Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 466/2022-T
Data da decisão: 2022-12-05  IMI  
Valor do pedido: € 94.504,96
Tema: IMI. Pedido de revisão oficiosa. Tempestividade
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DECISÃO ARBITRAL

 

         Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Raquel Franco e Dra. Ana Teixeira de Sousa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 07-10-2022, acordam no seguinte:

        

         1. Relatório

 

A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede na Av.ª..., ..., ...-... Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e em representação do FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B..., contribuinte fiscal n.º ... (em diante abreviadamente designada “Requerente”), tendo apresentado pedido de revisão oficiosa das Liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) relativas ao ano de imposto de 2017, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado (ato imediato do presente pedido arbitral) e a anulação parcial das Liquidações Contestadas (ato mediato do presente pedido arbitral ).

A Requerente pede ainda reembolso do imposto que considera ter pagado em excesso e juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 01-08-2022.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 19-09-2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 07-10-2022.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 08-12-2022, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações simultâneas facultativas.

A Requerente apresentou alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Em 31-12-2017, a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... (correspondente ao anterior U-...), U-... e U-... os quais correspondem aos lotes n.ºs 1, 2, 2A, 3, 4, 4A, 5, 6, 7, 8, 9 e 10, respetivamente, do Alvará de Loteamento n.º .../2010 conforme alterado pelo Aditamento n.º 1, emitido em 31-07-2015 e pelo Aditamento n.º 2 emitido em 14-12- 2017 (em diante abreviadamente designados de “Terrenos para Construção”) (cadernetas prediais que constam do Documento n.º 2 cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. O anterior terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-... foi desativado com efeitos a 29-12-2017, dando origem ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo matricial U-... (conforme avaliação promovida em 02-02-2018, que se refere no documento n.º 2)
  3.  Os referidos artigos matriciais (com exceção do U-...) deram, entretanto, origem aos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-...;
  4. A Requerente foi notificada das Liquidações de IMI n.ºs 2017... de 20-03-2018, 2017... de 21-06-2018 e 2017... de 22-10-2018, relativas ao ano de imposto de 2017, no valor agregado de € 152 440,41 (cópias das liquidações que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Do valor global do IMI liquidado em 2018 por referência ao ano de imposto de 2017 (€ 152 440,41), o valor total diz exclusivamente respeito aos Terrenos para Construção e resulta da aplicação da taxa de IMI (0,30%) relativamente aos valores patrimoniais tributários (“VPTs”) dos Terrenos para Construção a 31.12.2017, nos termos da tabela que segue:

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento integral das Liquidações Contestadas nos termos e nos prazos que dispunha para o efeito (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Na determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção que serviram de base às Liquidações Contestadas, a AT aplicou uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados indevidamente os coeficientes multiplicadores do VPT (i.e., os coeficientes de localização e de afetação) e a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI;
  3. Em concreto, na determinação dos VPTs:
  1. dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... sob os artigos matriciais ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., a AT aplicou: (i) um coeficiente de afetação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,9 nas parcelas dos terrenos para construção com edificação prevista ou autorizada para comércio ; e, (ii) um coeficiente de localização de 2 e um coeficiente de qualidade e conforto de 1,03 nas parcelas dos terrenos para construção destinadas a habitação;
  2. do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo matricial ..., a AT aplicou (i) um coeficiente de afetação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,9 na parcela do terreno para construção com edificação prevista ou autorizada para comércio; e, (ii) um coeficiente de localização de 2 e um coeficiente de afetação de 1,1 na parcela do terreno para construção destinada a serviços;
  3. do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo matricial ... (correspondente ao anterior U-...), a AT aplicou:

(i) um coeficiente de afetação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,9 na parcela do terreno para construção com edificação prevista ou autorizada para comércio; e, (ii) um coeficiente de localização de 2,2 na parcela do terreno para construção destinada a habitação; e,

  1. do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo matricial ..., a AT aplicou indevidamente um coeficiente de afetação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,9;

 

  1. A fórmula de cálculo do VPT utilizada pela AT incluiu a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI;
  2. A avaliação em que a Autoridade Tributária e Aduaneira se baseou para emitir as liquidações foi efectuada em 2015;
  3. O VPT, eficaz para a liquidação contestada, foi calculado em 2015.
  4. No contexto dos procedimentos de avaliação requeridos pela Requerente em Dezembro de 2019, a AT já desconsiderou, nas avaliações promovidas e tal como solicitado pela Requerente, os coeficientes de localização e de afetação nos termos solicitados pela Requerente (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. No dia 30-12-2021, foi apresentado um pedido de revisão oficiosa das Liquidações Contestadas com fundamento quer em erro imputável aos serviços, quer em injustiça grave ou notória (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. A Autoridade Tributária e Aduaneira não proferiu decisão sobre o pedido de revisão oficiosa até 29-07-2022, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e afirmações por esta feitas que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

