Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 198/2022-T
Data da decisão: 2022-11-22  IRC  
Valor do pedido: € 18.112,06
Tema: IRC – Dedutibilidade gastos fiscais – artigo 23.º CIRC – Ónus da prova.
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SUMÁRIO

1. Conforme resulta do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação oficiosa praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), corrigindo anterior liquidação efetuada com base na declaração do sujeito passivo, é a AT que incumbe o ónus da prova dos pressupostos legais da correção que operou

2. Segundo a doutrina e reiterada jurisprudência, a consideração como gastos fiscais, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, para que remete o n.º 2 do mesmo artigo, não é necessária uma relação de causalidade entre gastos incorridos pelo sujeito passivo e a obtenção de rendimentos, bastando que aqueles sejam suportados pelo sujeito passivo no interesse da empresa.

3. Dos elementos constantes do relatório inspetivo, que fundamentam as correções à matéria coletável que originaram as liquidações adicionais de IRC não se extraem indícios fundados de que os gastos contabilizados pela empresa, ainda que respeitantes a bens e serviços suscetíveis de uso pessoal, tenham sido adquiridos com tal finalidade.

4. Não sendo suportada em elementos factuais que contrariem a veracidade dos elementos declarados e contabilizados pelo sujeito passivo, por forma a ilidir a presunção legal de que beneficiam, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LGT, as correções e consequentes liquidações adicionais de IRC não pode subsistir por carecerem de apoio legal.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

  1. A..., LDA., contribuinte fiscal n.º ..., com domicílio fiscal na Rua..., n.º ..., ...-... ..., vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2.O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 21-03-2022, tem como objeto imediato a revogação de decisão de rejeição da reclamação graciosa n.º ...2021... por intempestividade bem como o indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2021... e, como objeto mediato, a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimentos da Pessoas Coletivas (IRC), e juros compensatórios, resultantes de correções técnicas efetuadas à matéria coletável declarada pela empresa relativa aos exercícios de 2016 e de 2017, nos montantes, respetivamente, de € 8 310,02 e € 9 802,04.

 

3.O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo senhor presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

 

4.A Requerida apresentou Resposta defendendo, por exceção e impugnação, a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

6.Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.

 

7.Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

8.Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 31-05-2022.

 

9.O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

10.A Requerente goza de personalidade e capacidade judiciárias, é legítima e encontra-se legalmente representada (cf. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

11. A Requerida apresentou a sua Resposta invocando a exceção de intempestividade da reclamação graciosa relativa às correções referentes ao exercício de 2016 e, por impugnação, a decisão relativa ao exercício de 2017, alegando, no essencial, a improcedência da argumentação da Requerente assim mantendo entendimento no sentido da legalidade dos atos impugnados.

 

12.Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal, considerando o disposto no artigo 130.º, do Código de Processo Civil, aplicável na jurisdição arbitral por remissão expressa do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, por desnecessárias.

 

13. O processo não enferma de nulidades.

 

III. Matéria de facto

 

14.Com base nos documentos que integram o presente processo, destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados, se consideram inteiramente provados:

 

14.1. A Requerente é uma sociedade comercial cuja atividade principal consistia, nos anos de 2016 e de 2017, em “Atividades de Contabilidade e Auditoria, Consultoria Fiscal”;

 

14.2.A Requerente foi destinatária de uma ação de inspeção externa ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2018... e OI2019..., tendo com objetivo a verificação do cumprimento das obrigações tributárias em sede de IRC e de IVA, nos períodos de tributação de 2016 e de 2017;

 

14.3. A Requerente foi notificada do projeto de Relatório da Inspeção Tributária não tendo exercido o direito de audição prévia.

 

14.4. Posteriormente, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária, junto ao processo pela Requerida, de que, com relevo para a apreciação do presente pedido de pronúncia arbitral, se destaca o seguinte:

“ III.1.1.IRC E IVA

III.1.1.1.GASTOS E IVA NÃO ACEITES FISCALMENTE

Da análise efetuada no âmbito dos procedimentos de inspeção. Considerando os esclarecimentos prestados e os valores declarados, foram detetadas as situações irregulares que neste capítulo se descrevem e fundamentam e das quais resultam as correções que devidamente se quantificam.

III.1.1.2. ano de 2016

 

Por não preencherem os requisitos dos normativos fiscais identificados, os gastos com alojamento no montante de 327,09€, devem ser acrescidos no campo 752 do Q7 da Declaração de rendimentos Modelo 22 –IRC. Acresce o facto das referidas aquisições de serviços se situarem na esfera pessoal dos sócios do SP, não concorrendo para a formação do lucro tributável da entidade, por não preencherem os requisitos dos n.ºs 2.4 e 6 do art.º 23.º do CIRC, tratando-se de encargos não dedutíveis, como determina a alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC.

(...)

 

* BRICOLAGE, CONSTRUÇÃO E DECORACAO – (Anexo V, pág,6,7,8,9,10,11,37 e 46)

 

Verifica-se que os gastos referentes aos artigos adquiridos não concorrem para a formação do lucro tributável da entidade por não cumprirem o disposto no n.º1 do art.º 23.º do CIRC.

Em concreto, nas faturas referentes a “tintas” e fatura “sem descritivo” é violado o disposto nos n.ºs 3,4 e 6 do art,º 23.º do CIRC.

Deverá ser acrescido o valor de 1 451,43€ à matéria tributável de IRC, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC.

(...)

 

* COMISSÕES – (Anexo V, pág. 42 e 47

 

No que respeita aos gastos ora mencionados, constata-se através da análise dos documentos enviados pela entidade, que referem unicamente no seu descritivo “Comissões”, sem ter sido concretizado os serviços que foram prestados, não preenchendo as condições referidas nos n.ºs 3, 4 e 6 do art,º 23.º do CIRC.

No que concerne ao documento de suporte não enviado pelo SP, verifica-se que o montante total do mesmo se encontra relevado contabilisticamente na conta SNC 22111013 do balancete enviado, bem como o gasto está contabilizado na conta 6225 e consta da aplicação “e-fatura”, de acordo com o screen seguinte:

 

 

 

Reitera-se que o montante total dos gastos se encontra inscrito na conta SNC 6225, “Comissões a residentes com IVA Dedutível – Txnormal”.

Acresce o facto das faturas n.sº 1600/000001, FAT 1/1 e FAT 1/1, não concretizam a relação comercial entre as partes, desconhecendo-se o negócio que está subjacente à emissão das respetivas faturas.

No âmbito da atividade exercida pelo Gabinete de contabilidade, a dedução ao resultado (Lucro Tributável) do montante de tais gastos (comissões) não se encontra, ainda, legitimada pelo facto, dos valores em causa, não se refletirem na obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.

Por outro lado, existem relações especiais entre dois fornecedores, (exceto quanto ao fornecedor B..., NIF ..., que não é cliente da A...), e a empresa em análise, já que aqueles têm como Contabilista Certificado o Sr. D... e são clientes do Gabinete de Contabilidade, conforme consta do Balancete analítico de 31.15.2016 remetido.

Nos termos da al. c) do n.º 4 do Art.º 63.º do CIRC, existem relações especiais quando: “Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos da administração. Direção, gerência ou fiscalização, e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes.”

Em sede de IVA, o n.º 12 do Art.º 16.º do CIVA estabelece, “12- Para efeitos do n.º 10, consideram-se ainda relações especiais as relações estabelecidas entre um empregador e um empregado, a família deste ou qualquer pessoa com ele estreitamente relacionada.”

No mesmo sentido, descrevem-se as respetivas contas do SNS na qualidade de clientes e fornecedores do Gabinete de contabilidade em análise:

 

Atendendo ao exposto anteriormente, vai ser acrescido ao Lucro tributável, o valor de 27.200,00€ e o montante de 20.000,00€ nos termos da citada norma (alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC).

(...)

 

* MÓVEIS E DECORAÇÃO

 

Não foi enviado o documento de suporte relativamente a esta aquisição ao fornecedor “E...”, cuja fatura foi comunicada na aplicação ”e-fatura” como se infere do seguinte print screen:

 

Assim, não é aceite o gasto no montante de 74,55€, por não se enquadrar no determinado pela al. c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC, devendo ser acrescido ao Lucro tributável do ano de 2016.

(...)

