Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 208/2022-T
Data da decisão: 2022-12-06  IRS  
Valor do pedido: € 85.558,71
Tema: IRS – Artigo 10.º, n.º 5; artigo 10.º, n.º 6; Mais-valias – Reinvestimento Suspensão tributação
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SUMÁRIO

Caso a opção do Sujeito Passivo seja de considerar o valor de aquisição como valor de reinvestimento, deverá ser esse o montante a ter em conta para efeitos da exclusão da tributação das mais-valias, ficando apenas dependente do requisito temporal da afetação do imóvel à sua habitação própria e permanente.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professor Nuno Cunha Rodrigues (árbitro-presidente), Dr. João Marques Pinto e Dr. Armando Oliveira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-06-2022, acordam no seguinte:

  1. RELATÓRIO

A..., NIF..., com residência fiscal na Av. ..., ..., ..., ...-..., Lisboa, apresentou pedido de pronuncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2021..., respeitante ao período de tributação de 2019, por via da qual se apurou um montante de imposto a reembolsar de € 175,45, sendo a Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD a 28-03-2022 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira a 30-03-2022.
  2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo o Professor Nuno Cunha Rodrigues; Dr. João Marques Pinto e Dr. Armando Oliveira, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  3. Em 16-05-2022 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 03-06-2022.
  5. Em 01-07-2022, a Requerida junta aos autos a sua resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido, que se dá por integralmente reproduzida. Juntou também processo administrativo (PA).
  6. Por despacho de 02-09-2022, e após pedido de adiamento por parte do Requerente para a primeira data designada, foi definido o dia 19 de setembro de 2022, para a reunião a que se refere o artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, nomeadamente com vista à prestação de declarações de parte.
  7. A 19 de setembro de 2022, teve lugar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual foram realizadas as declarações de parte.
  8. O Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e sucessivamente, apresentarem alegações escritas facultativas no prazo de 15 dias. Determinou ainda que o prazo para a Requerida começaria a contar com a notificação da junção das alegações do Requerente ou do termo do prazo a este concedido. Por último, advertiu o Requerente da necessidade de, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
  9. A 04-10-2022, o Requerente apresentou as suas alegações, mantendo o já por si alegado no pedido de pronúncia arbitral.
  10. Em 6-10-2022, a Requerida contra-alegou e reiterou o que disse em sede de Resposta, mantendo o pedido de improcedência.
  11. Por despacho arbitral emitido em 2 de dezembro de 2022, foi prorrogado por dois meses o prazo para emissão e notificação da decisão final, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º, número 2 do RJAT.

 

  1. SANEAMENTO
  1. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. alínea a) do nº 1 dos artigos 2.º e 5.º do RJAT).
  2. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, contado a partir dos factos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.
  3. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  4. Não há nulidades ou matéria de exceção para conhecer passando-se para a análise do mérito da causa.
  1. DO PEDIDO DO REQUERENTE
  1. O Requerente solicita a anulação da liquidação oficiosa de IRS n.º 2021..., do período de imposto de 2019, por via da qual se apurou um montante de imposto a reembolsar de € 175, 45 e, bem assim, do despacho proferido no dia 22 de dezembro, pela Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, através do qual foi indeferida a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente.
  2. Em síntese, o Requerente não se conforma com a não aceitação do reinvestimento da mais-valia decorrente da alienação do imóvel que, à data configurava a sua habitação própria e permanente (imóvel A), na aquisição do imóvel para reabilitação (imóvel B) pelo facto de estar ultrapassado do prazo de 12 meses para a afetação à sua habitação ou do seu agregado familiar.
  3. Acresce que não concorda com o entendimento da Requerida de harmonia com o qual o apuramento da mais-valia e a tributação da mais-valia se encontram suspensos por aplicação da alínea b) do n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS, ou seja, afere o reinvestimento com referência à reabilitação do imóvel, negligenciando a aquisição do imóvel objecto de reinvestimento (imóvel B).

