Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 272/2022-T
Data da decisão: 2022-11-17  IRC  
Valor do pedido: € 55.049,65
Tema: IRC – IVA – gastos; direito à dedução; requisitos das faturas; procedimentos de avaliação da matéria tributável.
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Sumário:

  1. Nos termos estatuídos no n.º 3 do artigo 23.º do Código do IRC, os gastos dedutíveis “devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”, determinando o subsequente n.º 4 que “no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo que refere o número anterior deve conter, pelo menos” os elementos elencados nas suas diversas alíneas.
  2. O artigo 23.º-A do Código do IRC estatui na alínea c) do seu n.º 1 que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, “os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º”.
  3. Apesar de não carecer, para efeitos de IRC, de requisitos formais especialmente desenvolvidos, qualquer documento que titule um gasto deverá cumprir com critérios mínimos que enquadrem os termos essenciais da operação, de modo a que o gasto possa ser relevado no lucro tributável.
  4. Nos termos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º do Código do IVA, confere direito a dedução o imposto mencionado em faturas passadas na forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo.
  5. O n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA estatui que as faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os elementos elencados nas suas diversas alíneas.
  6. O TJUE tem afirmado, de forma reiterada, que os Estados-membros não podem negar o direito a dedução pelo simples facto de uma fatura não satisfazer os requisitos formais exigidos pela Diretiva do IVA, na condição de que, não obstante a existência de vícios formais, a fatura permita assegurar a exata cobrança do imposto nela liquidado e permita também a respetiva fiscalização pelas autoridades fiscais competentes.
  7. O n.º 1 do artigo 87.º da LGT, elencando taxativamente as situações em que pode ser efetuada a avaliação indireta, determina que tal pode suceder, entre outros, em caso de “impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto” (alínea b)).
  8. O artigo 88.º da Lei Geral Tributária, por seu turno, preceitua que a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos pode resultar, entre outras, da seguinte anomalia e incorreção quando inviabilize o apuramento da matéria tributável: “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais” (alínea a)).    
  9. Quando seja impossível comprovar a matéria tributável direta e exatamente a partir dos elementos da contabilidade, a AT está legalmente vinculada a eleger a avaliação indireta como método de apuramento dessa matéria, porque assim lhe impõe o artigo 90.º, n.º 1, da LGT.
  10. A avaliação indireta é uma modalidade de determinação da matéria tributável que não tem natureza discricionária, no sentido de que não constitui uma alternativa ao dispor da AT; outrossim, é um método que a AT está vinculada a seguir quando seja impossível determinar a matéria tributável com base nos elementos fornecidos pelo contribuinte ou perante a sua inexistência.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. Relatório

1. No dia 18 de abril de 2022, A... Unipessoal, Lda., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., ... (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação dos seguintes atos tributários:

  • ato de liquidação adicional de IRC n.º 2022..., referente ao exercício de 2017, no montante a pagar de € 10.050,19;
  • ato de liquidação adicional de IRC n.º 2022..., referente ao exercício de 2018, no montante a pagar de € 21.532,34;
  • ato de liquidação adicional de IRC n.º 2022..., referente ao exercício de 2019, no montante a pagar de € 6.156,70;
  • ato de liquidação adicional de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201703T, no montante de € 0,00;
  • ato de liquidação adicional de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201706T, no montante de € 0,00;
  • ato de liquidação adicional de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201709T, no montante de € 0,00;
  • ato de liquidação adicional de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201712T, no montante de € 0,00;
  • ato de liquidação adicional de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201803T, no montante de € 0,00;
  • ato de liquidação adicional de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201806T, no montante de € 0,00;
  • ato de liquidação adicional de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201809T, no montante de € 0,00;
  • ato de liquidação adicional de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201812T, no montante de € 0,00;
  • ato de liquidação adicional de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201903T, no montante de € 0,00;
  • ato de liquidação adicional de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201906T, no montante de € 0,00;
  • ato de liquidação adicional de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201909T, no montante de € 0,00;
  • ato de liquidação adicional de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201912T, no montante de € 0,00;
  • ato de liquidação adicional de IVA n.º 2022..., referente ao período de 202006T, no montante a reembolsar de € 36.532,67;
  • ato de liquidação adicional de IVA n.º 2022..., referente ao período de 202012T, no montante a pagar de € 4.094,84.

A Requerente juntou 2 (dois) documentos e requereu a produção de declarações de parte do seu sócio-gerente, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente é uma sociedade comercial cuja atividade consiste, essencialmente, na exploração florestal e no transporte rodoviário de mercadorias. No âmbito do negócio de exploração florestal, a atividade da Requerente assenta em três tipos de operações: compra de árvores em matas, para venda em bruto; compra de árvores em matas, para venda sob a forma de lenha; e, compra de árvores já abatidas, para venda em bruto.

No primeiro tipo de operações (compra de árvores em matas, para venda em bruto), a Requerente divide as suas operações comerciais em cinco grandes áreas: aquisição de árvores plantadas em matas; abate de árvores por empresas subcontratadas; transporte para os seus clientes; definição do preço a pagar pelo abate; e, definição do preço de venda ao cliente final. A Requerente adquire árvores que se encontram em matas e cada fatura que emite corresponde a um lote de árvores espalhados por vários terrenos, sendo tais aquisições feitas a outros sujeitos passivos, tendo ou não atividade declarada. Nas situações em que as aquisições são feitas a sujeitos passivos sem atividade declarada, as faturas são emitidas pela Requerente, ao abrigo do regime de autofacturação, nos termos do artigo 36.º, n.º 11, do Código do IVA. A definição do preço pode variar de acordo com o tipo, a idade, a largura, a altura e o estado de conservação das árvores, sendo também influenciado pela localização da mata, a acessibilidade e acidentalidade do local de corte das árvores, a presença de vegetação densa e as condições climatéricas. Assim, a simples quantificação das árvores adquiridas não seria exata e nunca seria uma projeção da realidade económica, além de que uma mata pode ter milhares de árvores e não é possível entrar em determinadas áreas sem se proceder a uma limpeza prévia, pelo que, no momento da celebração do negócio, é impossível saber ao certo o número de árvores contidas na mata. O preço é sempre estabelecido pelo fornecedor, sendo que existem duas formas de o negociar: o preço contratado pelas partes é acordado para todas as árvores existentes na mata, independentemente do seu peso, podendo, em algumas situações, serem adquiridos apenas alguns tipos de árvores, sendo o pagamento feito antes do abate das árvores; ou, o preço contratado pelas partes é aferido em toneladas, sendo o pagamento realizado após o abate das árvores. Na primeira hipótese, as árvores não são abatidas até que sejam vendidas, pelo que a sua compra em toneladas não é exequível, tendo o negócio de ser celebrado pela totalidade das árvores da mata ou em pés (sendo que um pé corresponde a uma árvore). Após a compra das matas que contêm várias árvores em pé, a Requerente subcontrata os serviços de outra empresa, a qual procede ao corte das árvores e eliminação dos desperdícios; a Requerente obtém, assim, o seu produto final, ou seja, árvores cortadas que são destinadas a venda no seu estado bruto. Esta operação representa cerca de 90% do volume de negócios da Requerente. A Requerente apenas define o montante a pagar à empresa que procede ao abate das árvores no momento em que a mercadoria é entregue ao cliente final, pois só nesse momento é que as árvores são pesadas; este serviço de corte e extração é, pois, pago por tonelada. Na esfera do comprador das árvores (o cliente final do produto), o preço pago pela aquisição deste bem resulta do peso e do tipo de mercadoria, no momento da respetiva aquisição. Sendo as árvores adquiridas em pé e, logo que abatidas, vendidas imediatamente, não há stock de árvores abatidas; o stock é constituído apenas pelas árvores que estão nas matas e que ainda não foram abatidas.

No âmbito do segundo tipo de operações (compra de árvores em matas, para venda sob a forma de lenha), com vista a rentabilizar o seu negócio e a evitar desperdícios, a Requerente, paralelamente ao abate realizado pela empresa subcontratada, realiza outra operação, com menor peso no seu volume de negócios, consubstanciada no seguinte: aquisição de árvores plantadas em matas; abate de árvores através de equipa própria; transporte para o estaleiro da Requerente; corte para lenha; e, venda ao cliente final. Para se apurar o preço de venda é utilizada uma medida de esteres (unidade de medida de volume, para madeira ou lenha, equivalente a um metro cúbico), pelo que a Requerente, sabendo a quantidade de esteres vendidos, consegue, ainda que aproximadamente, vender aos seus clientes por tonelada. O valor do respetivo stock é calculado tendo em conta o valor de cada tonelada.

O terceiro tipo de operações (compra de árvores já abatidas, para venda em bruto) tem um valor residual e é realizada de uma forma simples, limitando-se a Requerente a adquirir árvores já abatidas. Os respetivos fornecedores já abateram as árvores e dispõem de balanças nas suas serrações, pelo que vendem as árvores à unidade e ao peso. São aquisições que visam suprir necessidades urgentes, pelo que as árvores são carregadas no fornecedor e descarregadas diretamente no cliente da Requerente, não originando stock.   

Noutra ordem de considerações, a Requerente afirma que, no âmbito da sua atividade de transporte rodoviário de mercadorias, dispõe de uma frota de quatro camiões que realizaram diversas passagens em portagens, tendo tais gastos sido contabilisticamente reconhecidos na conta 625133 – Deslocações e Estadas – Portagens. A fim de rentabilizar o seu negócio, cada um dos camiões da Requerente dispõe de um dispositivo “C...” para que os camionistas não tenham, em cada passagem por uma portagem, de parar e efetuar o respetivo pagamento, sendo os pagamentos efetuados por via de débitos diretos, conforme contratado com a “C...”, a qual oferece um serviço que permite circular em toda a rede de autoestradas portuguesas. Segundo a Requerente, o documento denominado “extrato/recibo”, enviado pela “C...”, é o único documento que justifica os pagamentos debitados na sua conta bancária; sendo que tal documento tem a data de emissão, o respetivo número, o número de contribuinte e a denominação social do beneficiário do serviço prestado pela “C...”. Na ótica da Requerente, tal documento emitido pela “C...” assemelha-se a uma fatura típica, pois os dados identificativos estão no respetivo cabeçalho e nas diversas linhas estão descritos os produtos ou serviços vendidos/prestados.