 

III.1.1.3 – ano de 2017

 

* ALOJAMENTO, RESTAURACAO E SIMILARES – (Anexo V, pág,21,29,30,48 e 50)

 

Por não se encontrarem preenchidos os requisitos fiscais aplicáveis, os gastos com alojamento e refeições no montante de 1.678,83€, não podem ser aceites como gastos dedutíveis.

Acresce o facto de as referidas aquisições se situarem na esfera pessoal dos sócios do SP e não para obter rendimentos, de acordo com o n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.

Relativamente aos documentos de suporte não enviados não é aceite o gasto no montante de 225,46€ por não se enquadrar no determinado pela al. c), do n.º 1 do Art.º 23.º-A, do CIRC.

Assim, não poderá ser aceite como gasto dedutível o valor de 1.904,39€, sendo adicionado à Matéria tributável de IRC.

(...)

No que concerne aos documentos de suporte não enviados pelo SP, relativamente a fornecedores, verifica-se que os mesmos foram comunicados na aplicação “e-fatura”, como se pode constatar dos print screens seguintes:

 

 

* ARTIGOS PARA O LAR E DECORAÇÃO – (Anexo V, pag. 14,25,27,28, 36 e 38)

 

Verifica-se que as faturas descritas no quadro anterior, refletem a aquisição de bens, também, de uso particular dos sócios, logo não concorrem a obtenção de rendimentos da entidade por não se enquadrarem no disposto no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.

Assim, vai ser acrescido o valor de 739,79€ à Matéria tributável de IRC.

(...)

 

* ARTIGOS DE USO/CONSUMO PESSOAL – (Anexo V, pag, 32,33,34 e 35)

 

De igual modo, as faturas descritas, comprovam a aquisição de bens de uso pessoal, logo não concorrem para a formação do lucro tributável da entidade por não se enquadrarem no disposto no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.

Deste modo deverá ser acrescido o valor de 699,83€ ao lucro tributável do ano de 2017.

(...)

 

* MOBILIÁRIO E ARTIGOS DE ILUMINAÇÃO

 

 A sociedade não remeteu as duas faturas indicadas, embora comunicadas na aplicação “e-fatura”, detetou-se terem sido emitidas em nome do Gabinete de contabilidade, de acordo com os print screens infra:

 

 

Não é aceite e montante de 5.691,06, visto tratarem-se de encargos não dedutíveis de acordo com a al.c) do n.º 1, do Art.º 23.º-A do CIRC, devendo ser acrescidos à Matéria tributável de IRC

(...)

 

* ATIVIDADES DOS PORTOS DE RECREIO (...) – LAGOS

 

As duas faturas identificadas no quadro anterior, constam do “e-fatura” e foram emitidas em nome da sociedade em análise, no entanto não foram remetidas e constam da referida aplicação como se infere dos print screens seguintes:

 

 

As prestações de servicos adquiridas pelas faturas acima mencionadas, não dizem respeito à atividade do SP, pelo facto da sociedade não ser proprietária de qualquer barco de recreio, como se certifica através do Mapa de depreciações e amortizações remetidas pela entidade (Ver Anexo III)

Deste modo não é aceite o gadto no montante de 8.130,08€ por se tratarem de encargos não dedutíveis nos termos do al. k) do n.º 1, do Art.º 23.º-A do CIRC. Tal valor, vai ser adicionado ao Lucro tributável de IRC.

(...)

 

III.1.1.4. EM SÍNTESE

 

III.1.1.4.1. CORREÇÕES EM SEDE DE IRC – ANOS DE 2016 E 2017

São propostas as seguintes correções aos valores declarados nas Declarações de Rendimentos Modelo 22, em sede de IRC, por não estarem preenchidos os requisitos do normativo fiscal à data dos factos, de acordo com o quadro seguinte:

 

14.5. A Requerente foi notificada através do ofício ..., de 10-11-2020, da Direção de Finanças de Lisboa, para exercer o direito de audição no prazo de 15, sobre a matéria constante do projeto de Relatório de Inspeção Tributária.

 

14.6. O referido ofício, remetido sob registo postal, foi rececionado pela Requente que optou por não exercer o direito de audição.

 

14.7. Assim, foi o projeto de Relatório de Inspeção Tributária convertido em definitivo, concluindo-se a ação inspetiva com o despacho da Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, proferido no uso de delegação de competências, concordando com as correções técnicas propostas naquele Relatório, respetiva qualificação, quantificação e fundamentação.

 

14.8. A decisão referida no ponto anterior foi notificada à Requerente nos termos do artigo 62.º do RCPITA através de ofício de 14-12-2020, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa.

 

14.9.Com base nas correções aritméticas constantes do RIT foram efetuadas as liquidações de IRC e juros compensatórios n.ºs 2020... e 2021..., relativas aos exercícios de 2016 e de 2917, nos montantes de € 8 310,02 e de € 9 802,04, respetivamente.

 

14.10. Notificadas à Requerente, as referidas liquidações, cujos prazos de pagamento voluntário ocorreram, respetivamente, em 04-02-2021 e 16-03-2021, foram objeto de reclamações graciosas, deduzidas em 30-06-2021, que originaram os processos ...2021... e ...2021... .

 

14.11. No essencial, a Reclamante alega, como fundamento das reclamações, a ausência de fundamentação das liquidações reclamadas bem como o facto de não lhe ter sido facultado o exercício do direito de audição em momento prévio àquelas.

 

14.12. As referidas reclamações graciosas foram indeferidas nos seguintes termos e fundamentos:

 

- Reclamação Graciosa n.º ...2021... (IRC e Juros Compensatórios- Exercício de 2016)– Indeferida por despacho de 13-12-2021, da Chefe do Serviço de Finanças de Sintra ..., proferido no uso de subdelegação de competência. A decisão é fundamentada com base em adesão ao seguinte parecer técnico:

“Considerando que o termo para pagamento voluntário da liquidação reclamada ocorreu em 2021-02.04 e que a reclamação foi apresentada em 2021-06.30, via correio eletrónico, conclui.se que a reclamação graciosa não se mostra tempestiva, em conformidade com o previso no n.º 1 do art.º 70.º e na alínea a) do n.º 1, do art.º 102.º, ambos do CPPT.

É certo que em resposta à situação epidemiológica provoca pelo coronavirus SARS-Cov-2 foram adotadas medidas excecionais e temporárias, nomeadamente a suspensão do prazo para a interposição de reclamação graciosa a partir de 2021.01.22 (cfr. N,º 2 e al. c) do n.º 1 do art.º 6.º-C aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.

No entanto, a Lei n.º 13-B/2021, de 05 de abril veio determinar a cessação da aludida suspensão a partir de 2021-04-06 e estabeleceu que “Os prazos administrativos cujo termo original ocorreria após a entrada em vigor da presente lei, caso a suspensão referida no número anterior não tivesse tido lugar, consideram-se vencidos: (...) b) Na data em que se venceriam originalmente caso se vencessem em data posterior ao vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei.”

Atendendo ao termo para pagamento voluntário da liquidação reclamada (2021-02-04), o prazo para apresentação da reclamação graciosa ocorreu em 2021.06-04.

Como o artigo 4.º da referida Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, estabelece que todos os prazos administrativos cujo termo original ocorreria durante a vigência do regime de suspensão, que cessou a 2021-04-06, se consideram vencidos no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor do presente diploma, ou seja, a 2021-05-04, verifica-se que o prazo para apresentação da presente reclamação graciosa não foi influenciado pela suspensão legalmente estabelecida. Nesta sequência, considera-se assim, a reclamação apresentada em 2021.06.30, intempestiva.”

...

 

Em sede de direito de audição prévia, a Reclamante, discordando da solução proposta, veio alegar que “... o prazo de reclamação graciosa é um prazo de caducidade do direito de ação. O que significa que nos termos do art.º 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril de 2021, “os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão”. E tendo a suspensão vigorado desde 22 de Janeiro de 2021 até dia 5 de Abril de 2021, significa que a suspensão durou 104 dias, sendo o prazo alargado por mais 104 dias. O que significa que a reclamação é plenamente tempestiva.”

Analisando o alegado pela Reclamante, conclui-se, no referido parecer: ”Conforme o exposto na Informação, tratando-se de um prazo administrativo, aplicar-se-á o disposto no artigo 4.º da referida Lei n. 13-B/2021, de 5 de abril, pelo que o prazo para apresentação da presente reclamação graciosa não foi influenciado pela suspensão legalmente estabelecida, tendo sido ultrapassado.

Assim, mantêm-se válidos os fundamentos constantes da Informação com o número de Processo ...2021... .”

