DECISÃO ARBITRAL
Processo 67/2012-T
1.RELATÓRIO
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Identificação do ato impugnado
…, residente na Rua …, Sesimbra, com a identificação fiscal n.º …, veio, em 16 de Abril de 2012, ao abrigo do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, requerer a constituição de Tribunal Arbitral para apreciação do ato tributário de liquidação adicional de Imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e juros compensatórios, respetivamente nos montantes de € 875,00 e de € 116,60, no total de € 991,60, notificado através dos ofícios … de 2012/01/06, sem número de 2012/01/30 e … de 2012/02/01, do Serviço de Finanças de Sesimbra, Direcção de Finanças de Setúbal, pedindo a sua anulação e também a liquidação de juros indemnizatórios desde a data do pagamento, que teve lugar em 5 de Março de 2012, até à data do reembolso.
Os autos informam que em 2 de Março de 2012 o requerente deduzir recurso hierárquico contra o ato da liquidação adicional ora impugnada que foi indeferido.
A Autoridade Tributária e Aduaneira manteve o ato impugnado.
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Como fundamentos do pedido o requerente alegou em resumo o seguinte:
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Em Junho de 2008 adquiriu uma casa na Rua …, para sua residência própria e permanente, a qual passou a ser utilizada para essa função;
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Em Agosto do mesmo ano requereu e confirmou a alteração do seu domicílio fiscal para a referida morada, via Portal das Finanças, tendo esse registo sido concretizado em 18 de Setembro de 2008 como confirmado pelo Serviço de Finanças de Sesimbra;
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O requerente notificou outras entidades públicas da sua nova morada, a saber, a Câmara Municipal de Lisboa, as prestadoras de serviços de água, eletricidade, gás e comunicações, que passaram, desde então, a enviar correspondência para a sua nova residência permanente, na …, como prova com documentos que anexou ao pedido;
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Em 22 de Janeiro de 2009, o requerente dirigiu-se ao Instituto de Registos e do Notariado (IRN) na Loja do Cidadão dos Restauradores em Lisboa, para pedir, por sua livre opção – já que o seu Bilhete de Identidade ainda se encontrava dentro da validade – a emissão de um Cartão de Cidadão, como também atesta com documento que anexou;
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O Cartão de Cidadão foi levantado na Loja do Cidadão das Laranjeiras a 18 de Março de 2009, local por si escolhido e indicado na “morada de contacto” por ser mais próximo do apartamento T1 de que é proprietário, sito na freguesia de …, em Lisboa, onde sua mãe, que aí permanece com frequência, poderia – na ausência do requerente – mais facilmente rececionar o aviso e levantar o Cartão;
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O requerente alega que o Cartão de Identificação não tinha inscrita qualquer referencia a endereço, morada, residência ou freguesia, nem tinha meios de acesso ou leitura de outra informação que lhe pudesse estar associada, limitando-se apenas a constatar os elementos visíveis (os únicos ao seu alcance de verificação) sem questionar em qualquer momento a validade da informação associada;
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Anota assim o requerente que a “comunicação da alteração de morada vinda do balcão do cidadão” a 3 de Junho de 2009 para os serviços fiscais, não foi por si impelida, comunicada ou confirmada (muito menos com a conotação fiscal que lhe foi atribuída);
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Pelo que, acrescenta, foi uma mera presunção o facto dos serviços da AT terem concluído que o requerente deixou de ter a sua habitação própria e permanente na Rua …;
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O requerente esclarece a seguir que não alterou nem pretendeu alterar a sua residência fiscal, continuando a residir na referida Rua …, acontecendo que o facto de exercer funções de representação externa de uma grande empresa portuguesa, que o obrigava a deslocar-se frequentemente para o estrangeiro, o levou a fornecer o contacto do seu apartamento de Lisboa, onde sua mãe se deslocava com facilidade e com frequência, para assim ser aí rececionada a carta que lhe seria enviada do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) para ativação do Cartão;
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Que foi nesse sentido que interpretou e preencheu o campo “dados de contacto” constante no impresso com que pediu o cartão de cidadão, observando que a sua deslocação ao IRN nunca teve por finalidade efetivar qualquer alteração aos dados da sua morada fiscal;
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Ninguém lhe explicou ou alertou que os dados que estava a fornecer no preenchimento do impresso para a obtenção do Cartão de Cidadão poderiam, afinal, constituir uma declaração para alteração da sua morada fiscal;
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O requerente apresentou recibos de fornecimento efetivo de telefone fixo, de água e de eletricidade à sua morada na …;
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Acentua ainda, mais uma vez contrariando a indicação dos serviços fiscais que a certa altura deram a sua morada como tendo passado para a freguesia de …, em Lisboa, que essa morada lhe foi atribuída unilateralmente pelos referidos serviços e que se apressou a repor a sua morada efetiva no cadastro fiscal logo que teve conhecimento dessa mudança unilateral;
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Termina a sua argumentação fazendo apelo às diversas provas que atestam o local da sua morada efetiva na …, indicando testemunhas a inquirir, e aludindo à violação do princípio do inquisitório que teria imposto à administração tributária a realização de diligências para a descoberta da verdade material;
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Finalmente, depois de pedir a anulação do ato tributário impugnado, o requerente, invocando o n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, requer a condenação da Autoridade Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, a incidir sobre o imposto liquidado e pago, contados desde a data do pagamento indevido até ao seu integral reembolso.