Na sequência de um pedido de reembolso de IVA por si apresentado, a Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção tributária, na sequência do qual foram realizadas diversas correções à matéria tributável de IRC dos exercícios de 2017, 2018 e 2019 e relativamente ao IVA dos períodos de tributação de 2017, 2018, 2019, 202006T e 202012T. Nessa sequência, foram emitidos os atos tributários controvertidos, ou seja, as liquidações adicionais de IRC atinentes aos exercícios de 2017, 2018 e 2019 – das quais resultou o montante total a pagar de € 40.959,50, que a Requerente pagou – e as liquidações adicionais de IVA atinentes aos períodos de tributação de 2017, 2018, 2019, 202006T e 202012T – das quais resultou um reembolso de IVA inferior em € 14.090,15 ao montante peticionado pela Requerente. 

Relativamente aos gastos com a aquisição de inventários, a Requerente afirma que a AT nunca colocou em causa a veracidade das operações e dos respetivos valores, tendo sim questionado o cumprimento dos requisitos formais das faturas, legalmente previstos no Código do IRC e no Código do IVA, designadamente quanto às faturas atinentes a aquisições de árvores que foram emitidas pela própria Requerente, ao abrigo do regime de autofacturação, previsto no n.º 11 do artigo 36.º do Código do IVA. A este propósito, a Requerente alega que as correções efetuadas pela AT, consubstanciadas na desconsideração dos custos suportados pelo sujeito passivo para obter o rendimento que é tributado e na não aceitação da dedução do IVA suportado, constituem uma violação grosseira dos princípios da neutralidade do IVA, da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real, da verdade material e da proporcionalidade.

No tangente aos gastos com a “C...”, a Requerente alega que um homem médio, ainda que trabalhe no setor dos transportes, não tem consciência de que a “C...” atua como entidade gestora de sistemas eletrónicos de cobrança e que o documento denominado “extrato/recibo” enviado pela “C...” é o único documento que justifica os pagamentos debitados na sua conta; nessa medida, continua a Requerente, qualquer homem médio acreditaria estar a cumprir com a legislação fiscal, pois não conseguiria depreender do dito documento que se tratam de várias faturas e que cada uma delas teria de incluir o contribuinte e denominação social, menções estas já constantes do cabeçalho daquele documento. Assim, a Requerente entende que não faz qualquer sentido a não aceitação deste tipo de gastos. Mais, tendo em vista a dedução do respetivo IVA, a Requerente alega que a posição assumida pela AT deturpa o teor dos documentos emitidos pela “C...”, uma vez que neles estão devidamente mencionados os números das diversas faturas/recibo referentes à Requerente.

A Requerente termina concluindo o seguinte:

“Os atos tributários devidamente identificados deverão ser anulados porque:

  • As faturas emitidas contêm todos os elementos formalmente exigidos, nomeadamente a menção da quantidade, para comprovar os gastos efetivamente suportados.
  • As deduções efetuadas pelo sujeito passivo, com suporte nas sobreditas faturas, devem ser consideradas como gastos dedutíveis em sede de IRC, dado que, apesar de, alegadamente, não se encontrarem devidamente documentados, a sua inadmissão consiste numa mera formalidade, sem valor e hierarquia superior ao princípio da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real.
  • As faturas apresentadas pelo sujeito passivo para proceder à dedução do IVA suportado, a montante, na aquisição dos bens por si comercializados, são passíveis de possibilitar um efetivo controlo por parte da AT, apear de, alegadamente, não conterem elementos de mero expediente formal.

(…)

  • A Requerente, por já ter procedido ao pagamento do IRC abrangido pelas liquidações a anular, assim como não lhe ter sido ressarcido todo o reembolso de IVA que lhe era devido, tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios, pelo que procede-se por esta via a um pedido autónomo neste sentido.”

             

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 27 de abril de 2022.

           

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 9 de junho de 2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 29 de junho de 2022.

 

5. No dia 19 de setembro de 2022, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido; a Requerida sustentou a sua posição, essencialmente, na seguinte argumentação:

A partir da análise feita às faturas de aquisição de madeira existentes na contabilidade da Requerente, verificou-se que não são discriminadas as quantidades transacionadas, mensuradas em toneladas ou kilos, sendo antes referido o número de árvores ou “todas” as árvores em determinado local; mais, nessas faturas verifica-se que não constam as quantidades adquiridas mensuradas na mesma unidade de medida que as mercadorias são faturadas aos clientes da Requerente, exceto quanto à lenha que é faturada em esteres e também não é usada a mensuração em kilos. A Requerente deveria, pois, evidenciar na sua contabilidade documentos comprovativos da quantidade e destino dado à madeira, o que não acontece, inviabilizando dessa forma qualquer tipo de controlo, interno ou externo, relativo à sua atividade. Ademais, na contabilidade da Requerente não existe qualquer documento justificativo do valor atribuído à madeira comprada, para além do valor total da fatura, resultando a sua valoração de critérios subjetivos, discricionários e só conhecidos pelo sócio-gerente da Requerente. No entanto, também existem na contabilidade da Requerente faturas de fornecedores, referentes a aquisições de madeira, que cumprem com o determinado nas leis fiscais, nomeadamente quanto à discriminação das quantidades e tipos de mercadorias. Por consequência, verifica-se que na contabilidade da Requerente, nos anos de 2017, 2018 e 2019, constam faturas relativas a aquisição de madeira e vários tipos de árvores, adquiridas a sujeitos passivos, bem como a particulares, cujo documento de suporte não cumpre com o determinado na alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IRC, nem permite a correta determinação do lucro tributável, pelo que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, tais gastos não são dedutíveis para efeitos fiscais. A este respeito, a Requerida sublinha, por último, que o que estava em causa na correção em apreço não era a questão de tais gastos serem ou não necessários para a obtenção dos proveitos da Requerente, mas apenas o cumprimento de certos requisitos formais enunciados nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do Código do IRC. Por outro lado, tais documentos também não permitem a dedução do IVA, por não cumprirem com o determinado nos artigos 19.º, n.ºs 2, alínea a), e 8 e 36.º, n.º 5, alíneas b) e c), ambos do Código do IVA. A Requerida realça, ainda, que a violação das regras inerentes à emissão de faturas verificadas nas aquisições da Requerente, decorrentes do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, para além de não permitir valorizar/aferir a real dimensão das operações de compra de madeira, também não permite controlar as operações de venda, ficando a substância das operações comprometida.     

Noutra ordem de considerações, na análise à contabilidade da Requerente constatou-se que esta considerou como gastos da atividade diversos extratos/recibos emitidos pela “C...”, enquanto entidade gestora de sistemas eletrónicos de cobrança e que dizem respeito a um conjunto de várias faturas (uma fatura por cada operador, onde o cliente, nesse mês, tenha utilizado o serviço “C...”), emitidas pela “C...” em nome e por conta dos diversos operadores (Brisa, Infraestruturas de Portugal, Lusoponte, etc.). No entanto, tais faturas/recibos não contêm quer o nome, denominação social ou NIF do aquirente dos serviços, quer a quantidade e denominação usual dos serviços prestados, o que contraria o disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IRC e prejudica o direito à dedução desses gastos. Através da consulta ao “efatura” verificou-se que as diversas operadoras emitiram tais faturas e colocaram no NIF do adquirente o número 999999999, ou seja, o que costuma ser utilizado para “consumidor final” e não o NIPC da Requerente. Por consequência, a Requerente considerou, no apuramento do lucro tributável dos anos de 2017 e 2018, gastos com a aquisição de tais serviços, cujos documentos de suporte não cumprem com os requisitos enumerados nas diversas alíneas do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IRC, pelo que não são fiscalmente dedutíveis, nos termos da alínea c) do n. 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC. A Requerida salienta, ainda, que não estava em causa comprovar se estes custos suportados pela Requerente foram ou não incorridos para obtenção dos seus proveitos, mas apenas a falta de certos requisitos formais que não constavam das faturas/recibos emitidos pelas empresas concessionárias das autoestradas. Por outro lado, os ditos “extratos/recibos” emitidos pela “C...” não cumprem com o disposto no n.º 2 do artigo 19.º, conjugado com o n.º 5 do artigo 36.º, ambos do Código do IVA, uma vez que do detalhe de cada uma das faturas ali incluídas não consta a identificação ou NIF do adquirente, nem a descrição dos serviços prestados a coberto dessas faturas; mais, como decorre do disposto no n.º 19 do artigo 29.º do Código do IVA, a prestação de serviços em causa não pode ser titulada por um “extrato/recibo”, devendo-o ser por uma fatura emitida na forma legal.      

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção do processo administrativo (doravante, PA).

 

6. No dia 4 de outubro de 2022, foi realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido indicado o dia 29 de dezembro de 2022 como data limite para a prolação da decisão arbitral – e procedeu-se à tomada de declarações de parte do sócio-gerente da Requerente.

 

7. Ambas as partes apresentaram alegações escritas que aqui se dão por inteiramente reproduzidas e nas quais essencialmente reiteraram as posições anteriormente vertidas nos respetivos articulados.

