Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 219/2022-T
Data da decisão: 2022-11-28  IVA  
Valor do pedido: € 121.564,45
Tema: IVA – Direito à dedução.
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            Sumário:

 

1) A entidade empregadora tem de assegurar aos seus trabalhadores (i) a “prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde" (artigo 59.º da Constituição e artigos 281.º e seguintes do Código do Trabalho) e (ii) a prevenção de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (sendo as doenças do foro psicológico um risco importante na atividade desenvolvida pela Requerente).

 

2) Não tendo sido alegado qualquer indício de fraude, há que concluir que a contratação de serviços com estes objetivos visou satisfazer necessidades da própria empresa, relativas ao seu principal fator de produção (os trabalhadores), sendo assim o IVA suportado com a aquisição de tais serviços dedutível.

 

3) Os serviços de legalização de trabalhadores e apoio logístico na instalação dos trabalhadores no país foram, no caso, contratados para satisfação de necessidades específicas da Requerente, fazendo estas despesas parte dos elementos constitutivos do preço dos serviços faturados aos seus clientes no exercício da sua atividade. Assim, o IVA suportado com a aquisição de tais serviços é também dedutível.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Signatários, Prof. Doutor Rui Duarte Morais (Presidente), Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso (Vogal), e Dr. José Luís Ferreira (Vogal), foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, o qual foi constituído em 14 de junho de 2022.

 

  1. Relatório

   

1. A..., Unipessoal, Lda., pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º ..., com sede no ..., n.º ..., ...-... Lisboa, inserida na área de competência territorial do Serviço de Finanças de Lisboa – ... (doravante, Requerente), apresentou no dia 29 de março de 2022 pedido de pronúncia arbitral (PPA), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto‑Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida).

O presente PPA tem por objeto o Ofício da Direção de Finanças de Lisboa de 15/dezembro/2021, que notificou a Requerente do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2021... (a qual tinha por objeto as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativas aos períodos de 2018-10-12, de 2019-01-03-04-05-06-07-08-09-10-11-12 e de 2020-01-02-03-04-05-06-07-08-09-10 (doravante, Ato Impugnado).

A Requerente pede ao Tribunal a procedência do PPA e consequentemente: (a)  a  Declaração de ilegalidade e anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021...; (b) a Declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação adicional de IVA relativos aos períodos de 2018-10-12, 2019-01- 03-04-05-06-07-08-09-10-11-12 e 2020-01-02-03-04-05-06-07- 08-09-10, na parte em que os mesmos concretizam as correções que têm origem na decisão de recusa à dedução do imposto suportado pela Requerente com a aquisição de serviços à B... e à C... nos montantes de € 63.917,71 e de € 57.646,74, respetivamente, a qual foi tomada no âmbito do procedimento de inspeção tributária efetuado ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2020..., OI2021... e OI2021..., com fundamento em erro quanto aos pressupostos de facto e de direito; (c) Em consequência de a) e de b), ser determinado o reembolso à Requerente dos montantes de IVA de € 63.917,71 e de € 57.646,74, acrescidos de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 100.º da LGT e no artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, ex. vi. artigo 24, n.º 5, do RJAT.

 

Sumariamente, a Requerente defende a dedutibilidade do IVA suportado com os serviços adquiridos à B... Sucursal em Portugal (doravante, B...), no valor de EUR 63.917,71, e à C... (doravante, C...), no valor de EUR 57.646,74; no período compreendido entre outubro de 2018 e outubro de 2020,— dedutibilidade que foi rejeitada pela AT no âmbito do procedimento de inspeção iniciado na sequência do pedido de reembolso de IVA no montante de EUR 518.280,90 formulado pela Requerente na declaração periódica de 2020.

 

 

Segundo a Requerente, O que está exclusivamente em causa, na perspetiva da AT, é o chamado elemento finalístico, na medida em que o artigo 168.º da Diretiva do IVA condiciona o direito à dedução do imposto incorrido a montante à circunstância de os bens e serviços serem “utilizados para os fins das suas operações tributadas”. Entende a Requerente que os serviços descritos nas faturas em causa constituem a “assunção de um custo com os trabalhadores enquadrado e motivado pela complexa e específica atividade que prossegue e que, como tal, faz parte das suas despesas gerais”, “O que está derradeiramente em causa é a manutenção de um determinado quadro de circunstâncias no que aos seus trabalhadores diz respeito para que a empresa possa exercer normalmente a sua atividade. De acordo com a interpretação à Diretiva do IVA que tem sido feita em primeira linha pelo TJUE, o IVA suportado por um sujeito passivo – caso da Requerente – nestas condições é dedutível. A exigência de um nexo direto entre as operações passivas e as operações ativas, isto é, de uma aplicação imediata e direta dos bens ou serviços adquiridos (inputs) nestas últimas (outputs), não consta da legislação do sistema comum do IVA, nomeadamente da Diretiva do IVA”. Conclui: “Tudo ponderado, as liquidações adicionais de IVA efetuadas pela AT para concretizar o deferimento parcial do pedido de reembolso, na parte em que cristalizam a recusa à dedução do imposto suportado com a aquisição de serviços à B... e à C... nos montantes de € 63.917,71 e € 57.646,74, nesta ordem, num total de € 121.564,45, enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, vício conducente à respetiva anulação (cf. artigo 99.º, alínea a), do CPPT e artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo)”.