 

  1. DA RESPOSTA DA REQUERIDA AT:
  1. Em resposta, a Requerida arguiu que ao ter adquirido o imóvel onde efetuou o reinvestimento (imóvel B) um mês antes da data de alienação do imóvel onde tinha a sua habitação própria e permanente (imóvel A) e ao não pretender que o reinvestimento a considerar seja na melhoria do referido imóvel B, o Requerente não pode aproveitar o prazo previsto na alínea b) do n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS.
  2. Acrescentou ainda que se o que o Requerente pretende é o reinvestimento na aquisição do novo imóvel (imóvel B), então o prazo aplicável à situação é o da alínea a) do artigo 10.º do Código do IRS, ou seja, haverá lugar à exclusão de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente quando o adquirente afete o imóvel à sua habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento.
  3. Por fim, defende que esse prazo foi manifestamente ultrapassado, não devendo o peticionado obter deferimento.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos provados
  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
    1. Em 14 de outubro de 2019, o Reclamante procedeu à alienação onerosa da fração autónoma designada pela letra E, correspondente ao quarto andar, para habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em ..., na Avenida ..., números ... a ..., concelho de Lisboa, descrito na conservatória do registo predial de Lisboa, sob o número..., da freguesia de...– prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia das ..., sob o artigo ... (imóvel A), pelo preço de € 1.060.000,00.
    2. O imóvel constituía, no momento da alienação, a habitação própria e permanente do Requerente.
    3. A 10 de setembro de 2019, o Requerente adquiriu o prédio urbano composto de rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiros andares, saguão e quintal, sito na Rua ... n. º..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da..., sob o artigo  ... (imóvel B), pelo preço de € 630.000,00, com objetivo de o tornar a sua habitação própria e permanente, conforme decorre própria da escritura pública de compra e venda (cf. doc. n.º 4).
    4. À data da aquisição, o imóvel B, por se encontrar devoluto, não dispunha de condições mínimas de habitabilidade, necessitando de obras de requalificação profundas – já requeridas pelo anterior proprietário em 2018 e deferidas pela Câmara Municipal de Lisboa a 28 de julho de 2020, oito meses após a data de aquisição do imóvel por parte do Requerente.
    5. Só após a deferimento do pedido da referida licença é que o Requerente se encontrava habilitado a iniciar a obra de requalificação do imóvel (B).
    6. Face à factualidade acima descrita, o Requerente arrendou, por um período de dois anos, renovável por períodos sucessivos de um ano, um outro imóvel (imóvel C), sito na Av. ... n.º ..., para aí habitar temporariamente e até à conclusão das obras de alteração, ampliação e (re)edificação do imóvel B.
    7. O Requerente, no âmbito das suas obrigações fiscais acessórias, alterou a residência fiscal para o imóvel arrendado.
    8. Em 29 de junho de 2020, o Requerente apresentou a Declaração Periódica de Rendimentos (Modelo 3) de IRS, relativa ao período de tributação de 2019.
    9. No Anexo G, o Requerente declarou a intenção de reinvestimento do valor de € 858.630,01, correspondente ao valor de realização (€ 1.060.000,00), subtraído do valor do remanescente do empréstimo contraído para a aquisição do mesmo Imóvel A (€ 201.369,99) (cf. campos 5005 e 5006 do Anexo G).
    10. O Requerente declarou ter procedido ao reinvestimento do valor de € 673.561,86, em momento anterior à alienação (cf. campo 5007 do Anexo G), na aquisição do Imóvel B (cf. Quadro A1 do Anexo G).
    11. A entrega da Declaração de Periódica de Rendimentos (Modelo 3), desencadeou a abertura de um procedimento de divergências, tendo o Requerente sido notificado para prestar esclarecimentos quanto à alteração de residência fiscal efetuada e à não correspondência da mesma com a morada do imóvel objeto do reinvestimento declarado – Imóvel B.