           

II. Saneamento

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa atos tributários atinentes a IRC e a IVA –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pelo Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

 

III. Fundamentação                             

III.1. De Facto

§1. Factos ProvadosROVADOS

9. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente é uma empresa cuja atividade comercial consiste, essencialmente, na exploração florestal e no transporte rodoviário de mercadorias. [cf. depoimento de parte de B...]

b) No âmbito da atividade de exploração florestal e tendo em vista a execução do seu negócio, a Requerente atua com base em três tipos de operações: compra de árvores em matas, para venda em bruto; compra de árvores em matas, para venda sob a forma de lenha; e, compra de árvores já abatidas, para venda em bruto. [cf. depoimento de parte de B...]

c) No âmbito da operação de compra de árvores em matas, para venda em bruto, a Requerente divide as suas operações comerciais em cinco grandes áreas, pela seguinte ordem: aquisição de árvores plantadas em matas; abate de árvores por empresa subcontratada; transporte para os seus clientes; definição do preço a pagar pelo abate; e, definição do preço de venda ao cliente final. [cf. depoimento de parte de B...]

d) A Requerente adquire árvores que se encontram nas matas (sem que adquira as matas), sendo tais aquisições feitas a outros sujeitos passivos, registados para o exercício da atividade de exploração florestal, e a proprietários que não se encontram registados para o exercício de qualquer atividade (particulares). [cf. depoimento de parte de B...]

e) No caso das aquisições feitas a outros sujeitos passivos, as faturas são emitidas pelos respetivos fornecedores. [cf. depoimento de parte de B...]

f) No caso das aquisições feitas a particulares, as faturas são emitidas pela Requerente, enquanto adquirente e ao abrigo do regime de autofacturação, previsto no artigo 36.º, n.º 11, do Código do IVA. [cf. depoimento de parte de B...]

            g) A definição do preço a pagar pelas árvores que estão na mata pode variar, por um lado, de acordo com o tipo, a idade, a largura, a altura e o estado de conservação das árvores e, por outro lado, pela localização da mata, a acessibilidade e orografia do local de corte das árvores, a presença de vegetação densa e as condições climatéricas. [cf. depoimento de parte de B...]

            h) O preço é sempre estabelecido pelo fornecedor, existindo duas formas de o negociar: o preço é acordado para todas as árvores existentes na mata, independentemente do seu peso, podendo, em certas situações, serem adquiridos apenas alguns tipos de árvores, sendo que neste caso o respetivo pagamento é feito antes do abate das árvores; ou, o preço é aferido em toneladas, sendo que neste caso o pagamento é diferido para o momento após o abate das árvores. [cf. depoimento de parte de B...]

            i) No caso em que o preço é acordado para todas as árvores existentes na mata, aquelas não são abatidas até que sejam vendidas, permanecendo em pé (plantadas na terra) até ao futuro abate, pelo que o respetivo negócio de compra e venda é celebrado pela totalidade das árvores da mata ou em pés (um pé corresponde a uma árvore). [cf. depoimento de parte de B...]

            j) O critério utilizado pela Requerente para o abate é um critério prático, variando de acordo com as necessidades dos seus clientes, mas também com a facilidade de acesso às matas, sendo que a Requerente subcontrata os serviços de outra empresa para proceder ao corte das árvores e eliminação dos desperdícios. [cf. depoimento de parte de B...]

k) A partir dessa operação, que representa cerca de 90% do volume de negócios da Requerente, esta obtém o seu produto final: árvores cortadas que são destinadas para venda no seu estado bruto, isto é, abatidas e sem galhos. [cf. depoimento de parte de B...]

l) Após o corte, a Requerente transporta as árvores para os seus clientes, nomeadamente serrações e fábricas de celulose, sendo que o preço pago pelo comprador das árvores (cliente final do produto) resulta do peso e do tipo de mercadoria, no momento da aquisição. [cf. depoimento de parte de B...]     

m) A Requerente apenas define o montante a pagar à empresa que procede ao corte das árvores no momento em que a mercadoria é entregue ao cliente final, pois só nesse momento é que as árvores são pesadas. [cf. depoimento de parte de B...]

n) O serviço de corte e extração das árvores é pago por tonelada. [cf. depoimento de parte de B...]

o) Neste tipo de operação, o stock é constituído, única e exclusivamente, pelas árvores que estão nas matas e que ainda não foram abatidas – uma vez que, assim que são abatidas, as árvores são vendidas imediatamente aos clientes da Requerente –, podendo ser mensurado em toneladas ou em pés, consoante a forma como a compra tenha sido realizada. [cf. depoimento de parte de B...]     

p) A fim de rentabilizar o seu negócio e evitar desperdícios – pois, alguns tipos de árvores não têm saída para as serrações ou para as fábricas de celulose –, a Requerente, paralelamente ao abate realizado por empresa subcontratada, realiza outro tipo de operação, com menor peso no seu volume de negócios, que se divide nas seguintes fases: aquisição de árvores plantadas em matas; abate de árvores através de equipa própria; transporte para o seu estaleiro; corte para lenha (operação manual realizada com uma motosserra, por via da qual as árvores são rachadas em canhotas); e, venda ao cliente final. [cf. depoimento de parte de B...]

q) Os compradores deste tipo de mercadoria são particulares e para se apurar o preço de venda é utilizada uma medida de esteres (unidade de medida de volume, para madeira ou lenha, equivalente a um metro cúbico), pelo que, sabendo a quantidade de esteres vendidos, a Requerente consegue, ainda que aproximadamente, vender aos seus clientes por tonelada. [cf. depoimento de parte de B...]

r) Neste tipo de operação, a madeira não é pesada, sendo o volume da lenha medido em esteres e convertido, por aproximação, em toneladas de peso e o stock é constituído pela lenha cortada existente em armazém. [cf. depoimento de parte de B...]

s) A título residual, a Requerente adquire árvores já abatidas, ou seja, compra árvores a fornecedores que já as abateram previamente e que dispõem de balanças nas suas serrações, pelo que as árvores são vendidas à unidade e ao peso. [cf. depoimento de parte de B...]

t) Estas aquisições, de valor mais elevado, servem para suprir necessidades urgentes, pelo que as árvores são carregadas no fornecedor e descarregadas diretamente no cliente da Requerente, não originando stock. [cf. depoimento de parte de B...] 

            u) No âmbito da atividade de transporte rodoviário de mercadorias, os quatro camiões de que a Requerente dispõe na sua frota, para o efeito, realizaram diversas passagens em portagens de autoestradas nacionais, tendo a Requerente reconhecido contabilisticamente os respetivos gastos na conta SNC 625133 – Desl. Est. – Portagens Estac. e Anal. – Pesados – IVA dedutível – Taxa normal, nos exercícios de 2017 e de 2018. [cf. depoimento de parte de b...]

v) A fim de rentabilizar essa sua atividade, cada um dos camiões da Requerente dispõe de um dispositivo “C...” para que os camionistas, cada vez que passam nas portagens, não tenham de parar e efetuar o respetivo pagamento, sendo este efetuado por débito direto, conforme contratado com a “C...”. [cf. depoimento de parte de B...]

w) A “C..., S.A.”, NIPC..., disponibiliza um serviço que permite circular em toda a rede de autoestradas portuguesas, atuando como entidade gestora de sistemas eletrónicos de cobrança.

x) A “C...” emite, mensalmente, um documento denominado “extrato/recibo”, no qual agrega as várias faturas/recibos emitidas pelas concessionárias/operadoras das autoestradas (Brisa, Infraestruturas de Portugal, Lusoponte, etc.) nas quais, nesse mês, o cliente tenha utilizado o serviço de pagamento/cobrança “C...”. [cf. PA]

y) No cabeçalho desse documento emitido pela “C...” consta o nome/denominação social do contribuinte, a sua morada/sede e o respetivo número de contribuinte; no mesmo documento estão elencadas (individualizadamente e separadas por linhas), as ditas faturas/recibos emitidas pelas concessionárias/operadoras das autoestradas, identificadas com o respetivo número, data de emissão, montante e valor do IVA. [cf. PA]   

z) As mencionadas faturas emitidas pelas concessionárias/operadoras das autoestradas têm aposto, como NIF do adquirente, o número 999999990, ou seja, o que costuma ser utilizado para “consumidor final”. [cf. PA]

aa) Na declaração periódica de IVA de 202006T, a Requerente efetuou um pedido de reembolso de IVA, no montante de € 45.000,00, cujo valor do crédito acumulado no período de 202006T considerado no processamento automático ascende a € 50.622,82 (pedido de reembolso de IVA n.º 2011.../...). [cf. PA]    

bb) Nessa sequência, a coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI2020..., OI2020..., OI2020..., gerais em IRC, relativas aos anos de 2017, 2018 e 2019, respetivamente, e OI2020..., parcial a IVA, períodos 202003T e 202006T, a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, que teve como objetivo a análise do aludido pedido de reembolso de IVA, que culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária, notificado à Requerente pelo ofício ..., datado de 29.12.2021, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., do qual resultaram as seguintes correções [cf. PA]:    

 

 

 

cc) As referenciadas correções em sede de IRC e de IVA estão fundamentadas no Relatório de Inspeção Tributária, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido e do qual importa destacar os seguintes segmentos [cf. PA]:

“III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARIYMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – IRC

Em sede de IRC, relativamente aos anos de 2017 a 2019, foram analisados os documentos na posse da A..., os seus registos contabilísticos e os elementos ao dispor da Autoridade Tributária, tendo-se verificado o seguinte:

III.1.1 – Gastos com aquisição de inventários

1- A A... adquire madeira (eucaliptos, pinheiros, carvalhos, etc.) a outros sujeitos passivos, registados para o exercício da atividade de “exploração florestal”, e a proprietários que não se encontram registados para o exercício de qualquer atividade (particulares).

2- Relativamente às aquisições efetuadas a particulares, a A..., na qualidade de adquirente, substitui-se àqueles, na emissão do documento de suporte à referida operação, através da emissão de uma fatura, conforme previsto no n.º 11, do art. 36.º do CIVA (Autofaturação).

3- Da análise das faturas de aquisição de madeira existentes na contabilidade da A..., verificou-se que não são discriminadas as quantidades transacionadas, mensuradas em toneladas ou kilos, antes sendo referido o número de árvores, ou “todas” as árvores em determinado local (cfr. Anexo l)

4- A título de exemplo refere-se a fatura n.º CFA 2017/5, de 2017-03-20, do fornecedor da A..., D..., Lda, NIPC ..., relativa à aquisição de “Rolaria de Eucalipto”, que menciona na unidade de medida “UN” e nas quantidades “1.000”, que significará “um”, e em que se fica sem saber se foi adquirido 1 “um” eucalipto, uma “tonelada” de eucalipto, ou um “lote”, de madeira de eucalipto. (Anexo l).

5- Ou, ainda, a autofatura n.º 81/AF, de 05-04-2017, em que a vendedora é E..., NIF..., em que na descrição e quantidades refere “Toda a madeira na Bouça em Estorãos – Ficam umas árvores pequenas ao pé do rio – 47”. Onde este “47” parece não ter a mesma letra da descrição, nem ter sido escrito com a mesma caneta. (Anexo l)

6- Em todas estas faturas, verifica-se que não constam as quantidades adquiridas, mensuradas na mesma unidade de medida que as mercadorias são faturadas aos seus clientes, excepto quando se trata do produto “lenha”, que é faturado em “esteres” e também não é usada a mensuração em kilos

7- Se a. A..., conforme consta das faturas analisadas, adquire determinado número de eucaliptos, pinheiros, ou outro tipo de árvores, que depois são cortadas e posteriormente transportadas, quer diretamente para os seus clientes ou para o seu armazém para cortar para lenha, teria de evidenciar na contabilidade documentos comprovativos da quantidade e destino a dado à madeira, o que não acontece, inviabilizando, assim, qualquer tipo de controlo, interno ou parte de entidades externas, no caso a AT, relativas a esta sua atividade

8- Não existe na contabilidade da A... qualquer documento que justifique o valor atribuído à mercadoria comprada, para além do valor total da fatura, resultando a sua valoração de critérios subjetivos, discricionários e só conhecidos, nomeadamente, pelo sócio-gerente da A... .

