Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 186/2022-T
Data da decisão: 2022-11-30  IRC  
Valor do pedido: € 6.569,28
Tema: IRC - Preços de transferência. Método comparável de mercado. Ónus da prova
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SUMÁRIO:

 

  1. Nas operações efectuadas entre um sujeito passivo de IRC e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
  2. Tendo a AT observado a verificação dos pressupostos de aplicação da norma relativa a preços de transferência, averiguando da existência de relações especiais entre a Requerente e o interveniente na aquisição e que o preço praticado se afastou do que ocorreria entre entidades independentes e numa situação de plena concorrência, cabia à Requerente a prova do contrário, o que não logrou fazer.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., Lda., com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e sede na Av. ..., n.º..., ...-... ..., apresentou, em 18-03-2022, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

 

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a anulação dos actos tributários de liquidação de liquidação do Imposto Municipal sobre as Pessoas Colectivas (IRC), com as demonstrações de acerto de contas n.º 2021... e 2021..., respectivamente, com referência, aos anos de 2017 e 2018, bem como da decisão de indeferimento relativamente à reclamação graciosa que sobre os mesmos apresentou.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-05-2022.

 

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 21-04-2022 a Requerente apresentou pedido de ampliação do pedido requerendo a anulação parcial da liquidação do IRC relativo a 2019, com a demonstração de acerto de contas n.º 2022..., no valor de 1.450,04 €.

 

3.3. Em 12-05-2022 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 31-05-2022.

 

3.5. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

3.6. Por despacho de 29-07-2022 foi dispensada a realização da reunião e, com a anuência das partes, da apresentação de alegações.

 

4. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta a Requerente a sua inconformidade com o acto de liquidação impugnado, bem como com o indeferimento da reclamação graciosa que apresentou.

Sustenta, com tal fundamento, em suma:

O imóvel foi alienado pela Requerente em 15.03.2017 pelo valor de 54.420,00 €, tendo o relatório de inspeção concluído que o valor de transmissão não está de acordo com as regras da plena concorrência (art. 63º do Código do IRC), decidindo utilizar o método comparável do mercado.

A aplicação do método comparável de mercado tem de ser utilizado tendo em consideração o imóvel em concreto (e não em abstracto como se faz no relatório de inspeção), sob pena de se tomarem conclusões absurdas. As características específicas do imóvel não podem deixar de ser consideradas, tal como a localização do imóvel e o seu estado de conservação, bem como a respetiva vetustez. São factores determinantes do valor de um imóvel e a Requerente não se conforma que não tenham sido considerados.

A Requerente nunca conseguiria vender o imóvel no ano em causa pelo valor fixado pela inspeção tributária porque tal valor não é o valor de mercado, tendo junto, em sede de direito de audição, uma avaliação do imóvel efectuada por Avaliador Certificado e aí se determinou o valor de mercado.

Ao avocar e sustentar os atos liquidatários em valores constantes de um site da internet, a Autoridade Tributária não está a fazer referência aos valores e preços efetivamente praticados e resvala para valores sem qualquer sustentação, geradores de incerteza e insegurança, incompatíveis com os princípios de legalidade que regem a fiscalidade.

O site idealista contém valores de imóveis mas sem qualquer aderência à realidade dos demais imóveis, não é um site oficial, não contem parâmetros de referência, desconsidera as características dos imóveis.

A CNAPU – entidade oficialmente constituída para este efeito, órgão dependente do Ministério das Finanças, composto por diferentes organismos, que atribui os coeficientes de zonamento – conclui no sentido de que houve uma desvalorização do imóvel para a zona concreta da ..., o Zonamento elaborado em 2015 refere precisamente uma desvalorização desse valor diminuindo de 2,17 para 2,10 conforme dados do portal das finanças que se demonstram.

No tocante às condições do imóvel, é ignorado o facto de que o imóvel tinha já 37 anos.

Há um erro chocante no relatório de inspeção: o mesmo faz referência a valores de imóveis com tipologia T2 e o imóvel em causa é de tipologia T1. Ou seja: o relatório de inspeção fez uma prospeção (ainda que em fonte que a Requerente não reconhece fidedigna para o efeito, nem para efeitos de fixação de preços de mercado que têm de ser preços efetivamente praticados para bens da mesma tipologia) para um tipo de bem diferente do que tenta comparar.

Por consideração dos valores de arrendamento à data de 2017, o imóvel em 2017 teria um valor de 70.000€: tendo como referência um valor de arrendamento à data de 2017, o valor de 350€ para imóvel semelhante na área envolvente, teríamos um rendimento anual de 4200€ e considerando uma taxa de perpetuidade de 6% o valor do imóvel à data de 2017 seria de 70. 000€ (4200/6%).

Nestes termos, o valor de avaliação ou “preço de mercado” fixado pela Inspeção não está correto e enferma as liquidações de IRC de 2017 e de 2018 que aqui se reclamam, pelo que se requer a respetiva anulação.

A reclamação graciosa, ao concluir que o imóvel tem uma tipologia T2, conclui com base em erro de facto grosseiro, uma vez que o imóvel é de tipologia “T1”.

