SUMÁRIO: O Centro Histórico de Évora, classificado como Património Mundial da UNESCO, é considerado, ope legis, como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de "monumentos nacionais", não se impondo qualquer classificação individual dos prédios aí situados para que os mesmos possam beneficiar da isenção de IMI prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF
DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
1. O pedido
Sociedade A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., ..., ..., ..., doravante designada como Requerente, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, em conjugação com o artigo 99.º e com a alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tendo em vista a anulação do despacho de 29 de dezembro de 2021, notificado em 7 de janeiro de 2022, que indeferiu a Reclamação Graciosa n.º ...2020..., deduzida contra parte do ato de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), do ano de 2019, referente à fracção autónoma, designada pela letra A, do prédio urbano identificado com o artigo matricial n.º ..., da União das Freguesias de ..., situado na ..., n.ºs..., em ..., no montante de € 20.659,63, consubstanciado nos documentos n.º 2019 ..., 2019 ... e 2019 ... e, consequentemente, a anulação parcial dos referidos atos de liquidação de IMI respeitantes às primeira, segunda e terceira prestações pagas, respetivamente, em 28 de maio de 2020, 27 de agosto de 2020 e em 26 de novembro de 2020.
A Requerente peticiona, ainda, o reembolso do imposto, que alega ter sido indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, calculados à taxa legal em vigor.
2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida)
3. Tramitação processual
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado e aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 28.03.2022 e de seguida notificado à AT e à Requerente;
Em 15.04.2022 o signatário aceitou a designação do Senhor Presidente do Concelho Deontológico, como árbitro singular, nos termos e para efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 11.º do RJAT, tendo tal nomeação sido notificada às partes em 17.05.2022.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do mesmo artigo 11.º sem que as Partes se tivessem oposto, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 06.06.2022.
Por despacho arbitral de 18.06.2022 foi determinada a notificação do dirigente máximo da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta.
A Requerida apresentou Resposta em 07.09.2022 onde pediu dispensa para apresentar o processo administrativo, pedido a que a Requerente se não opôs.
Por despacho arbitral de 26.10.2022 foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e, pelo mesmo despacho, foi determinada a notificação das Partes para, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias
Pelo mesmo despacho foi ainda determinado que a Requerente deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente e que a decisão arbitral seria proferida e notificada às partes até ao dia 30 de novembro.
A Requerente apresentou alegações escritas em 17/11/2022 e a Requerida apresentou requerimento em 18/11/2022 comunicando que mantém a posição que defendeu com a Resposta.
4. Resumo da fundamentação invocada pelas partes
4.1. Pela Requerente
4.1.1. Segundo a Requerente, o ato de liquidação e o indeferimento da reclamação graciosa supra identificados são ilegais por terem subjacente uma errada concepção dos factos e uma errada aplicação do direito.
Com efeito, começando por invocar o facto do prédio em questão se situar no Centro Histórico de Évora, o qual se encontra incluído na lista do Património Mundial da UNESCO, facto que se tornou público mediante Aviso, datado de 20 de Janeiro de 1988, da Direcção de Serviços Culturais, publicado no Diário da República n.º 39/1988, Série I, de 17 de Fevereiro de 1988”, a Requerente discorda da fundamentação constante no despacho de indeferimento da reclamação graciosa, segundo a qual o documento emitido pela Câmara Municipal de Évora, datado de 2017-11-27, apresentado para demonstrar a localização do prédio em causa no conjunto denominado Évora Património Mundial, classificado como Monumento Nacional, não é válido, uma vez que só uma certidão emitida pela Direção Geral do Património Cultural ou pelas competentes direcções regionais de cultura, é que poderia proceder a tal certificação, concluindo assim que não se encontram preenchidos os requisitos necessários à isenção de IMI prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.
A Requerente passa de seguida a invocar a letra da referida alínea n), segunda a qual estão isentos de IMI os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável, partindo daqui para observar que a legislação aplicável é a Lei de Bases do Património Cultural (lei n.º 107/2001, de 8 de setembro) que prevê que “Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação monumento nacional” (n.º 3 do artigo 15.º), e que “os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional” (n.º 7 do artigo 15.º), sendo esta formulação mantida pelo Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, que aprovou o regime do Património Cultural Imóvel, onde se dispõe que a designação de monumento nacional é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios (n.º 3 do artigo 3.º).
Assim, face à referida alínea n), os prédios classificados como “monumentos nacionais” encontram-se isentos de IMI e esta isenção é de carácter automático, resultando directamente da lei, e não carece de qualquer ato de reconhecimento individual posterior (n.º 5 do artigo 44.º e n.º 1 do artigo 5.º, ambos do EBF), devendo considerara-se que a certidão emitida pela Câmara Municipal de Évora é suficiente e idónea para demonstrar que o prédio urbano em causa integra o conjunto denominado “Centro Histórico de Évora” classificado como Património Cultural da Humanidade pela Unesco.
A Requerente invoca mais uma vez o Aviso de 20 de janeiro de 1988 que tornou público que o Centro Histórico de Évora — o qual, refira-se, é considerado como um “conjunto”, sendo um todo para efeitos de reconhecimento do património protegido —, entre outros, foi incluído na lista do património mundial da UNESCO.