 

2. O pedido de pronúncia arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 31 de março de 2022 e foi automaticamente notificado à Requerida.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 23 de maio de 2022, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 2 alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os Signatários como Árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, tendo os Signatários comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Ainda em 23 de maio de 2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 14 de junho de 2022.

 

6. Em 15 de junho de 2022, o Tribunal proferiu despacho nos termos do disposto no artigo 17.º n.ºs 1 e 2 do RJAT a ordenar a notificação do dirigente máximo da Administração Tributária para apresentar Resposta (no prazo de 30 dias) e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando que deve ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do mesmo prazo.

 

7. Em 5 de setembro de 2022, a Requerida veio aos autos apresentar Resposta a impugnar a matéria de facto alegada pela Requerente, e a reiterar que “é também pressuposto do direito à dedução do IVA que os bens e serviços estejam diretamente relacionados com o exercício da atividade do sujeito passivo. Isto é, a noção principal que temos de ter presente é, pois, a de que o direito à dedução do IVA só é permitido no consumo de bens ou serviços que sejam utilizados nas operações tributáveis dos sujeitos passivos. O que quer dizer então que, o conceito de atividade económica e o direito à dedução não podem ser dissociados”.

 

Em suma, reitera a Requerida: “No que respeita aos serviços adquiridos pela Requerente à «B...  Sucursal em Portugal», trata-se de serviços que não se encontram diretamente ligados à atividade operacional da Requerente e que não se esgotam no desempenho de funções profissionais da mesma; assim, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA, não existindo uma relação direta e imediata destes serviços com as operações ativas desenvolvidas pela Requerente, as despesas suportadas com os serviços adquiridos à «B...  Sucursal em Portugal», não são dedutíveis. Do mesmo modo, relativamente aos serviços adquiridos à «C... », por se verificar uma impossibilidade de estabelecer uma relação direta e imediata entre os mesmos e as operações ativas desenvolvidas pela Requerente, de acordo com o previsto no artigo 20.º do Código do IVA, as despesas suportadas com esses serviços não são dedutíveis. Acresce ainda que, uma vez que os serviços adquiridos estão, essencialmente, conexos com a identificação de trabalhadores e com a sua legalização e apoio logístico (procura de casa e auxílio na acomodação no país), pelo facto de tais despesas constituírem «despesas de carácter pessoal» dos trabalhadores, nunca seriam dedutíveis. Face ao exposto, importa concluir, como sucedeu com os SIT, que as despesas suportadas com os serviços adquiridos à «B... Sucursal em Portugal» e à «C... » não podem ser deduzidas, nos termos do disposto no artigo 20.º do Código do IVA.

Por conseguinte, impõe-se concluir que as correções propostas e descritas no Item III.1.2 e III.1.3 do RIT, referentes à dedução indevida de imposto nos períodos 2018-10-12, de 2019-01-03-04-05-06-07-08-09-10-11-12 e de 2020-01-02-03-04-05-06-07-08-09-10, devem ser mantidas, por não padecerem de qualquer erro acerca dos pressupostos de facto e/ou de direito, improcedendo assim o presente PPA”.

 

8. Em 16-11-2022 de 2022, foi proferido o despacho arbitral prescindindo da realização da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT e da produção de alegações. As partes não se opuseram a tal despacho

 

  1. Saneamento

    

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram‑se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portarias n.º 112‑A/2011 de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

    