A Requerente pediu a revisão oficiosa de liquidações de IMI relativas o ano de 2017, com fundamento em erro na fixação dos valores patrimoniais tributários de terrenos para construção, por a AT ter aplicado os coeficientes de afetação, localização e de qualidade e conforto e a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1 do Código do IMI nas avaliações, em violação das normas legais constantes do Código do IMI, nomeadamente do artigo 45.º desse código.

A Autoridade Tributária e Aduaneira aceita expressamente que as liquidações enfermam desses erros e salienta que não há litígio sobre essa matéria, dizendo nos artigos 13.º e 14.º da Resposta:

13.º

Importa desde já sublinhar que a Autoridade Tributária acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.

 

14.º

Donde, verifica-se ausência de litígio quanto à forma de cálculo aplicável para determinar o VPT dos terrenos para construção.

 

Assim, o litígio tem por objecto apenas a verificação ou não de uma situação em que a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efectuado a revisão que foi pedida pela Requerente.

A Requerente defende, em suma, que estão reunidos os requisitos previstos no artigo 78.º da LGT, quer o do n.º 1, que é ilegalidade por erro imputável aos serviços, quer do n.º 4, que é erro na fixação da matéria tributável de que resultou injustiça grave notória.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que:

– não está legalmente prevista a dedução de pedido de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores, pelo que a pretensão da Requerente carece de fundamento legal;

– o ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica, tendo a força de caso julgado;

– eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, pelo que o ato de liquidação não enferma de qualquer ilegalidade;

– e, mesmo que assim não se entendesse, o que por hipótese se admite, o pedido de revisão oficiosa sempre seria intempestivo face aos prazos previstos no artigo 78.º da LGT;

– sendo que, a final, sempre se concluiria no sentido de já ter decorrido o prazo de 5 anos em que seria possível a anulação do ato.

 

Está-se perante um indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, pelo que são os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo os que podem servir de fundamento para indeferimento.

O artigo 78.º da LGT estabelece o seguinte:

 

Artigo 78.º

Revisão dos actos tributários

1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2. Revogado.

3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6. A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7. Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.

 

3.1. Questão da falta de previsão da revisão oficiosa de actos de fixação de valores patrimoniais

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a letra da lei – artigo 78.º da LGT - não abrange os atos de avaliação patrimonial, que não são atos tributários, previstos no n.º 1, nem são atos de apuramento da matéria tributável, previstos no n.º 4 daquela norma.

No entanto, a Requerente não pediu a revisão de actos de fixação de valores patrimoniais tributários, mas sim de actos de liquidação de IMI.

Os actos de liquidação são, manifestamente, actos que podem ser objecto de pedidos de revisão oficiosa, como se infere da referência expressa que o n.º 1 do artigo 78.º da LGT lhes faz.

Por isso, improcede o primeiro motivo invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

3.2. Questões da consolidação dos actos de fixação dos valores patrimoniais tributários e da inviabilidade de revisão dos actos de liquidação com fundamento em vícios próprios e exclusivos do VPT

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que os actos de fixação do VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos estão consolidados na ordem jurídica, tendo a força de caso julgado.

A consolidação a que a Autoridade Tributária e Aduaneira se refere é a que resulta da falta de impugnação tempestiva que, em princípio, torna os actos inimpugnáveis com fundamento em vícios geradores de anulabilidade, tendo força de caso decidido ou resolvido (e não força de caso julgado, que apenas está prevista para decisões judiciais, no artigo 619.º do CPC).   

Por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».

Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que:

– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e

– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).

 

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais, «com fundamento em qualquer ilegalidade», e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação com fundamento em ilegalidade se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

No âmbito do IMI e do AIMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).

Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT se encontrava previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

 

– de 30-06-1999, processo n.º 023160 ([1] );

– de 02-04-2003, processo n.º 02007/02;

– de 06-02-2011, processo n.º 037/11;

– de 19-09-2012, processo n.º 0659/12 ( [2] )

– de 5-2-2015, processo n.º 08/13;

– de 13-7-2016, processo n.º 0173/16;

– de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

 

Assim, o sujeito passivo de IMI ou de AIMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais ilegalidades dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).