Ora, os imóveis que se incluem nesse conjunto designado por Centro Histórico de Évora, são Património Mundial da UNESCO e são classificados como monumentos nacionais, desde a data de publicação do dito Aviso n.º 39/1988.
Assim, a comunicação prevista na lei da classificação como monumentos nacionais pelo Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico, I.P. tem caráter meramente instrumental, declaratório, não tendo qualquer efeito constitutivo da isenção de IMI, sendo a certidão emitida pela Câmara Municipal de Évora meio idóneo para demonstrar que o prédio urbano em causa integra o conjunto denominado Centro Histórico de Évora, classificado como património cultural da humanidade pela UNESCO.
Consequentemente, conclui a Requerente, não existe qualquer dúvida que o prédio em causa se encontra isento de IMI desde a data de publicação do Aviso acima identificado, de acordo com o disposto na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF conjugada com o n.º 3 do artigo 15.º da Lei de Bases do Património Cultural.
4.1.2. Em abono da sua posição, a Requerente identifica diversa jurisprudência do CAAD, que considerou aplicável a isenção em causa a imóveis enquadrados na mesma legislação, salientando as decisões arbitrais proferidas nos processos por si intentados com referência aos actos de liquidação de IMI dos anos de 2013, 2015 e de 2016, a que corresponderam os processos n.ºs 468/2018-T, 470/2018-T e 471/2018-T, respetivamente.
Invocou também jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 1 de junho de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 00693/14.1BEPRT, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 8 de junho de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 09284/16, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no processo n.º 0134/14.4BEPRT, de 7 de dezembro de 2016, que veio a ser confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 12 de dezembro de 2018.
Face a esta jurisprudência, a Requerente afirma que está assente, em síntese, que a lei apenas exige a classificação individual para os imóveis integrados nas categorias de interesse público, de valor municipal ou património cultural, não fazendo a mesma exigência para os imóveis que devam ser integrados na categoria de monumento nacional, onde se incluem os prédios localizados nos centros históricos nacionais inscritos na lista do Património Mundial da UNESCO, entre os quais se encontra o prédio a que pertence a fracção autónoma sobre a qual incidiu a liquidação de IMI impugnada.
4.1.3. A Requerente termina dizendo que estão verificados os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 43.º da LGT para reconhecer o direito a juros indemnizatórios a seu favor, a saber, a existência de erro imputável aos serviços de que resultou o pagamento de imposto de montante superior ao legalmente devido.
4.1.4. Tendo apresentado alegações escritas, a Requerente reafirma toda a argumentação constante no PPA, mantendo os mesmos pedidos.
4.2. Pela Requerida
4.2.1. Considera a Requerida que não assiste qualquer razão à pretensão da Requerente, invocando desde logo a falta de prova de que o prédio sobre o qual incidiu a liquidação impugnada era, à data do facto tributário, classificado como monumento nacional e que, desse modo, poderia beneficiar da isenção de IMI ao abrigo do artigo 44.º, n.º 1, alínea n), do EBF.
Com efeito, acrescenta a Requerida, a Requerente pretende ver reconhecida a isenção de IMI com base numa declaração emitida pela Câmara Municipal, declaração essa que não está prevista na redação do n.º 5 do artigo 44.º do EBF, o qual, ao contrário, determina que só a apresentação nos serviços da AT do modelo do documento (certidão) emitido pela Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), que comprova a classificação de um prédio como imóvel de interesse nacional, com a designação de «monumento nacional», determina o averbamento da isenção prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
4.2.2. A Requerida invoca de seguida a posição da própria Direção-Geral do Património Cultural, que, em seu entender, não deixa qualquer margem para dúvidas, ao consignar que: «(…) as entidades competentes para certificar a classificação de imóveis são esta Direção-Geral e as Direções Regionais de Cultura conforme a Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro e o Decreto-Lei 115/2012, de 25 de maio. Para tanto estão publicados os modelos das certidões que os serviços emitem em www.certidoes direito de preferência, ou formulários no portal da DGPC.»
Assim, acrescenta a Requerida, no caso em apreço, impor-se-ia a certificação da classificação e da localização dos prédios, na área classificada, pela Direção-Geral do Património Cultural, conforme se retira do artigo 44.º, n.os 5 e 6, do EBF, (Esta direcção geral sucedeu ao ex-IGESPAR, entidade originalmente competente à data dos factos cfr. artigo 13.º do Decreto-Lei 115/2012, de 25 de maio).
Uma vez que tal não aconteceu, conclui a Requerida que não tendo a Requerente apresentado o certificado previsto na lei, por falta de prova não pode haver lugar ao reconhecimento da isenção, mantendo-se na ordem jurídica perfeitamente válidos os atos impugnados.
4.2.3. Acresce ainda que, segundo a Requerida, a interpretação segundo a qual todo e qualquer prédio, apenas e só por se encontrar localizado no interior do perímetro, quer de um conjunto classificado quer de uma paisagem cultural, se encontra, também ele, individualmente classificado e apto a beneficiar da isenção de IMI, por força do artigo 44.º/1-n) do EBF, em articulação com o artigo 15.º, n.os 3 e 7, da LBPC, e com o artigo 3.º/3 do Decreto-Lei 309/2009, ofende o princípio da igualdade tributária previsto no artigo 13.º da CRP pois este entendimento de concessão de isenção fiscal coletiva, não atende ao facto de, no interior do conjunto patrimonial, existirem realidades desprovidas de qualquer valor patrimonial cultural.