  1. Matéria de Facto

III.1    Factos Provados

  1. A Requerente é uma sociedade de direito português, constituída em agosto de 2011, que tem como objeto social a consultoria e prestação de serviços relacionados com tecnologias de informação e de serviços de outsourcing — conforme resulta do código de acesso ...;
  2. A Requerente é a sociedade portuguesa que integra o grupo multinacional D... que atua na área da consultoria de serviços de tecnologias de informação, implementação de soluções digitais para transformação dos modelos de negócio e operação dos seus clientes, ajudando os seus parceiros a desenhar, projetar, desenvolver, implementar e administrar soluções de negócio mais inovadoras, eficientes e digitais com recurso às mais modernas tecnologias digitais do mercado – ponto II.3.3.1 do RIT;
  3. A atividade desenvolvida pela Requerente centra-se, fundamentalmente, na gestão de conteúdos publicados nas diversas plataformas de social media com a finalidade de contribuir para uma internet mais limpa e livre de informações falsas (vulgarmente conhecidas como fake news), bem como na otimização de campanhas de marketing para clientes de plataformas digitais como a Google, eliminando conteúdos que possam ser considerados nocivos para o público em geral - ponto II.3.3.1 do RIT;
  4. Para efeitos de IVA, a Requerente é um sujeito passivo enquadrado desde 1 de janeiro de 2018 no regime normal mensal;
  5. É noticiada a existência de efeitos nefastos para a saúde física e psíquica dos trabalhadores envolvidos neste tipo de atividade[1];
  6. A Requerente celebrou com a B..., S.L., um contrato (na qual esta aparece designada por E...) designado como “Contract of Plan Trabalho Vida”, pelo qual esta última se comprometeu a prestar serviços com vista à melhoria da produtividade e do equilíbrio entre as vidas pessoal e profissional dos trabalhadores da primeira através do chamado “Plan Trabalho Vida”, o qual se baseia no apoio contínuo, na informação, avaliação, orientação, aconselhamento e acompanhamento (via telefone ou presencialmente) para auxílio na resolução dos problemas mais comuns enfrentados pelos colaboradores (cf.  cláusula 1 do contrato que constitui o anexo 13 do RIT);
  7. Em contrapartida da aquisição destes serviços, a Requerente deveria pagar à B..., as quantias indicadas no anexo I de tal contrato, acrescidas de IVA, quantias variáveis em função do número de trabalhadores efetivamente abrangidos, estando previsto para as “intervenções de grupo” que estes fossem em número de cerca de 220;
  8. A faturas emitidas pela B... à Requerente, que constam como Anexo 14 a 53 do RIT, referem-se à prestação dos serviços decorrentes de tal contrato;
  9. Parte significativa dos seus recursos humanos da Requerente é oriunda do estrangeiro, maioritariamente de fora da EU (ponto III.1.3.2 do RIT);
  10. A Requerente adquiriu à sociedade irlandesa C..., LTD., serviços relativos à identificação de possíveis candidatos que desejem vir trabalhar, em Portugal, para a Requerente. Adicionalmente, o fornecedor presta também apoio logístico aos novos funcionários, nomeadamente no relativo a alojamento e legalização da sua presença em Portugal (III.1.3.2 do RIT);
  11. Nas faturas emitidas pela C... à Requerente constam
  12. descritivos vários como “new relocation subscription, initial accomodation booking, registration services, accompanied apartment search, residence certificate, social insurance registration”;
  13. Na sequência de um pedido de reembolso de IVA no montante de € 518.280,90 formulado na declaração periódica respeitante a outubro de 2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2020..., OI2021... e OI2021..., deu início a um procedimento de inspeção tributária interno e de âmbito parcial contra a Requerente que incidiu sobre os anos de 2018, 2019 e 2020 e que culminou na elaboração por parte dos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Lisboa do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) notificado por Ofício da Direção de Finanças de Lisboa nº ..., com despacho concordante do Chefe de Divisão, de 28 de maio de 2021, o qual consta do processo administrativo e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
  14. A fundamentação das correções efetuadas, no que aqui releva, foi a seguinte“III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas” apresentada pela Requerida no RIT é a seguinte:

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

Da análise efetuada aos documentos de suporte ao imposto deduzido a título de aquisições de outros bens e serviços, verificaram-se as irregularidades que passamos a descrever:

1111 – Aquisição de serviços excluídos do direito à dedução

(…)

 

111.1.2-Serviços prestados pela B... Sucursal em Portugal.

Lil.1.2.1 – Igualmente na análise ao imposto deduzido a título de aquisição de bens e serviços, verificámos a existência de faturas emitidas pela “B... Sucursal em Portugal” à A... Portugal, com descritivos vários como por exemplo: “Plano de Trabalho – Vida, workshops mensais, counseiling 2x semana, intervenção em grupo, wokshops stress, sessões de terapia do riso, aulas de ioga e workshops de primeiros socorros psicológicos”.

III.1.2.2 – Foi solicitada à A... Portugal, o contrato de prestação de serviços assinado com a “B... Sucursal em Portugal”, para se que se pudessem definir com precisão os serviços prestados. Do contrato enviado, que constitui o anexo n° 13, podemos verificar que:

  1. A empresa “B... Sucursal em Portugal” é designada no contrato de “E...”;

ii. Que a “E...” é uma empresa especializada em aconselhamento e serviços para melhorar a produtividade e reduzir o absentismo laboral dos seus clientes. Que entre os serviços de melhoria da produtividade e redução do absentismo oferecidos pela E...”;, se insere o “Plano Trabalho – Vida”, que visa conciliar o trabalho e a vida privada dos colaboradores, cujo objectivo é ajudar os colaboradores e seus familiares, na resolução de situações pessoais complexas e para equilibrar as responsabilidades familiares e profissionais.

iii. O interesse da A... Portugal em disponibilizar serviços de melhoria da produtividade apoiando a

conciliação entre a vida profissional e privada dos seus colaboradores, é disponibilizado pela “E...”; por possuir os materiais pessoais e organizacionais necessários e que a “E...”;

iv. O Plano Trabalho Vida baseia-se no serviço contínuo de apoio, informação, avaliação, orientação,

aconselhamento e acompanhamento permanente (telefone ou visitas pessoais) para ajudar a resolver algumas situações pessoais ou familiares frequentemente enfrentadas pelos colaboradores;