1.3. Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira
O Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, legalmente representado, veio deduzir a sua resposta alegando em resumo que:
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Em Junho de 2008 o requerente adquiriu uma casa na … Sesimbra, com isenção de IMT ao abrigo do artigo 17.º, n.º 1, alínea a), do CIMT, pelo facto de a ter afetado à sua residência própria e permanente e de para aí ter pedido a alteração do seu domicílio fiscal em 18-09-2008;
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Em 22 de Janeiro de 2009 o requerente solicitou a emissão do Cartão de Cidadão, onde no campo “Dados de Contacto” forneceu como morada a Rua …Lisboa;
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Assim, em face da comunicação da alteração de morada, vinda do balcão do cartão do cidadão, em função de pedido efetuado pelo próprio requerente, foi este notificado da liquidação adicional de IMT ora impugnada;
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Na sequência da notificação da liquidação adicional, o requerente procedeu entretanto à alteração da morada para o prédio em causa através de pedido apresentado no portal do cidadão em 20-01-2012;
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A pretensão do requerente de ver anulado o ato da liquidação adicional baseia-se na invocação de uma suposta presunção de mudança de domicílio fiscal da qual a Administração teria partido para efetuar a liquidação, sem que o mesmo tivesse querido ou requerido tal alteração;
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Para suportar a sua teoria, continua a resposta da autoridade requerida, o requerente escuda-se atrás da “funcionária que o atendeu”, desresponsabilizando-se dos seus atos declarativos, dizendo que esta não lhe apresentou nenhumas cautelas quanto aos efeitos do fornecimento de endereço diferente para efeitos legais, nomeadamente fiscais, nem lhe explicou que ao fornecer uma morada de contacto diferente da sua morada fiscal estava a realizar uma alteração dos seus dados fiscais e até civis;
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Porém, acrescenta a resposta da AT, a “ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu comportamento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”, conforme previsto no artigo 6.º do Código Civil;
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Por outro lado, a resposta afirma que não esteve em causa qualquer mudança administrativa do domicílio fiscal do requerente, tratando-se antes de uma mudança objetiva e decorrente da Lei n.º 7/2007, de 5 de Fevereiro, que rege a matéria do cartão do cidadão, mormente os dados da sua identificação, incluindo a morada;
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A resposta invoca nomeadamente o disposto no artigo 8.º da referida Lei que “indica a informação existente no circuito integrado (chip) na qual se inclui no seu n.º 1 alínea b), a morada”, acrescentando que face ao artigo 13.º, n.º 1, a “morada” é o “endereço postal físico, livremente indicado pelo cidadão, correspondente ao local de residência onde pode ser regularmente contactado”;
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O próprio documento para pedir o cartão de cidadão, apresentado pelo requerente, prevê dois subcampos no campo “Dados de Contacto”, a saber, o subcampo para indicar a “morada” e o subcampo para indicar “outros contactos”, sendo que o requerente indicou aí como sua morada a Rua …, Lisboa, e não a Rua … Sesimbra;
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A resposta alude ainda ao facto de nas declarações de IRS referentes aos anos de 2009 e 2010, estar indicado no campo “serviço de Finanças da área do domicílio do sujeito passivo” o código do Serviço de Finanças 3263 que corresponde a Lisboa e não o código 2240 que corresponde a Sesimbra, o que significa a confirmação da alteração do domicílio fiscal pelo requerente, sendo para esta morada de Lisboa que constava no “Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes” que foram remetidas as notificações com as liquidações em causa;
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As disposições da invocada Lei 7/2007 que disciplinam o preenchimento do pedido de cartão de cidadão e os dados que lá devem constar sobre a morada permitem concluir, na tese da AT, que dificilmente a realidade declarada poderia deixar de corresponder à realidade efetiva quanto à morada do cidadão;
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Quanto aos recibos apresentados pelo requerente relativos a consumos efetivos de água e EDP, no dizer da resposta, nada trazem de novo à relação factual controvertida já que a AT se ancorou na “lei e nos atos do requerente”;
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A resposta termina a acentuar o que já antes afirmara sobre as consequências legais imperativas decorrentes da indicação de uma determinada morada no preenchimento do pedido de cartão de cidadão e também o facto de em duas declarações de IRS, de dois anos seguidos, constar um código referenciado a uma morada de Lisboa, o que demonstra que o requerente não poderia manter o benefício fiscal que invocou e que, consequentemente, a liquidação impugnada se encontra devida e legalmente fundamentada;
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Em matéria de juros indemnizatórios a resposta opõe-se à sua liquidação por não se verificarem os pressupostos legais para esse efeito.