    12. Para o efeito, notificou o Requerente para entregar uma declaração de substituição ou, em alternativa, exercer o seu direito de audição prévia quanto às detetadas incorreções quanto ao reinvestimento efetuado em virtude de não ter afetado o imóvel adquirido – o imóvel B – a habitação própria permanente, uma vez que a sua residência fiscal havia sido alterada para outro imóvel – o imóvel C.
    13. A 12 de agosto de 2020, o Requerente exerceu o direito de audição prévia onde se manifestou sobre (i) as incorreções relativas aos valores das despesas e encargos declarados no quadro 4, sendo entendimento da AT que apenas seriam de considerar € 52.969,59 (linha 4001), ao invés dos € 55.703,66 inicialmente declarados, e € 51.407,48 (linha 4002), ao invés dos € 51.419,79 inicialmente declarados; e bem assim (ii) incorreções quanto aos reinvestimento efetuado em virtude de o “Reclamante” não ter afetado o imóvel adquirido – o imóvel B – a habitação própria e permanente, uma vez que a sua residência fiscal havia sido alterada para outro imóvel – o imóvel C-.
    14. No âmbito do exercício do direito de audição, conformou-se com as correções propostas em (i), mas entendeu não se conformar com a correções propostas em (ii),
    15. posteriormente, foi notificado do Ofício do Serviço de Finanças de Lisboa – ..., de que “foi elaborada declaração oficiosa com correcção do quadro 4 do anexo G do valor de despesas e encargos para 52.969,59 euros (linha 4001) e 51.407,48 euros (linha 4002), em face dos documentos apresentados, tendo sido eliminado o valor constante do campo 5007 do quadro 5-A do mesmo anexo, pelo facto de não ter afectado o imóvel adquirido a habitação permanente até decorridos doze meses após o reinvestimento”.
    16. Em 8 de fevereiro de 2021, foi notificado da liquidação de IRS 2021 ..., respeitante ao período de tributação de 2019, por via da qual se apurou um montante de imposto a reembolsar de € 175,45, nos exatos mesmos termos da liquidação inicial anteriormente notificada ao Requerente.
    17. Pela inexistência de fundamentação do ato de liquidação, o Requerente requereu a emissão de certidão que contivesse a fundamentação do ato de liquidação n.º 2021..., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 37.º, n.º 1, do CPPT.
    18. Na ausência de resposta ao Requerimento apresentado, o Requerente interpôs a competente Ação de Intimação Judicial para Passagem de Certidão, a qual correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º de processo 871/21.7BELRS.
    19. Na sequência da ação acima referida, o Requerente foi notificado, em 22 de abril de 2021, da Certidão “passada nos termos do art.º 37.º do CPPT”, a qual, por seu turno, vem clarificar que “[f]oi emitida liquidação nula por ter sido apurado o mesmo valor de reembolso a receber, uma vez que nos termos da al. a) n.º 5 do art.º 10.º do Código de IRS (CIRS) só é possível reinvestir na aquisição de imóvel, ou em alternativa em obras de melhoramento, não permitindo a acumulação de compra de imóvel e de obras de melhoramento do mesmo. No entanto, ainda pode reinvestir em melhorias, logo a liquidação referente ao apuramento da mais/menos valia representado pelo anexo G, fica suspenso até ao limite do prazo mencionado na al. b) do n.º 6 do art.º 10 do CIRS”.
    20. Não se conformando com o teor da certidão, o Requerente apresentou a competente Reclamação Graciosa que antecede os presentes autos, a qual foi objeto de indeferimento nos mesmos termos e com os mesmos fundamentos.
  1. Factos não provados
  1. Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.
  1. Fundamentação da decisão da matéria de facto
  1. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.ºdo CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
  2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do Código do Processo Civil).
  3. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
  4. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, analisados de forma crítica, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.