  1. O custo dos serviços prestados varia, mas assenta no seguinte:

• O custo do Plano Trabalho Vida da E... por trabalhador e por mês é (sem IVA): 7,60 € por

trabalhadora por mês;

• Serviços E... Premium e linha de suporte de Stress disponíveis 24 horas por dia, 7 dias por

semana- 7,60 € + IVA (23%) os custos de implementação da linha serão cobertos pela A...;

• Intervenções do grupo: inicial – Investimento: 8,625 € + IVA (23%);

Para cerca de 220 funcionários, distribuídos em grupos de 20 pessoas, uma intervenção de 4 horas

Principais temas gerais para 11 grupos Tópicos principais para 1 grupo de líderes de equipe

A partir do momento em que se atinge mais de 220 funcionários, pode-se programar novos workshops

para funcionários e gestores com os seguintes custos:

  • 1 workshop (4 horas) até um máximo de 20 funcionários: 745,00 € + IVA (23%);
  • 1 workshop (6 horas) até um máximo de 8 gerentes; 950,00 € + IVA (23%);
  • Sessões de grupo mensais em curso – Investimento: 550 € + IVA (23%) / mês;
  • A sessão de grupo de 2 horas (duas sessões por mês);
  • Aconselhamento Semanal – Investimento: 690 € + IVA (23%) / mês.

III.1.2.3 – Analisando o teor dos serviços prestados pela “B... Sucursal em Portugal” à A... Portugal, verificamos que se tratam de prestações de serviços que podem contribuir para a melhoria do bem-estar físico e psicológico dos trabalhadores da A... Portugal, uma vez que a “B... Sucursal em Portugal” se propõe a efetuar aconselhamento e prestar serviços para melhorar a produtividade e reduzir o absentismo laboral, porém, os mesmos não se encontram diretamente ligados à atividade operacional da A... Portugal, e não se esgotam no desempenho de funções profissionais na mesma, pelo que nos termos do art. 20° do CIVA não se consegue estabelecer uma relação destes serviços com as operações ativas desenvolvidas pela A..., pelo que não se aceita a dedução do Imposto suportado nos mesmos.

 

 

Iil.1.3 – Serviços prestados pela C...

III.1.3.1 – Ainda através da análise ao Imposto deduzido a título de aquisição de bens e serviços, verificámos a existência de faturas emitidas pela “C...” (NIF: IE...SH) à A... Portugal, com descritivos vários como por exemplo: “New relocation subscription, initial accomodation booking, registration services, accompanied apartment search, residence certificate, social insurance registration”.

III.1.3.2 – Foi solicitada à A... Portugal, o contrato de prestação de serviços assinado com a “C...”, para se que se pudessem definir com precisão os serviços prestados. A A... Portugal respondeu o seguinte: “Tanto a A... e o fornecedor são empresas multinacionais, pelo que o contrato existente foi efetuado a nível mundial e não especificamente apenas para Portugal. Neste sentido, referimos que não existe contrato. Relativamente aos serviços prestados, sendo a A... uma empresa que presta serviços de outsourcing aos seus clientes, necessita de ter recursos humanos para efetuar os seus serviços aos clientes. Parte significativa destes recursos humanos são oriundos de outros países, maioritariamente fora da comunidade europeia.

Considerando isto, a A... tem necessidade dos serviços neste fornecedor para efeitos de identificação de funcionários para que pretendam vir trabalhar para Portugal, bem como a legalização de alguns destes funcionários. Adicionalmente, o fornecedor presta também apoio logístico para estes funcionários, nomeadamente à identificação de possibilidades de alojamento para estes funcionários.”

III.1.3.3 – Tomando por base, quer a descrição da atividade efetuada pelo contribuinte, quer a descrição dos serviços prestados por este fornecedor, verifica-se a impossibilidade de estabelecer uma relação entre os mesmos e as operações ativas desenvolvidas pela A... Portugal, de acordo com o art. 20° do CIVA, uma vez que os serviços em causa estão essencialmente conexos com legalização de funcionários e apoio logístico na instalação dos mesmos (procura de casa e auxílio na acomodação), que constituem despesas de caracter pessoal dos funcionários. Os documentos em causa, encontram-se descritos na relação que seguidamente se apresenta;

 

 

III.1.3.4 – Deste modo, o total de imposto indevidamente deduzido por período é o que seguidamente se indica:

 

 

