, assumindo particular importância, no caso em concreto, os n.ºs 1 e 2 daquele articulado.
Os referidos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do Código do IVA preveem que estão isentas de imposto:
“1) As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro,enfermeiro e outras profissões paramédicas”;
- “2) As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”; e resultam da transposição para a ordem jurídica interna das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, que determinam que os Estados Membros devem isentar:
- “b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;
- c) As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”.
A jurisprudência comunitária, emanada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), tem vindo paulatinamente a clarificar o conceito e âmbito de aplicação daquelas isenções, sendo importante referir algumas das conclusões extraídas:
(…)
- No que respeita ao conceito de prestações de serviços médicos, consideram-se abrangidas pela isenção as que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde.
- Tal significa que as prestações de serviços que não tenham tal objetivo terapêutico, ou que não sejam estreitamente conexas com o mesmo, estão excluídas do âmbito de aplicação da isenção.
- A finalidade terapêutica não deve, todavia, ser compreendida numa aceção particularmente restrita, podendo as prestações médicas efetuadas com fins de prevenção beneficiar da isenção de imposto.
Posto isto, voltemos ao caso em concreto para análise do tratamento, em sede de IVA, das contrapartidas previstas no “Contrato de Prestação de Serviços e Parceria”.
Conforme referido …, as contrapartidas previstas na Cláusula Terceira destinam-se a remunerar a prestação de serviços médicos durante a vigência do contrato.
Estas prestações serão isentas de imposto ao abrigo do n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA desde que tenham finalidade terapêutica, uma vez que, respeitando a uma parte indissociável e indispensável da prestação de serviços de análises clínicas, correspondem a “operações (…) estreitamente conexas” com a prestação de serviços médicos, efetuadas por “estabelecimentos (…) similares”, na aceção daquele articulado.
(…)
Já no que se refere à contrapartida prevista na Cláusula Quarta de 427.500,00 €, o enquadramento terá, necessariamente, de ser diferente, não sendo aplicável a isenção de imposto referida no parágrafo anterior.
De facto, … esta contrapartida não depende diretamente de cada análise clínica efetuada pela E... com base em colheitas de postos da B... e, consequentemente, não tem relação direta com as prestações de serviços médicos efetuadas pelo sujeito passivo, referindo-se especificamente e remunerando exclusivamente as demais obrigações assumidas pela B..., designadamente, o desmantelamento da sua capacidade laboratorial, a obrigação de não concorrência e o regime de exclusividade concedido à E... .
Aliás, … as referidas obrigações, na prática, são a antítese da prestação de um serviço médico, ao, nomeadamente, obrigarem o sujeito passivo ao encerramento e desativação de laboratórios de análises clínicas, à cessação da atividade laboratorial nessa área ou ao limitarem-no na expansão da sua rede de postos de colheita. Essa limitação da oferta e diminuição da concorrência, especialmente na área laboratorial do serviço de análises clínicas, não é compaginável com o objetivo da isenção de imposto, não aproveitando aos pacientes que necessitem de cuidados médicos dada a falta de finalidade terapêutica, não diagnosticando ou tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde, beneficiando exclusivamente a E... no sentido da proteção económica do seu negócio.
Consequentemente, os serviços remunerados pela Cláusula Quarta, no valor de 427.500,00 €, não podem beneficiar da isenção prevista nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 9.º do Código do IVA e, uma vez que não aproveitam de qualquer outra isenção, serão sujeitos a IVA e dele não isentos.
(…)»
Em suma, temos como incontroverso que as obrigações de encerramento e desativação do laboratório, de exclusividade e de não concorrência (cláusula 4ª) além de não revestirem finalidade terapêutica, não são estreitamente conexas nem (menos ainda) indispensáveis à prestação dos serviços médicos no âmbito das análises clínicas (cláusula 3ª), não podendo, pois, beneficiar da isenção de IVA que contempla estas últimas.