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4. Constituição e funcionamento do tribunal arbitral
Após designação e aceitação do signatário, como árbitro singular, o tribunal arbitral foi constituído na reunião de 4 de Junho de 2012, nas instalações do CAAD, na qual participaram o árbitro designado, a mandatária do requerente e um representante do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, tudo conforme ata constante nos autos.
O tribunal arbitral reuniu novamente no dia 25 de Junho de 2012 para efeitos do previsto no artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e posteriormente no dia 17 de Setembro de 2012 para a inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente, tendo as alegações orais sido produzidas em reunião ocorrida em 5 de Novembro de 2012, tudo conforme atas juntas aos autos e se dão aqui por reproduzidas.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, conforme previsto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março.
O Processo não enferma de quaisquer nulidades nem foram invocadas quaisquer exceções que importe conhecer.
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FUNDAMENTAÇÃO
2.1. A questão decidenda tem a ver com a questão de saber se o requerente, como defende, afetou o imóvel que adquiriu em Setembro de 2008 na Rua … Sesimbra, à sua habitação própria e permanente e manteve essa afetação nos anos subsequentes (a lei fixa o prazo de 6 anos a contar da data da aquisição), conforme exigido no n.º 7 do artigo 11.º do CIMT, reunindo assim os pressupostos para continuar a beneficiar da isenção base prevista no artigo 9.º do CIMT em conjugação com as taxas reduzidas previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 17.º do CIMT, taxas estas que lhe foram aplicadas na liquidação inicial de IMT, ou se, ao contrário, como foi refletido na liquidação adicional impugnada e como defende a requerida, se o requerente pode apenas beneficiar das taxas um pouco menos reduzidas previstas na alínea b) do n.º 1 do citado artigo 17.º, por ter utilizado o prédio como sua segunda habitação, devendo assim improceder o pedido de anulação apresentado ao tribunal arbitral.
Para responder a esta questão haverá que analisar e decidir se a indicação de uma morada diferente daquela que constava no cadastro fiscal, apresentada no ato de pedir o cartão de cidadão e também em duas declarações de IRS, determinam só por si a alteração do domicílio fiscal do interessado com a consequente perda do benefício fiscal conexo com a aquisição de um imóvel para sua residência própria e permanente.
2.2. Alegações
Nas alegações, requerente e requerida mantiveram, no essencial, as posições já defendidas na petição inicial e na resposta, ambas juntas aos autos.
O requerente mantém que não provocou a intervenção que levou à liquidação adicional impugnada dado que não procedeu a qualquer alteração do seu domicílio fiscal que justificasse a liquidação, tendo antes ocorrido uma alteração oficiosa da sua morada em 2009-06-03 que o retirou da casa de … Sesimbra e o mudou para Lisboa, por mera informação vinda do balcão do cidadão.
Porém, continua o requerente, a administração fiscal só poderia proceder a essa alteração se tivesse elementos de prova indiscutíveis para concluir que o contribuinte tinha mudado de residência, o que não aconteceu.
Quanto aos argumentos que a requerida retira das declarações do IRS, continua o requerente, são um mero aproveitamento de lapsos que não têm qualquer valor já que tais declarações se encontram previamente preenchidas pela administração fiscal e nenhum contribuinte sabe o código da sua residência de cor. Observa que o pré-preenchimento evidencia um código e não a morada por extenso. Segundo o requerente as pessoas partem do princípio que o preenchimento dos dados gerais das declarações estão corretos e apenas se preocupam quanto ao preenchimento dos campos em branco que se destinam a declarar os demais dados e os rendimentos auferidos em cada ano.
Mais uma vez o requerente invoca que na Loja do Cidadão lhe foi pedida uma morada de contacto para onde o cartão e os códigos de ativação pudessem ser enviados, e que a morada de Lisboa foi indicada para esse fim dado que a casa é utilizada com frequência por sua mãe e, perante as suas frequentes ausências do país, como diretor das relações internacionais da …, seria esse o local mais seguro para receber essa correspondência.
O requerente reafirmou o que já havia dito na petição inicial no sentido de ser a sua mãe que permanece com frequência no apartamento de que é proprietário sito na Rua …, em Lisboa, esclarecendo agora que tal frequência é mesmo a habitação de sua mãe, tendo fornecido informação sobre os consumos de água e eletricidade de uma casa que a mesma mantém na Rua Dr… Lisboa, através dos quais se pode constatar o muito baixo consumo de tais serviços nesta casa.