 

  1. DO DIREITO E DO MÉRITO
  1. A questão a decidir prende-se com apreciação da legalidade da liquidação de IRS sindicada nos presentes autos, fundamentada com a não aceitação do reinvestimento realizado na aquisição de imóvel para habitação própria e permanente, pelo não cumprimento do período de 12 meses legalmente fixado para esta afetação no âmbito da tributação.

 

  1. Os fundamentos do Requerente quanto à ilegalidade do ato de liquidação de IRS
  1. O Requerente para fundamentar a ilegalidade do ato de liquidação afirma que cumpriu todos os requisitos impostos pelo artigo 10.º, n.º 5, al. a), b) e c), do Código do IRS, designadamente que:
    1. o valor de realização (deduzido do valor residual do empréstimo contraído para a aquisição da habitação própria e permanente) foi reinvestido, na aquisição de outro imóvel exclusivamente com o destino de o afetar à habitação própria e permanente do sujeito passivo;
    2. o reinvestimento foi efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
    3. o Requerente manifestou, na Declaração periódica de rendimentos do ano da realização, a intenção de reinvestir, mencionando o respetivo montante;
  2. Afirma também que não obstante a exclusão de tributação prevista pelo artigo 10.º, n.º 5, a norma constante do n.º 6 do mesmo artigo vem impor que tal exclusão não ocorra quando:
    1. tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente não o afete à sua habitação própria e permanente até decorridos 12 meses do reinvestimento – artigo 10.º, n.º 6, al. a) –, e
    2. nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações, decorridos 48 meses desde a data da realização e não afete o imóvel à sua habitação própria e permanente até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização – artigo 10.º, n.º 6, al. b).
  3. Entende que quando esteja em causa a aquisição de um imóvel destinado à habitação própria e permanente que seja sujeito a obras de ampliação e melhoramento que o impeçam de ser habitado até à conclusão das obras, a situação deve ser reconduzida à previsão da alínea b), do n.º 6, do artigo 10.º, quando esta alude aos “demais casos”.
  4. Assim, não será de aplicar a obrigação de afetação do imóvel à habitação própria e permanente no prazo de 12 meses, mas sim a obrigação de requerer a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações, decorridos 48 meses desde a data da realização e afetar imóvel à sua habitação própria e permanente até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.
  5. Com efeito, entende o Requerente que as condições previstas pela alínea a) do mesmo normativo apenas são aplicáveis à aquisição de imóveis em plenas condições de habitabilidade.
  6. Defendendo que a lei, concretamente o disposto no artigo 10.º, n.º 5, al. a), do CIRS, não deve ser interpretado no sentido de proibir, para efeitos da exclusão tributária, nem de ignorar a possibilidade real de um sujeito passivo comprar um imóvel destinado à sua habitação própria e permanente e o sujeitar a obras de ampliação e melhoramento, que o impeçam de o habitar até à conclusão das obras.
  7. Acrescentando que o que a lei parece não tolerar é que, quando tal suceda, o reinvestimento seja realizado, em simultâneo, na aquisição do imóvel e também nas obras de ampliação e melhoramento, mas não transmuta a realidade material (i) numa operação de simples aquisição de imóvel ou (ii) numa operação de simples ampliação e melhoramento, já que a materialidade subjacente constitui uma combinação de ambas as realidades.
  8. Desta forma, no presente caso, a não afetação do Imóvel B à habitação própria e permanente do Requerente apenas obsta à exclusão da tributação da mais-valia, quando esta não ocorra até ao quinto ano seguinte à realização, e este não requeira a inscrição das alterações na matriz no prazo de 48 meses contados da data da realização, nos termos do disposto na al. b), do n.º 6, do artigo 10.º do Código do IRS.
  9. Por último, invoca a possível inconstitucionalidade que decorre da não aceitação do reinvestimento realizado no imóvel B, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, uma vez que uma interpretação das normas aplicáveis que pugne por um tratamento diferenciado de quem adquira um imóvel em ruínas para o reabilitar em profundidade, relativamente a quem adquira um imóvel em condições ótimas de habitabilidade que possibilitem a sua entrada imediata no imóvel, em termos de se entender que o reinvestimento na aquisição de imóvel na primeira opção não se encontra abrangida pela norma de exclusão tributária, viola gritantemente o Princípio da Igualdade, ínsito nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP)
  1. Os fundamentos da Requerida quanto à legalidade do ato de liquidação de IMT
  1. A Requerida na sua resposta afirma, em síntese, que não assiste razão ao Requerente porque ao requerer que (i) o reinvestimento fosse considerado na aquisição do imóvel adquirido (imóvel B) e, (ii) ao não pretender que seja considerado o reinvestimento no melhoramento do imóvel,
  2. Não se entende como pretende beneficiar do prazo previsto na alínea b) do n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS.
  3. Acrescenta que se o que se pretende é o reinvestimento na aquisição do novo imóvel (imóvel B), então o prazo aplicável à situação é o da alínea a) do artigo 10.º do Código do IRS.
  4. E, analisados os autos, constata-se que esse prazo já foi manifestamente ultrapassado.
  5. Defende ainda que, embora o Requerente alegue que na escritura de compra e venda ficou expresso que o imóvel se destinava a habitação própria e permanente, tal declaração apenas poderá ser considerada como uma manifestação de intenção de, posteriormente, afetar o imóvel a habitação própria e permanente.
  6. Afirmando que não basta declarar que o imóvel se destina a habitação própria e permanente para que, efetivamente, tal afetação aconteça.
  7. Assim, ao afirmar que o imóvel que adquiriu não tinha condições de habitabilidade e não ser, no imediato, afeto a habitação própria e permanente,
  8. também não foi afeto a esse destino no prazo concedido pela alínea a) do n.º 6 do artigo 10º do Código do IRS para o efeito.
  9. Concluindo que, não tendo o imóvel adquirido sido afeto a habitação própria e permanente do Requerente, não poderá aplicar-se a exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.
  10. Quanto à questão da inconstitucionalidade, defende a Requerida que o princípio da igualdade impõe aos poderes públicos um tratamento igual de todos os seres humanos perante a lei e uma proibição de discriminações infundadas, sem prejuízo de impor diferenciações de tratamento entre pessoas, quando existam especificidades relevantes que careçam de proteção
  11. Afirmando que a igualdade envolve a obrigação de “tratar igualmente o que é igual e desigualmente o que é diferente”.
  12. E que a alegação feita pelo Requerente, ao entender que a sua situação é análoga à compra de um terreno para construção, nos termos do n.º 4 do artigo 11º da Lei Geral Tributária, não pode colher já que “as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica”.
  13. Assim, não tendo adquirido um terreno para construção, mas sim um imóvel já edificado, não poderá fazer-se essa analogia porque nos encontramos perante matéria de competência reservada da Assembleia da República, conforme disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.