 

- Reclamação Graciosa n.º ...2021... (IRC e Juros Compensatórios- Exercício de 2017) – Indeferida por despacho de 14-12-2021, da Chefe do Serviço de Finanças de Sintra ..., proferido no uso de subdelegação de competência. A decisão é fundamentada com base em adesão a parecer técnico, de que se destaca: “Assim, no que se refere à violação de aspetos formais, nomeadamente a falta de fundamentação da liquidação ora em crise, cumpre informar, que tal não foi preterido.

Mais se dirá.

A Reclamante, ao ser notificada do montante em dívida, através da Nota de Acerto de Contas, supra identificada, tomou conhecimento do que consta daqueles atos tributários, isto é, da qualificação e quantificação dos factos tributários, na medida em que é referido o tipo de imposto em causa, o período de tributação e o valor emitido, sendo referidas, também, as operações de apuramento da matéria coletável e do imposto.

Ora, resultando o dever de fundamentação da aplicação do artigo 77º., nº 2, da Lei Geral Tributária, o mesmo deverá ser efetuado de forma sumária, e conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

No que à matéria substantiva controvertida diz respeito, na sequência do procedimento de inspeção, a Reclamante não logra contrariar aquilo que foi produzido no relatório de conclusões da Inspeção Tributária.”

 

14.13. As decisões referidas no ponto anterior foram notificadas à Requerente, através de registo postal, emitido em 20-12-2021.

 

14.14. Em 21-03-2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

15.Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

IV. Matéria de direito

 

15.Na sequência de ação inspetiva e com base nos elementos e propostas constantes do respetivo Relatório, a AT efetuou correções à matéria coletável da Requerente relativa ao IRC e aos exercícios de 2016 de 2017, de que resultaram liquidações adicionais de imposto, e juros compensatórios, nos montantes de € 8 310,02 e de 9 802,04, relativas, respetivamente, a cada um dos referidos exercícios.

 

16. No essencial, alega a Requerente que a reclamação graciosa relativa à liquidação adicional de IRC respeitante ao ano de 2016 é tempestiva, apresentando, na petição, detalhada informação sobre a natureza empresarial dos gastos que a AT considera não serem aceites para efeitos fiscais.

 

17. A Requerida defendeu-se por exceção e por impugnação. Por exceção, invoca a intempestividade da reclamação graciosa relativa à liquidação respeitante ao exercício de 2016. Da referida intempestividade decorre, segundo a Requerida, a falta de idoneidade do meio utilizado pela Requerente, porquanto a decisão proferida naquela reclamação não envolve a apreciação do ato de liquidação.

 

18. Por impugnação, a Requerida reage, quanto à liquidação respeitante ao exercício de 2017, com o fundamento de que a Requerente sustenta no pedido de pronúncia arbitral fundamentação diversa daquela que foi apresentada em sede de reclamação graciosa.

 

Exceção - Intempestividade da reclamação graciosa referente à liquidação de IRC de 2016

 

19.Posição da Requerida

 

Sobre a intempestividade da reclamação graciosa referente à liquidação de IRC do período de 2016, que fundamentou a respetiva decisão de indeferimento, a posição da Requerida vem expressa nos seguintes termos:

46. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 70.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a reclamação graciosa deve ser apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º, ou seja, no caso em apreço, a partir do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”, conforme alínea a) do referido artigo.

47. Atendendo que a data limite para efetuar o pagamento voluntário do imposto apurado na sequência da ação inspetiva ocorreu em 04.02.2021, sendo o prazo para a apresentação da reclamação graciosa de 120 dias após esta data, quer dizer que o prazo para a apresentação da reclamação graciosa terminou em 04.06.2021.

48. Assim, tendo em conta que a reclamação graciosa foi apresentada em 30.06.2021, podemos concluir pela intempestividade da mesma.

49. Importa, no entanto, salientar que, em resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-Cov-2 e da doença COVID 19, foram aprovadas medidas excepçionais e temporárias, através da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, a qual veio a ser alterada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que estabeleceu um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais.

50. Efetivamente, através do aditamento do artigo 6.º-C, n.º 1, alínea c) foram suspensos os prazos para a prática, entre outros, de atos em procedimentos administrativos e tributários, sendo que o n.º 2 do mesmo artigo esclarece que a suspensão daqueles prazos, abrange, nomeadamente, o ato de interposição de reclamação graciosa.

51. Todavia, este regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais cessou por força da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, estabelecendo a alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º que: “(…) 2 - Os prazos administrativos cujo termo original ocorreria após a entrada em vigor da presente lei, caso a suspensão referida no número anterior não tivesse tido lugar, consideramse vencidos: a) (…); b) Na data em que se venceriam originalmente caso se vencessem em data posterior ao vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei.”

52. Ora, atendendo que a Lei 13-B/2021, de 5 de abril, entrou em vigor a partir de 06.04.2021, o vigésimo dia útil posterior àquela data seria o dia 04.05.2021.

 53. Como já vimos atrás, no caso em análise, o prazo para interpor a reclamação graciosa terminava a 04.06.2021, isto é, em data posterior ao vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da Lei 13-B/2021, pelo que, o prazo para apresentação da reclamação considera-se vencido na data em que era suposto vencer (04.06.2021), não se lhe aplicando nenhum regime especial.

54. Assim sendo, tendo a reclamação graciosa sido apresentada a 30.06.2021, podemos concluir que a mesma se mostra intempestiva, o que significa que o Serviço de Finanças de Sintra procedeu bem ao rejeitar a mesma por extemporaneidade.

 

20. Posição da Requerente

 

Sobre a intempestividade que constitui fundamento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em causa, a Requerente pronuncia-se nos seguintes termos:

5. Dado que o prazo de reclamação graciosa é um prazo de caducidade de exercício do direito de acção.

6. O que significa que nos termos do art.º 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril de 2021, “os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão”.

7. E tendo a suspensão vigorado desde 22 de Janeiro de 2021 até dia 5 de Abril de 2021, significa que a suspensão durou 104 dias, sendo o prazo alargado por mais 104 dias.

8. O que significa que a reclamação é plenamente tempestiva”.

 

21. Das posições das Partes acima transcritas decorre, com clareza, estar em causa a contagem do prazo de suspensão de prazos processuais e procedimentais prevista na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que veio estabelecer medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica

Provocada pelo coronavirus SARS-CoV.2 e da doença COVID-19.

 

22. À data em que terminaria o prazo normal para interposição da reclamação graciosa relativa ao IRC do exercício de 2016 –4 de junho de 2021 – estava em vigor o artigo 6.º-C daquela Lei, na redação dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, com efeitos a 22 de janeiro de 2021 [i]:

Artigo 6.º-C

Prazos para a prática de atos procedimentais

1 - São suspensos os prazos para a prática de atos em:

a) ...

b)...

c) Procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares.

2 - A suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.

3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os procedimentos identificados no n.º 1.

4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.

(...)

 

23. Este regime foi revogado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, em vigor a partir do dia seguinte ao da sua publicação o (Cf. Lei n.º 13-B/2021, art. 7.º). Esta lei estabelece nos seus artigos 4.º e 5.º regimes de suspensão aplicáveis, respetivamente, a prazos administrativos e prazos de prescrição e caducidade, nos seguintes termos:

Artigo 4.º

Prazos administrativos

1 - Os prazos administrativos cujo termo original ocorreria durante a vigência do regime de suspensão estabelecido pelo artigo 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, consideram-se vencidos no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei.

2 - Os prazos administrativos cujo termo original ocorreria após a entrada em vigor da presente lei, caso a suspensão referida no número anterior não tivesse tido lugar, consideram-se vencidos:

a) No vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei caso se vencessem até esta data;

b) Na data em que se venceriam originalmente caso se vencessem em data posterior ao vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei.

3 - O disposto no presente artigo não se aplica aos prazos da fase administrativa em matéria contraordenacional.

Artigo 5.º

Prazos de prescrição e caducidade

Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.”

 

24. Nos termos do artigo 6-º-C, n.º 1, al. c) , n.ºs 2 e, 3  e 4 da Lei n.º 1-A/2020,  de 1 de março, na redação conferida pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, os prazos procedimentais ficaram suspensos  com efeitos a 22 de janeiro de 2021. Porém, dispõe o n.º 4 do mesmo artigo, acima transcrito, que o regime de suspensão dos prazos de prescrição ou caducidade previstos no n.º 3 do mesmo artigo, prevalece “sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.”