9- A A... adquire madeira, de vários tipos e qualidade, com vários tamanhos e espessuras, e não são definidos nas faturas, quantidades, em termos mesurados uniformemente, preços unitários, por tipos de árvore, conforme exemplos que seguem:

(…)

10- Em face destas faturas, que se encontram a suportar as aquisições de mercadorias na contabilidade da A..., não é possível perceber quanto custou, sequer, cada eucalipto ou pinheiro, nem que “toda a madeira”, que madeira é, sendo certo que as faturas que suportam as vendas da A... já são emitidas com a discriminação das quantidades e por tipo de madeira, como as que se seguem:

(…)

11- No entanto, também se encontram na contabilidade da A... faturas de fornecedores, em suporte a aquisições de madeira, que cumprem com o determinado nas leis fiscais, nomeadamente quanto à discriminação das quantidades e tipos de mercadorias, conforme exemplos que seguem:

(…)

12- Destas faturas verifica-se, por exemplo quanto ao eucalipto, e nestes fornecedores, que o seu preço de aquisição por tonelada pela A... foi de 32,50€, em 2017, 31,00€, em 2018 e de 38,00€, em 2019. É também identificado, conforme dispõem o n.º 5 do art. 36.º do CIVA, as quantidades que foram adquiridas através destas faturas, uma vez que, talvez, estes fornecedores são possuidores de uma balança e na fatura vêm discriminadas as quantidades adquiridas.

13- Torna-se óbvio, que se a existência de uma balança pode permitir uma maior certeza e transparência no modo como são efetuadas as compras e vendas da madeira, então a A... tem na sua aquisição, se assim o entender, um caminho para o cumprimento de uma das várias formalidades na emissão das faturas, previstas no n.º 5 do art. 36.º do CIVA.

14- E mais ainda, mesmo que se diga que parte das faturas em questão se referem a madeira adquirida em pé, ainda no terreno, a contabilidade organizada, a que a A... se encontra obrigada face ao disposto no art. 123.º do CIRC e das regras do SNC, dispõe de instrumentos, se lhe forem fornecidos os dados, de precisar, em face de determinada aquisição, as quantidades e preço de custo por artigo, o que, no âmbito do presente procedimento e da análise dos dados e documentos existentes na contabilidade, se verifica que a A... não faz

15- Estas aquisições são reconhecidas na contabilidade na conta 31 – Compras, e têm relevância no cálculo do Custo das Existências Vendidas e Matérias Consumidas (CEVMC) = Existência Inicial de Inventários + Compras +- Regularização de Existências - Existência Final de Inventários (conta SNC 61) que por sua vez, tem influência no apuramento do Resultado Líquido (RL) e respetivo Lucro Tributável (LT).

16- Ressalva-se ainda, que ao estarmos perante o mecanismo de autofacturação previsto no art. 36.º do CIVA, é na A... que se encontra integralmente centrado todo o processo de registo operacional das transações, daí que a lei imponha obrigações concretas e completas na clara identificação dos bens, de modo a ser possível encontrar a necessária correspondência dos bens transacionados.

17- O n.º 4 do art. 23.º do CIRC, determina quais os elementos que o documento, previsto no n.º 3 do mesmo artigo, comprovativo dos gastos deve conter, e entre eles estão, nos termos da al. c), a quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados.

18- Os gastos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 23.º do CIRC, não são dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos da al. c), do n.º 1, do art. 23.º-A do CIRC.

19- Em face do que foi antes referido, verifica-se que na contabilidade da A..., nos anos de 2017, 2018 e 2019, constam faturas relativas a aquisição de madeira e vários tipos de árvores adquiridas a sujeitos passivos, bem como a particulares, cujo documento de suporte não cumpre com o determinado na al. c), do n.º 4, do art. 23.º do CIRC, nem permite a correta determinação do lucro tributável, pelo que, nos termos da al c), do n.º 1, do art. 23.º-A do CIRC, tais gastos não são dedutíveis para efeitos fiscais. As cópias das faturas constam do Anexo l.

20- Assim, serão acrescidos ao Lucro Tributável dos anos de 2017, 2018 e 2019, os montantes de 39.240,00€, 88.030,62€ e 38.656,49€, respetivamente, relativos aos gastos com a aquisição de inventários, naqueles anos, cujo documento de suporte não se encontra legalmente emitido, conforme antes referido. As relações das faturas de suporte aos gastos objeto de correção encontram-se no Anexo II, e os montantes são descritos na coluna “Valor BT”.

III.1.2 – Gastos com “C...”

21- Na consulta à contabilidade da A... verificou-se que esta considerou como gasto da atividade, vários Extratos/Recibos emitidos pela C... e contabilizados na Conta SNC 625133 — Desl. Est. — Portagens Estac. E Anal. — Pesados — Iva Dedutivel — Taxa Normal (cfr. Anexo III).

22- Trata-se de “Extratos/Recibos” emitidos pela “C...”, enquanto entidade gestora de sistemas eletrónicos de cobrança, e dizem respeito a um conjunto de várias faturas (uma fatura, por cada operador, onde o cliente, nesse mês, tenha utilizado o serviço C...), emitidas pela “C...” em nome e por conta dos diversos operadores (Brisa, Infraestruturas de Portugal, Lusoponte, etc.), As cópias das faturas encontram-se no Anexo IV.

23- Nos termos do n.º 1 do art. 23.º do Código do IRC, “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, sendo que o n.º 2 do mesmo artigo enumera o tipo de gastos e perdas abrangidos pelo n.º 1.

Por sua vez, nos termos do n.º 3 do art. 23.º do Código do IRC, “Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.”

No entanto, o n.º 4 do mesmo artigo vem dizer que, “no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.”

Por último, nos termos do n.º 6 do referido artigo, “Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços, previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.”

24- Da consulta aos documentos constantes do Anexo IV, nos Extratos/Recibo emitidos pela “C...”, constam diversas Faturas/Recibos emitidas pelas diversas empresas concessionárias (Brisa, Infraestruturas de Portugal, Lusoponte, etc.), no entanto, destas Faturas/Recibos, verifica-se que não consta, de nenhum dos documentos, quer o nome, denominação social ou NIF do adquirente dos serviços, quer a quantidade e denominação usual dos serviços prestados, o que contraria o disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 4 do art. 23.º e prejudica o direito à dedução desses gastos.

25- Da consulta ao “efatura” verifica-se que as diversas operadoras emitiram estas faturas e colocaram no NIF do adquirente o número 999999990, ou seja, o que costuma ser utilizado para “consumidor final” e não o NIPC da A... .

26- Assim, verifica-se que a A... considerou, no apuramento do Lucro Tributável de IRC dos anos de 2017 e 2018, gastos com a aquisição de serviços, cujos documentos de suporte não cumprem com os requisitos enumerados nas diversas alíneas do referido n.º 4 do art. 23.º pelo que não são fiscalmente dedutíveis, nos termos da al. c), do n.º 1, do art. 23.º-A, ambos do CIRC.

27- Em face do antes referido, serão acrescidos ao Lucro Tributável dos anos de 2017 e 2018, os montantes de 6.233,69€ e 5.252,73€, respetivamente, relativos aos gastos indevidamente considerados para efeitos de IRC, conforme relação do Anexo III.

III.1.3 IRC – Conclusão

Assim, em sede de IRC, apura-se para os anos de 2017, 2018 e 2019, gastos não dedutíveis, com reflexo nos resultados, nos montantes de 45.473,69€, 93.283,35€ e 38.656,49€, respetivamente, em resultados da compilação das correções referidas nos pontos anteriores, conforme se expõem:

 

Face aos factos antes descritos, em sede de IRC, o Lucro Tributável apurado pela A..., nos anos de 2017, 2018 e 2019, será corrigido, nos valores que constam do quadro que segue:

 

III.2. Imposto sobre o Valor Acrescentado – IVA

A A... apresentou a declaração periódica de IVA do período 202006T, DP n.º ..., na qual solicitou o reembolso de IVA no montante de 45.000,00€, de um crédito total a seu favor evidenciado na declaração de 49.750,99€, mas cujo valor considerado no processamento automático é de 50.622,82€. Este reembolso encontra-se em análise no presente procedimento inspetivo.

 Em sede IVA, a análise do reembolso teve em conta os valores constantes de todas as declarações periódicas de IVA entregues pelo S.P. no período compreendido entre 201703T e 202006T (declaração do pedido de reembolso), bem como os respetivos documentos de suporte existentes na sua contabilidade. Da análise efetuada verificou-se o seguinte:

III.2.1 – Aquisição de inventários

1- Conforme referido no ponto III.1.1. do presente relatório, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, a A... adquiriu, nos anos de 2017, 2018, 2019 e até junho de 2020, madeiras a fornecedores, particulares e não particulares, cujos documentos de suporte a tais operações, faturas emitidas pelos fornecedores e outras emitidas pela própria A..., “Autofaturação”, nos termos do n.º 11 do art. 36.º do CIVA, não se encontram passados na forma legal, porquanto não se encontram discriminadas as quantidades adquiridas, bem como a descrição dos bens é insuficiente, pelo que tais documentos não permitem a dedução do IVA, por não cumprirem com o determinado nos arts. 19.º, n.º 2, al. a), n.º 8 e 36.º, n.º 5, al. b) e c), ambos do CIVA (cfr. Anexos I e V).

2- Ressalva-se o facto de, ao estarmos perante o sistema de autofacturação referida no n.º 11 do art. 36.º do CIVA, a A... ter conhecimento imediato e concreto dos elementos caracterizadores dos bens, conforme impõe o CIVA. Ao optar por não cumprir a lei, nomeadamente o disposto no n.º 5 do art. 36.º do CIVA, a A... agiu, no mínimo, de forma negligente.