Este entendimento, acrescenta a Requerida, traduz-se numa intolerável quebra da igualdade tributária, uma vez que acaba por considerar totalmente isentas de IMI realidades não só perfeitamente distintas entre si, como ainda realidades que nem o próprio legislador do património cultural quis, alguma vez, ver classificadas, In extremins, uma roulotte estacionada no centro de Évora durante 5 anos – e que, por isso, constituem prédios fiscais à luz do artigo 2.º do CIMI – seria considerada um monumento nacional e estaria isenta de IMI à luz do artigo 44.º/1-n) do EBF e do artigo 15.º, n.os 3 e 7, da LBPC, razão pela qual não pode de algum modo proceder a propagação da classificação patrimonial a toda a universalidade de bens num determinado perímetro sem atender a critérios de valoração patrimonial e cultural.
4.2.4. Em abono da sua posição, a Requerida cita um parecer do Ministério Público, segundo o qual:
“Por tudo o que ficou exposto, temos que parece resultar que o legislador não teve, no seu espírito, o propósito de conceder isenções coletivas de IMI e, muito menos, nas situações em que o foi declarado de ‘interesse nacional’ foi a Paisagem Cultural, e não os imóveis que possam existir no seu seio.”
Considerando que é este entendimento, porventura mais próximo de um esforço pautado pela “jurisprudência dos interesses”, mais do que por uma “jurisprudência dos conceitos”, que permitirá alcançar uma interpretação criteriosa e razoável e uma integração sistémica das normas jurídicas relevantes, que logre apreender o pensamento legislativo, ainda que incorrectamente expresso, pelo recurso aos elementos lógicos pertinentes (cfr. arts. 11º da LGT e 9º do Código Civil).»
4.2.5. Face ao exposto, acrescenta a Requerida, impugna-se por infundado todo o aduzido no pedido de pronúncia arbitral que contrarie todo o exposto, devendo decidir-se a final que o ato impugnado não padece dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros.
4.2.6. Quanto ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, considera a Requerida que à luz dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, o direito a juros indemnizatórios depende da verificação dos pressupostos aí previstos de que salienta o erro imputável aos serviços.
Ora, de tudo quanto supra se expôs, resulta claro para a Requerida que os atos tributários em crise são parcialmente válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data do facto tributário, pelo que, não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços.
E mesmo que assim se não entendesse, acrescenta a Requerida, é inegável que a AT se limitou a dar cumprimento ao CIMI, ao abrigo dos princípios da imparcialidade e da legalidade, e a emitir as liquidações tendo por base a informação matricial existente à data, pelo que também por aqui necessariamente terá de falecer o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
4.2.7. A Requerida termina dizendo que o pedido arbitral deve ser considerado totalmente improcedente por não provado e a Requerida absolvida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências
II. SANEAMENTO
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT, e 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente (art.º 2º, n.º 1, a), do RJAT).
O processo não enferma de nulidades.
III. MATÉRIA DE FACTO
1. Factos dados como provados:
1.1. A liquidação de IMI referente ao ano de 2019, em nome da Requerente, inclui na listagem dos prédios abrangidos o artigo urbano U-...-A, correspondente ao prédio situado na ..., números ... a ..., em ..., com o valor patrimonial tributário de € 4.695.371,33, sobre o qual incidiu (à taxa de 0,44%) o imposto de € 20.659,63 (Docs 2, 3 e 4 anexos ao PPA), imposto este que foi incluído em cada uma das três prestações pagas em 28 de maio de 2020, em 27 de agosto de 2020 e em 26 de novembro de 2020 (Docs 8, 9 e 10 anexos ao PPA);
1.2. Nas listagens dos prédios em nome da ora Requerente, emitidas pela AT com a liquidação de IMI referente a 2019, evidencia-se que as frações autónomas B, D e E do mesmo prédio inscrito sob o artigo U-... beneficiaram de isenção de IMI;
1.3. O Aviso publicado no DR, I Série, de 17.2.1988, “tornando público que os bens nacionais incluídos na lista do património mundial da UNESCO, por decisão do respectivo Comité do Património Mundial de 26 de Novembro de 1986, são, entre outros (…), o Centro Histórico de Évora (Vd. DOC 6 anexo ao PPA);
1.4. O Imóvel situado na ..., n.os ... a ..., em ..., está integrado no Conjunto classificado como Património Cultural da Humanidade, pela UNESCO e que, nos termos do n.º 7 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, é considerado Monumento Nacional (Certidão emitida pelo Presidente da Câmara Municipal de Évora, datada de 27 de novembro de 2017, junta como DOC 7 ao PPA);
1.5. A Requerida, com a sua Resposta, juntou cópia do modelo de impresso, emitido pela Direção Geral do Património Cultural, da Secretaria de Estado da Cultura, que tem por título “REQUERIMENTO INICIAL DO PROCEDIMENTO DE CLASSIFICAÇÃO DE BENS IMÓVEIS”, tendo em vista a classificação do “Património Arquitectónico”, do “Património Arqueológico” e do “Património Misto”, estando também juntas as respetivas instruções de preenchimento, emitidas pela mesma Direção Geral;
1.6. A Requerente, em 26.06.2020, deduziu Reclamação Graciosa contra o ato de liquidação de IMI, referente a 2019, na parte que incidiu sobre a fracção A do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial U-..., da União das Freguesias de ..., situado na ..., números ... a ..., em ..., no qual, segundo a Requerente, se encontra instalado o Hotel B..., Reclamação essa que foi instaurada sob o processo n.º ...2020..., na Direção de Finanças de ... .