 

25. Do disposto nos artigos 4.º, n.º 2, alínea c) e 5.º Da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, decorre que aos prazos de prescrição e caducidade acresce ao termo inicial do respetivo prazo de interposição o número de dias correspondente ao período de vigência da suspensão. Esta matéria foi objeto de desenvolvida análise em acórdão arbitral de 10.11.2022, proferido no Processo 131/2022-T que, sem reservas se acompanha e que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

 

26. Assim, como bem alega a Requerente, o prazo de interposição de reclamação graciosa é um prazo de caducidade do direito de ação decorrendo a extinção do respetivo direito pelo decurso do tempo pelo que se manteve suspenso nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05/04.

 

27. No presente caso, verifica-se que a suspensão vigorou desde 22 de janeiro de 2021 até ao dia 05 de abril seguinte, tendo a duração de 104 dias: Pelo que o prazo de caducidade do respetivo direito foi alargado por mais 104 dias, nos termos do citado artigo 5.º. Pelo que, à data em que foi interposta – 30 de junho de 2021 – não havia ainda expirado o respetivo prazo.

 

28. Nestes termos, o Tribunal conclui pela improcedência da exceção de intempestividade da reclamação graciosa relativa ao IRC do exercício de 2016 suscitada pela Requerida.

 

Exceção - Da caducidade do direito de ação/incompetência material do tribunal arbitral

 

29. Ainda com referência à reclamação respeitante ao IRC do exercício de 2016 vem a Requerida suscitar uma outra exceção alegando, em síntese, que o indeferimento daquela reclamação se fundamentou na sua intempestividade. Daí que, não tendo havido apreciação do mérito do pedido, o meio de reação contra aquela decisão seria a ação administrativa e não a via arbitral.

 

30. Mais detalhadamente vem este entendimento exposto nos seguintes termos:

“55. Em face do exposto, mostrou-se desnecessária a análise do mérito, vertida na reclamação graciosa, pelo que os vícios imputados relativamente ao período de tributação de 2016 não foram objecto de análise por parte da AT.

56. Ora, o meio processual que a Requerente escolheu, entre vários outros, incluindo os legalmente admissíveis, é destituído de suporte legal pelo que deve ser considerado totalmente improcedente.

57. Pelo que, não havendo análise/apreciação da legalidade do acto de liquidação, o meio próprio para sindicar a decisão, em apreço, seria a acção administrativa e não a impugnação judicial.

58. O meio próprio para impugnar estes atos, que não comportam a apreciação da legalidade de atos de liquidação e que também não são atos de fixação da matéria tributável ou da matéria colectável não é a impugnação judicial mas sim, a ação administrativa, nos termos da alínea p) do n.º 1 do artigo 97º do CPPT e artigo 46º e seguintes do CPTA.

 

31. Citando diversa jurisprudência em suporte do entendimento acima exposto, prossegue a Requerida:

“ 63. Na verdade, em face da construção jurídica presente no articulado inicial é indubitável que é a Ação Administrativa, e não o pedido de pronúncia arbitral, que configura o meio processual adequado para efetuar a apreciação da matéria (pois que aquela constitui o meio de reação destinado a apreciar atos em matéria tributária – artigo 97.º/2 do Código do Procedimento e de Processo Tributário), e não o pedido de pronúncia arbitral (pois que este constitui um dos meios de reação destinados a apreciar atos tributários – artigo 2.º/1 do RJAT).

64. Aliás, sempre poderia a Requerente ter lançado mão da ação administrativa contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa por extemporaneidade.

Acresce-se ainda o seguinte:

65. Caducado tal prazo, a reclamação graciosa não tem aptidão para, no seguimento de decisão final do respectivo procedimento administrativo, abrir novo prazo para o pedido de constituição do tribunal arbitral, pelo que, no caso dos presentes autos, a apresentação deste pedido ocorreu após a extinção do respectivo direito. (vide neste mesmo sentido decisão arbitral proferida no processo 691/2020-T)”

 

32. Do exposto, a Requerida extrai a seguinte conclusão:

“ 67. Sendo intempestiva a reclamação graciosa, a decisão final que recaiu sobre este procedimento administrativo não é susceptível de conferir à Requerente a abertura do prazo para, na sequência, requerer a constituição do tribunal arbitral, pelo que, no caso dos presentes autos, a apresentação deste pedido ocorreu após a extinção do respectivo direito. (vide neste mesmo sentido decisão arbitral proferida no processo 691/2020-T).

66. Nesse sentido, ou seja, que a tempestividade da reclamação administrativa é condição necessária para a tempestividade - no caso - da impugnação judicial, vejam-se, entre muitos, os seguintes arestos: Acórdão do Tribunal Central Administrativo - Sul, proferido em 23-03-2017, no processo n.º 07644/14: «Estando a reclamação graciosa fora de prazo à data em que foi apresentada, em consequência e independentemente da mesma ter sido ou não decidida, a impugnação judicial também será intempestiva». Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 02-04-2009, no processo n.º 0125/09: «Só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, neste caso, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a sua extemporaneidade da reclamação ainda que não consequencie a extemporaneidade da impugnação conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido». E «só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, neste caso, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações, pois a confirmar-se a intempestividade da reclamação tudo se passa como se esta não tivesse existido».

67. Sendo intempestiva a reclamação graciosa, a decisão final que recaiu sobre este procedimento administrativo não é susceptível de conferir à Requerente a abertura do prazo para, na sequência, requerer a constituição do tribunal arbitral, tudo se passando como se a reclamação graciosa não tivesse existido.

68. O prazo fixado no artigo 10.º, n.º 1, do RJAMT, para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, é um prazo de caducidade.

69. A caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso e encontra-se excluída da disponibilidade das partes.

70. A intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral determina a caducidade do direito de acção, ou seja, do direito de requerer a constituição do tribunal arbitral, é uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da instância da Requerida - artigos 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 2 e 577.º, todos do CPC, e 89.º, n.º 4, alínea k), do CPTA, aplicáveis ex vi o artigo 29.º, n.º 1, do RJAMT. 71. Nestes termos, entende a AT que se verifica nulidade processual - erro na forma do processo, e intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral, determinadora da caducidade do direito de acção e, em consequência, o tribunal arbitral não deve conhecer do pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida, da instância.

72. A solução desta questão prévia prejudica a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente, nos termos do disposto no artigo 660.º, n.º 2, primeiro segmento, do CPC, aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT.”

 

33. Pronunciando-se sobre a exceção invocada, a Requerente vem alegar que, “ Ao contrário do decidido na decisão arbitral indicada pela Requerente têm ocorrido diversas decisões em sentido contrário”, citando, entre outras, a decisão proferida no Processo 419/2014-T, de que transcreve: “" Como decorre da competência atribuída aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de liquidação, e não de decisões de indeferimento de recursos hierárquicos ou reclamações graciosas, quando há lugar a impugnação administrativa de actos de liquidação, estes actos de liquidação são sempre impugnáveis em prazo a contar da notificação da decisão de indeferimento, pois o artigo 10.o, n.o 1, indica-os como termos iniciais. Por isso, o requerente da arbitragem não tem que impugnar os actos de segundo ou terceiro grau e, mesmo quando impugna estes, considera-se que o objecto do processo arbitral é sempre o objecto mediato que constituem os actos de liquidação mantidos por actos de segundo ou terceiro grau sempre que o Requerente não impute a estes vícios próprios. Mas, obviamente, se o requerente da arbitragem apenas pretende ver declarada a ilegalidade de actos de liquidação, que são os que, sendo susceptíveis de execução coerciva,  afectam a sua esfera jurídica, não tem que impugnar os actos de segundo ou terceiro grau, que carecem de lesividade autónoma. De resto, uma hipotética deficiência na formulação do pedido não teria como corolário a absolvição da instância, apenas dando lugar, se necessário, mas sempre que necessário, a uma correcção, como impõe a alínea c) do n.o 1 do artigo 18.o do RJAT, em sintonia com o direito constitucional à impugnação contenciosa de todos os actos da Administração que lesem os direitos dos contribuintes (artigos 20.o, n.o 1, e 268.o, n.o 4, da CRP)."

 

34. No mesmo sentido, a Requerente refere, ainda, as decisões arbitrais proferidas nos Processos 124/2015-T e 272/2014-T.