3- Por fim, realça-se que a violação das regras inerentes à emissão de faturas verificadas nas aquisições da A..., impostas pelo n.º 5 do art. 36.º do CIVA, para além de não permitir valorizar/aferir a real dimensão das operações de compra de madeira, também não permite controlar as operações de venda, ficando a substância das operações comprometida.

4- Apura-se, assim, IVA indevidamente deduzido, cujos valores constam do Anexo II, para os períodos de IVA relativos aos anos de 2017 (2.202,00€), 2018 (4.807,83€), 2019 (1.848,51€) e do Anexo VI para 2020 (1.107,00€) e discriminados nas colunas “IVA” e “IVA deduzido” e a sua correção passa pela dedução aos valores declarados pela A... no campo 21 das respetivas declarações periódicas.

III.2.2 – Extratos “C...”

5- Conforme referido no ponto III.1.2. do presente relatório, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, a A... reconheceu na conta SNC “2432331 – IVA – Dedutível – Outros Bens e Serviços – Taxa Normal – Mercado Nacional” e deduziu, com base em “extratos/recibos” emitidos pela entidade C...”, NIPC ..., o IVA que ali vinha referido e que consta da relação dos documentos integrante do Anexo III.

6- Estes valores foram declarados nas respetivas declarações periódicas dos anos de 2017 e 2018, no campo 24, IVA dedutível Outros Bens e Serviços.

7- Os “extratos/recibos” emitidos pela C... não cumprem com o disposto no n.º 2 do art. 19.º, conjugado com o n.º 5 do art. 36.º, ambos do CIVA, uma vez que o detalhe de cada uma das faturas ali incluídas, não consta a identificação ou número de contribuinte do adquirente, ou ainda a descrição dos serviços prestados, a coberto dessas faturas (Ver Anexo IV). Por outro lado, nos termos do n.º 19 do art. 29.º do mesmo Código, a prestação de serviços em causa não pode ser tituladas por um “extrato/recibo”, como nestas situações aconteceu, mas devê-lo-ia ter sido por uma fatura emitida na forma legal.

8- Assim, em face do anteriormente referido, é apurado IVA indevidamente deduzido, por violação ao disposto na al. a) do n.º 2 do art. 19.º do CIVA, relativo aos diversos períodos dos anos de 2017 e 2018, nos montantes de 1.433,75€ e de 1.208,12€, respetivamente, conforme valores constantes da coluna “IVA constante do documento” do Anexo III.

III.2.3 – Faturas de “Serviços Prestados”

(…)

III.2.4 – Aquisição de mercadorias a sujeito passivo isento – art. 53.º CIVA

(…)

III.2.5 – IVA – Conclusão

A A... deduziu indevidamente IVA, nos anos de 2017, 2018 e 2019, bem como nos períodos de 202003T e 202006T, o qual, discriminado por períodos e anos, consta dos quadros que a seguir se apresentam, com os valores corrigidos por campo e período declarativo:

 

 

 

 

Atendendo à correção efetuada e verificados que estão os restantes requisitos previstos no Despacho Normativo n.º 18-A/2010, de 01/07, alterado e republicado pelo Despacho Normativo n.º 17/2014, de 26/12, propomos o deferimento, parcial, do pedido de reembolso n.º 20119499/0, no montante de 36.532,67€ (45.000,00€ + 5.622,82€ - 14.090,15€).”

dd) Na sequência do sobredito procedimento inspetivo, a AT emitiu e notificou à Requerente os seguintes atos tributários [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]:

  • A liquidação de IRC n.º 2022 ..., referente ao exercício de 2017, no montante a pagar de € 10.050,19;
  • A liquidação de IRC n.º 2022..., referente ao exercício de 2018, no montante a pagar de € 21.532,34;
  • A liquidação de IRC n.º 2022..., referente ao exercício de 2019, no montante a pagar de € 6.156,70;
  • A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201703T, no montante de € 0,00;
  • A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201706T, no montante de € 0,00;
  • A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201709T, no montante de € 0,00;
  • A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201712T, no montante de € 0,00;
  • A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201803T, no montante de € 0,00;
  • A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201806T, no montante de € 0,00;
  • A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201809T, no montante de € 0,00;
  • A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201812T, no montante de € 0,00;
  • A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201903T, no montante de € 0,00;
  • A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201906T, no montante de € 0,00;
  • A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201909T, no montante de € 0,00;
  • A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201912T, no montante de € 0,00;
  • As liquidações de IVA n.ºs 2021... e 2022..., ambas referentes ao período de 202006T, das quais resultou o montante a reembolsar de € 36.532,67; e,
  • A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 202012T, no montante de € 4.094,84.

ee) No dia 6 de janeiro de 2022, por transferência bancária, a AT efetuou o reembolso de IVA à Requerente, no montante de € 36.532,67 (trinta e seis mil quinhentos e trinta e dois euros e sessenta e sete cêntimos). [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]     

ff) Nos dias 2, 9 e 14 de março de 2022, a Requerente efetuou o pagamento integral dos montantes de imposto e de juros compensatórios resultantes das referenciadas liquidações de IRC, no valor total de € 40.959,50 (quarenta mil novecentos e cinquenta e nove euros e cinquenta cêntimos). [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]   

gg) No dia 18 de abril de 2022, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. Factos não Provados

10. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

§3. Motivação quanto à Matéria de Facto

11. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada. 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório carreado para os autos (incluindo o processo administrativo), o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

Relativamente às declarações de parte prestadas pelo sócio-gerente da Requerente – B..., inquirido à factualidade vertida nos artigos 19.º a 60.º e 153.º a 164.º do PPA –, importa começar por salientar que este respondeu escorreita e objetivamente a tudo quanto lhe foi perguntado.

As suas declarações reiteraram, corroborando, a factualidade constante dos indicados artigos do PPA que balizaram o seu depoimento e, nessa medida, isolada ou conjuntamente com outros meios de prova, sustentam o juízo formulado quanto aos factos considerados provados relativamente aos quais são mencionadas.

 

III.2. De Direito

§1. O thema decidendum

12. A questão jurídico-tributária que está no epicentro do dissídio entre as partes e que, por isso, o Tribunal é chamado a apreciar e decidir, consiste em determinar se as faturas atinentes a aquisição de inventários e os extratos “C...”, constantes da contabilidade da Requerente, preenchem, ou não, os requisitos legalmente previstos nos termos e para os efeitos, por um lado, do disposto no artigo 23.º, n.ºs 1, 2, alínea, a), 3 e 4, do Código do IRC e, por outro lado, do disposto no artigo 19.º, n.ºs 1, alínea a), 2, alínea a) e 5 e no artigo 36.º, n.ºs 5 e 11, ambos do Código do IVA.

O Tribunal é, ainda, chamado a pronunciar-se sobre: (i) o reembolso à Requerente do montante de € 40.959,50, a título de IRC e de juros compensatórios; (ii) o reembolso à Requerente do montante de € 14.090,15, a título de IVA; e, (iii) o pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

 

§2. Enquadramento normativo

 

§2.1. O Código do IRC

            13. O artigo 23.º do Código do IRC determina no seu n.º 1 que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, decorrendo do seu n.º 2 que se consideram abrangidos pelo número anterior, nomeadamente e entre outros, os gastos “relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matéria utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação” (alínea a)).   

            Nos termos estatuídos no n.º 3 do mesmo artigo 23.º, os aludidos gastos dedutíveis “devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”; o subsequente n.º 4 determina que “no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo que refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

            a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.” 

O n.º 6 do citado artigo 23.º determina que, estando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços a que alude o n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma. 

Por seu turno, o artigo 23.º-A do Código do IRC estatui no seu n.º 1 que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, entre outros, “os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º” (alínea c)). 

 

14. O artigo 104.º, n.º 2, da CRP institui quanto às empresas, como corolário dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, o princípio da tributação do rendimento real.  

Como é salientado por Gustavo Lopes Courinha, “o IRC assenta na consideração fiscal – apenas quanto aos residentes e não residentes com estabelecimento estável em Portugal, note-se – do rendimento líquido, isto é, o rendimento bruto (ou volume bruto de faturação) deduzido dos gastos e encargos incorridos com o desenvolvimento da atividade e obtenção dos respetivos ganhos.

Tal princípio – que tem fundamento constitucional expresso, (…) – pressupõe a aceitação fiscal da generalidade dos gastos suportados, direta ou indiretamente, com a obtenção da generalidade dos rendimentos ou a manutenção das fontes. A consideração de tais gastos revela, com efeito, uma aproximação à condição económica efetiva da empresa, bem como a relevância das manifestações negativas da capacidade contributiva.”[1]

O mesmo fiscalista, aludindo aos fundamentos que podem sustentar o afastamento do princípio constitucional de tributação das empresas pelo lucro real, afirma que um deles decorre da prossecução do combate à evasão e elisão fiscais, sendo por isso que “despesas insuficientemente documentadas não podem ser deduzidas. O Direito Fiscal não se compraz com a simplicidade de um simples registo interno que pode, apesar disso, ser suficiente para justificar o lançamento contabilístico. Embora não carecendo, ao menos para efeitos do IRC, de especialmente desenvolvidos requisitos formais, qualquer documento que titule um gasto deverá cumprir com critérios mínimos que enquadrem os termos essenciais da operação, de modo a que o gasto possa ser relevado no lucro tributável.”[2]   

 A propósito da documentação dos gastos, enquanto requisito da respetiva dedutibilidade, previsto no artigo 23.º, n.º 3, do Código do IRC, o referido fiscalista entende tratar-se “de um requisito que se estriba na necessidade de suporte contabilístico adequado para o gasto, com vista à possibilidade do seu controlo constante em suporte documental, segundo a ratio de que deverá ser possível à Administração escrutinar a todo o momento o respetivo teor.

Pela exigência de prova assim estabelecida – e é de uma restrição de meios de prova que se trata – não pode haver lugar à relevância de custos para efeitos fiscais se, porventura, os mesmos não encontrarem o devido suporte em documentos, os quais serão, por via de regra, escritos.”[3]    

Também quanto à comprovação dos gastos, Rui Duarte Morais afirma que tem “de existir sempre um documento, ainda que “imperfeito” ou “outro” que não aquele que normalmente deveria existir (…).