A dita Reclamação invocou a ilegalidade da liquidação, uma vez que considerava provado que o prédio sobre o qual incidiu está localizado no Centro Histórico de Évora, incluído no Património Mundial da Unesco, pelo que o mesmo deveria beneficiar da isenção de IMI ao abrigo da alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF;
1.7. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 29.12.2021, notificado à reclamante em 06.01.2022 (cfr. cópia de Registo em anexo à RG);
1.8. Anexa-se de seguida ao texto da presente decisão arbitral o essencial da informação/parecer dos serviços da AT, com base na qual foi proferido o despacho de indeferimento da dita reclamação graciosa, cujos termos o presente tribunal arbitral considera relevante anexar para melhor clarificar a fundamentação utilizada.
Assim, na informação datada de 29.12.2021, sobre a qual incidiu o despacho de indeferimento da mesma data, foi escrito o seguinte:
2. Factos não provados
Com relevo para a presente decisão arbitral, não existem factos essenciais não provados.
3. Motivação quanto à matéria de facto
Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima descritos, tendo por base os documentos juntos aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, não contestadas, à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.
Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
IV. MATÉRIA DE DIREITO
1. Questões a decidir
A questão que a este tribunal arbitral compete dirimir prende-se, no essencial, em saber se, como defende a Requerente, os prédios situados no Centro Histórico de Évora, classificado como Património Cultural da Humanidade pela Unesco, são, ope legis, considerados como “monumentos nacionais” e devem beneficiar automaticamente da isenção de IMI prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, não carecendo de qualquer classificação para além daquela que consta no Aviso de 20 de Janeiro de 1988, publicado no Diário da República n.º 39/1988, Série I, de 17 de Fevereiro de 1988, ou se, como defende a Requerida, face ao n.º 6 do artigo 44.º do EBF, essa isenção só poderia ser concretizada com a apresentação de prova da classificação do imóvel em concreto e que tal classificação é da exclusiva competência da Direção Geral do Património Cultural, através de um impresso próprio, que é o formulário legal para tal efeito, impresso este (acompanhado das instruções de preenchimento) que a Requerida junta à sua Resposta.
2. Dos normativos aplicáveis
Inicia-se a análise das questões colocadas à apreciação do presente tribunal arbitral com a transcrição das normas mais relevantes aplicáveis à situação subjudice. Assim:
2.1. A redação da componente aplicável do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), vigente no ano de 2019, era a seguinte:
Artigo 44.º:
1 – Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis:
n) Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável (Esta redação foi dada à alínea n) do então artigo 40.º do EBF pelo artigo 82.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro – OE 2007).
5 – As isenções a que se referem as alíneas n) e q) do n.º 1 são de caráter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, do reconhecimento pelo município como estabelecimentos de interesse histórico e cultural ou social local e de que integram o inventário nacional dos estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local, respetivamente, a efetuar pela Direção-Geral do Património Cultural ou pelas câmaras municipais, conforme o caso, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados ou reconhecidos e integrados, mesmo que estes venham a ser transmitidos (Redação dada pelo artigo 263.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro - OE 2018).
6 – Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P., e as câmaras municipais procedem à referida comunicação, relativamente aos imóveis já classificados à data da entrada em vigor da presente lei:
-
Oficiosamente, no prazo de 60 dias; ou
-
A requerimento dos proprietários dos imóveis, no prazo de 30 dias a contar da data de entrada do requerimento nos respectivos serviços.
(Redação dada pelo artigo 109.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril - OE 2010)
2.2. A Lei de Bases do Património Cultural, aprovada pela Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro (entretanto substituída pela lei n.º 36/2021 não aplicável à situação subjudice), dispunha no seu artigo 15.º o seguinte:
Artigo 15.º. Categorias de bens
1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII.
2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.
3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional».
4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.
5 - Um bem considera-se de interesse público quando a respectiva protecção e valorização represente ainda um valor cultural de importância nacional, mas para o qual o regime de protecção inerente à classificação como de interesse nacional se mostre desproporcionado.
6 - Consideram-se de interesse municipal os bens cuja protecção e valorização, no todo ou em parte, representem um valor cultural de significado predominante para um determinado município.
7 - Os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional.
8 - A existência das categorias e designações referidas neste artigo não prejudica a eventual relevância de outras, designadamente quando previstas no direito internacional.
2.3. Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 309/09, de 23 de outubro, que, em articulação com a Lei 107/2001, rege a matéria da classificação dos bens imóveis, determina o seguinte no seu artigo 3.º:
1 - Um bem imóvel pode ser classificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.
2 - A graduação do interesse cultural, para efeitos do número anterior, obedece aos critérios previstos nos n.os 4, 5 e 6 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro.