Por sua vez a requerida, mantendo igualmente o teor da resposta, afirma que o requerente não logrou provar que o imóvel sito no … estava afeto à sua habitação própria e permanente invocando que os depoimentos das testemunhas não coincidiram quanto à hora em que o requerente se deslocava ao café para tomar o pequeno-almoço, sendo que a testemunha … disse que o fazia entre as 8,15 e as 8,30 e que a testemunha … afirmou que tal acontecia entre as 9,00 e as 9,30.
Quanto à prova documental conexa com os consumos de telefone, água e eletricidade e serviços de TV, segundo a requerida esta documentação junta pelo requerente permite afirmar que o mesmo tanto poderia residir na Rua …em Lisboa como na Rua … Sesimbra, uma vez que ambas as casas apresentam consumos dos referidos serviços.
Quanto à afirmação do requerente de que é a sua mãe que utiliza com frequência o seu apartamento na Rua … Lisboa, a requerida observa que essa afirmação não é evidente e que a mãe do requerente possui a sua própria casa na Rua …, em Lisboa, em relação à qual foram juntos documentos de consumos de água e eletricidade que, embora mínimos, são razoáveis para a vivência de uma pessoa, desvalorizando o facto do gás ter sido desligado nessa casa, extraindo daí a conclusão que a mãe do requerente utiliza normalmente a sua própria casa.
A requerida observou ainda nas suas alegações que o conceito de residência própria e permanente para efeitos da isenção de IMT não exige apenas a residência efetiva do contribuinte em determinado imóvel mas, face ao artigo 19.º da LGT, exige também que seja esse o local que foi declarado para efeitos de comunicação com a autoridade tributária.
2.3. Matéria de facto dada como provada
Em face da documentação junta aos autos por requerente e requerida, apresentada com o pedido inicial e com a resposta, bem como perante outra documentação junta no decurso do processo arbitral, quer também em face dos depoimentos das testemunhas apresentadas pelo requerente, dá-se por provado o seguinte:
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O requerente foi notificado pelo Serviço de Finanças de Sesimbra, através do ofício n.º…, de 2012/02/01, de uma liquidação adicional de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), referente à aquisição de um prédio urbano inscrito sob o artigo … , sito na Rua … Sesimbra, através de escritura pública celebrada em 2008/09/19;
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A liquidação adicional de IMT foi desencadeada pela informação enviada pelo Balcão do Cidadão e recebida na Direcção de Serviços de Registo de Contribuintes em 2009-06-03, a comunicar a alteração da morada do requerente da Rua … Sesimbra, para a Rua … Lisboa, o que levou os serviços fiscais a desconsiderar a aplicação das taxas previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 17.º do CIMT, aplicáveis à compra do citado imóvel com declaração de que se destinava à habitação própria e permanente do adquirente, e a promover uma nova liquidação com aplicação das taxas previstas na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 17.º;
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Esta liquidação adicional, cuja nota de cobrança teve o número de identificação …, no montante de € 991,60, foi paga em 05.03.2012, na Caixa Geral de Depósitos, através do sistema de caixa direta;
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Entretanto, o requerente, na sequência da aquisição do prédio sito na Rua … Sesimbra, através do site da DGCI, tinha procedido em 18-09-2008 à alteração do seu domicílio fiscal para este imóvel;
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O requerente dirigiu-se em 22-01-2009 ao Balcão do Cidadão dos Restauradores, em Lisboa, requerendo a emissão de um cartão de cidadão;
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No âmbito da requisição do cartão de cidadão, no espaço destinado à indicação da sua morada, o requerente apôs que a mesma se situava na “Rua …, em Lisboa”;
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Em 03.06.2009 o Balcão do Cidadão comunicou aos serviços fiscais que o requerente declarou que a sua morada passou a ser na Rua …, em Lisboa;
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No âmbito do presente processo arbitral o requerente apresentou documentos no sentido de provar que no período que decorreu entre 2008 e 2012 foram prestados alguns serviços no seu imóvel situado na Rua … Sesimbra, que habitualmente estão associados à utilização dos imóveis na função de habitação, a seguir referidos;
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Assim, no caso de consumos de eletricidade o requerente juntou faturas de vários períodos de 60 dias referentes a cada um dos anos de 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012, quer referentes a meses de Inverno e também referentes a meses de Verão, podendo constatar-se um consumo significativo, com a generalidade das faturas a evidenciar consumos superiores a 100 euros, sendo o consumo relativamente constante ao longo de cada um dos anos e do período mais largo dos 5 anos;
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O requerente juntou também algumas faturas referentes a consumos de comunicações na mesma casa (serviços de televisão e telefone) referentes a Outubro de 2008, no montante de € 62,22, a Janeiro de 2010, no montante de € 65,34 e a Janeiro de 2011, no montante de 47,60;