 

  1. Apreciação
  2. A resposta à questão suscitada nos presentes autos prende-se com a interpretação dos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do Código do IRS, em particular como aferir a afetação do imóvel [adquirido] à sua habitação própria e permanente e, desta forma, determinar qual a forma de beneficiar da exclusão de tributação de mais-valias em sede de IRS.
  3. Da afetação do imóvel à sua a habitação própria e permanente
  4. Dispõe o n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS que:

São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

  1. Do acima exposto resulta claro que os ganhos obtidos com a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente, ficam excluídos de tributação em sede de IRS sempre que se verifique as condições aí enumeradas.
  2. Observe-se em particular que o artigo 10.º, n.º 5, alínea a) estabeleceu, de forma clara, a possibilidade de reinvestimento alternativo nas seguintes situações nele previstas (a) aquisição da propriedade de outro imóvel; (b) terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou (c) ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português (…).
  3. No caso sub judice o Requerente podia, em abstrato, ter optado por reinvestir (a) na compra do imóvel ou (b) nas obras de melhoramento.
  4. Ora, conforme resulta dos factos dados como provados, resulta claro que os três pressupostos elencados em cada uma das alíneas do no n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS, para a exclusão de tributação se encontram cumpridos pelo Requerente, incluindo a circunstância de o Requerente ter optado por reinvestir na compra do imóvel (cfr. artigo 10.º, n.º 5, alínea a) parte inicial) pelo que a mesma pode e deve operar.
  5. Contudo, cumpre verificar se, nos termos do n.º 6 do artigo 10º do Código do IRS, alguma das limitações à exclusão da tributação opera.
  6. O n.º 6 do artigo 10º do Código do IRS, determina que:

Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;

b) Nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;

  1. Assim, da leitura conjunta da alínea do a) n.º 5 com o disposto no n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS, a tributação é excluída quando:
    1. o adquirente afete o imóvel à sua habitação própria e permanente, até decorridos 12 meses após o reinvestimento, e
    2. nos demais casos, seja requerida a inscrição ou alteração na matriz até 48 meses sobre a data do início das obras e afetado o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.
  2. Conforme resulta provado, em particular face à escritura de compra e venda do imóvel objeto de reinvestimento, o Requerente expressamente refere que a aquisição do imóvel se destina a habitação própria e permanente:

 

  1. Pelo que, ainda que não tenha indicado o imóvel adquirido como domicílio fiscal do seu agregado, afetou, para os devidos efeitos, à sua habitação própria e permanente,
  2. Aqui chegados coloca-se a questão de saber se a mera indicação do destino do imóvel a habitação própria e permanente, sem a concomitante utilização como domicílio fiscal, se traduz, para efeitos de alínea a) do n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS, como “afetação do imóvel a habitação própria e permanente” para efeitos da exclusão de tributação das mais-valias.
  3. Nos termos do n.º 12 do artigo 13.º do Código do IRS, o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.
  4. Para o efeito, nos termos do n.º 13 do mesmo artigo, o sujeito passivo pode (i) fazer prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou (ii) fazer prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.
  5. Ou seja, ao abrigo deste n.º 13, fica claro que o sujeito passivo pode ilidir a presunção, através de qualquer meio de prova, de que domicílio fiscal se traduz na habitação própria e permanente,
  6. Pelo que é de admitir que, para efeitos da tributação das mais-valias em sede de IRS, a prova da habitação própria e permanente sem configurar o seu domicílio fiscal, faz operar a sua exclusão.
  7. A este respeito, veja-se, a título meramente exemplificativo, o referido no Processo nº 63/2020-T, de 20-01-2021, que correu termos no CAAD, e que veio afirmar:

“Retornando aos presentes autos temos que a Requerente produziu prova documental em como a sua habitação própria e permanente não corresponde ao seu domicílio fiscal, e que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel, preenchendo dessa forma o requisito de prova aí previsto no nº 10, 11, 12 e 13.

Ainda sobre a questão da afetação da habitação própria e permanente verus a alteração do domicílio fiscal, temos várias decisões, designadamente dos processos TCAS de 8/10/2015, proc. 6685/13, bem como decisões Arbitrais proferidas no CAAD entre outras, 721/2015-T; 92/2016-T; 21/2017-T.

Decorre sucintamente da jurisprudência anteriormente indicada, que a não comunicação dos sujeitos passivos da mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a exclusão para reinvestimento, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio, a morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através “factos justificativos” de que o sujeito passivo fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.

Entenda-se por “factos justificativos”, o recurso a prova que permita apurar e comprovar a habitação própria e permanente nesse prédio. Prova essa que a ora Requerente produziram através da prova documental e testemunhal.

Ainda, quanto a este tema e de relevo para a presente decisão, pronunciou-se o Acórdão do STA de 23 de Novembro de 2011 – proc. nº 0590/11, respeitante ao artigo 46.º do EBF, quanto a comunicação de domicílio fiscal do sujeito passivo, o qual subscrevemos.

Em conjugação com o anteriormente exposto, refira-se que a redação do artigo 10.º n.º 5 alíneas a) e b) do CIRS é suficientemente clara não deixando lugar a grandes dúvidas.

Se o legislador pretendesse que o requisito para atribuição do benefício em causa fosse o estabelecimento do domicílio fiscal no imóvel adquirido, tê-lo-ia escrito expressamente.

Parece-nos claro que a comunicação à AT da mudança do domicílio fiscal para a nova habitação não é condição sine qua non da exclusão da tributação das mais-valias. Tem sido esse o entendimento dos Tribunais Superiores, isto é, desde que “o sujeito passivo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, pelo que não se vê como no caso em apreço em que o n.º 5 do art. 10.º do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal se poderia entender que obsta à “habitação permanente” a não comunicação da alteração do domicílio fiscal.” – cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de agosto de 2015, processo 06685/13, disponível em www.dgsi.pt.

Por outro lado, o n.º 6 do mesmo artigo, dispõe que “Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando: a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar até decorridos doze meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado;” ou seja, resulta uma vez mais a necessidade de “afetação à habitação”, e não a de “fixação do domicílio fiscal”.