3 - A designação de «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios.
O artigo 4.º deste mesmo diploma rege a iniciativa do procedimento nos seguintes termos:
O procedimento administrativo de classificação de um bem imóvel inicia-se oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, nos termos do artigo 25.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro.
2.4. A Convenção para a Proteção do Património Mundial Cultural e Natural, aprovada em Paris em 23 de novembro de 1972 (Portugal depositou o instrumento de ratificação em 30 de setembro de 1980 – Vd. Site Web da UNESCO), dispõe no artigo 1.º que:
Para fins da presente Convenção serão considerados como património cultural:
Os monumentos. – Obras arquitectónicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos de estruturas de carácter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;
Os conjuntos. – Grupos de construções isoladas ou reunidos que, em virtude da sua arquitectura, unidade ou integração na paisagem têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;
Os locais de interesse. – Obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza, e as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.
O artigo 11.º da mesma Convenção estabelece que:
1 – Cada um dos Estados parte na presente Convenção deverá submeter, em toda a medida do possível, ao Comité do Património Mundial um inventário dos bens do património cultural e natural situados no seu território e susceptíveis de serem inscritos na lista prevista no parágrafo 2 do presente artigo. Tal inventário, que não será considerado exaustivo, deverá comportar uma documentação sobre o local dos bens em questão e sobre o interesse que apresentam.
2 – Com base nos inventários submetidos pelos Estados em aplicação do parágrafo 1 acima, o Comité deverá estabelecer, actualizar e difundir, sob o nome de «lista do património mundial», uma lista dos bens do património cultural e do património natural tal como definidos nos artigos 1.º e 2.º da presente Convenção, que considere como tendo um valor universal excepcional em aplicação dos critérios que tiver estabelecido. De dois em dois anos deverá ser difundida uma actualização da lista.
2.5. A Decisão do Comité do Património Mundial, de 26 de novembro de 1986, publicada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em Aviso no DR, I Série, n.º 39, de 17.2.1988, tornou público que os bens nacionais incluídos na lista do património mundial da UNESCO são, entre outros (…), o Centro Histórico de Évora.
3. Aplicação do direito à situação tributária sub judice
3.1. A classificação do Centro Histórico de Évora como Património Mundial da Unesco e a relevância tributária desta qualificação nos prédios aí situados
Como decorre do n.º 7 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001 supra transcrito, o Centro Histórico de Évora, uma vez que está incluído na Lista do Património Mundial da UNESCO, integra a lista dos bens classificados como de “interesse nacional”.
Por sua vez, face ao n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, igualmente acima transcrito, uma vez que o referido Centro Histórico foi classificado como sendo de “interesse nacional”, assumiu ope legis a qualificação de “monumento nacional”.
Assim, atentando na redação da referida alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, temos que os imóveis localizados no referido Centro Histórico, uma vez feita a prova de tal localização, beneficiam automaticamente da isenção de IMI aí prevista, sem necessidade de qualquer outra classificação.
A AT tem, no entanto, uma visão divergente e considerou, desde logo no despacho de indeferimento da reclamação graciosa (Vd. supra III.1.7), posição que manteve na Resposta, que para preencher os requisitos da isenção prevista na citada alínea n) seria necessário fazer prova da classificação individual do prédio a que pertence a fracção autónoma objeto da liquidação impugnada, e que essa prova só poderia ser feita através da apresentação de uma certidão emitida pela Direção Geral do Património Cultural ou pelas direcções regionais de cultura, mediante apresentação de um modelo oficial disponibilizado pelas referidas entidades.
O tribunal não concorda com a posição da AT e considera que a mesma evidencia um manifesto erro de interpretação da letra da alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º, ao defender que, para preencherem o requisito da isenção, os prédios localizados nos “Monumentos Nacionais” aí referidos, mesmo os já declarados como tais, terão que ser individualmente classificados pela referida Direção Geral.
Ora, no entender do tribunal, no caso em apreço, esta nova classificação seria uma manifesta redundância, uma vez que, como amplamente demonstrado, tal classificação tinha sido conferida ao Centro Histórico de Évora, pelo Comité do Património Mundial da Unesco, havia mais de 30 anos.
3.2. Diferença entre classificação dos imóveis e a obtenção de informação sobre essa classificação
Decorre também dos termos do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa e da Resposta junta ao processo, que a AT parece estabelecer alguma confusão entre a classificação do prédio propriamente dita e a instrução dos procedimentos tributários da liquidação e da reclamação graciosa com a informação que esse mesmo prédio se encontrava localizado no Centro Histórico de Évora, declarado como Património Mundial da Unesco.
A AT, quer na fundamentação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, quer na Resposta apresentada neste processo, não parece relevar a diferença assinalada, reconduzindo a sua posição à ausência de um despacho de classificação individual do imóvel, classificação essa que deveria ser obtida através de um formulário que considerou requisito necessário para que a isenção pudesse ser declarada, para que a reclamação graciosa pudesse ser deferida e para que a liquidação pudesse ser anulada.
Porém, com o devido respeito, também aqui a AT não tem razão. O entendimento do tribunal é que o dito impresso não teria aqui nenhum papel a desempenhar, nem para iniciar qualquer procedimento de classificação do imóvel junto das autoridades da Cultura – que como se viu já estava classificado – nem para instruir os procedimentos tributários da liquidação e da reclamação graciosa.