Este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS ( [3] ), IRC ( [4] ) e Imposto do Selo ( [5] ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

O prazo de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

Pelo exposto, as ilegalidades dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem considerar-se ilegalidades dos actos de liquidação de IMI, susceptíveis de serem invocadas em processo impugnatório destes actos.

Por outro lado, o pedido de revisão não foi efectuado no prazo da reclamação administrativa a que se refere a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pelo que só poderia ser feita a revisão com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos da 2.ª parte daquele número.

Ora, os actos de liquidação de IMI, em si mesmos, não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços, pois, fizeram aplicação correcta do preceituado no n.º 1 do artigo 113.º do CIMI.

Por isso, o pedido de revisão não podia ser deferido ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

3.3. Questões da admissibilidade de revisão oficiosa dos actos com fundamento em injustiça grave ou notória, da consolidação dos actos de fixação de valores patrimoniais por não impugnação das avaliações e dos limites à revogabilidade previstos no artigo 168.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo

 

Estas questões estão conexionadas pelo que se apreciaram conjuntamente.

Diferente da questão da impugnabilidade dos actos de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, é a da possibilidade da revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no n.º 3 do artigo 78.º da LGT, que a Requerente pediu, e que é um afloramento do dever de revogação de actos ilegais, que emerge do princípio a legalidade da actuação da Administração Tributária (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT).

Na verdade, a utilidade prática da revisão com fundamento em injustiça grave ou notória verifica-se apenas após o decurso do prazo da reclamação administrativa, precisamente quanto a actos que já não podem ser impugnados com fundamento em qualquer ilegalidade ou em erro imputável aos serviços.

Trata-se, assim, explicitamente, de possibilidade de revisão da matéria tributável, inclusivamente de actos de fixação de valores patrimoniais quando são eles que definem a matéria tributável, após a normal consolidação que decorre da não impugnação das avaliações nos prazos legais.

Mas, esta possibilidade de revisão da matéria tributável no âmbito do procedimento de revisão oficiosa está prevista em termos mais restritos do que aqueles em que podem ser tempestivamente impugnados os actos de liquidação, pois, por um lado, só a injustiça grave ou notória é fundamento de revisão e não qualquer ilegalidade. Por outro lado, mesmo a nível de revisão oficiosa, esta revisão da matéria tributável é mais restrita do que a prevista no n.º 1 do artigo 78.º para a revisão de actos de liquidação, pois o prazo é até ao terceiro ano posterior ao do acto tributário, em vez do de quatro a contar da liquidação, mesmo que o erro seja imputável à Administração Tributária.

A possibilidade de revisão oficiosa de actos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI. Designadamente, o artigo 115.º do CIMI reporta-se a actos de liquidação e não a actos de fixação de valores patrimoniais.

Por outro lado, trata-se de um regime especial para cumprimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira do dever de revogação que emana do princípio da legalidade que, estando especialmente previsto para o contencioso tributário, afasta a aplicabilidade subsidiária do artigo 168.º do Código do Procedimento Administrativo, pois não há uma lacuna de regulamentação.

Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, se pode aventar a possibilidade de revisão, nos termos dos seus n.ºs 4 e 5, que estabelecem o seguinte:

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

 

Da revisão da matéria tributável prevista no n.º 4 do artigo 78.º decorrerá a anulação dos actos consequentes que a tenham como pressuposto, como são os actos de liquidação de IMI ou AIMI, embora sem os efeitos retroactivos previstos para a impugnação tempestiva, designadamente a nível de juros indemnizatórios, como decorre dos n.ºs 1 e 3 alíneas b) e c) do artigo 43.º da LGT.

Apesar de no n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo:

– «o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade, mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»; ( [6] )

– «a previsão constante do dito art. 78.º n.º 4, como excepcional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos». ( [7] )

 

Por outro lado, como decorre do n.º 7 do artigo 78.º da LGT, esta revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pode ser efectuada a pedido do contribuinte e, neste caso, pode ser efectuada após o prazo de três anos, pois o pedido do contribuinte interrompe o prazo inicial, contando-se um novo prazo a partir da apresentação do pedido. ( [8] )

Nestas situações em que o erro está na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes actos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços ou de ilegalidade desses actos, mas apenas que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».