 

35. Não estando em causa, como já acima se viu, a intempestividade da reclamação graciosa nem, consequentemente, a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, que ocorreu dentro do prazo previsto no artigo 10.º do RJAT, resta apreciar a exceção invocada pela Requerida no tocante â impropriedade do meio de reação utilizado.

 

36.Segundo decorre da resposta da Requerida, da decisão de indeferimento por extemporaneidade da reclamação graciosa relativa a liquidação de IRC de 2106 tem como consequência a caducidade do direito de ação.

 

37. Tendo o Tribunal concluído da tempestividade da reclamação em causa, carece de apreciação a exceção dilatória da caducidade do direito de ação invocada pela Requerente.

 

38. Porém, a Requerida alega ainda que estando em causa no presente processo ato que não comporta a apreciação da legalidade de atos de liquidação – o indeferimento liminar da reclamação com base na sua extemporaneidade - o meio próprio para o impugnar seria a ação administrativa, nos termos da alínea p) do nº 1 do artigo 97.´º do CPPT e artigos 46.º e seguintes do CPTA, e não a impugnação judicial.

 

39. Com efeito, estabelecem as alíneas d) e p) do n.º1 do artigo 97.º do CPPT a regra de a impugnação de atos administrativos em matéria tributária se efetua por via de impugnação judicial ou ação administrativa, consoante aqueles atos comportem ou não a apreciação de atos de liquidação.

 

40. Esta repartição dos meios de reação contra atos administrativos praticados pela administração fiscal é particularmente relevante em sede da arbitragem tributaria.

 

41. Nos termos do disposto nos artigos 2.º e 4.º do RJAT, complementados com a Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03, a competência material dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD circunscreve-se ao âmbito de aplicação do processo de impugnação judicial, compreendendo:

- A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; e

-  A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais

 

42. Não se suscitando dúvidas quanto ao âmbito da competência dos tribunais arbitrais, coloca-se a questão de saber se do indeferimento de reclamação graciosa por vício procedimental – no presente por extemporaneidade – o meio de reação apropriado é a ação administrativa ou a impugnação judicial.

 

43. Esta matéria tem vindo a ser abordada em numerosas decisões do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente em acórdão de 16-11-2011, proferido no Processo 0723/11, de cujo sumário se destaca: “ I. A impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objecto imediato a decisão da reclamação e por objecto mediato os vícios imputados ao acto de liquidação. II. Anulado o indeferimento da reclamação por vício procedimental desta, cabe ao tribunal conhecer dos restantes vícios imputados ao acto tributário, uma vez que este é competente para conhecer em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação, quer dos vícios imputados ao acto tributário.” [ii]

 

44. No sentido da jurisprudência acima referida e reportando-se a situação em tudo idêntica à que se evidencia no presente processo, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 13-01-2021, proferido no Processo 0129/18,9BEAVR, nos seguintes termos: “ Como acima se referiu o Tribunal a quo entendeu que, não tendo sido apreciada na reclamação graciosa a legalidade da liquidação, por ter sido indeferida com fundamento na sua extemporaneidade e na impossibilidade de convolação em procedimento de revisão oficiosa, ou seja, por motivos formais, o meio processual a utilizar pelo interessado teria de ser a ação administrativa e não a impugnação judicial, a qual só seria de usar se a decisão graciosa tivesse apreciado a legalidade da liquidação.

Não entendemos assim.

Como este Tribunal tem decidido, o erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido, sem prejuízo de na sua interpretação, para indagação da real pretensão do autor, se poder usar a causa de pedir invocada – entre outros, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-11-2019, proferido no processo 01300/16.3BELRS 01397/16.

A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-11-2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação)

Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação-

Assim, se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa.

Daí que se tenha vindo a afirmar que nestas situações, em que o meio gracioso precede o contencioso, a impugnação judicial tem um objeto imediato (a decisão administrativa) e um mediato (a legalidade da liquidação).

No caso em apreço, o pedido formulado na petição inicial, que a impugnação judicial seja "julgada procedente e, [que]em consequência, [seja] ordenada a restituição das importâncias pagas em excesso", não é exemplar de um pedido a formular numa impugnação judicial, a qual termina, naturalmente, com o pedido de anulação (total ou parcial) da liquidação impugnada. No entanto, embora não esteja expressamente formulado o pedido de anulação da liquidação, ele está subjacente ao pedido de restituição das quantias pagas em excesso, aliás como reconheceu o Tribunal recorrido quando refere, a propósito da possibilidade de convolação, que "No fundo, o pedido formulado pela ora impugnante tem implícito um pedido de anulação parcial da liquidação...".

Importa dizer que sobre esta matéria a posição deste Tribunal tem também sido uniforme no sentido de adotar, na interpretação do pedido formulado, um critério flexível com vista a alcançar uma justiça efetiva e não meramente formal, pois só assim é garantida uma tutela jurisdicional efetiva.

Assente que o pedido formulado, não obstante os reparos feitos, é adequado ao meio processual utilizado pela Recorrente, a impugnação judicial, a decisão recorrida, que assim não entendeu, incorreu em erro de julgamento, merecendo o recurso provimento.[iii]

 

45. No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Norte em acórdão de 22-10-2021, proferido no Processo 00175/21.5BECBR, no qual se pode ler: O Tribunal Administrativo e Fiscal de (…) indeferiu liminarmente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente com fundamento em erro na forma do processo e por não se mostrar viável a convolação para o meio processual adequado. Entendeu o Tribunal a quo que sendo a impugnação judicial deduzida na sequência da decisão da reclamação graciosa, que não conheceu da legalidade da liquidação, porque a julgou extemporânea, o meio processual adequado para discutir esta decisão seria a ação administrativa; e que a convolação não era possível por o pedido formulado pela impugnante não se adequar àquele meio processual.

(…)

Porém, a Recorrente (…) também defende nas conclusões b) e c) que, ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido, o meio processual que usou, a impugnação judicial, é o correto, sustentando a sua posição no facto de na petição inicial discutir a legalidade da liquidação, ao aí alegar que a AT não teve em consideração a situação da então impugnante, que era portadora de deficiência documentalmente comprovada, e que tendo a questão sido suscitada em sede de reclamação administrativa e não tendo logrado vencimento, determinou a apresentação da impugnação judicial, sustentada no disposto no artigo 102.º do CPPT. Neste segmento das suas conclusões a Recorrente ataca a decisão recorrida, pelo que importa apreciar o seu mérito.

Como acima se referiu o Tribunal a quo entendeu que, não tendo sido apreciada na reclamação graciosa a legalidade da liquidação, por ter sido indeferida com fundamento na sua extemporaneidade e na impossibilidade de convolação em procedimento de revisão oficiosa, ou seja, por motivos formais, o meio processual a utilizar pelo interessado teria de ser a ação administrativa e não a impugnação judicial, a qual só seria de usar se a decisão graciosa tivesse apreciado a legalidade da liquidação.

Não entendemos assim.

Como este Tribunal tem decidido, o erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido, sem prejuízo de na sua interpretação, para indagação da real pretensão do autor, se poder usar a causa de pedir invocada – entre outros, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06/11/2019, proferido no processo 01300/16.3BELRS 01397/16.

A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação).

Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação.

Assim, se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa.
Daí que se tenha vindo a afirmar que nestas situações, em que o meio gracioso precede o contencioso, a impugnação judicial tem um objeto imediato (a decisão administrativa) e um mediato (a legalidade da liquidação).

 

46. Tendo-se concluído pela tempestividade da reclamação graciosa relativa à liquidação de IRC do exercício de 2016 e, nessa vertente, pela consequente improcedência da exceção invocada, julga-se igualmente improcedente a exceção de incompetência do Tribunal para a apreciação do mérito do pedido no tocante à legalidade das liquidações impugnadas.

 

 

Do mérito do pedido

 

47. Sintetizando tudo o que vem exposto quanto à matéria de facto, pode concluir-se que a AT fundamenta as correções à matéa coletável que se encontram na base das liquidações  impugnadas na consideração de que de que determinados gastos se situam na esfera pessoal dos sócios. Pelo que, consequentemente, não preenchem os requisitos dos n.ºs 1, 2, 4 e 6 do artigo 23.º do CIRC não sendo, portanto, fiscalmente dedutíveis nos termos da alínea c) do n.º 1, do artigo 23.º-A do mesmo Código.

 

48. A Requerente sustenta o seu pedido alegando que ao contrário do que se afirma no relatório da inspeção tributária, os gastos em causa foram necessários para a formação do lucro tributável, conforme demonstra nos termos a seguir referidos.