Entendemos, seguindo o que julgamos ser doutrina e jurisprudência pacíficas, que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito. É que a não-aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva.”[4]   

 

§2.2. O Código do IVA

15. Como decorre do estatuído no n.º 1 do artigo 19.º do Código do IVA, “para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos”.

O n.º 2 do mesmo artigo 19.º determina que apenas “confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: a) em faturas passadas na forma legal”; tratando-se “de faturas emitidas pelos próprios adquirentes dos bens ou serviços, o exercício do direito à dedução fica condicionado à verificação das condições previstas no n.º 11 do artigo 36.º” (n.º 5).

            Relativamente às faturas, o n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA estatui que estas “devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:

            a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

            b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; (…)

            c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.

(…)”

Ainda neste conspecto, decorre do n.º 11 do mesmo artigo 36.º que “a elaboração de faturas pelos próprios adquirentes dos bens ou dos serviços fica sujeita às seguintes condições:

a) A existência de um acordo prévio, na forma escrita, entre o sujeito passivo transmitente dos bens ou prestador dos serviços e o adquirente ou destinatário dos mesmos;

b) O adquirente provar que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços tomou conhecimento da emissão da fatura e aceitou o seu conteúdo;

c) Conter a menção “autofacturação”.”

 

16. A propósito desta temática, Sérgio Vasques afirma o seguinte[5]:

“O mecanismo do crédito de imposto constitui uma das traves-mestras do IVA, talvez a mais importante. (…) O que faz do IVA um imposto sobre o valor acrescentado é a faculdade que se atribui a cada operador económico de deduzir ao imposto que liquida nas suas vendas o imposto incorrido nas suas compras, entregando ao estado apenas a diferença, quando o saldo seja positivo. (…)

            Do ponto de vista objetivo, (…), resulta do artigo 168.º, alínea a), da Directiva IVA, que por princípio é dedutível pelo sujeito passivo o imposto incorrido na aquisição de todos e quaisquer bens e serviços a outros sujeitos passivos, posto que estes sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas. (…)

            É o artigo 178.º da Directiva IVA que vem fixar os requisitos de forma a que está sujeito o exercício do direito à dedução, determinando, logo na sua alínea a), que no tocante ao comum das transmissões de bens e das prestações de serviços o sujeito passivo deve para o efeito estar na posse de uma factura emitida nos termos da própria Directiva IVA. (…)

            Nas suas decisões o tribunal, reiterando embora a função da factura como suporte do direito à dedução, em correspondência com o artigo 178.º da Directiva, tem permitido que sobre este requisito de forma prevaleça a substância das operações, sempre que isso se mostre necessário para garantir a neutralidade do IVA e não coloque risco demasiado. (…)

            Em resumo, podemos dizer que o TJUE tem vindo a relativizar de algum modo os requisitos de forma para o exercício do direito à dedução e a função que nisso cabe às facturas disciplinadas pelo Título XI, Capítulo 3, da Directiva IVA. O tribunal admite que a substância das operações prevaleça sobre os vícios da factura, qaundo estejam em causa elementos previstos exclusivamente na lei interna dos estados-membros, e na limitada medida em que a Directiva IVA permite a sua introdução. E o tribunal admite mesmo que a substância das operações prevaleça sobre vícios das facturas relativos a elementos tipificados na Directiva IVA, posto que não se crie com isso risco de fraude.   

            O objectivo desta abordagem “flexível” (…) é o de garantir o direito à dedução a qualquer sujeito passivo que efectivamente tenha suportado o pagamento do imposto. A multiplicação de exigências pelos estados-membros no momento de emissão das facturas pode levar a que se dificulte ou anule o direito à dedução por quem deve exercê-lo na substância, um resultado frontalmente contrário aos objectivos perseguidos pela Directiva IVA.”

Neste mesmo conspecto, Augusta Andrade Lopes, Osvaldo Seixas e Pedro Batista Rúben afirmam que em conformidade “com o mecanismo da liquidação do IVA, a fatura ou documento equivalente que o suporta torna-se um elemento fundamental e decisivo, porque além de ser o documento que vai permitir, ou não, a dedução, vai definir a incidência subjetiva, objetiva e as taxas aplicadas aos diversos bens e serviços transacionados ou prestados. (…)

Quanto à função da fatura no sistema do IVA, o TJUE nas suas decisões, embora reiterando a função de suporte do direito à dedução, em harmonia com o artigo 178.º da DIVA, tem alertado para o facto de que a fatura tem como finalidade o controlo da exata cobrança, a correta fiscalização da aplicação do imposto e a prevenção da fraude e da evasão fiscal.

Neste contexto, compreende-se a razão pela qual, tanto a DIVA, como o CIVA e o TJUE, fazem depender o exercício do direito à dedução da emissão de uma fatura ou documento que a substitua, conforme artigo 178.º DIVA, transposto para o n.º 2 do artigo 19.º do CIVA. (…)

Nos termos do artigo 178.º da DIVA, o exercício do direito à dedução está condicionado à posse de uma fatura ou “qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca”, dos quais devem constar todas as menções exigidas no artigo 226.º da DIVA, que define o conteúdo obrigatório de uma fatura. (…)  

O TJUE tem afirmado, de forma reiterada, que os Estados-membros não podem negar o direito a dedução pelo simples facto de uma fatura não satisfazer os requisitos formais exigidos pela DIVA, na condição de que, não obstante a existência de “vícios formais”, a fatura permita assegurar a exata cobrança do imposto nela liquidado e permita também a respetiva fiscalização pelas autoridades fiscais competentes. Na mesma jurisprudência se reitera que, não sendo a fatura capaz de assegurar aquele controlo e fiscalização, o direito a dedução só poderá ser negado se o sujeito passivo não proceder à sua retificação, acrescentando as menções obrigatórias em falta (faculdade que lhe deve ser reconhecida), de modo a dotar a Administração Fiscal de informação que lhe permita validar a operação. (…) Como salientou em vários acórdãos, constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA, tal como resulta da disciplina comunitária, o direito dos sujeitos passivos a deduzirem o IVA devido ou já pago, em bens e serviços adquiridos, do IVA de que eles sejam devedores por liquidação nas suas operações ativas. A exceção deve recair apenas nos casos em que, o não cumprimento dos requisitos formais, na obrigação de faturação, impeça, de forma efetiva, a produção de prova conclusiva de que os requisitos substanciais se encontram satisfeitos.

Esta orientação da jurisprudência comunitária começa a ser recorrente na matéria, conforme podemos constatar, por exemplo, nos acórdãos: Pannon Gép Centrum, proc. C-368/09, de 15/07/2010 n.ºs 43 a 45; Petroma Transports e o., proc. C-271/12 de 08/05/2013; Barlis, proc. C-516/16, de 15/09/2016; Senatex GmbH, proc. C-518/14, de 15/09/2016; Volkswagen, proc. C-533/18, de 21/03/2018; Biosafe, proc. C-8/17, de 12/04/2018.”[6]     

 

            §2.3. Os procedimentos de avaliação da matéria tributável

17. O n.º 1 do artigo 81.º da LGT determina que “a matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.

A avaliação direta tem por finalidade a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação (artigo 83.º, n.º 1, da LGT); por seu turno, a avaliação indireta tem por finalidade a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (artigo 83.º, n.º 2, da LGT).

A avaliação indireta é subsidiária da avaliação direta e aplicam-se-lhe, sempre que possível e se a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação direta (artigo 85.º da LGT).

O n.º 1 do artigo 87.º da LGT, elencando taxativamente as situações em que pode ser efetuada a avaliação indireta, determina que tal pode suceder, entre outros, em caso de “impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto” (alínea b)).

A este concreto propósito, o artigo 88.º da Lei Geral Tributária preceitua que a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos pode resultar, entre outras, da seguinte anomalia e incorreção quando inviabilize o apuramento da matéria tributável: “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais” (alínea a)).    

No concernente ao IRC, o artigo 16.º do respetivo Código estatui, no seu n.º 1, que a matéria coletável é, por regra, determinada com base em declaração do sujeito passivo, sem prejuízo do respetivo controlo pela administração fiscal; do seu n.º 4 decorre que a determinação do lucro tributável por métodos indiretos só pode ser efetuada nos termos e condições previstos nos artigos 57.º a 62.º do mesmo compêndio legal. O n.º 1 do artigo 57.º do Código do IRC, por seu turno, determina que a aplicação de métodos indiretos é efetuada nos casos e condições previstos nos artigos 87.º a 89.º da LGT.

            A propósito destes procedimentos de avaliação, foi decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.05.2014, proferido no processo n.º 0018/02, o seguinte:

            “II) O lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis – correcções técnicas/avaliação indirecta – e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, impondo-se ainda referir que a demonstração dos necessários pressupostos legais ao recurso a metodologia alternativa, designadamente a indiciária, cabe à AT, sendo certo que, em caso de utilização de metodologia indirecta, ainda e apesar da opção do legislador em abdicar de um grau de certeza na tributação – inerente à maior subjectividade própria da mesma em que, só por circunstâncias meramente fortuitas, a quantificação apurada será aderente à realidade – ela não deixa, no entanto, de ter como baliza, o princípio, com assento constitucional, de que a sua utilização há-de permitir alcançar, na medida do possível, as circunstâncias de facto mais próximas da realidade, com susceptibilidade de apreciação, nomeadamente, jurisdicional.

III) E, quando se verifiquem – isto é, quando a AT demonstre a ocorrência – (d)os necessários e legais pressupostos para se lançar mão da avaliação indirecta, o eventual excesso da quantificação, por tal via, operada passa a impender sobre o contribuinte, ou seja, só então passará a caber, ao contribuinte e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.”

No mesmo âmbito, resulta do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.04.2016, proferido no processo n.º 08645/15, que “o apuramento alternativo pela A. Fiscal deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos ou correcções técnicas, isto é, pela determinação da matéria colectável através dos elementos da própria contabilidade do sujeito passivo, e só pode haver recurso a métodos presuntivos quando aquele apuramento directo se mostre de todo inviável, não gozando a Fazenda Pública de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável.”

Neste mesmo aresto é, ainda, afirmado que “a aplicação do método de avaliação indirecta pode configurar-se como um direito do contribuinte”. 