Com efeito, não se detecta naquele tipo de prestações negativas a finalidade de diagnosticar e tratar doenças ou anomalias de saúde (TJUE, Acórdãos de 6-9-2003, Dornier, C‑45/01, EU:C:2003:595, n.° 48; de 1-12-2005, Ygeia, C‑394/04 e C‑395/04, EU:C:2005:734, n.° 24; e de 18-09- 2019, Peters, C‑700/17, EU:C:2019:753, n.° 20). Como se viu também, “...os Estados‑Membros devem excluir do benefício da isenção as prestações de serviços previstas, nomeadamente, no n.° 1, alínea b), do mesmo artigo [art. 132.º da Directiva IVA], se não forem indispensáveis à realização das operações isentas.” - TJUE, acórdão de 1-12-2005, Ygeia, C-394/04 e C-395/04, EU:C:2005:734, n.º 26).
Noutro plano, a alegação de Requerente segundo a qual nenhuma das obrigações acessórias seriam assumidas se não fosse celebrado o acordo de parceria na realização de análises clínicas e que essas obrigações foram condição essencial, tanto económica como regulatória, para a celebração do acordo, não se mostra particularmente relevante, nem decisiva, neste capítulo. Efectivamente, e conforme já supra sublinhado, quanto ao objetivo prosseguido pelo art.º 132.°, n.º 1, al. b), da Diretiva do IVA, o TJUE declarou que “... a isenção das operações estreitamente conexas com a hospitalização ou a assistência médica se destina a garantir que o benefício destas não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resultaria se elas próprias, ou as operações com elas estreitamente conexas, fossem sujeitas a IVA.” (v. acórdãos de 11-01-2001, Comissão/França, C 76/99, n.º 23, e de 1 de dezembro de 2005, Ygeia, C 394/04 e C 395/04, n.º 23). E tanto será o bastante para se concluir que as melhores condições para beneficiar da prestação do serviço médico devem enquadrar-se na óptica do beneficiário do serviço e não na do prestador do mesmo.
O Tribunal de Justiça já declarou também que “... uma prestação deve ser considerada única quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo estejam tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja divisão revestiria caráter artificial (Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Mailat, C‑17/18, EU:C:2018:1038, n.° 33 e jurisprudência referida) – vide acórdão do TJUE, de 28-02-2019, Manuel Jorge Sequeira Mesquita, no processo C‑278/18, ECLI:EU:C:2019:160, n.º 30.
Ora, não é este o caso dos autos onde as prestações principal e acessórias surgem notória e fisicamente separadas, tanto no texto do contrato de prestação de serviços e parceria – onde constam de cláusulas e parcelas remuneratórias distintas - como na sua essência ou substância.
Donde, à luz da legislação em vigor nesta matéria e da jurisprudência que sobre ela se vem debruçando no sentido do aperfeiçoamento de conceitos e conteúdos interpretativos, nomeadamente do que deve entender-se por operações ou prestações estreitamente conexas e também por finalidade terapêutica, aderimos à argumentação constante do RIT (mormente nos segmentos transcritos) que nos não merece reparo e, aliás, conforma abundante e profícua fundamentação das liquidações impugnadas.
Na verdade, afigura-se incontornável considerar que as prestações em causa, ou seja, os serviços de análises clínicas (fases pré e pós analítica), por um lado, e as obrigações de desmantelamento do laboratório de Viseu, de exclusividade, não concorrência, cedência de licenças e não assédio, por outro, se mostram absolutamente desagregadas e cindíveis, aliás visivelmente parceladas, ao invés do pretendido pela Requerente.
Improcede, assim, o vício de violação de lei quanto à fundamentação de facto e de direito.
2.4 - Vício de violação de lei quanto à fundamentação de direito, pois, caso se considerasse autonomamente as prestações acessórias, tal operação não estaria sujeita a IVA por constituir transmissão do estabelecimento não sujeita
Em resumo conclusivo do tema ora epigrafado, alega a Requerente:
“Mesmo se se considerasse autonomamente as prestações acessórias em causa – o que não se concede –, sempre o acordo celebrado entre a Requerente e a E... configuraria, na parte em que impõe essas mesmas obrigações uma transmissão (quanto à fase analítica) do estabelecimento comercial da Requerente, o que se encontraria, em qualquer caso, excluído de IVA (artigo 3.º, n.º 4 e 4.º, n.º 3 do Código do IVA).”