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Quanto a consumos de água na mesma casa de … Sesimbra o requerente juntou faturas referentes a Setembro/Outubro de 2008, no montante de € 254,27, a Junho/Julho de 2009, no montante de € 127,05, a Março/Abril de 2010, no montante de € 57,57 e a Abril/Maio de 2011, no montante de € 57,65;
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Paralelamente, tendo em vista fazer prova do alegado de que sua mãe utilizava a casa, mais pequena e mais moderna segundo afirma, que o requerente tem na Rua…, em Lisboa, e não a casa dela que mantinha por razões sentimentais, o requerente juntou faturas sobre os consumos de água referentes à morada em nome de sua mãe …, sita na Rua …, em Lisboa, constatando-se que nos anos de 2008 a 2012 os montantes debitados pelo consumo de água oscilaram entre 3 e 4 euros mensais, verificando-se uma nula ou muito pequena oscilação nos consumos, o mesmo se verificando em matéria de eletricidade cujos consumos entre 2008 e 2012 na mesma morada se mantiveram em cerca de 6 euros mensais;
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Quanto à casa sita na Rua …, foram juntas faturas de vários períodos dos anos de 2008 a 2012 comprovativas do consumo de água com valores relativamente constantes, rondando os 7 euros mensais, tendo também sido juntas diversas faturas de consumo de eletricidade dos anos de 2008, 2009 e 2010 constatando-se que estes consumos rondaram montantes de 40/45 euros para cada período de 60 dias;
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Quanto a consumos de comunicações na casa situada na … Lisboa, englobando serviços de telefone, televisão e internet, foram juntas faturas desde Setembro de 2008 a Agosto de 2012, sendo que o valor mensal de cada fatura ronda os 60 euros, montante este que se manteve relativamente constante no período considerado;
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O requerente juntou ainda alguns documentos para demonstrar que declarou a sua morada da Rua …, Sesimbra, a outras entidades, apresentando algumas faturas emitidas em seu nome e para a referida morada pela Câmara Municipal de Lisboa, tendo também apresentado uma declaração emitida pela …/Recursos Humanos em 23/01/2012 onde se atesta que no processo individual do requerente consta a referida morada …. Sesimbra;
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O requerente Juntou ainda cópia de faturas com “detalhe das comunicações” feitas no telefone …, cliente …, instalado na Rua… , referentes aos meses de Abril a Agosto de 2012, as quais evidenciam um número significativo de chamadas efetuadas entre o referido número de telefone e o número …, cliente n.º …, instalado na Rua …., em Lisboa, chamadas estas que o requerente informou que são feitas por si de sua casa na Aldeia … para a sua mãe na casa em Lisboa;
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Em matéria de prova testemunhal foram inquiridas duas das três testemunhas arroladas pelo requerente, com falta de comparência de uma terceira que tinha sido arrolada, tendo a testemunha …, que se declarou proprietária do Café “…”, sito na Aldeia …, dito que vê o requerente com frequência e que o mesmo vai muitas vezes tomar o pequeno-almoço ao referido Café entre as 8,15 e as 8,30 horas da manhã, tendo a testemunha …. afirmado que mora igualmente na Aldeia … e que vê o requerente com frequência, pelas 9,00 Horas, no referido café e na loja dos jornais;
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Quanto aos documentos oficiais referentes à liquidação e quanto à prova com que a Autoridade Tributária fundamentou a liquidação adicional e agora defende a sua manutenção, foram juntos os documentos a seguir referenciados, a saber;
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No email enviado ao requerente pela Direcção de Serviços de Registo de Contribuintes em 16 de Fevereiro de 2012 dá-se conta que esta Direcção de Serviços recebeu em 2009-06-03 uma “comunicação da alteração de morada vinda do balcão de cidadão em função do pedido de cartão”;
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Fotocópia da Declaração de IRS modelo 3 e anexos, referentes ao requerente e ao ano de 2008, em que no campo 1 consta o código do serviço de Finanças 2240 referente a Sesimbra;
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Fotocópia da Declaração de IRS modelo 3 e anexos, referentes a 2009, em que no campo 1 consta o código do serviço de finanças 3263 referente a Lisboa;
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Fotocópia da Declaração de IRS modelo 3 e anexos, referentes a 2010, em que no campo 1 consta o código do serviço de finanças 3263 referente a Lisboa;
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Fotocópia da Declaração de IRS modelo 3 e anexos, referentes a 2011, em que no campo 1 consta o código do serviço de Finanças 2240 referente a Sesimbra;
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Fotocópia do extrato extraído do “Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes”, com a situação cadastral do requerente reportada a 2010-01-01, em que o seu domicílio fiscal consta na Rua…, em Lisboa;
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Fotocópia do extrato extraído do “Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes”, com a situação cadastral do requerente reportada a 2011-01-01, em que o seu domicílio fiscal consta na Rua …, em Lisboa.