Também pelo Tribunal Central Administrativo Sul foi prolatado o acórdão, de 22.05.2019, no processo n.º 402/09.7BELRA, no qual se decidiu o seguinte: “Quando seja impossível comprovar a matéria tributável directa e exactamente a partir dos elementos da contabilidade, a Administração está legalmente vinculada a eleger a avaliação indirecta como método de apuramento dessa matéria, porque assim lhe impõe o artigo 90.º, n.º 1, da LGT.” Neste mesmo aresto é, ainda, afirmado o seguinte: “A utilização da avaliação indirecta constitui, assim, um poder-dever da Administração, no sentido de que só ela o pode desencadear mas estando vinculada a fazê-lo perante a verificação de determinadas circunstâncias de facto. (…) Consequentemente, a avaliação indirecta é uma modalidade de determinação da matéria tributável que não tem natureza discricionária, no sentido de que não constitui uma alternativa ao dispor da Administração; outrossim, é um método que a Administração está vinculada a seguir quando seja impossível determinar a matéria tributável com base nos elementos fornecidos pelo contribuinte ou perante a sua inexistência.” 

Subscrevemos, inteiramente, estes posicionamentos jurisprudenciais, tal como aderimos e, data venia, fazemos nossa a seguinte argumentação vertida na decisão arbitral proferida no processo n.º 724/2019-T, em que quer a situação fática, quer a questão jurídico-tributária que ali estavam em causa são similares às que se colocam no presente processo:

“Efectivamente, julga-se que quer a determinação da matéria colectável por métodos directos, quer a determinação daquela matéria por métodos indirectos, são poderes vinculados da Administração Fiscal.

A este propósito, de resto, deve notar-se que, em caso algum se podem verificar os pressupostos de aplicação de ambos, em termos de se poder configurar a possibilidade de à Administração Tributária ser deferido um poder de escolha, entre a aplicação de um e de outro.

Efectivamente, e nos termos do art.º 83.º, n.º 1 da LGT, é pressuposto impreterível da avaliação directa “a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação”, sendo, correspectivamente, igual pressuposto da avaliação indirecta, nos termos do art. 87.º, n.º 1, al. b), da mesma Lei, para além do mais, a “Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.

Daí que, ou efectivamente, é possível “a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação”, ou se verifica a “Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável d[o] imposto”.

Verificada a primeira das situações, será ilegal a aplicação de métodos indirectos.

E, verificada a segunda daquelas descritas situações, será, evidentemente, ilegal a aplicação de métodos directos, na medida em que, necessariamente, em tal situação, não é possível “a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação”.

Daí que, e em suma, em consonância com a jurisprudência atrás citada, se julgue que o lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis – correcções técnicas/avaliação indirecta – e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado.”

 

§3. O caso concreto: subsunção normativa

 

§3.1. Das correções em sede de IRC

 

§3.1.1. Gastos com aquisição de inventários

18. Volvendo ao caso concreto, importa começar por salientar que a AT não colocou em causa a veracidade destas operações realizadas pela Requerente, nem os respetivos valores; assim como também não questionou se tais gastos foram ou não necessários para a obtenção dos rendimentos da Requerente. A AT não patenteou, pois, quaisquer dúvidas quanto à existência destes gastos suportados pela Requerente e que estão subjacentes às faturas que foram desconsideradas no âmbito do aludido procedimento de inspeção tributária.   

O que, efetivamente, resulta do RIT é que aquilo que aqui está em causa é o cumprimento de certos requisitos formais das respetivas faturas constantes da contabilidade da Requerente, enunciados nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do Código do IRC, particularmente quanto às faturas atinentes às aquisições de árvores em matas que foram emitidas pela própria Requerente, ao abrigo do regime de autofacturação; com efeito, a AT afirma que as referidas faturas não cumprem com o determinado na alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IRC, nem permitem a correta determinação do lucro tributável, pelo que, nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, tais gastos não são dedutíveis para efeitos fiscais.

 Temos, pois, que a AT não questiona a efetividade das operações em apreço, nas quais a Requerente incorreu em custos; contudo, a AT não considerou tais gastos, que admite terem ocorrido, no cômputo da matéria tributável de IRC da Requerente, referente aos anos de 2017, 2018 e 2019.

Dito isto. Não sendo possível a consideração dos gastos em apreço no âmbito da avaliação direta da matéria tributável, por as respetivas faturas não permitirem a correta determinação do lucro tributável, então afigura-se imperioso concluir que tal avaliação direta não permite “a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação”, ou seja, a “comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável” do IRC referente aos anos de 2017, 2018 e 2019, uma vez que exclui do respetivo cálculo custos que, assumida e comprovadamente, existiram; a AT incorreu, pois, em manifesto erro por ter insistido na avaliação direta da matéria tributável de IRC dos anos de 2017, 2018 e 2019 e, dessa forma, ter desconsiderado os custos em apreço cuja efetiva existência confirmou.

Destarte, afigura-se-nos que a adoção pela AT do procedimento de avaliação direta, quando, como é o caso, estavam reunidos os pressupostos para aplicação do método de avaliação indireta – não sendo essa uma opção discricionária da AT, mas um verdadeiro poder-dever –, redunda em inequívoca ilegalidade das correções efetuadas à matéria tributável de IRC, relativamente a estes concretos gastos, consubstanciada na violação das regras de determinação da matéria tributável.   

 

§3.1.2. Gastos com “C...”

19. A propósito destes gastos, resultou provado, além do mais, o seguinte que importa aqui respigar: “A “C...” emite, mensalmente, um documento denominado “extrato/recibo”, no qual agrega as várias faturas/recibos emitidas pelas concessionárias/operadoras das autoestradas (Brisa, Infraestruturas de Portugal, Lusoponte, etc.) nas quais, nesse mês, o cliente tenha utilizado o serviço de pagamento/cobrança “C...” (cf. facto provado x)); “No cabeçalho desse documento emitido pela “C...” consta o nome/denominação social do contribuinte, a sua morada/sede e o respetivo número de contribuinte; no mesmo documento estão elencadas (individualizadamente e separadas por linhas), as ditas faturas/recibos emitidas pelas concessionárias/operadoras das autoestradas, identificadas com o respetivo número, data de emissão, montante e valor do IVA” (cf. facto provado y)); e, “As mencionadas faturas emitidas pelas concessionárias/operadoras das autoestradas têm aposto, como NIF do adquirente, o número 999999990, ou seja, o que costuma ser utilizado para “consumidor final”” (cf. facto provado z)).

Os ditos “extratos/recibo” são, pois, os únicos documentos que justificam os valores dos pagamentos debitados na conta bancária da Requerente, atinentes à utilização de autoestradas portajadas pelos seus camiões, no âmbito da respetiva atividade de transporte rodoviário de mercadorias.

Aqueles documentos têm inscritos, no respetivo cabeçalho, a denominação social e o número de contribuinte da Requerente; além disso, nos mesmos estão relacionados os números das diversas faturas/recibo referentes à Requerente, sendo cada uma destas emitida pela empresa concessionária da autoestrada na qual, no respetivo mês, circularam os camiões da Requerente, com a inerente utilização do serviço “C...” para pagamento das portagens.

A AT afirma que apenas está aqui em causa a falta de certos requisitos formais das ditas faturas/recibo emitidas pelas empresas concessionárias de autoestradas, uma vez que destas não consta nem o número de contribuinte da Requerente, nem a descrição dos serviços prestados, a coberto dessas faturas. Assim, também aqui a AT não colocou em causa a veracidade destes gastos, nem os respetivos valores; assim como também não questionou se tais gastos foram ou não necessários para a obtenção dos rendimentos da Requerente. A AT não manifestou, pois, dúvidas algumas quanto à existência destes gastos suportados pela Requerente e que estão subjacentes aos ditos “extratos/recibo” e correspetivas faturas que foram desconsiderados no âmbito do sobredito procedimento de inspeção tributária.   

Nesta conformidade, salvo o devido respeito, entendemos que a posição da AT não pode ser sufragada, atenta a inexistência de qualquer fundamento de facto e/ou de direito que possa sustentar a desconsideração destes gastos efetivamente suportados pela Requerente no âmbito da sua atividade de transporte rodoviário de mercadorias. É certo que as referidas faturas/recibo emitidas pelas empresas concessionárias das autoestradas enfermam de irregularidades formais, uma vez que delas deveria constar, designadamente, o número de contribuinte da Requerente e não o número 999999990 que costuma ser utilizado para “consumidor final”. No entanto, essas faturas são relacionadas e identificadas de forma individualizada numa listagem constante dos ditos “extratos/recibo” emitidos e enviados pela “C...” à Requerente, o que permite fazer a necessária e direta interligação entre tais faturas e a Requerente; relembremos que é, precisamente, com a “C...”, enquanto entidade gestora de sistemas eletrónicos de cobrança, que a Requerente tem um vínculo contratual que lhe permite utilizar o respetivo serviço de pagamento automático das portagens existentes nas autoestradas nacionais. No tocante aos serviços prestados que subjazem a tais faturas, atentas as respetivas empresas emissoras e uma vez que nenhum elemento existe que aponte em sentido diverso, não se lobriga que os mesmos possam ser outros que não a utilização de autoestradas portajadas, em trajetos onde efetivamente existiam portagens, pelos camiões da Requerente.

Destarte, consideramos que tais faturas, assim como os ditos “extratos/recibo”, enquanto documentos que titulam os mencionados gastos, cumprem com critérios mínimos de enquadramento e comprovação dos termos essenciais das operações em causa, de modo a que estes gastos possam ser escrutinados pela AT e relevados no cômputo do lucro tributável. Assim, a não-aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade destes gastos que foram efetivamente suportados pela Requerente, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva.

Consequentemente, as correções efetuadas pela AT à matéria tributável de IRC, relativamente a estes concretos gastos, padecem de vício de violação de lei e, por isso, não podem subsistir. 

*

20. Atento o exposto, os atos de liquidação adicional de IRC controvertidos, referentes aos anos de 2017, 2018 e 2019, padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação, por um lado, do disposto nos artigos 81.º, n.º 1, 83.º, 87.º, n.º 1, alínea b), 88.º, alínea a), e 90.º da LGT e, por outro lado, do disposto no artigo 23.º, n.ºs 1, 2, alínea, a), 3 e 4, do Código do IRC; consequentemente, aqueles atos de liquidação de IRC são inválidos e devem, por isso, ser anulados (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).   