  1. No âmbito da inspeção tributária em questão, a AT concluiu que terá sido indevidamente deduzido pela Requerente, no período compreendido entre outubro de 2018 e outubro de 2020, um montante total de IVA de € 188.819,53 (cf. quadro-síntese na p. 3 do RIT), o que levou a que o crédito de IVA da Requerente fosse reduzido de € 518.280,90 para € 329.461,37 (cf. pp. 3, 16 a 18 e 25 do RIT);
  2. A AT questionou a dedução do IVA suportado com os serviços adquiridos à F..., Lda., à B... e à C..., o que levou a que o crédito de IVA da Requerente fosse reduzido de € 518.280,90 para € 329.461,37 (cf. pp. 3, 16 a 18 e 25 do RIT), como se segue:

 

 

  1. Em 28 de agosto de 2021, a Requerente apresentou reclamação graciosa, a qual foi expressamente indeferida, circunscrita às correções, refletidas em liquidações adicionais de IVA respeitantes a 2018, 2019 e 2020, relativamente ao IVA suportado com a aquisição de serviços à B...(€ 63.917,71) e à C... (€ 57.646,74), à qual foi atribuído pela Direção de Finanças de Lisboa o n.º ...2021...;
  2. Por meio de ofício datado de 28 de outubro de 2021, a Requerente foi notificada da proposta de indeferimento da reclamação graciosa, tendo a AT argumentado que “V.5 – Assim para ser dedutível o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços estas devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante, que conferem esse direito. V.6 - Com efeito não ficou demonstrado que as despesas referidas têm uma relação direta com a atividade tributada da empresa, nem inerente à obtenção de proveitos tributados, pelo que não cumprirá, em termos genéricos as condições para a dedução fiscal, assumindo ser de caráter particular (…) V.8 - Nesta sequência, não confirmamos a argumentação apresentada pela reclamante e afigura-se-nos que as correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária se encontram corretas” (cf. proposta de decisão da reclamação graciosa n.º ...2021... que faz parte do processo administrativo a ser junto pela representação da Fazenda Pública com a sua resposta, nos termos do artigo 17.º, n.º 2, do RJAT e dos artigos 110.º, n.ºs 3 e 4, e 111.º, ambos do CPPT)”;
  3. Através de ofício de 15 de dezembro de 2021, a Requerente foi notificada do despacho do Diretor de Finanças Adjunto datado de 14 de dezembro de 2021, proferido ao abrigo de delegação de competências, pelo qual foi indeferida a reclamação graciosa em referência nos termos e com os fundamentos expostos na proposta de decisão supra (cf. Doc. n.º 1 junto);
  4. A Requerente considera-se legalmente notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021... em 30 de dezembro de 2021, ou seja, no décimo quinto dia posterior ao do registo de disponibilização da mesma na caixa postal eletrónica;

 

III.2    Factos não Provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.

 

III.3    Fundamentação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo, nomeadamente o constante do RIT., não havendo controvérsia sobre eles.

 

  1. DA APRECIAÇÃO JURÍDICA

Como resulta do pedido formulado, acima transcrito, e do texto do PPA, a Requerente não impugna a parte das liquidações em casa decorrente das correções relativas ao IVA constante das faturas emitidas pela F... .

 

Importa pois analisar a dedutibilidade (pela Requerente) do IVA suportado nas aquisições de bens e serviços adquiridos à B... e à C..., a que se reportam as faturas que constam do processo administrativo.

 

Entende a Requerida (III.1.3.3 do RIT) que “não se consegue estabelecer ou não foi possível determinar” uma relação direta e imediata entre as despesas suportadas com as prestações de serviços adquiridas pela Requerente aos referidos fornecedores, pelo que sustenta que não se comprova o “nexo direto e imediato” entre o IVA suportado nas aquisições daqueles serviços, e as operações a jusante que conferem o direito à dedução.

A Requerente opõe-se a este entendimento, defendendo que “A exigência de um nexo direto entre as operações passivas e as operações ativas, isto é, de uma aplicação imediata e direta dos bens ou serviços adquiridos (inputs) nestas últimas (outputs), não consta da legislação do sistema comum do IVA, nomeadamente da Diretiva do IVA”, e reiterando a ligação dos serviços adquiridos ao desenvolvimento da sua atividade comercial.

 

O artigo 20.º do CIVA identifica e elenca as diversas categorias de operações ativas que conferem direito à dedução. A redação da norma é a seguinte:

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:

I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;

II) Operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas no território nacional;

III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;

IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.os 8 e 10 do artigo 15.º;

V) Operações isentas nos termos dos n.os 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;

VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.

2 - Não confere, porém, direito à dedução o imposto respeitante a operações que dêem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º

 

O direito à dedução é um alicerce essencial do sistema comum do IVA, na medida em que visa libertar os sujeitos passivos do encargo do imposto (o IVA) no âmbito das suas atividades económicas, por forma a garantir a neutralidade do imposto. “Este direito (à dedução) “não pode, em princípio, ser limitado”, ressalvadas as exceções previstas na DIVA, e exerce-se imediatamente em relação à totalidade do imposto que incidiu sobre as operações efetuadas a montante” (Acd. de 29-10-2009 do TJUE, Proc. C-29/08, SKF), abrangendo atividades preparatórias. Uma vez surgido, o direito à dedução subsiste mesmo quando a atividade económica projetada não dê origem a operações tributáveis ou o sujeito passivo não tenha podido utilizar os bens e serviços que deram origem à dedução no âmbito de operações tributáveis por razões alheias à sua vontade (Acd. de 08-06-2000 do TJCE, Proc. C-98/98, Midland Bank), sem prejuízo de eventuais regularizações devidas relativamente a bens/despesas de investimento. Acresce que “As disposições que prevêem derrogações ao princípio do direito à dedução do IVA, que garante a neutralidade deste imposto, são de interpretação estrita” (Acd. de 08-01-2002 do TJCE, Proc. C-409/99, Metropol)[2].