Por outro lado, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no citado acórdão de 17-02-2021, a previsão da autorização como excepcional, não afasta o «poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».

 

3.4. Tempestividade do pedido de revisão oficiosa para efeitos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT

 

O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do acto tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º.

Os «três anos posteriores ao do acto tributário» terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto tributário.

As liquidações cuja revisão oficiosa foi pedida foram emitidas em 2018, pelo que o prazo que abrange os três anos posteriores (2019, 2020 e 2021) terminou em 31-12-2021.

A Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em 31-12-2021, pelo que tem de se concluir que foi apresentado tempestivamente.

 

3.5. Exigência de que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte

 

A fixação da matéria tributável foi efectuada pela Administração, com base numa fórmula prevista na lei, sem que se tenha demonstrado que a Requerente tenha fornecido qualquer informação errada quanto à natureza dos prédios, pelo que o eventual erro na aplicação na fórmula de avaliação invocado pela Requerente não pode ser considerado imputável a um seu comportamento negligente.

 

3.6. Injustiça grave ou notória

 

O último requisito da revisão oficiosa ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT é o de o apuramento da matéria tributável consubstanciar «injustiça grave ou notória».

O n.º 5 do artigo 78.º esclarece o alcance destes conceitos, estabelecendo que «para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional».

Aquele requisito é exigido em alternativa, como se depreende do uso da conjunção «ou».

No caso em apreço, afigura-se ser manifesta a natureza «grave» da injustiça gerada com as erradas avaliações, pois, a tributação em IMI dos prédios referidos nos autos foi consideravelmente superior ao devido, como resulta da quantificação efectuada pela Requerente e não impugnada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3.7. Conclusão

 

Verificam-se, assim, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efectuado a revisão e anulado parcialmente as liquidações de IMI relativas ao ano de 2017.

Pelo exposto, justifica-se a anulação do indeferimento tácitos do pedido de revisão, bem como a anulação parcial das liquidações de IMI, nas partes em que excederam o que seria devido se tivessem tido como pressupostos as avaliações realizadas nos termos legais.

O valor da tributação indevida é o de € 94.504,96, calculado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira, para a situação de ilegalidade por consideração dos coeficientes de localização e de afetação e da majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, pois quanto a ambas as questões a Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu a ilegalidade (artigos 13.º e 14.º da Resposta).

 

4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

 

A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

Como consequência da anulação parcial das liquidações há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de € 94.504,96, relativa às liquidações do ano de 2017, valor que a Autoridade Tributária e Aduaneira não contesta.

O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».

No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão foi apresentado em 31-12-2021 pelo que apenas a partir de 31-12-2022 haveria direito a direito a juros indemnizatórios.

Tendo a Requerente optado por impugnar o indeferimento tácito, formado antes daquela data, não tem direito a juros indemnizatórios.

 

            5. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular parcialmente as liquidações de IMI n.ºs 2017... de 20-03-2018, 2017... de 21-06-2018 e 2017... de 22-10-2018, respeitantes às três prestações do ano de 2017, quanto ao valor de € 94.504,96;
  3. Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 94.504,96;
  4. Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 94.504,96, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 05-12-2022

 

Os Árbitros

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

(Raquel Franco)

(com declaração de voto em anexo)

(Ana Teixeira de Sousa)

 

Declaração de voto

A minha interpretação do direito aplicável ao caso diverge em alguns aspetos da que foi seguida na decisão supra – concretamente no ponto 3.2 da mesma – pelo que opto por fazer referência a essa divergência através da presente declaração de voto. Em causa está apenas a possibilidade de aplicação, in casu, da norma prevista no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

            Não tenho dúvidas de que, prima facie, não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, se forma caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI. Por outro lado, e como se refere na decisão, a natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

            É também inequívoco que, no caso concreto, as ilegalidades imputadas aos atos de liquidação de IMI controvertidos se referem unicamente à sua base de incidência, em concreto, à fixação do VPT desses terrenos, posta em causa por esse valor ter sido calculado de acordo com uma fórmula incorreta. A Requerente pretende, portanto, a anulação das liquidações de IMI por vício do ato de fixação do VPT. E, quanto a esse, o legislador estabeleceu um regime específico para a sua contestação que constitui um desvio, por opção legislativa, ao regime da impugnação unitária previsto no artigo 54.º do CPPT, não cabendo a sua apreciação na impugnação judicial da subsequente liquidação de IMI.