2.4. Matéria de direito aplicável
A decisão a proferir prende-se, no essencial, com a questão de saber se o requerente tem direito a continuar a beneficiar da isenção base e das taxas reduzidas de IMT previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 17.º do CIMT, que lhe foram reconhecidas no ato de compra do prédio situado na Aldeia …, concelho de Sesimbra, para onde mudou o seu domicílio fiscal em 18 de Setembro de 2008, ou se, como pretende a requerida, o imóvel em causa deixou de ter aquela afetação a partir de 22 de Janeiro de 2009, data em que o requerente foi pedir o cartão de cidadão e indicou aí uma morada de Lisboa, ficando assim sujeito a ter que pagar a diferença de imposto entre as ditas taxas e aquelas que se encontram previstas na alínea b) do mesmo artigo 17.º do CIMT que foram aplicadas para cálculo do IMT liquidado adicionalmente e agora impugnado.
Para responder à questão colocada, haverá que proceder à invocação das normas que com ela se prendem e que passamos sumariamente a analisar.
Assim, da conjugação do artigo 9.º com a alínea a) do n.º 1 do artigo 17.º do CIMT extrai-se que, em 2008, ano da compra do citado prédio da Aldeia …, estava isenta de IMT a aquisição de prédio urbano ou fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, até ao valor de 87.500 euros, sendo aplicadas taxas reduzida, por escalões, nas aquisições cujo valor excedesse esse montante até ao limite de 543.900 euros.
Este benefício era de reconhecimento automático pela entidade que intervinha na celebração do contrato de compra e venda, conforme previsto na alínea a) do n.º 6 do artigo 10.º do CIMT, que perante o valor que deveria servir de base à liquidação, perante a afetação do prédio ou fração e perante a declaração do interessado de que o prédio ou fração se destinava à sua habitação própria e permanente declarava a isenção ou exigia a prova do pagamento prévio do IMT que fosse devido.
Assim, como se constata, a atribuição do benefício em causa cingia-se a uma verificação prévia e muito sumária dos seus requisitos, deixando a lei fiscal para momento posterior a possibilidade dos serviços fiscais controlarem a situação tributária e revogarem o benefício, liquidando o imposto que fosse devido, ao determinar no n.º 7 do artigo 11.º do mesmo Código, redação em vigor no ano de 2008, que “deixam de beneficiar da isenção e da redução de taxas previstas no artigo 9.º e nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 17.º, quando aos bens for dado destino diferente daquele em que assentou o benefício, no prazo de seis anos a contar da data da aquisição, salvo no caso de venda”.
No caso em apreço, o adquirente terá feito prova, perante a entidade que celebrou a escritura de compra e venda, de que poderia beneficiar da isenção e das taxas reduzidas previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 17.º do CIMT, tendo declarado em 2008-09-18 perante o cadastro fiscal do Serviço de Finanças de Sesimbra, como supra foi dado como provado, que a seguir à compra mudou o seu domicílio fiscal para o imóvel adquirido na Aldeia …, assim preenchendo as exigências legais para confirmar o benefício que lhe tinha sido reconhecido no ato de compra do citado imóvel.
Porém, nada consta que o Serviço de Finanças competente ou quaisquer outros serviços fiscais tenham feito qualquer indagação subsequente para confirmar, no terreno, se a mudança declarativa do domicílio fiscal correspondeu a uma efetiva e permanente fixação da habitação própria e permanente do contribuinte ora requerente no referido prédio.
Na verdade, não era o contribuinte e ora requerente que tinha a seu cargo a obrigação de fazer qualquer prova adicional junto dos serviços fiscais.
Estes serviços é que teriam que controlar a situação e revogar o ato de reconhecimento de atribuição do benefício fiscal se tivessem detetado o incumprimento dos seus pressupostos.
Com efeito, face ao disposto nos preceitos legais já invocados a que se pode acrescentar o artigo 14.º, n.º 4, do Estatuto dos Benefícios Fiscais “o ato administrativo que concede um benefício fiscal não é revogável, nem pode rescindir-se o respetivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por ato unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele ato pode ser revogado”.
Ora, o que se passou no caso em apreço está descrito nos presentes autos e constitui o tema a decidir.
Ou seja, depois de lhe ter sido reconhecido o benefício fiscal e de ter mudado o seu domicílio fiscal para o prédio adquirido, o ora requerente foi pedir o cartão de cidadão e teve que preencher ou fornecer os dados conexos com a sua identificação e com a sua morada.
E, ou por se ter esquecido do que antes havia declarado e estar a dizer a verdade quando pediu o cartão, como pretende a requerida, ou por se ter convencido que a morada aí pedida não implicava a alteração ao que antes havia declarado em matéria do seu domicílio fiscal, como pretende o próprio requerente, a verdade é que em Janeiro de 2009, quando foi requerer a emissão do cartão, apôs no mesmo que a sua morada estava afinal situada em Lisboa.