Também na jurisprudência Nacional, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a reiterar que: “Há de se ter em conta que, na tarefa hermenêutica, nunca pode perder-se de vista que o princípio geral do direito à dedução impõe que todas as restrições ao direito de dedução devem ser interpretadas de forma restritiva e reduzidas ao mínimo[3].

 

Subjacente aos casos em que não se permite o exercício do direito à dedução, estão razões relacionadas com o combate à fraude e à evasão fiscal, por constituírem operações facilmente apropriáveis pelo uso privado, já que as despesas elencadas no n.º 1 do artigo 21.º podem não ter ainda que parcialmente relação com as operações efectuadas para os fins da sua actividade económica, configurando-.se como uma cláusula desproporcionada, na medida em que excede os fins referidos impedindo a concretização do princípio da neutralidade fiscal pedra angular em que se encontra estruturado o sistema do IVA. Não podendo, em princípio, ser limitado, exercendo-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante como refere a Impugnante citando o n.º 18 do Acórdão C-68/93 – BP, Soupergaz e n.º 43 dos Acórdãos C-110/98 e C-147/98 Galbafrisa. (…)"[4]

 

o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA (v., neste sentido, acórdãos de 26.05.2005, Kretztechnik, C 465/03, de 22.02.2001, processo C-408/98, de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman, 268/83, Recueil, p. 655, n.° 19; de 15 de Janeiro de 1998, Ghent Coal Terminal, C-37/95, Colect., p. I-1, n.° 15, e de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C-110/98 a C-147/98, Colect., p. I-1577, n.° 44, assim como de 8 de Junho de 2000, Midlank Bank, C-98/98, Colect., p. I-4177, n.° 19), todos disponíveis também no site http://new.eur-lex.europa.eu.

No que respeita ao direito de dedução a Jurisprudência do TJCE vem afirmando que «o direito à dedução previsto nos artigos 17.° e 20 da Sexta Directiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.(…) Para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução.” –cf. Acórdão Kretztechnik (2005) – C.465/03 e Ac do TJCE, 2º secção de 08.06.2000, processo C-98/98, in http://new.eur-lex.europa.eu.

Resulta deste princípio bem como da regra nos termos da qual, para dar direito à dedução, os bens ou serviços adquiridos devem ter uma relação directa e imediata com as operações tributadas, que o direito à dedução do IVA, que onerou estes bens ou serviços, pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição devem ter feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas.

Portanto, as referidas despesas devem fazer parte dos custos dessas operações a jusante que utilizam os bens e serviços adquiridos (Ac 408/98).

Para efeito de dedução do imposto suportado a montante os bens e serviços adquiridos hão-de estar, pois, directamente relacionados com o exercício da actividade tributária do sujeito passivo (Cf. também neste sentido, Clotilde Celorico de Basto, Introdução ao IVA, pag. 159 e Valente Torrão, CIVA anotado, pag.126).

Assim, por exemplo, no referido Acórdão Kretztechnik, o TJCE considerou que o artigo 17.°, n.os 1 e 2, da Sexta Directiva confere «o direito à dedução da totalidade do IVA que onerou as despesas efectuadas por um sujeito passivo em relação às diferentes prestações que adquiriu no âmbito de uma emissão de acções, na medida em que a totalidade das operações efectuadas por esse sujeito passivo no âmbito da sua actividade económica seja constituído por operações tributadas».

Como sublinham JOSÉ XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA (O direito à dedução do IVA nas sociedades holding, em Fiscalidade n.º 6, página 8), este Acórdão revela a importância do direito à dedução no sistema do IVA e como o TJUE interpreta essa importância, levando ao extremo a ideia de que a neutralidade do sistema exige que se liberte o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades. O Tribunal, nesta e noutras decisões, mostra‐se hostil a limitações ao direito a deduzir o IVA a montante, que muitas vezes os Estados são tentados a introduzir.

Acresce dizer que mais recentemente a jurisprudência do TJUE – cf. acórdãos de 6-9-2012 do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido no processo n.º C-496/11 e acórdão AB SKF de 29 de Outubro de 2009, C-29/08, ambos disponíveis em http://new.eur-lex.europa.eu - citando jurisprudência anterior do TJCE adoptada nos acórdãos Kretztechnik, n.º 36, Investrand, n.º24, vem admitindo também «um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo».