Responde, em síntese, a Requerida:
- “... não foi transmitido o laboratório onde as análises eram efetuadas, a maquinaria, o aviamento ou o pessoal necessários para as executar mas apenas transferidas as convenções celebradas, o que é manifestamente insuficiente para constituir um ramo de atividade independente.
- ... a prestação de serviços de análises clínicas (fase analítica) é uma atividade isenta nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA que não confere direito à dedução do imposto suportado por falta de enquadramento no artigo 20.º do mesmo código. Tendo sido prosseguida a mesma atividade pela E..., sempre se concluiria que o suposto património transmitido teria sido afeto ao setor que não confere direito à dedução, pelo que a operação em análise não se enquadraria na delimitação negativa da incidência prevista no n.º 4 do artigo 3.° do Código do IVA e estaria, deste modo, sujeita a IVA.”
Vejamos:
O artigo 19.º da Diretiva 2006/112/CE preceitua que
“Os Estados-Membros podem considerar que a transmissão, a título oneroso ou gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade, de uma universalidade de bens ou de parte dela não implica uma entrega de bens e que o beneficiário sucede ao transmitente.
Os Estados-Membros podem adoptar as medidas necessárias para evitar distorções de concorrência caso o beneficiário não se encontre totalmente sujeito ao imposto. Podem igualmente adoptar todas as medidas necessárias para evitar a possibilidade de fraude ou evasão fiscais em razão da aplicação do presente artigo.” Esta norma é aplicável às prestações de serviços por força do artigo 29.º da Directiva.
Por seu turno, no artigo 3.º, n.º 4, do CIVA estabelece:
“Não são consideradas transmissões as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º”. Esta norma é aplicável às prestações de serviços por força do artigo 4.º, n.º 5, do mesmo Código.
Como a própria Requerente reconhece (PPA, 168), o TJUE tem entendido que o conceito de transferência do estabelecimento ou de parte autónoma do mesmo deve abranger a transmissão dos elementos corpóreos ou incorpóreos que, no seu conjunto, sejam suficientes para permitir a continuação de uma atividade económica autónoma.
Em acórdão de 10-11-2011, Christel Schriever, C-444/10, ECLI:EU:C:2011:724, n.º 25, decidiu efectivamente o TJUE que “para haver uma transferência do estabelecimento ou de uma parte autónoma de uma empresa, na acepção do artigo 5.°, n.° 8, da sexta directiva, é necessário que os elementos transmitidos, no seu conjunto, sejam suficientes para permitir a continuação de uma actividade económica autónoma.”
No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Norte, em acórdão de 10.05.2018, proc. 00145/06.4BEVIS, exarando na parte aqui relevante o seguinte: “Essencial para preenchimento da 1ª parte do n.º4 do art.º 3 do CIVA é que se transmita um património como uma unidade económica, portadora de uma individualidade própria distinta dos elementos que a integram. Ou seja, um conjunto de bens organizados com estabilidade e autonomia suficientes para a realização de uma actividade de natureza comercial ou industrial.”
Ora, no caso “sub judice”, as obrigações acessórias contratadas foram as de demantelamento do laboratório, exclusividade e não concorrência no domínio da actividade laboratorial na área das análises clínicas. Junta-se a estas a renúncia pela B... às convenções e ao licenciamento do laboratório de análises clínicas e dos postos de colheita, e a sua transferência para a E... . Evidencia-se que não houve qualquer transferência dos postos de colheita, mas tão somente dos respectivos licenciamentos e convenções.
Enquanto tal, afigura-se manifesto que o conjunto de prestações acessórias contratadas jamais poderia identificar-se como um conjunto de bens organizados com estabilidade e autonomia suficientes para a realização de uma actividade independente de natureza comercial ou industrial, ficando assim por alcançar a primeira das condições cumulativas estabelecidas pelo artigo 3.º , n.º 4, do CIVA.