Tanto bastou para que os serviços de identificação, por sua iniciativa ou a pedido da administração fiscal, comunicassem a alteração de morada aos serviços de registo central de contribuintes.
Será que esta alteração de morada fiscal no Balcão do Cidadão é fundamento suficiente para se considerar que o contribuinte alterou a sua habitação própria e permanente e assim desencadear a revogação do benefício fiscal que lhe tinha sido reconhecido e a consequente liquidação ora impugnada?
Vejamos, antes de mais, em que condições ocorreu o preenchimento do impresso do cartão de cidadão com indicação de uma morada diferente daquela que o titular antes tinha declarado e pela qual tinha obtido o benefício fiscal da isenção e redução da tributação.
O requerente, quer ainda na fase dos primeiros contactos com o SF de Sesimbra antes da liquidação impugnada, quer na petição do recurso hierárquico, quer no presente processo arbitral, vem insistindo no facto de que indicou a morada de Lisboa para o cartão de cidadão, na convicção que se tratava de uma “morada de contacto”, como o impresso do dito cartão evidenciava, para efeitos de ser contactado tendo em vista serem-lhe remetidos os elementos para ativação do dito cartão, finalidade essa que em face das suas frequentes ausências no estrangeiro, ao serviço da sua entidade patronal, achou mais exequível se indicasse uma morada, a tal morada de Lisboa, onde sua mãe habitualmente se encontrava.
Vejamos sumariamente em que termos a Lei n.º 7/2007, de 5 de Fevereiro, rege a matéria da emissão do cartão de cidadão.
Nos termos desta Lei, o cartão de cidadão é um documento autêntico que contém os dados de cada cidadão relevantes para a sua identificação e inclui o número de identificação civil, o número de identificação fiscal, o número de utente dos serviços de saúde e o número de identificação da segurança social, sendo título bastante para provar a identidade do seu titular perante quaisquer autoridades e entidades públicas ou privadas.
É óbvio, na economia desta Lei, que a morada constante no cartão de cidadão tem uma clara função de constituir o local de contacto permanente por parte de determinados serviços públicos, sendo definida como o endereço postal físico, livremente indicado pelo cidadão, correspondente ao local de residência onde pode ser regularmente contactado (vd. n.º 1 do artigo 13.º), local este onde o cidadão se tem por domiciliado, para todos os efeitos legais, para comunicação com os serviços de identificação civil, os serviços fiscais, os serviços de saúde e os serviços da segurança social (vd. n.º 2 do artigo 8.º), sem prejuízo de poder designar outros endereços físicos ou eletrónicos.
A lei acentua a preocupação de manter atualizado o local de contacto do cidadão titular deste tipo de cartão impondo-lhe o dever de manter atualizada a sua morada logo que deixe de ser possível o seu contato regular no local anteriormente indicado (vd. n.º 3 do artigo 13.º e n.º 1 do artigo 24.º).
Este objetivo de atribuir à morada constante no cartão uma função de contacto permanente, para efeito de notificações e outras comunicações, pode ajudar a entender a menção aposta no impresso que no campo destinado aos endereços do titular começa por indicar a expressão “Dados de Contacto” com maior destaque e só num segundo espaço e com menor destaque é que aparece a expressão “morada”.
Por outro lado – e este aspeto confere alguma consistência à argumentação do requerente – não deixa de se observar que a própria Lei 7/2007 considerou relevante disciplinar os termos da “escolha do local de entrega” do cartão (vd. artigo 30.º), consignando que o envio da confirmação do local de entrega do cartão de cidadão, bem como dos códigos de ativação, do código pessoal (PIN) e do código pessoal para desbloqueio (PUK) é feito para a morada do titular indicada nos termos do n.º 2 do artigo 13.º (vd. n.º 1do artigo 31.º), sendo que a sua entrega e ativação eletrónica deve ser presencial ao titular ou a terceiro que tenha sido previamente indicado e por funcionário devidamente credenciado (vd. números 2 a 4 do artigo 31.º).
Em face desta breve análise do regime legal do cartão de cidadão e no que concerne a matéria relevante para o caso em apreço, não se pode excluir a possibilidade de um cidadão de experiência e de conhecimentos médios poder confundir-se e ser induzido em erro com os dados exigidos no dito cartão e sobre as consequências e finalidades do seu preenchimento.
Admitimos, com efeito, que a conceção dos campos utilizados na estrutura do dito cartão, ao dar maior destaque aos “Dados de contacto” do que à “morada”, possa não ter sido a solução mais feliz do ponto de vista da finalidade dessa indicação e até induzir em erro quem esteja menos prevenido sobre as consequências de indicar um Dado de Contacto apenas para ser pontualmente contactado no momento de rececionar o cartão ou de indicar um Dado de Contacto que, para todos os efeitos legais, passará a ser a sua morada.