Resulta, suficientemente claro que a intenção do legislador não foi a de equiparar os conceitos de “habitação própria e permanente e domicílio fiscal.”, no artigo 10.º n.º 5  do CIRS.

Sendo este um benefício centrado na afetação à sua habitação ou do seu agregado familiar, limitar essa afetação à alteração do domicílio fiscal, seria contraditório face à natureza do benéfico, e levaria a situações de abuso do referido benefício.

  1. Ora, no caso vertente, o Requerente faz prova clara de que o imóvel em que foi efetuado o reinvestimento foi adquirido para habitação própria e permanente, tendo-o destinado a esse fim na escritura de compra a venda, ainda que não tenha efetuado nesse momento a mudança do seu domicílio para esse imóvel devido à realização de obras de reabilitação – devidamente comprovadas no presente processo.
  2. Facto que, entende este Tribunal, de acordo com a jurisprudência já estabelecida e acima referida, não determina a não aplicação da exclusão de tributação das mais-valias.
  3. Por outro lado, qualquer que seja a perspetiva interpretativa da lei, entende este Tribunal que não merece acolhimento a ideia de que a afetação do imóvel a habitação própria e permanente, prevista no artigo 10.º, n.º 6, alínea a) do CIRS, apenas pode ocorrer quando este apresenta condições de habitabilidade.
  4. Com efeito, nos termos da referida alínea a), a afetação do imóvel a habitação própria permanente deverá ser efetuada no prazo previsto de até doze meses após o reinvestimento, o que veio a suceder – tal como ficou provado na escritura de compra e venda do referido imóvel e pelo início das obras nesse mesmo período.
  5. Sendo certo que, no término das obras de reabilitação do imóvel, o Requerente deverá afetar de facto o imóvel como habitação própria e permanente, passando a utilizá-lo como tal.
  6. Afetação que a Autoridade Tributária e Aduaneira poderá posteriormente confirmar, por forma a aferir se o imóvel se traduz, de facto, na habitação própria e permanente do Requerente.
  7. Da natureza do reinvestimento
  8. De acordo com a alínea a) do n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS, o legislador prevê três alternativas de reinvestimento para que a exclusão de tributação opere (total ou parcialmente):
    1. Na aquisição de outro imóvel;
    2. Na aquisição de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção; ou
    3. Na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o destino de o afetar à habitação própria e permanente.
  9. Para efeitos de determinação de valor de reinvestimento, cumpre determinar se a lei permite a possibilidade de cumular (i) o valor de aquisição de um imóvel com (ii) os encargos incorridos em obras de melhoramento nesse mesmo imóvel, principalmente quando o se encontra em situação de inabitabilidade absoluta.
  10. Ora, a este respeito, e na ausência de uma resposta clara por parte da lei em vigor, temos já decisões judiciais que podem ajudar na interpretação a dar à lei.
  11. Veja-se, por exemplo, a decisão do TCASul, no processo 51/10.7BELRS, de 8 de julho de 2021, na qual se refere que

A norma prevê que as despesas com a ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo fim sejam excluídas da tributação, mas não abarca na sua previsão a aquisição de outro imóvel e obras de ampliação ou melhoramento. A formulação alternativa é clara e não deixa margem para dúvidas. Se o Contribuinte reinveste o valor de realização parcialmente na aquisição do imóvel, não pode, depois, “reinvestir” na ampliação ou melhoramento do imóvel adquirido e excluir esse valor do ganho sujeito a tributação.

  1. Acresce também a decisão do TCASul, no processo 359/10.1BECTB, de 25 de novembro de 2021, onde se concluiu o seguinte:

Cumpre sublinhar que a lei, concretamente o disposto no artigo 10.º, n.º 5, al. a), do CIRS, não deve ser interpretado no sentido de proibir, para efeitos da exclusão tributária, nem de ignorar a possibilidade real de um sujeito passivo comprar um imóvel destinado à sua habitação própria e permanente e o sujeitar a obras de ampliação e melhoramento, que o impeçam de o habitar até à conclusão das obras. Com efeito, o que a lei parece não tolerar é que, quando tal suceda, o reinvestimento seja realizado, em simultâneo, na aquisição do imóvel e também nas obras de ampliação e melhoramento, mas não transmuta a realidade material (i) numa operação de simples aquisição de imóvel ou (ii) numa operação de simples ampliação e melhoramento, já que a materialidade subjacente constitui uma combinação de ambas as realidades.