A segunda condição deste inciso é a de que “o adquirente seja ou venha a ser pelo facto da aquisição, um sujeito passivo de imposto dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA”. Nesta álea da questão também resulta evidente do contrato que a adquirente – E... – iria prosseguir a sua actividade no domínio das análises clínicas (actividade isenta – art. 9.º, nº2, do CIVA), logo não sendo um sujeito passivo que pratique exclusivamente operações que conferem o direito à dedução. Assim, não está cumprido também o requisito consignado na segunda parte do referido nº 4 do art. 3.º do CIVA.
Resulta do que precede que as prestações acessórias do contrato de prestação de serviços e parceria, celebrado entre a B... e a E..., mesmo que consideradas na sua globalidade e autonomamente, não constituiriam uma situação de exclusão de imposto por não configurarem qualquer transmissão de estabelecimento.
Termos em que improcede o imputado vício de violação de lei quanto à fundamentação de direito, nesta matéria.
2.5 - Vício quanto à fundamentação de direito no que respeita ao tratamento da operação de «desmantelamento», por não estar em causa uma prestação de serviços.
Na conclusão dedicada a este tema, diz a Requerente:
“E mesmo que se se quisesse autonomizar tão-só a obrigação de desmantelamento do laboratório (o principal fundamento para desconsiderar a parceria em causa como ato conexo com ato médico ou prestação acessória), nunca tal atividade poderia constituir uma prestação de serviços, pois em causa não estaria uma troca de prestações recíprocas, por desse ato de desmantelamento não decorrer qualquer benefício direto e imediato na esfera da E... .”
Responde a Requerida, abreviadamente:
“A este respeito importa começar por fazer referência, uma vez mais, às afirmações seguintes da Requerente no PPA:
- “como condição de realização da parceria, a E... exigiu o desmantelamento do laboratório”.
- “os preços contratados eram tanto mais favoráveis para a B... quanto fossem as obrigações assumidas”.
Face ao exposto, considera-se que carecem totalmente de fundamento as alegações da Requerente de que “a obrigação de desmantelamento do laboratório (…) não constitu[i] uma troca de prestações recíprocas”, que inexiste “nexo direto entre o serviço realizado e a contrapartida recebida” e que a B... “ao assumir uma obrigação de desmantelar o laboratório, não fornece nenhum serviço ou vantagem diretamente imputável à E... suscetível de a poder considerar consumidora de um serviço”, pelo que a operação de desmantelamento constitui efetivamente, e contrariamente ao alegado pela Requerente, uma prestação de serviços para efeitos de IVA.
... é entendimento da Direção de Serviços do IVA que as obrigações de conteúdo negativo estão abrangidas pelo conceito de prestações de serviços do art.º 4.º do Código do IVA (cf. informações vinculativas dos processos n.º A100 2008031 - despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 04-04-2008; n.º 3207, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2012-05-28; e n.º 14989, por despacho de 2019-06-28, da Diretora de Serviços do IVA, por subdelegação).
... conforme consta da fundamentação do RIT, o conceito de prestação de serviços residual do art.º 4.º do Código do IVA (que transpõe para o ordenamento jurídico interno o art.º 24.º da Diretiva do IVA – “Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro”) tem uma natureza puramente económica, uma vez que se abstrai e ultrapassa qualquer qualificação jurídica que possa ser feita no Código Civil (art.º 1154.º) ... na medida em que, como prestação de serviços se estende a qualquer prestação que não seja uma transmissão de bens.
Consta, aliás, expressamente da lista exemplificativa, que segue à definição de prestação deserviços, de carácter negativo, preconizada na redação da al. b) do art.º 25.º, da Diretiva do IVA, que uma prestação de serviços pode consistir na obrigação de não fazer ou de tolerar um ato ou uma situação.”