Porém, no caso em apreço, não consideramos determinante que se conclua se o requerente foi ou não induzido em erro ou se o mesmo conseguiu ou não elidir a presunção de que o seu domicílio fiscal não é na morada que declarou ao preencher o cartão de cidadão.
Neste caso e como supra se concluiu pela invocação dos preceitos aplicáveis do CIMT e do n.º 4 do artigo 14.º do EBF não seria ao contribuinte e ora requerente que competia provar qual o seu domicílio fiscal mas seriam antes os serviços da requerida que teriam que ter fiscalizado e demonstrado, em termos devidamente fundamentados, que o mesmo deixou de ter a sua habitação própria e permanente no imóvel situado na Aldeia ….
Ora, o que se verificou é que a administração fiscal, a quem competia provar o invocado direito de revogar um benefício fiscal e de liquidar um tributo que tinha sido dispensado em face da verificação dos pressupostos para tal, veio inverter o ónus que tinha e revogou esse benefício apoiando-se exclusivamente em declarações do mesmo contribuinte, ou seja, na declaração que o mesmo apôs no cartão de cidadão e em duas declarações de IRS.
Com efeito, para sustentar a liquidação impugnada e na resposta apresentada nos presentes autos, a autoridade requerida deu apenas relevância às declarações do próprio contribuinte favoráveis à tese da liquidação, a saber, uma declaração em que foi indicada uma morada de Lisboa como morada de contacto, diferente da que o mesmo contribuinte anteriormente declarara no concelho de Sesimbra, e invocou também as declarações de IRS referentes a 2009 e a 2010, cujo código relativo à residência do declarante já evidenciava a comunicação que os Serviços do IRN lhe tinham feito sobre essa mesma alteração, desprezando em absoluto outras declarações do mesmo contribuinte mormente a que foi feita constar no contrato de compra e venda, a declaração em que informou que fixou a sua residência própria e permanente na casa da Aldeia … e numa outra declaração mais recente em que o mesmo contribuinte veio reafirmar essa afetação e permanência.
Ao invés, o requerente provou, mormente com as diversas faturas que juntou sobre os consumos de serviços habitualmente associados à utilização permanente de uma casa de morada, como são água, a eletricidade e as comunicações, que a casa da Aldeia … teve uma utilização constante ao longo dos anos de 2008 a 2012 e, dentro de cada ano, no decurso de várias épocas do ano e não apenas nos meses de Verão, reforçando, com a prova testemunhal de que o requerente era avistado com frequência no local da referida casa, a convicção da sua utilização nessa função.
É certo, não deixa de se observar, que a prova dos consumos de serviços de água, eletricidade e telefone pode não ser só por si suficiente para demonstrar que alguém tem a sua habitação em determinado local, que é esse o local onde vive habitualmente, que é o centro onde tem a sua economia doméstica, onde dorme e recebe os seus amigos.
Porém, essa prova juntamente com os depoimentos testemunhais já permitem sustentar a convicção de que a dita casa tem funcionado como a morada efetiva do requerente.
Não obstante, perante a ausência de prova fundada por parte dos serviços competentes da Autoridade Requerida para sustentar o invocado direito à liquidação do tributo, concluímos que o requerente tem direito a continuar a manter o benefício fiscal que lhe foi reconhecido em 2008, no ato de compra e venda do imóvel sito na Rua …, na Aldeia …, freguesia do..., concelho de Sesimbra, para o qual declarou de seguida que mudou a sua habitação própria e permanente não tendo sido provado, por quem competia, que não continue a mantê-la nesse local.
Daí que, com base na ausência de fundamentação adequada, deva considerar-se ilegal a liquidação impugnada com as demais consequências legais daí decorrentes.
Em matéria de jurisprudência para apoio da presente decisão arbitral, quanto à formulação dos conceitos envolvidos, invoca-se o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-11-2011, processo 0590/11, que conhecendo embora uma situação tributária não totalmente coincidente com a que é objeto do presente processo arbitral aborda uma matéria relacionada com a revogação de um benefício fiscal num caso em que também existiu discrepância entre a declaração do domicílio fiscal e a morada efetiva do contribuinte.
Decisão
Nestes termos, decide-se julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pelo requerente e decretar a anulação da liquidação adicional de Imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e juros compensatórios, nos montantes, respetivamente, de € 875,00 e de € 116,60, no total de € 991,60, pagos em 05.03.2012, com as demais consequências legais, mormente condenando a administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária em conjugação com o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Custas
Fixa-se o montante das custas em € 306,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária.
Lisboa e CAAD, em 28 de Novembro de 2012
O Árbitro,
Joaquim Silvério Dias Mateus