 

“• Gastos não aceites fiscalmente no ano de 2016:

a) Alojamento - € 327,09

 9. Não foi aceite como gasto o alojamento no Hotel ... a que respeita a factura n.º 16/S/83 de 03.01.2016 na quantia de € 33,96 acrescida do IVA de € 2,04, com o fundamento de não ser dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável.

10. Esta factura é referente à estadia para visita / acção de formação, a clientes sediados na área metropolitana do Porto, pelo gerente da empresa, Dr. D... .

11. Designadamente ao Cliente da Requerente F..., Lda. NIPC ..., conforme serviços de formação facturados que junta como (Doc. n.º 5) e cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

...

15. Não foi aceite como gasto a factura n.º 1295/2016 de 13.06.2016 na quantia de € 251,32 acrescida do IVA de € 15,08, com o fundamento de não ser dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável.

16. A factura é referente à estadia para reuniões com vista à captação de potencial cliente (G... , Lda), sediado na área de Sines, pelo gerente da empresa.

...

18. Não foi aceite como gasto a factura n.º 316/14173 de 14.10.2016 na quantia de € 41,81 acrescida do IVA de € 3,19, com o fundamento de não ser dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável.

19. A factura é referente à estadia para visita / acção de

formação, a clientes sediados na área metropolitana do Porto, pelo gerente da empresa, Dr. D... .

20. Designadamente ao Cliente da Requerente H..., Lda. NIPC ..., conforme serviços de formação facturados que junta como (Doc. n.º 12) e cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

...

22. Ora, ao contrário do alegado pela AT no relatório de inspecção tributária estes gastos foram necessários para a formação do lucro tributável, pelo que deveriam ter sido aceites como tal.

 

b) Bricolage, construção e decoração - € 1.451,43

23. Não foram consideradas diversas facturas referentes a serra de recortes e laminas, tintas, estores, acessórios para banheira base de duche e acessórios no valor total de € 1.451,43, acrescido do IVA de € 333,52.

24. A aquisição deste equipamento (“vulgo” Serra Tico Tico), traduz-se pelo facto de que, estavam eminentes, obras a realizar no espaço comercial Requerente, durante o 2º Semestre de 2016, prevendo-se a necessidade de ter ao seu serviço este equipamento uma vez que iria ser necessário efectuar cortes de materiais nomeadamente, madeiras, piso flutuante, acrílicos, bem como outros materiais que teriam que ser tratados com equipamentos deste género.

25. A Requerente optou por adquirir esta máquina que ainda hoje mantém, pois efectua regularmente reparações e actualizações no seu espaço, que requerem a utilização deste equipamento.

26. Junta-se cópias de alguns exemplos de materiais tratados e aplicados no espaço da empresa, conforme (Docs. n.ºs 17 a 20), e cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

27. A AT não aceitou facturas de aquisição de tintas, vernizes e solventes, bem como materiais de isolamento, que foram utilizados nas pinturas interiores do escritório, realizados pela empresa I..., S.A., com vista à recuperação e manutenção dos espaços de trabalho, conforme (Doc. n.º 21), e cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

28. Como se pode verificar pelas fotos que se protesta juntar, todas as paredes interiores com cerca de 280 metros lineares do escritório da Requerente são cobertas por tinta de cor branca lavável, daí a utilização dos produtos Cinacryl Brilhante, tal como facturas de aquisição das mesmas, e algumas latas de tinta existente ainda em stock. - Página n.º 5 –

29. Junta-se a factura completa da n.º 201600207/009607 com o respectivo descritivo que a AT alegou, erradamente, que não o tinha, conforme (Doc. n.º 22), e cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

30. Esta factura foi enviada por lapso apenas a 2ª folha que não continha qualquer linha de descritivo, juntamos a factura completa onde constam diversos tipos de materiais utilizados nas obras de recuperação e manutenção das instalações da empresa, nomeadamente, silicones, panos micro fibras para limpezas, sacos plásticos para lixo, suportes de vassouras, esfregonas e outras ferramentas de limpeza e higiene. Material eléctrico, abrasivos, etc. etc.

31. Ora, ao contrário do alegado pela AT no relatório de inspecção tributária estes gastos foram necessários para a formação do lucro tributável, pelo que deveriam ter sido aceites como tal.

 

c) Comissões - € 27.200,00

32. A factura referente ao contribuinte 268283710 B..., dizem respeito a comissões pagas no âmbito de contactos realizados, com diversos potenciais clientes de origem chinesa, no sentido de lhes apresentar propostas para a realização de Formação Certificada com vista à criação de empresas em Portugal, Representação Fiscal, bem como Prestação de Serviços de Contabilidade e Fiscalidade, área determinante em que a empresa se insere.

33. Estas comissões são a principal forma de a empresa conseguir celebrar contactos com elementos da comunidade Chinesa existente em Portugal e República Popular da China.

34. Este tem sido o principal cliente alvo, com que a empresa presta os seus serviços.

35. A factura referente ao contribuinte 510140050 J..., Lda, dizem respeito a comissões pagas no âmbito de contactos realizados, com diversos potenciais clientes de origem chinesa, no sentido de lhes apresentar propostas para a realização de Formação Certificada com vista à criação de empresas em Portugal, Representação Fiscal, bem como Prestação de Serviços de Contabilidade e Fiscalidade, área determinante em que a empresa se insere. - Página n.º 6 –

36. Estas comissões pagas, são de maior valor pago em virtude de ser uma empresa que presta serviços de Publicidade e Marketing a uma abrangente comunidade Chinesa, tendo como principal elemento informativo, a informação prestada através de jornal Chinês de tiragem regular.

37. Deste modo, são a principal forma de a Requerente conseguir, celebrar contactos com elementos da comunidade Chinesa existente em Portugal e República Popular da China.

38. Este tem sido o principal cliente alvo, com que a empresa presta os seus serviços.

39. Ou seja, sem o pagamento destas comissões a Requerente não teria conseguido encontrar clientes a quem prestou e facturou os seus serviços.

40. É, pois, essencial que seja suportado este custo para obtenção do proveito.

41. Razão pela qual deveria ter sido aceite como gasto.

 

d) Móveis e decoração - € 74,55

42. A AT indica que o documento de suporte em questão não foi enviado.

43. No entanto verifica-se que a mesma foi enviada e está identificada pela própria AT, no seu Anexo V, pág. 38, correspondente à página 95/167 do Relatório de Inspecção Tributária, conforme (Doc. n.º 23), e cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

44. Razão pela qual não existe fundamento para ser desconsiderado este gasto

 

• Gastos não aceites fiscalmente no ano de 2017:

 

a) Alojamento, restauração e similares - € 1.678,93 e € 22,46

45. A factura 1/29523 é referente à estadia para nova reunião com vista à 2ª tentativa de captação do potencial cliente (G..., Lda), sediado na área de Sines, pelo gerente da empresa.

...

47. A factura n.º 231/117001644 é referente à estadia para visita / acção de formação, a cliente sediado na área metropolitana do Porto, pelo gerente da empresa, conforme (Doc. n.º 27) que junta e cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

...

49. A factura n.º 2017/4445 diz respeito à estadia para implementação pela Requerente de uma nova actividade (Marítimo Turística), na área de Sines.

50. Durante este período a gerência da empresa tratou de assuntos com diversas entidades nomeadamente Capitania do Porto de Sines, G..., Lda, Marina do Porto de Sines.

...

52. A factura 101/18464 em questão, diz respeito a uma refeição efectuada pelo gerente da sociedade com um cliente, que embora a despesa tenha sido contabilizada na rúbrica de “Deslocações e Estadas”, deveria ter sido considerada como “Despesa de Representação” sujeita a tributação Autónoma Artº nº 88 nº 7 do CIRS à taxa de 10%.

...

54. A factura A1701/3957 em questão, diz respeito a uma refeição de almoço, efectuada pelo gerente da sociedade e 3 colaboradores, a quando de uma formação ministrada pela Ordem dos Contabilistas Certificados no dia 02 de Novembro de 2017 com o tema Encerramento de Contas de 2017, conforme (Docs. n.ºs 40 a 44) que junta e cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

...

56. A factura n.º 002/4135 em questão, diz respeito a uma refeição efectuada pelo gerente da sociedade com um cliente, que embora a despesa tenha sido contabilizada na rúbrica de “Deslocações e Estadas”, deveria ter sido considerada como “Despesa de Representação” sujeita a tributação Autónoma Artº nº 88 nº 7 do CIRS à taxa de 10%.