Consultando a Lei, a Diretiva 2006/112/CE – IVA, define prestações de serviços no seu artigo 24.º, n.º 1: “Entende-se por «prestação de serviços» qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.” E da al. b) do Artigo 25.º que lhe segue consta que uma prestação de serviços pode consistir, designadamente, “[n]a obrigação de não fazer ou de tolerar um acto ou uma situação.
Este normativo foi transposto para a ordem jurídica interna através do artigo 4.º do CIVA, em cujo n.º 1 se determina que “São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.”
Afirma a Requerente que a atividade de desmantelamento levado a cabo pela B... não constitui um serviço prestado à contraparte e que, se é verdade que a Requerente assumiu a obrigação de levar a cabo essa atividade, não existe um nexo direto entre o serviço realizado e a contrapartida recebida, pela simples razão de que não houve um serviço efetivamente prestado ao beneficiário (antes ao próprio).
Em apoio desta tese, a Requerente invoca jurisprudência do TJUE, entre a qual se destaca o acórdão de 25-06-1996, proc. C-215/94, Jürgen Mohr contra Finanzamt Bad Segeberg, em cujos n.ºs 21 e 22 se decidiu: “...ao compensar os produtores que se comprometem a cessar a produção de leite, a Comunidade não adquire bens ou serviços para seu uso próprio, mas actua no interesse comum, que é o de promover o funcionamento correcto do mercado comunitário do leite; ... o compromisso do produtor de abandonar a produção de leite não traz à Comunidade nem às autoridades nacionais benefícios susceptíveis de permitir considerá-los consumidores de um serviço. O compromisso em causa não constitui, portanto, uma prestação de serviços...”.
Porém, afigura-se-nos que este exemplo, tal como o do produtor de batata que aceita reduzir a sua produção em 20%, a troco de um valor pecuniário, mas em que o produtor agrícola não fornece serviços a um consumidor identificável (TJUE, acórdão de 18.12.1997, proc. C-384/95, Landboden-Agrardienste GmbH & Co. KG) não tem paralelo com a situação que se nos depara nos presentes autos.
De facto, neste caso, ao contrário do que sucede nos dois anteriores, existe um nexo directo entre as obrigações de desmantelamento do laboratório, exclusividade e não concorrência e os benefícios que desse compromisso advêm para ambas as partes. Constitui uma evidência (e o que é evidente não carece de demonstração) que o desmantelamento do laboratório constituiu moeda de troca para a E..., pois doutro modo não o teria colocado
como condição de realização da parceria. E o mesmo se passa na óptica da B... a qual admite que os preços contratados eram tanto mais favoráveis para si quanto o fossem as obrigações assumidas. Ademais, dificilmente se configura a obrigação de desmantelamento do laboratório desligada das demais, ou seja, das de exclusividade, não concorrência e cedência das licenças / convenções, “pacote” contratual que, óbvia e objectivamente, teve como finalidade proteger e reforçar o negócio da E..., ampliando e consolidando o seu posicionamento empresarial no mercado da actividade das análises clínicas a que também se dedica.
Consequentemente, não obstante constituírem obrigações de conteúdo negativo não deixam de corresponder a verdadeiras prestações de serviços, entre elas a dita operação de desmantelamento laboratorial, à luz da definição residual e de natureza económica do conceito transposta da Directiva – IVA (arts. 24.º e 25.º) para o artigo 4.º do Código do IVA.
Assim, improcede também o vício quanto à fundamentação de direito no que respeita ao tratamento da operação de desmantelamento laboratorial.
V. Indemnização pelos custos incorridos com a garantia bancária
Improcedendo o Pedido de Pronúncia Arbitral, improcede consequentemente o pedido indemnizatório formulado.
VI. Decisão
Em face do exposto acorda o colectivo de árbitros deste Tribunal julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências.
VII. Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em 113.299,20 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VIII. Custas
Custas no montante de 3.060,00 €, a cargo da Requerente, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2022.
Os Árbitros,
(Victor Calvete - Presidente)
(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)
(A. Sérgio de Matos, relator)