            Contudo, o legislador mitigou o efeito preclusivo desse regime de impugnação autónoma ao instituir o regime de revisão oficiosa dos atos tributários ilegais – um regime que assume a função de ‘válvula de escape’ do sistema, ao permitir que, por iniciativa do particular ou da AT, e na medida em que se verifiquem os pressupostos legais, mormente o “erro imputável aos serviços”, seja possível proceder à revisão oficiosa dos tributários. Isso mesmo sublinha o TCA Sul, no acórdão de 31 de outubro de 2019, processo n.º 2765/12.8BELRS: “o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.”

            É a esta luz que penso que deverá apreciar-se o mecanismo de revisão dos atos tributários, conformado, em geral, pelo artigo 78.º da LGT, e, em matéria de IMI, pelo preceituado no artigo 115.º do CIMI. A inclusão de normas deste tipo nos códigos tributários é justificada pelo reforço das garantias de defesa dos contribuintes e de elevação dos meios de tutela das respetivas posições substantivas, sem que tal colida com o princípio fundamental da segurança jurídica, inerente ao Estado de Direito, pois é circunscrita a um quadro temporal pré-definido, de 4 ou 3 anos, consoante esteja em causa a aplicação do n.º 1 ou do n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

            Neste contexto, o artigo 78.º da LGT, sob a epígrafe “Revisão dos atos tributários”, na parte relevante para a apreciação das questões decidendas, dispõe o seguinte:

“1 - A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 – [revogado]

3 - A revisão dos atos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. […]”

           

            O instituto da revisão oficiosa está, de igual modo, previsto no artigo 115.º do Código do IMI (“Revisão oficiosa da liquidação e anulação”) que, no seu n.º 1, alínea c), determina que: “Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas […] c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado coleta de montante diferente do legalmente devido”.

            Estamos perante “um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um ato ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respetivos montantes, que não estejam previstos na lei.” – v. acórdão do TCA Sul, processo n.º 2765/12.8BELRS.

            Quer em relação ao artigo 78.º, n.º 1 da LGT, quer ao artigo 115.º, n.º 1, alínea c) do Código do IMT, a revisão oficiosa reporta-se, no seu sentido literal, a ilegalidades dos atos tributários stricto sensu – atos de liquidação de IMI – e não à avaliação (ou a atos de avaliação) de valores patrimoniais, que consubstanciam atos administrativos em matéria fiscal. Já no que se refere ao n.º 4 do artigo 78.º da LGT, este faz referência à “revisão da matéria coletável” e não a “atos tributários”, pelo que abrange, sem dúvida, atos de fixação de valores patrimoniais. Aqui, não constitui requisito constitutivo do direito à revisão a ocorrência de “erro imputável aos serviços”; porém, requer-se o fundamento de “injustiça grave ou notória”, sendo o prazo encurtado para três anos (posteriores ao do ato tributário).

            É relativamente a este ponto – do enquadramento da situação em análise no n.º 1 ou no n.º 4 do artigo 78.º da LGT – que a jurisprudência diverge e que a signatária diverge da posição adotada na presente decisão arbitral. O acórdão do TCA Sul acima referido, que se acompanha, preconiza uma interpretação extensiva, segundo a qual o artigo 78.º, n.º 1 da LGT é invocável também no domínio dos atos de fixação de valores patrimoniais, não obstante estar em causa matéria de avaliação de VPT, “visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.” Assim, na medida em que esses atos de avaliação se repercutem em liquidações de imposto de valor superior ao que resultaria da correta aferição da base de incidência, não existe razão para que não mereçam um nível de tutela similar. Neste sentido, segundo o citado acórdão do TCA Sul [processo n.º 2765/12.8BELRS]: “ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços. O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas. Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável. O que reforça o entendimento de que o direito que a recorrida reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal.”