...

58. As facturas nº Ft 1/29518, bem FS como Ft. n.º 03006/7136 elencadas no presente Relatório de Inspecção nomeadamente no ponto III. 1.1.3 (Alojamento, Restauração e Similares), não foram contabilizadas pela Requerente tendo esta inclusive desconhecimento sobre a sua origem. - Página n.º 9 –

...

 

b) Bricolage, construção e decoração - € 2.515,19 e € 526,15

60. A factura n.º 022969 de aquisição de tinta, Vinylsoft com vista à pintura de todos os pladurs existentes no escritório da sede da empresa.

61. Material de pintura, abrasivos, isolantes, panos de limpeza, sacos reutilizáveis para realização da pintura de todos os pladurs existentes no escritório.

62. Factura ... nº 201700205/005506 referente a (adiantamento por conta encomenda nº 355784) de móvel de W.C. para o escritório, mencionada pela AT como factura sem descritivo, o que na realidade, e como emanam as normas contabilísticas, terá que ser emitido nestes moldes, por ser adiantamento.

63. Foi mais tarde anulada pela emissão de uma Nota de Crédito nº 201700224/004947, com o mesmo descritivo (adiantamento por conta encomenda nº 355784) e que deu origem à emissão, aquando do levantamento da encomenda, da factura n.º 201700224/007319, conforme (Docs. n.ºs 54 a 56) que junta e cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

64. O que significa que não foi aceite como gasto quer o valor de adiantamento quer o valor da factura com o preço total.

65. Relativamente à factura FT 201700212/025143 a mesma diz respeito à compra de 2 unidades de Ar Condicionado para instalação nos escritórios da empresa, o que veio a acontecer no dia 23 de Agosto de 2017, pela empresa K... conforme factura recibo nº Fr 001/512, conforme (Doc. n.º 57) que junta e cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. - Página n.º 10

66. As duas facturas não foram aceites pela AT, mas os dois equipamentos encontram-se nas instalações da empresa e ser utilizados pelos seus trabalhadores, conforme fotografias que se protestam juntar.

67. Relativamente à factura FT 201700224/007319 a mesma diz respeito à aquisição de móvel de W.C. montado nas instalações sanitárias da empresa e ao serviço dos seus trabalhadores, conforme fotografias que se protestam juntar.

68. A factura ... nº 201700207/018829, diz respeito a diversos equipamentos instalados em diversas áreas do escritório da empresa nomeadamente: W.C. (espelho, apliques, lâmpadas), bem como focos e kits de conecção de iluminação Led para diversas zonas do escritório, conforme fotografias que se protestam juntar.

69. As factura nº Ft 201700209/000252 e Ft 201700208/002910 elencadas no presente Relatório de Inspecção nomeadamente no ponto III. 1.1.3 (Bricolage, Construção e Decoração), não foram contabilizadas pela Requerente tendo esta inclusive desconhecimento sobre a sua origem.

...

c) Artigos para lar e decoração - € 739,79

71. Relativamente à Factura FAC 36705520170045/214, identificada pela AT como sendo referente a “cestos de arrumação”, “prateleiras”, “pilhas” não se encontra anexada ao presente Relatório de Inspecção, nem existe o seu lançamento na contabilidade da Requerente, desconhecendo-se o que se pretende demonstrar nesta situação.

...

73. Relativamente à factura FAC 36706020170018/601, “cestos de arrumação” são cestos que foram adquiridos para armazenagem de documentos provenientes dos clientes e que se encontram nos escritórios da empresa, conforme fotografias que se juntam (Docs. n.ºs 61 e 62) que junta e cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

 

d) Artigos de uso/consumo pessoal - € 699,83

74. Relativamente à factura FT AAB057/009462, “vinhos” que embora a despesa tenha sido contabilizada na rúbrica de “Outros Serviços Especializados”, deveria ter sido considerada como “Ofertas a Clientes”.

 

76. Relativamente à factura FT HFT61/0000093 “chocolates, confeitaria” dizem respeito a artigos para oferta a clientes, adquiridos no final do ano (Dezembro) e colocados em bomboneiras próprias com vista a ofertar os clientes da empresa quando nos visitaram nesta época natalícia. Deverão pela sua natureza e valor, ser aceites fiscalmente em sede de IRC e IVA, ao abrigo do Artº 23 nº 1 do CIRS e Artº 3º nº 7 do CIVA, respectivamente.

77. Relativamente às facturas FAC-S 2/60057 e FAC-S 2/60053 “canetas para uso comercial” dizem respeito a artigos para utilização dos sócios da sociedade nas visitas a clientes e tem que ver com a sua actividade profissional, conforme fotografias que se protestam juntar. - Página n.º 12

 

e) Mobiliários e artigos de iluminação - € 5.691,06

78. Relativamente às facturas identificadas neste ponto, as mesmas dizem respeito a mobiliário adquirido para o escritório (sofá), tendo no entanto a aquisição sido feita por 5.000€ (cinco mil euros), contrariando a apreciação por parte da AT que considerou esta aquisição pelo valor de 7.000€ (sete mil euros) não tendo em atenção que existiu uma Nota de Crédito a anular totalmente o valor do sinal de 2.000€ (dois mil euros) referente à factura nº FT2017 RADDALF/278, conforme documentos que se juntam (Docs. n.ºs 67 a 70) e cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

79. Assim sendo, veio a AT fiscalmente não aceitar o valor de 7.000€ (sete mil euros), provocando um excesso de matéria tributável de 1.626,02€ (mil seiscentos e vinte seis euros e dois cêntimos) que não foram sequer contabilizados pela empresa.

...

f) Actividades de portos de recreio - € 8.130,08

81. Relativamente às facturas identificadas neste ponto, as mesmas dizem respeito a reparações efectuadas numa embarcação que constituía uma actividade secundária da Requerente.

82. Quem tem no seu objecto social, nomeadamente, “Actividades Marítimas, nomeadamente Desportivas, Turísticas e Culturais” que a mesma se encontrava a implementar.

83. Estas despesas encontram-se suportadas pelo contrato de Comodato assinado em 30 de Junho de 2017, entre a entidade Comodante e o Explorador do bem em questão, a ora Requerente tal como se pode verificar pela cópia do objecto social da empresa e respectivo contrato de Comodato, que nunca foram solicitados nem postos em questão por parte da AT antes do término da elaboração do presente Relatório de Inspecção, conforme documentos que se juntam (Docs. n.ºs 83 e 84) e cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. - Página n.º 13 –

84. Pelo que os gastos acima enunciados deveriam ter sido aceites fiscalmente

 

Da posição da Requerida

 

49. Pronunciando sobre o indeferimento da reclamação graciosa relativa à liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 2017 a Requerida alega, em síntese, que na mesma, a Requerente invocava a falta de fundamentação das liquidações reclamadas.

 

50. Assim, na sua Resposta, a Requerida expressa entendimento no sentido de que “ 75...no presente pedido de pronúncia arbitral, a requerente deixa de invocar o vício de falta de fundamentação da liquidação de IRC e dos juros compensatórios, bem como da falta de análise do direito de audição, para, agora, vir fundamentar o pedido, alegando, pela primeira vez, o mérito das correções efetuadas em sede de procedimento inspetivo

76. Ora, não pode a requerente apresentar fundamentações diferentes em sede de reclamação graciosa e em sede de pedido de pronúncia arbitral, pois, contesta a decisão proferida em sede de reclamação graciosa, tem que se cingir à argumentação nela apresentada.”

 

51, Não obstante, reportando-se à reclamação graciosa em causa, sustenta a Requerida que, pela leitura do RIT, se constata que as correções foram, uma por uma fundamentadas por meio de factos e de direito, para, no entanto, concluir que: “ 91. Em relação aos argumentos apresentados, no presente pedido, sobre a matéria de facto, não os iremos analisar, porquanto, em sede de reclamação graciosa os mesmos não foram invocados pela requerente, motivo pelo qual, entendemos não haver razões para alterar as correções efetuadas em sede de procedimento inspetivo.

92. Além de que, tendo em conta, o alegado em sede de reclamação graciosa, completamente diferente das alegações em sede de pedido de pronúncia arbitral, analisar o mérito das correções, consubstanciaria, neste momento, o reabrir de prazos que, de acordo com a lei, já estão encerrados. Assim o determina o princípio da segurança jurídica.