Em suma, como de forma sintética e assertiva enuncia Mariana Gouveia de Oliveira (A dedutibilidade de IVA e a aquisição de participações sociais por sociedades operacionais, em Fiscalidade, 46, pag.107.), a coerência da jurisprudência do TJUE assenta em algumas ideias fundamentais:

«A primeira será que, o direito à dedução “faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Este direito exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante (v., designadamente, acórdãos de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz, C-62/93, C’olect., p. 1-1883, n.° 18, e de 2] de Março de 2000, Gabaifrisa e o., C’-]10/98 a C-147/98, Colect., p. 1-15 77, n.° 43).” (5)

A segunda ideia reporta-se à ligação necessária entre o IVA suportado e a realização de operações tributáveis: “Para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução (v. acórdãos já referidos Midland Bank, n. 030, e Abbey National, n.° 28, assim como de 27 de Setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00, Colect., . 1-6663, n.° 31).”

Finalmente o TJUE considera que «as despesas gerais da actividade dos sujeitos passivos, enquanto elementos constitutivos do preço dos produtos, se encontram numa relação directa e imediata com o conjunto da actividade do sujeito passivo, sendo por isso, dedutível o IVA nelas suportado».[5]

 

Voltando ao caso concreto, na Resposta apresentada, a Requerida não alega (i) a existência de qualquer indício de fraude, ou (ii) que as despesas sejam sumptuárias, recreativas ou de representação. O que a Requerida põe em causa é a existência de uma “relação direta e imediata” entre as despesas suportadas pela Requerente e a atividade comercial desenvolvida pela Requerente. Adiantamos desde já que a Requerida não tem razão.

 

No que respeita às faturas emitidas pela B..., a Requerente alega (e Requerida nada alegou em sentido contrário) que a atividade que desenvolve em Portugal centra-se na gestão de conteúdos publicados nas diversas plataformas de social media com o objetivo de contribuir para uma internet “mais limpa e livre de informações falsas (vulgarmente conhecidas como fake news), bem como na otimização de campanhas de marketing para clientes de plataformas digitais como a Google, eliminando conteúdos que possam ser considerados nocivos para o público em geral.”

 

Não tendo sido alegado nos autos qualquer indício de fraude, e assumindo que os serviços foram efetivamente utilizados pela Requerente (e nada na Resposta da Requerida ou no processo administrativo nos diz o contrário), conclui-se que os serviços foram utilizados para as necessidades da própria empresa, ou seja, para as necessidades do seu principal fator de produção (o trabalho prestado pelos seus trabalhadores). A Requerente tem de assegurar aos seus trabalhadores (i) a “prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde" (artigo 59.º da Constituição e artigos 281.º e seguintes do Código do Trabalho) e (ii) a prevenção de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (sendo as doenças do foro psicológico um foco importante em atividades como a desenvolvida pela Requerente)[6]. Note-se que as obrigações descritas são obrigações impostas por lei à Requerente (enquanto entidade empregadora), estando assim justificada a relação direta e imediata à atividade operacional da Requerente.

 

O acima exposto relativamente às faturas emitidas pela B... é igualmente aplicável relativamente às faturas emitidas pela C... . Os serviços de legalização de trabalhadores e apoio logístico na instalação dos mesmos no país, contratados à C..., enquadram-se também no custo da Requerente com o fator de produção trabalho. Ademais, note-se que existe em Portugal liberdade das entidades empregadoras negociarem as condições de trabalho com os seus trabalhadores, nos limites do Código do Trabalho, não tendo a Requerida alegado qualquer norma legal que justifique a sua afirmação de que tais despesas cabem exclusivamente aos trabalhadores.

 

Dados os elementos que constam dos autos, bem como a inexistência de uma norma expressa que exclua o direito à dedução no que respeita a estas despesas, temos de concluir que também estes serviços foram utilizados pela Requerente para as necessidades da própria Requerente, fazendo estas despesas parte dos elementos constitutivos do preço dos serviços faturados pela Requerente aos seus clientes no exercício da sua atividade.

 

Conclui assim o Tribunal pela procedência do PPA, e consequente anulação do Ato impugnado.

 

3- No que respeita à condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios 1. Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão. Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética.

2. A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário).

3. Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

4. As obrigações pecuniárias e de quantidade, como é o caso da obrigação de apuramento de juros indemnizatórios derivada do indevido pagamento de uma liquidação tributária, devem ser cumpridas de acordo com o princípio nominalista, em moeda que tenha curso legal no País, impondo a lei o pagamento de juros face a tal tipo de obrigações. O juro consiste no preço do dinheiro em função do tempo, remunerando o seu titular em face da sua disponibilização temporal a terceiro. Especificamente, os juros indemnizatórios remuneram essa disponibilização a favor do credor tributário, em razão de uma acção inadequada e imputável à Fazenda Pública (cfr.artºs.550 e 806, nº.1, ambos do C.Civil).

5. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual. Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.24, nº.1, do anterior C.P.Tributário; artº.43, da L.G.T.).

6. Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes:

a) Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;

b) Que o erro seja imputável aos serviços;

c) Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

d) Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

6. No âmbito do direito tributário, a interpretação de distinguir "erro" de "vício", como defende a doutrina e jurisprudência dominantes, e só relevar aquele, para efeitos de exame do direito a juros indemnizatórios, não é a que melhor garante a aplicação da teoria da reconstituição da situação actual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um acto tributário (cfr.artº.100, da L.G.T.). É que tal distinção pode conduzir a um tratamento diferenciado dos contribuintes, de forma injustificada.

7. Cremos que a interpretação da expressão "erro imputável aos serviços" que melhor se estriba na letra da lei, considerando que a L.G.T. e o C.P.P.T. não distinguem os conceitos de "erro" e de "vício", deve reconduzir-se a qualquer "ilegalidade" fundante da anulação, total ou parcial, do acto tributário. Nesse sentido vai, de resto, o estipulado no artº.100, da L.G.T., norma que deve ser concatenada com a do artº.43, nº.1, do mesmo diploma, a qual consagra, na lei ordinária, a teoria da reconstituição da situação actual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um acto tributário, na mesma utilizando o legislador a expressão "ilegalidade" como fundamento da dita reconstituição. Ora, a expressão "ilegalidade" aqui utilizada comporta, também, a violação de normas de procedimento que, embora não contendam com a própria definição da relação jurídica tributária substantiva, viciam o acto de liquidação. Tal expressão, a "ilegalidade", é igualmente utilizada pelo legislador, e com a mesma amplitude, no corpo do artº.99, do C.P.P.T., quando define os fundamentos do processo de impugnação, espécie processual por excelência do contencioso tributário. [7]

 

In casu, estão verificados os pressupostos da condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios: (a) há um erro (de direito) nos atos de liquidação de IVA impugnados; (b) o erro é imputável aos serviços da Requerida (que emitiram os referidos atos de liquidação na sequência de um procedimento de inspeção); (c) a existência desse erro está determinada nos presentes autos; e (d) desse erro resultou o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Nos termos do artigo 24.º n.º 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43º n.º 1 da LGT e 61º n.º 5 do CPPT, implicando, em princípio, o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito. Assim, com os fundamentos expostos, a Requerida é condenada ao pagamento de juros indemnizatórios (à taxa legal (4%), nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril) desde a data do pagamento indevido das liquidações de IVA impugnadas, até à data da efetiva restituição (que deverá ser efetuada pela Requerida).

 

  1. DECISÃO

 

Termos em que, decide este Tribunal:

  1. Declarar totalmente procedente o presente PPA sendo, por conseguinte, anuladas parcialmente as liquidações impugnadas, na parte em que decorrem da não-aceitação da dedução do IVA constante das faturas emitidas pelas sociedades B... e C..., em montante a ser determinado pela Requerida em execução de sentença;
  2. Consequentemente, anula-se parcialmente a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
  3. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, calculado sobre o montante de imposto indevidamente pago, desde a data do pagamento até à da efetiva restituição;
  4. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

  1.     VALOR DO PROCESSO

  

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 121 564,45.

 

   

  1. CUSTAS

  

O montante das custas (a cargo da Requerida) é fixado em EUR 3 060,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

  

Notifique-se.

 

28 de novembro de 2022.

 

 

 

 

 

Rui Duarte Morais

 

 

 

(Presidente)

 

 

 

Elisabete Flora Louro Martins Cardoso

(Vogal Relatora)

 

 

 

José Luís Ferreira

(Vogal)

 



  1. Notícias publicadas em 17 de setembro de 2019 e em 10 de fevereiro de 2020 (https://www.theguardian.com/technology/2019/sep/17/revealed-catastrophic-effects-working-facebook-moderator e  https://www.bizjournals.com/tampabay/news/2020/02/10/fortune-500-company-in-tampa-with-ties-to-facebook.html).

 

[2] In comentário ao artigo 20.º do CIVA, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Coordenação e Organização: Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, Almedina, Junho de 2014, pp. 250 e 251.

[3] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Outubro de 2015, proferido no processo nº: 01455/12.

[4] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de Outubro de 2021, no processo n.º 1113/05.8 BELSB Disponível in http://www.dgsi.pt.

[5] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 01148/11, disponível in http://www.dgsi.pt.

[6] É a própria Requerida que no RIT afirma relativamente aos serviços prestados pela B...: “verificamos que se tratam de prestações de serviços que podem contribuir para a melhoria do bem-estar físico e psicológico dos trabalhadores da A... Portugal, uma vez que a "B... Sucursal em Portugal" se propõe a efetuar aconselhamento e prestar serviços para melhorar a produtividade e reduzir o absentismo laboral”.

[7] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22 de Maio de 2019, proferido no processo n.º 1770/12.9BELRS, disponível in http://www.dgsi.pt.