É que, repete-se, a função desse impresso é apenas a de iniciar o procedimento de classificação dos imóveis, ainda não classificados, e que possam enquadrar-se nos critérios legalmente fixados para esse efeito, conforme previsto no artigo 4.º do DL 309/2009 e no artigo 25.º da Lei 107/2001, já acima mencionados, no termo do qual será proferida decisão por parte da entidade competente para a classificação, a que se seguirá a publicitação legalmente exigida que, no âmbito de vigência da referida Lei 107/2001 (cfr artigo 28.º) e no caso dos bens classificados de “interesse nacional”, é através de decreto do Governo e não através do impresso pretendido pela AT.
Questão diferente da acabada de referir é a que se prende com a comunicação à AT, mormente aos serviços locais de finanças, dos imóveis classificados com direito à isenção de IMI e a partir de que ano essa isenção será aplicável.
No caso em análise, haverá que apurar como é que o serviço de finanças competente poderia obter a informação de que o prédio situado na ..., números ... a ..., em ..., está localizado no Centro Histórico de Évora e que, face a tal localização, tinha direito a beneficiar da isenção de IMI.
Ora, a informação sobre a classificação e localização poderia ser levada ao conhecimento da AT e aos referidos procedimentos tributários, nomeadamente, através dos seguintes meios:
Desde logo, por comunicação oficiosa do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P. (que antecedeu a Direção Geral do Património Cultural), como lhe exigia o disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 44.º do EBF (redação dada pelo artigo 109.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril - OE 2010)
É que, ao contrário do que consta no despacho de indeferimento da reclamação graciosa – que só transcreveu a alínea b) deste n.º 6, para dizer que a comunicação teria que ser por requerimento do proprietário – a dita alínea a) impôs ao referido Organismo Público o dever de comunicação oficiosa dos prédios já classificados na data da entrada em vigor da sua nova redação.
Como é óbvio, a dita comunicação teria por finalidade que a isenção fosse devidamente averbada na matriz referente ao imóvel em causa, conforme previsto no artigo 83,º do CIMI, levando a AT a abster-se de lançar as liquidações de IMI.
Ora, ainda que tal omissão não tenha sido suscitada pelas Partes, tudo leva a crer que a dita alínea a) não tenha sido cumprida.
Uma outra modalidade para obter a informação necessária, face à referida alínea a), cuja redação já vigorava desde 2010, passaria pela própria AT ter suscitado ao referido Organismo o cumprimento da norma que o obrigava a comunicar quais os prédios que integravam o Centro Histórico de Évora.
Ou poderia a AT, pelos seus próprios meios, ter efetuado a recolha dessa informação, quer no âmbito dos seus poderes/deveres de fiscalização das situações tributárias que lhe compete acompanhar, quer por obediência ao princípio do inquisitório, ao qual também está legalmente sujeita
Com efeito, como bem observou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 27-10-2016, processo 0957/09.6BRVIS, por força deste princípio, a administração tributária não tem de aguardar pela iniciativa do interessado, devendo, pelos seus próprios meios e determinação, realizar as diligências necessárias para averiguação da verdade factual em que deve assentar a sua decisão. E Isto mesmo que estejam em causa factos contrários aos interesses patrimoniais do credor tributário.
Até porque o assunto não lhe era desconhecido, seja por força da publicação do aviso de classificação no Diário da República, seja porque a dita classificação era um facto público e notório, seja ainda porque, como consta na matéria de facto que se dá por provada (Vd. supra III.1.2.), na listagem, fornecida pela AT, dos prédios de que a Requerente era proprietária, estão referidas três fracções autónomas do mesmo artigo urbano ... (Frações B, D e E) que, em 2019, beneficiaram de isenção de IMI (sendo que nem Requerente nem Requerida esclarecem qual o fundamento desta isenção e como é que a mesma foi declarada).
Finalmente, como legítima interessada, a aqui Requerente acabou por apresentar no procedimento de reclamação graciosa uma Certidão emitida pela Câmara Municipal de Évora (vd. supra III.1.4.) atestando a localização do prédio em causa no Centro Histórico de Évora.
3.3. Dos riscos das roulottes serem classificadas como monumentos nacionais beneficiárias de isenção de IMI
Cumpre aferir se a discordância com as posições da AT poderia dar azo aos receios manifestados na Resposta no sentido de que, sem a apresentação do formulário em uso na Direção Geral do Património Cultural, se correria o risco de in extremis, uma roulotte estacionada no centro de Évora durante 5 anos – e que, por isso, constituem prédios fiscais à luz do artigo 2.º do CIMI – seria considerada um monumento nacional e estaria isenta de IMI à luz do artigo 44.º/1-n) do EBF e do artigo 15.º, n.os 3 e 7, da LBPC.