  1. As posições jurisprudenciais acima expostas são partilhadas por este Tribunal, que entende não haver lugar à cumulação do valor de aquisição de um imóvel com os encargos incorridos em obras de melhoramento nesse mesmo imóvel, ainda que o mesmo se encontre em situação de inabitabilidade absoluta no momento da sua afetação.
  2. Assim, caso a opção do Sujeito Passivo seja o da consideração do valor de aquisição como valor de reinvestimento, deverá ser esse o montante a ter em conta para efeitos da exclusão da tributação das mais-valias, ficando apenas dependente do requisito temporal da afetação do imóvel à sua habitação própria e permanente.
  3. Convicção reforçada igualmente pelo contexto histórico que deu origem à redação atual da alínea b) do n.º 6 do artigo 10.º e, em particular, o significado dos “demais casos” referido na parte inicial.
  4. Veja-se que, até à revogação da alínea c), o n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS, previa como causa de não exclusão de tributação as três seguintes situações:

“6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afecte à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado;

b) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, o adquirente não inicie, excepto por motivo imputável a entidades públicas, a construção até decorridos seis meses após o Termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de inicio das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do Quinto ano Seguinte ao da realização;

c) Tratando-se de reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, não sejam iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.”

  1. Ora, analisando o estatuído na formulação em vigor à data, constata-se que estas três opções tinham correspondência em cada uma das alternativas previstas na alínea a) do artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, pelo que que a revogação da alínea c) do n.º 6, determina, necessariamente, entende este Tribunal, o aglutinar das duas situações previstas na parte final do artigo 10.º, n.º 5, alínea a) ((i) aquisição de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção; ou (ii) ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o destino de o afetar à habitação própria e permanente) na alínea b) do n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS.
  2. Desta forma, a referência “aos demais casos”, parece-nos equivaler – sem grande margem de dúvidas – aos casos de (i) reinvestimento na aquisição de terreno para construção, e (ii) reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel.
  3. In casu, optando o Requerente pelo valor de aquisição do imóvel como opção de reinvestimento – o que será abrangido necessariamente pela alínea a) do n.º 6 – deverá, em consequência, ser excluído o montante referente a obras de reabilitação.
  4. Valor que obviamente poderá, nos termos do artigo 51.º do Código do IRS, vir a ser contabilizado para efeitos de determinação de uma mais-valia futura com a venda do imóvel.
  5. Consequentemente, o presente pedido de pronúncia arbitral apenas pode proceder parcialmente, na parte em que não reconhece o reinvestimento efetuado pelo Requerente na aquisição do imóvel.
  6. O pedido de pronúncia arbitral improcede na parte em que reconhece os montantes suportados com as obras de melhoria do imóvel como valor objeto de reinvestimento para determinação da mais-valia tributável em sede de IRS.
  7. Por fim, face à conclusão acima chegada, entende este tribunal estar prejudicada a análise da questão da inconstitucionalidade alegada pelo Requerente.
  1. DECISÃO

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação do ato de liquidação de IRS, na parte em que não reconhece o reinvestimento efetuado pelo Requerente na aquisição do imóvel, a apurar em sede de liquidação de sentença.
  2. Condenar a Requerente e a Requerida no pagamento das custas, na proporção do respetivo decaimento;

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em 85.558,71 euros, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. CUSTAS

Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o valor das custas em 2.754,00 €, nos termos da Tabela I anexa do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Requerida AT, na proporção do respetivo decaimento, sendo 21,88% da responsabilidade do Requerente, no valor de 602,58€ e 78,12% da responsabilidade da Requerida AT, no valor de 2.151,42.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 6 de dezembro de 2022

 

Os Árbitros

 

(Nuno Cunha Rodrigues (Presidente))

 

 

 

(João Marques Pinto)

 

 

(Armando Oliveira (relator))