            Esta posição teve eco, nomeadamente, nas decisões arbitrais n.º 500/2020-T e n.º 651/2021-T, com os fundamentos que parcialmente se transcrevem: “Sendo o pedido de revisão oficiosa meio próprio para se obter a revisão de uma liquidação, mesmo quando inquinada por vício na quantificação da matéria coletável que lhe serve de base, é meio próprio para conhecer de tais questões o recurso judicial ou arbitral interposto no seguimento do silêncio administrativo quanto a tal pedido. Fazemos nosso o entendimento do TCAS no acórdão que pôs termo ao processo 2765/12, de 31-10-2019, segundo o qual a errada fixação do VPT pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação. […] Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado. Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1]. (…) Restringir ou eliminar essa impugnabilidade constituiria, outrossim, uma agressão manifesta ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmado nessa norma constitucional. Mesmo que assim não se entenda, sempre teríamos que a revisão oficiosa seria possível com fundamento no disposto nº 4 do art.º 78º da LGT: o apuramento da matéria coletável consubstanciar «injustiça grave ou notória». No caso, verificam-se os dois pressupostos legais: a gravidade, pois o imposto liquidado será mais de 35% superior ao devido no caso da A... quase 60% superior ao devido no caso da B...; a notoriedade, uma vez que estão em causa questões de direito, sendo que o cálculo do VPT foi feito de forma que contraria frontalmente jurisprudência consolidada do STA. Não está em causa um qualquer “comportamento negligente do contribuinte”, pois que este(s) nenhuma intervenção tiveram na fixação dos VPT’s em causa. Note-se, por último, que a “negligência” que a lei se refere é relativa ao contributo do contribuinte para o “erro” e não à negligência na utilização atempada dos meios normais de reação. Assim, mesmo admitindo – o que não se concede – que o pedido de revisão oficiosa apenas poderia ser feito ao abrigo do n.º 4 do art.º 78º da LGT, temos que, sempre seria tempestivo (as liquidações em causa relativas a 2016 – as mais antigas - são datadas de 2017, tendo os pedidos de revisão oficiosa das liquidações sido apresentados, respetivamente, em , em 02.03.2020 e 04.03.2020, ou seja, dentro dos três anos posteriores aos dos atos tributários cuja revisão se pretendia.

            Concordo com esta posição e entendo que, na situação dos autos, ocorreu erro imputável aos serviços, na medida em que, não obstante a Requerida ter efetuado as liquidações de IMI com base nos VPT que constavam das matrizes, a 31 de dezembro do ano em causa, como determina o artigo 113.º, n.º 1 do Código do IMI , esta incorreu em erro de direito no procedimento de avaliação e fixação do VPT, que condicionou diretamente a sobrevalorização dos VPT e a liquidação de IMI em excesso e, em consequência, o pagamento de prestação tributária indevida – desfecho para o qual a Requerente não contribuiu.

            Esta é a interpretação que, segundo se entende, melhor se coaduna com o nível de proteção acrescido dos contribuintes que está subjacente à instituição do regime de revisão oficiosa e ao princípio da legalidade e da tutela efetiva das posições substantivas que lhes assistem. Teria, portanto, concluído pela admissibilidade e tempestividade da revisão oficiosa das liquidações de IMI impugnadas na presente ação arbitral nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Raquel Franco

 



[1] Publicado em https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/3997226/details/normal?q=23160.

[2] Refere-se neste aresto:

Na verdade, em sede de IMI, a lei prevê um procedimento de determinação da matéria tributável – a avaliação do prédio (art. 14.º do CIMI) – que termina com o acto de fixação do VPT que serve de base à liquidação do imposto. Este acto, como é sabido, é um acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que é autonomamente impugnável, numa excepção ao princípio da impugnação unitária que, em regra, vigora no processo tributário (cfr. art. 134.º do CPPT) e que se encontra «em sintonia com o preceituado no art. 86.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que os actos da avaliação directa são directamente impugnáveis» 

(...)

[t]ratando-se de actos destacáveis e inexistindo qualquer restrição relativa às ilegalidades que podem ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste acto para efeitos de impugnação contenciosa».

[3] Artigos 10.º, n.º 6, alínea d), 31.º, n.º 13, alínea d), 41.º, n.º 4, 43.º, n.º 2, alínea b), 45.º, n.º 3, 46.º, n.º 3, e 51.º, n.º 2, do CIRS.

[4] Artigos 56.º, n.º 2, 64.º, n.ºs 2, 3, alíneas a) e b), 4 e 5, 139.º, n.º 1, 2, e 3 do CIRC.

[5] Artigos 13.º, n.ºs 1, 6 e 7, 31º, n.º 2, e 32.º do Código do Imposto do Selo.

[6] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-10-2009, processo n.º 0476/09.

No mesmo sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 02-11-2011, processo n.º 329/11 e de 14-12-2011, processo n.º 366/11.

[7] Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-02-2021, processo n.º 39/14.9BEPDL 0578/18.

[8] Como está ínsito no conceito de «interrupção», explicitado no artigo 326.º do Código Civil.