Este tribunal considera que este risco não existe porque, certamente, a AT não permitiria que a dita roulotte beneficiasse indevidamente de isenção de IMI, atento o seu dever específico, imposto no artigo 7.º do EBF, de fiscalizar a atribuição de benefícios fiscais e, em termos mais gerais, o dever de adotar oficiosamente as iniciativas adequadas ao apuramento da verdade material relativa às situações tributárias que lhe compete acompanhar (artigo 6.º do RCPIT), como bem lembrou o Acórdão do TCAN acima citado, segundo o qual o princípio do inquisitório e da verdade material impõem à administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse efeito (art. 6º do RCPIT), como está previsto no artigo 266º da CRP e em várias normas que regem a actividade administrativa, de que são exemplo, além do citado art. 6º do RCPIT, os art.s 13º do CPPT, e 55º, 59º, 63º/1 e 99º da LGT bem como os artigos 58º, 115º e segs.. do CPA.
Este princípio fundamenta-se na obrigação de a administração prosseguir o interesse público (artigo 266º/1 da CRP e artigo 55º da LGT), assim como no dever de imparcialidade da actuação administrativa (266º/2 da CRP e artigo 55º da LGT) que a par dos restantes princípios constitucionais a que os órgãos administrativos estão subordinados integram as designadas medidas materiais da juridicidade administrativa.
3.4. A posição da jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre a interpretação da alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF
Ao contrário do pretendido pela AT, para o presente tribunal arbitral a situação é muito clara e, como passa a reforçar-se com a invocação de jurisprudência dos tribunais superiores, resume-se ao seguinte:
O prédio em causa, localizado na ..., números ... a ..., no Centro Histórico de Évora, beneficia da classificação como monumento nacional que foi atribuída pela UNESCO ao Conjunto imobiliário onde o mesmo se localiza, não se impondo qualquer outra classificação, nem individual nem colectiva (para o referido Conjunto), para que o mesmo prédio possa beneficiar da isenção prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.
Se dúvidas houvesse, que efectivamente não existem, passa a convocar-se a jurisprudência dos tribunais superiores que já decidiram sobre situação tributárias em tudo equivalentes à que que é objecto deste processo.
Com efeito, o Tribunal Central administrativo do Norte (TCAN), por douto Acórdão de 7 de dezembro de 2016, processo 00134/14.4BEPRT, considerou o seguinte:
1. Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável - cfr. artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
2 - Os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de "monumentos nacionais" - cfr. artigo 15.º, n.º 3 e n.º 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro.
3 - Os prédios inseridos nos Centros Históricos Classificados beneficiam de isenção de imposto municipal sobre imóveis.».
Chamado a reapreciar a questão, na sequência de recurso deduzido pela AT, o STA, através de Acórdão de 12 de dezembro de 2018, processo 0134/14.4BEPRT 0501/17, confirmou esta posição do TCAN, tendo, em resumo, consignado o seguinte entendimento:
Está em causa a interpretação do art.º 44º, nº 1, alínea n), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, articulado com o art.º 15º da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro (Lei de Bases de Protecção do Património Cultural), com o Dec. Lei nº 309/2009, de 23 de Outubro, e com o art.º 2º do Código do IMI.
Para que se possa conhecer desta questão impõe-se como essencial que se faça uma resenha dos factos e das razões que estiveram na sua origem, de modo a que se possa interpretar, nos termos do disposto no artigo 9º do Código Civil, os textos legais que estabelecem as normas reguladoras da matéria.
Como facilmente se depreende da argumentação expendida pela recorrente e pelo recorrido as dúvidas interpretativas do texto do artigo 44º, n.º 1, al. n) do EBF (que antes da renumeração e republicação correspondia do artigo 40º, cfr. Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/06) surgiu com a alteração que lhe foi introduzida pelo artigo 82º do Orçamento do Estado para 2007, Lei n.º 53-A/2006, de 29.12.2006.
Efectivamente, antes desta alteração do texto legal dispunha o artigo 40º, n.º 1, al. n) do EBF:
Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e bem assim os classificados de imóveis de valor municipal ou como património cultural, nos termos da legislação aplicável.
Posteriormente à entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2007, tal norma passou a ter a seguinte redação: Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável.
E, na parte com interesse para o caso subjudice, continua o mesmo Acórdão do STA:
O legislador ao elaborar o Orçamento do Estado para 2007 quis introduzir uma alteração significativa no regime de acesso às isenções de IMI de que poderiam beneficiar os prédios classificados em razão do seu interesse e importância cultural e/ou valor patrimonial.
Enquanto que, na versão da norma anterior a este OE de 2007, o legislador não exigia, para efeitos fiscais, a classificação individual de cada um dos prédios, bastando-se, portanto, com a sua classificação nos termos da legislação aplicável, com esta alteração passou a exigir mais um requisito, o da classificação individual nos termos da legislação aplicável.
Contudo, apenas passou a exigir esta classificação individual para os imóveis que devam ser integrados nas categorias de interesse público, de valor municipal ou património cultural, não fazendo a mesma exigência para os imóveis que devam ser integrados na categoria de monumento nacional (no EBF o legislador faz referência a monumento nacional quando se pretende referir aos imóveis de interesse nacional porque é assim que nos termos do disposto no artigo 15º, n.º 3 da Lei n.º 107/2001, de 08 de Setembro devem ser designados).