93. Pelo que, o que a requerente faz no presente pedido de pronúncia arbitral não é atacar a decisão das reclamações graciosas, pois não lhe imputa qualquer vício, o que a Requerente pretende é atacar as correcções provenientes do RIT, e que originaram os actos de liquidação impugnados, assim sendo o presente pedido de pronúncia arbitral é intempestivo, o que se requer, com as devidas consequências legais, conforme referido em 71.

 

52. Face ao que vem alegado pela Requerida, no ponto acima transcrito, importa, antes de mais, que o tribunal se debruce sobre a invocada intempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral nos termos em que vem formulada.

 

53. No essencial, o que parece estar causa é saber se é lícito ao tribunal conhecer do mérito do pedido de pronúncia arbitral, apresentado na sequência do indeferimento de reclamação graciosa, no qual são invocadas ilegalidades que afetam o ato tributário que não foram suscitadas na fase graciosa.

 

54. Sobre esta matéria a jurisprudência constante dos tribunais superiores vai em sentido diverso daquele que é sustentado pela Requerida.

 

55. Nesse sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Supremos Tribunal Administrativo:

- Acórdão de 03-06-2015 – Proc. 0793/14 - Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.

- Acórdão de 18-05-2011 – Proc. 156/11 -  I - O objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise. II - A impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.

 

56. No mesmo sentido se pronuncia o Tribunal Central Administrativo Sul em acórdão de 24-06-2021, no Processo n.º 9472/16.0BCLSB: 1. O Impugnante pode invocar na ação de impugnação qualquer ilegalidade, mesmo que não a tenha invocado no procedimento. 2. O facto de o Impugnante não ter exercido o direito de audição não preclude a possibilidade de invocar os vícios que, posteriormente, em sua defesa pretenda apresentar

 

57. Mais precisamente, sobre a extensão da jurisprudência citada ao processo arbitral, pode ler-se em acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27.04.2017, proferido no processo n.º 08958/15: “ 1) Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.  2) A presente regra deve ser aplicada aos processos arbitrais.  3) As impugnações administrativas constituem formas de tutela o contribuinte perante o Fisco, de forma que a instauração do seu procedimento reabre a apreciação da situação subjacente ao acto tributário, o qual não se consolida até ao trânsito em julgado da decisão judicial incidente sobre a sua impugnação.

 4) Associar o efeito preclusivo da competência do tribunal arbitral à não invocação na sede administrativa de certo vício fundamento do pedido de pronúncia arbitral colide com o regime das impugnações administrativas como garantias dos contribuintes no quadro do direito à tutela jurisdicional efectiva.

 5) A restrição do universo de elementos constitutivos da causa de pedir arbitral em função da discussão efectuada em sede procedimental constitui uma restrição desproporcionada da tutela judicial efectiva, na medida em que a garantia do cumprimento da legalidade fiscal assegurada pelos procedimentos administrativos de revisão do acto tributário não pode operar como um impedimento de tal revisão em sede contenciosa, seja a mesma garantida através de um tribunal do Estado, seja a mesma garantida através de um tribunal arbitral.

 

58. Acompanhando-se a jurisprudência citada, o Tribunal, contrariamente ao alegado pela Requerida, não pode deixar de apreciar o pedido formulado pela Requerida.

 

59. E assim sendo, cabe, antes de mais, referir que, conforme resulta do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), estando em causa a apreciação da legalidade de atos de liquidações oficiosas praticados pela Autoridade Tributária, corrigindo anterior liquidação efetuada com base na declaração do sujeito passivo, é a AT que incumbe o ónus da prova dos pressupostos legais da correção que operou.

 

60. Não sendo recolhidos quaisquer indícios de simulação relativamente às transações em causa – que, de resto não é sequer expressa ou implicitamente suscitada pela AT – prevalece, no presente caso, o princípio da veracidade da declaração e da contabilidade do sujeito passivo, consagrada no artigo 75.º, n.º 1, da LGT.

 

61. Assim sendo, o enquadramento da situação concreta em análise, passa, necessariamente, por referir o artigo 23.º do Código do  IRC (CIRC).

 

62. Dispõe o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, que“ 1- Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

63. Segundo a doutrina[iv] e reiterada jurisprudência[v], a consideração como gastos fiscais, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, para que remete o n.º 2 do mesmo artigo, não é necessária uma relação de causalidade entre gastos incorridos pelo sujeito passivo e a obtenção de rendimentos, bastando que aqueles sejam suportados pelo sujeito passivo no interesse da empresa. Apenas nos casos em que os gastos contabilizados não preencham tal requisito, designadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a atividade empresarial, ou não se encontrem devidamente documentados, é que poderão ser desconsiderados para efeitos fiscais.

 

64. No presente caso, constata-se que as decisões que conduziram às liquidações adicionais de IRC e de indeferimento da reclamação relativa ao exercício de 2017, se fundamentaram exclusivamente nos elementos e conclusões constantes do RIT.

 

65. Neste, constata-se que as correções propostas vêm fundamentadas essencialmente com a remissão para as disposições legais constantes dos artigos 23.º, n.ºs 1,2,4e 6 e 23.º-A, n.º 1, al. c), não especificando elementos factuais suscetíveis de conduzir a essa conclusão, nomeadamente, suportando-se em elementos objetivo que permitam considerar-que tais gastos não se inserem na atividade empresarial da Requerente.

 

66. Assim, no tocante à norma do artigo 23,º, n,º 1, estando em causa gastos contabilizados pela empresa, incorridos no âmbito do exercício da sua atividade empresarial, prevalece a presunção de veracidade da contabilidade, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. Embora “sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos" tal presunção imputa à AT o ónus da prova que determinados gastos contabilizados não se situam na esfera da empresarialidade.

 

67. Dos elementos constantes do relatório de inspeção, que fundamentam as liquidações impugnadas, não se evidenciam indícios fundados de que as faturas contabilizadas como gastos não correspondem a operações efetuadas no âmbito da atividade empresarial da Requerente.

 

68. Com efeito, ali se considera, como fundamento da generalidade das correções propostas, que os gastos aí referidos se reportam aos bens de uso pessoal. Porém, não se demonstra, nem se indicia sequer, que tais bens e serviços, ainda que suscetíveis de uso pessoal, tenham sido adquiridos com tai fim.

 

69. Por seu lado, a Requerente, vem no presente processo, alegar a empresarialidade dos gastos em causa, oferecendo plausível explicação quando à finalidade da sua aquisição e apresentando elementos documentais em suporte do que afirma.

 

70. A veracidade do que vem alegado pela Requerente não foi objeto de contestação pela Requerida.

 

71. Nestes termos, com base nas disposições conjugadas dos artigos 23.º e 23,º-A, n,º 1, alínea c), do CIRC, 74.º e 75,º, n.º 1, da LGT, conclui-se que as correções em causa, e consequentes liquidações, são ilegais, por vicio de fundamentação insuficiente, equivalente a falta de fundamentação, assim se considerando procedente o pedido da Requerente.

 

V. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal decide:

 

  1. Julgar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida;

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, revogar as decisões de indeferimento das reclamações graciosas e determinar a anulação dos atos de liquidação impugnados, resultantes das correções à matéria coletável a que se refere o presente processo, no valor global de € 18 112,06, com o consequente reembolso da importância indevidamente cobradas.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 18 112,06, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 224,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 22 de novembro de 2022,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira

 

 

 



[i]- Lei n.º 4-B/2021, de 1/02, Artigo 4.º - Produção de efeitos - O disposto nos artigos 6.º-B a 6.º-D da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, produz efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados.

[ii] No mesmo sentido, entre outros, STA, acs. de 18-06-2014, Proc.01942/13, de 20-05-2015, Proc.01021/14, de 12-10-2016, Proc. 0427/16,  de 16-09-2020, Proc. 01438/16.7BELRS 01386/17.

[iii]Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 02-04-2009, Proc.0125/09. 

[iv]  Vd. Saldanha Sanches, “Os Limites do Planeamento Fiscal”, Coimbra Editora, 2006, pp. 215-216 e Rui Duarte Morais, “Apontamentos ao IRC”, Almedina, 2007, pp. 87 e sgts.

[v]  Neste sentido, entre muitos outros, STA, acs. de 29-03-2016, proc. 01236/05; de 21-09-2016, proc. 0591/13; de 15-11-2017, proc. 0372/16 e CAAD, ac. de 11-10-2019, proc. 329/2019-T.