 

21. A ilegalidade das liquidações adicionais de IRC controvertidas afeta as liquidações dos correspondentes juros compensatórios, pois estas têm aqueles atos de liquidação como pressuposto e, por isso, são fulminadas pelos mesmos vícios invalidantes e, por consequência, devem ser anuladas (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

  

§3.2. Das correções em sede de IVA

 

§3.2.1. Aquisição de inventários

22. A este propósito, é aqui dado por inteiramente reproduzido o que acima foi dito, quanto a estes gastos, no âmbito das correções efetuadas à matéria tributável de IRC dos anos de 2017, 2018 e 2019, concretamente no tangente ao procedimento de avaliação da matéria tributável que foi adotado pela AT (cf. ponto 18. supra). 

Relativamente a esta mesma questão do método de avaliação, importa acrescentar que, nos termos do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IVA, “a liquidação do imposto com base em presunções ou métodos indiretos efetua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87.º e 89.º da lei geral tributária, seguindo os termos do artigo 90.º da referida lei”. 

 

23. No caso sub judice e como anteriormente já se deu conta, o que está em causa é, apenas e tão só, o cumprimento de certos requisitos formais das faturas constantes da contabilidade da Requerente, enunciados no Código do IVA, particularmente quanto às faturas atinentes às aquisições de árvores em matas que foram emitidas pela própria Requerente, ao abrigo do regime de autofacturação (artigo 36.º, n.º 11, do Código do IVA). Com efeito, a AT afirma que as referidas faturas não estão emitidas na forma legal, pois nelas não se encontram discriminadas as quantidades adquiridas e a descrição dos bens é insuficiente, pelo que as mesmas não permitem a dedução do IVA, por não cumprirem com o determinado nos artigos 19.º, n.ºs 2, alínea a), e 8 e 36.º, n.º 5, alíneas b) e c), ambos do Código do IVA; a AT acrescenta que “a violação das regras inerentes à emissão de faturas verificadas nas aquisições da A..., impostas pelo n.º 5 do art. 36.º do CIVA, para além de não permitir valorizar/aferir a real dimensão das operações de compra de madeira, também não permite controlar as operações de venda, ficando a substância das operações comprometida” (cf. facto provado cc)).

Nesta conformidade, não sendo possível a consideração dos gastos em apreço no âmbito da avaliação direta da matéria tributável, por as respetivas faturas não permitirem “valorizar/aferir a real dimensão das operações de compra de madeira”, então, mais uma vez, impõe-se concluir que tal avaliação direta não permite “a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação”, ou seja, a “comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável” do IVA, uma vez que exclui do respetivo cômputo custos que, assumida e comprovadamente, existiram.

Não será despiciendo relembrar que o TJUE tem reiteradamente afirmado que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA o direito dos sujeitos passivos a deduzirem o IVA devido ou já pago, em bens e serviços adquiridos, do IVA de que eles sejam devedores por liquidação nas suas operações ativas; a exceção deve recair apenas nos casos em que, o não cumprimento dos requisitos formais, na obrigação de faturação, impeça, de forma efetiva, a produção de prova conclusiva de que os requisitos substanciais se encontram satisfeitos.

Por consequência, afigura-se-nos que a adoção pela AT do procedimento de avaliação direta, quando, como é o caso, estavam reunidos os pressupostos para aplicação do método de avaliação indireta – não sendo essa uma opção discricionária da AT, mas um verdadeiro poder-dever –, redunda em inequívoca ilegalidade das correções que foram efetuadas em sede de IVA, quanto à aquisição de inventários, consubstanciada na violação das regras de determinação da matéria tributável.

 

§3.2.2. Extratos “C...”

24. A este propósito, é aqui dado por inteiramente reproduzido o que acima foi dito, quanto a estes gastos, no âmbito das correções efetuadas à matéria tributável de IRC (cf. ponto 19. supra).   

Importa, ainda, ter presente a reiterada afirmação, por parte do TJUE, de que os Estados-membros não podem negar o direito à dedução pelo simples facto de uma fatura não satisfazer os requisitos formais exigidos pela Diretiva do IVA e/ou pelas legislações nacionais (no caso português, o Código do IVA), na condição de que, não obstante a existência de vícios formais, a fatura permita assegurar a exata cobrança do imposto nela liquidado e permita também a respetiva fiscalização pelas autoridades fiscais competentes. Assim, o TJUE tem decidido no sentido de permitir que sobre este requisito de forma prevaleça a substância das operações, sempre que isso se mostre necessário para garantir a neutralidade do IVA e não crie risco de fraude; o TJUE tem, pois, vindo a relativizar os requisitos de forma para o exercício do direito à dedução e a função que nisso cabe às faturas.

Nesta conformidade, afigura-se-nos que as correções efetuadas pela AT, em sede de IVA, relativamente aos extratos “C...”, padecem de vício de violação de lei e, por isso, não podem subsistir. 

*

25. Atento o exposto, os atos de liquidação adicional de IVA controvertidos, na parte em que resultam das correções referentes à aquisição de inventários e aos extratos “C...”, padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação, respetivamente, do disposto nos artigos 81.º, n.º 1, 83.º, 87.º, n.º 1, alínea b), 88.º, alínea a), e 90.º da LGT e do disposto no artigo 19.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a) e no artigo 36.º, n.º 5, ambos do Código do IVA; consequentemente, aqueles atos de liquidação de IVA são parcialmente inválidos e devem, nessa exata medida, ser anulados (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).   

 

§4. O reembolso de montantes de IRC e de IVA, acrescidos de juros indemnizatórios

26. O Tribunal é, ainda, chamado a pronunciar-se sobre: (i) o reembolso à Requerente do montante de € 40.959,50, a título de IRC e de juros compensatórios; (ii) o reembolso à Requerente do montante de € 14.090,15, a título de IVA; e, (iii) o pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Ora, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas ou retidas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

Cumpre, então, apreciar e decidir.

 

27. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação dos atos tributários controvertidos, há lugar ao reembolso das prestações tributárias indevidamente suportadas pela Requerente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aqueles atos tributários não tivessem sido praticados nos termos em que foram.

Nesta conformidade, procede o pedido de reembolso do montante de € 40.959,50 (quarenta mil novecentos e cinquenta e nove euros e cinquenta cêntimos), pela Requerente indevidamente suportado a título de IRC e de juros compensatórios (cf. factos provados dd) e ff)).

No respeitante ao pedido de reembolso de IVA, no montante de € 14.090,15 (catorze mil e noventa euros e quinze cêntimos), atendendo a que a ilegalidade e sequente anulação dos atos de liquidação de IVA controvertidos é apenas parcial, o mesmo procede quanto ao valor que vier a ser determinado em sede de execução de julgado.

 

28. Para além do reembolso dos montantes de impostos e de juros compensatórios que indevidamente suportou, tem ainda a Requerente direito a juros indemnizatórios, pois, como estatui o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Com efeito, resulta do acima exposto que a invalidade dos atos tributários controvertidos é imputável à AT por ter incorrido em vício de violação de lei, gerador de anulabilidade.

No caso concreto, tais juros indemnizatórios são calculados, à taxa legal supletiva (cf. artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e a Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril), desde as datas em que foram efetuados os pagamentos indevidos de IRC e de juros compensatórios e desde a data em que deveria ter sido efetuado o solicitado reembolso de IVA, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (cf. artigo 61.º do CPPT).

*

29. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil face à declaração de ilegalidade dos atos tributários controvertidos, nos termos acima enunciados, com a sua consequente anulação. (cf. artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

IV. Decisão

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

  1. Declarar ilegal e anular:
  1. A liquidação de IRC n.º 2022..., referente ao exercício de 2017, no montante a pagar de € 10.050,19, com as legais consequências;
  2. A liquidação de IRC n.º 2022..., referente ao exercício de 2018, no montante a pagar de € 21.532,34, com as legais consequências;
  3. A liquidação de IRC n.º 2022..., referente ao exercício de 2019, no montante a pagar de € 6.156,70, com as legais consequências;
  1. Declarar ilegal e anular, na parte resultante das correções referentes à aquisição de inventários e aos extratos “C...”:
  1. A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201703T, no montante de € 0,00, com as legais consequências;
  2. A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201706T, no montante de € 0,00, com as legais consequências;
  3. A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201709T, no montante de € 0,00, com as legais consequências;
  1. A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201712T, no montante de € 0,00, com as legais consequências;
  2. A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201803T, no montante de € 0,00, com as legais consequências;
  3. A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201806T, no montante de € 0,00, com as legais consequências;
  4. A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201809T, no montante de € 0,00, com as legais consequências;
  5. A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201812T, no montante de € 0,00, com as legais consequências;
  6. A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201903T, no montante de € 0,00, com as legais consequências;
  7. A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201906T, no montante de € 0,00, com as legais consequências;
  8. A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201909T, no montante de € 0,00, com as legais consequências;
  9. A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 201912T, no montante de € 0,00, com as legais consequências;
  10. As liquidações de IVA n.ºs 2021... e 2022 039323570, ambas referentes ao período de 202006T, das quais resultou o montante a reembolsar de € 36.532,67, com as legais consequências; e,
  11. A liquidação de IVA n.º 2022..., referente ao período de 202012T, no montante de € 4.094,84, com as legais consequências.
  1. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o montante de € 40.959,50 (quarenta mil novecentos e cinquenta e nove euros e cinquenta cêntimos), a título de IRC e de juros compensatórios, bem como o montante de IVA a determinar em execução de julgado, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos acima enunciados, com as legais consequências;
  2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas processuais.

 

V. Valor do Processo

Atento o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 55.049,65 (cinquenta e cinco mil e quarenta e nove euros e sessenta e cinco cêntimos).

 

VI. Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), cujo pagamento fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 17 de novembro de 2022.

 

O Árbitro,

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 



[1] Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, Coimbra, 2019, p. 13.

[2] Ibidem, p. 27.

[3] Ibidem, pp. 104 e 105.

[4] Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 79-80. 

[5] O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 333, 337, 340, 341 e 345. 

[6] “Importância da Fatura no Edifício Do IVA: A Formalidade sa Substância e a Substancialidade na Forma”, in Cadernos IVA 2022, Sérgio Vasques (Coord.), Almedina, Coimbra, 2022, pp. 79, 81, 86 e 87.