E esta distinção resulta claramente da vontade expressa do legislador ao editar a norma em questão, ou seja, o legislador não pretendeu exigir, para os imóveis que devam ser incluídos na categoria de monumento nacional (interesse nacional) e para efeitos desta isenção fiscal, que devam ser sujeitos a classificação individual, mantendo, portanto, quanto aos mesmos o regime que anteriormente se encontrava estabelecido. Aliás a “nova” redacção do preceito mantém inalterada a primeira parte do artigo em questão-Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais.
3.5. Conclusão
Com os fundamentos expostos e louvando-se na jurisprudência acabada de transcrever, este tribunal arbitral conclui que o Centro Histórico de Évora, classificado como Património Mundial da UNESCO, é considerado, ope legis, como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de "monumentos nacionais", não se impondo qualquer classificação individual dos prédios aí situados – entre os quais se inclui o prédio urbano identificado sob o artigo matricial n.º ..., da União das Freguesias de ..., situado na ..., n.ºs ...-..., em Évora, sobre cuja fracção autónoma designada pela letra A incidiu a liquidação de IMI impugnada – para que esta mesma fração autónoma possa beneficiar da isenção de IMI prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.
Assim, determina-se a ilegalidade do ato de liquidação de IMI impugnado, referente ao ano de 2019, bem como a ilegalidade do Despacho de 29 de dezembro de 2021, que indeferiu a Reclamação Graciosa deduzida contra o referido ato e que foi instaurada com o processo n.º ...2020..., da Direção de Finanças de ..., com as demais consequências legais.
4. Apreciação do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios
A Requerente pagou as prestações de IMI e requer a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
Face ao n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Assim, face ao acima exposto, este tribunal considera que o lançamento da liquidação impugnada resultou de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, erro esse repetido com o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, na medida em que, face ao artigo 5.º, n.º 1, do EBF, estava em causa uma isenção automática, resultante direta e imediatamente da lei, acrescendo que foi publicada uma norma legal específica – a alínea a) do n.º 6 do artigo 44.º do EBF – impondo a um organismo público o dever de comunicar oficiosamente à AT quais os prédios classificados e, consequentemente, abrangidos por essa isenção, onde se integrava o prédio urbano inscrito sob o artigo ..., fracção A, localizado no Centro Histórico de Évora, classificado como Património Mundial da UNESCO, pelo que se reconhece à Requerente o direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, os quais devem ser contados, com aplicação da taxa legal em vigor, desde a data do pagamento das prestações de IMI até à data do processamento do respectivo reembolso.
Ao considerar que o lançamento da liquidação de IMI – e não apenas o indeferimento da reclamação graciosa – se deveu a erro imputável aos serviços para efeitos da condenação no pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento das prestações de imposto, este tribunal não desconhece que as isenções automáticas não desobrigam totalmente os interessados de cumprir algumas obrigações declarativas, mormente a de levar ao conhecimento da AT que preenchem os requisitos de uma isenção para que, desse modo, aquela se abstenha de lançar a liquidação sobre o prédio beneficiário.
Com efeito, os atuais sistemas de “tributação em massa” não podem dispensar a colaboração dos contribuintes, mormente para efeitos de declarar os elementos relativos à tributação ou à ausência dela, como decorre claramente do método declarativo consagrado, nomeadamente, nos artigos 13.º, 13.º-A (aditado pela Lei 114/2017, de 29.12) e 83.º do Código do IMI, sendo impraticável que se exigisse às administrações tributárias que apurassem oficiosamente todos os contornos das situações tributárias que lhes compete administrar.
Contudo, no presente caso, a Requerida não achou relevante esclarecer qual a razão que levou a AT a proceder ao lançamento do IMI referente a 2019, mormente se tal ficou a dever-se a alguma omissão ou violação de algum dever declarativo ou de colaboração por parte da proprietária e ora Requerente, caso em que a decisão sobre o termo inicial do prazo de contagem dos juros indemnizatórios seria efetivamente diferente.
Assim, face à factualidade dada por provada e às especificidades conexas com o carácter público da classificação do Centro Histórico de Évora e com os deveres de obtenção oficiosa da informação sobre a isenção daí decorrente, conforme se saliente supra em IV.3.2, este tribunal considera que o próprio lançamento da liquidação de IMI – e não apenas o indeferimento da reclamação graciosa – ficou a dever-se a erro imputável aos serviços, decidindo em conformidade com esta conclusão quanto à contagem dos juros indemnizatórios.
IV. DECISÃO
Nestes termos, o presente tribunal arbitral singular decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral anulando parcialmente a liquidação de IMI referente ao ano de 2019, na parte referente à fracção A, do prédio inscrito sob o artigo urbano n.º ..., da União das Freguesias de ..., com o consequente reembolso de € 20.659,63;
b) Anular o despacho de indeferimento de 29/12/2021, da Reclamação Graciosa n.º ...2020..., que correu termos na Direção de Finanças de ..., notificado à Requerente em 7 de janeiro de 2022;
c) Julgar procedente o pedido de liquidação de juros indemnizatórios, que devem ser contados à taxa legal em vigor, desde a data de pagamento de cada uma das prestações até à data do processamento do reembolso.
VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 20.659,63.
CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, é de € 1.224,00 o montante das custas previstas no artigo 4.º da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Administração Tributária.
Lisboa, 22 de novembro de 2022
O Árbitro
Joaquim Silvério Dias Mateus