A decisão da reclamação graciosa, faz apelo ao artigo 4º da Portaria 1446-C/2001 de 21 de dezembro e conclui que o método mais adequado ao caso, para corrigir o preço praticado, é do método comparável de mercado, porém, esta é uma conclusão sem qualquer aderência ao caso, uma assunção teórica e não praticada pois, como aqui se demonstrou, o valor corrigido pela AT não está sustentado em quaisquer informações relativas a operações idênticas praticadas por entidades independentes.

Conclui, requerendo a anulação das liquidações, com a restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por impugnação, nos seguintes termos:

Face à factualidade dada como provada constante do RIT, e atendendo a que os pressupostos que estiveram presentes na ação inspetivas se mantém válidos, não assiste razão à Requerente, devendo ser necessariamente mantidos na ordem jurídica os atos de liquidação de IRC aqui em causa, relativos aos períodos de tributação de 2017, 2018 e 2019.

Na sequência do procedimento de inspecção vieram os SIT a concluir que, na data da alienação do imóvel entre a Requerente e o sócio cessionário, verificava-se uma situação de relações especiais, à luz do disposto no artigo 63.º do CIRC.

E, perante essa observação, entenderam os SIT – facto com o qual a ora Requerente de resto não discorda – que a operação de venda do imóvel entre a sociedade e o titular do capital deveria ser sujeita a condições substancialmente idênticas às que normalmente seriam contratadas, aceites e praticadas entre entidades independentes em operações comparáveis.

Parece difícil de aceitar que, no curto espaço de 11 meses, o imóvel em questão tenha sofrido uma desvalorização de 40%, de € 90.000,00, para € 54.420,00, a não ser num quadro de relações especiais.

Para mais quando os SIT demonstram que, de acordo com o histórico dos preços médios por m2 de venda de imóveis localizados em ..., houve uma valorização de cerca de 15% no mesmo período, sendo o preço/m2 de aquisição do imóvel de € 1.539,39 (€ 90.000,00/58,4647 m2), está em linha com o preço de mercado, conforme se pode constatar no relatório de inspeção.

Em sede de reclamação graciosa, refere a Direção de Finanças que “… após consulta à caderneta predial, nomeadamente aos “ELEMENTOS DA FRACÇÃO”, confirma-se que consta do registo do imóvel a tipologia T2, ao invés de T1 conforme alega a reclamante. Sem prejuízo do exposto, cumpre ainda salientar que o valor de mercado do identificado imóvel foi apurado pelos SIT em função da sua área, pelo que a questão da tipologia não teve influência no valor apurado.

Sobre esta avaliação, e sem prejuízo de melhor entendimento – considera-se que se mantém válido o entendimento que resulta do RIT no sentido de que «…o “Relatório do valor de mercado” apresentado pelo avaliador contratado pela sociedade A..., LDA., … segue uma linha de avaliação / demonstração para determinar o Valor Patrimonial Tributário (VPT) e neste caso em concreto não estamos a avaliar o prédio em sede de VPT, pois essa avaliação já consta na caderneta predial urbana. Pretende-se sim um valor de mercado num mercado concorrencial».

Ora, o que se pretende com o artigo 63.º do CIRC é corrigir a matéria coletável nas operações comerciais entre o sujeito passivo e uma entidade, com a qual esteja em situação de relações especiais, nos casos em que sejam praticadas condições diferentes daquelas que se praticariam no mercado entre operadores independentes.

A operação efetuada entre a Requerente e o seu sócio, B..., contribuinte n.º..., revela que este, ao participar na decisão de venda do imóvel a si próprio, atuou na dupla qualidade de vendedor e de comprador, situação que denuncia a falta de independência da fixação dos termos e condições em negociação, a que acresce o facto de que esta operação de compra e venda do imóvel, geradora de uma menos valia reconhecida na contabilidade, visou objetivos estranhos ao interesse empresarial da Requerente e fora do seu objeto social.

Afigura-se-nos que os SIT procederam bem ao corrigirem a matéria tributável, considerando como valor de alienação do bem imóvel o que seria praticado, em operações comparáveis entre entidades independentes, nos termos do artigo 63.º do CIRC.

Devendo, por esta razão, manter-se a correção realizada à matéria coletável do período de tributação de 2017, para todos os efeitos legais e, consequentemente aos de 2018 e 2019.

Conclui, pois, a Requerida no sentido de se deverem manter as liquidações de IRC aqui em causa, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida no âmbito do processo n.º ...2021..., não sendo devidos, em qualquer circunstância, juros indemnizatórios.

 

II – Saneamento

 

6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

6.3. O processo não enferma de nulidades.

6.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

6.5. Após a apresentação do pedido de pronúncia arbitral, mas antes da constituição do tribunal arbitral, a Requerente veio requerer a ampliação do pedido.

Apreciando o pedido.

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 265º do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, e) do CPPT, “o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em primeira instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.

É manifesto que, de acordo o que ali se determina, o pedido de ampliação do pedido é, atendendo apenas à fase processual em que foi apresentado, admissível.

Por outro lado, resulta também que a ampliação do pedido, mesmo contra a vontade da parte contrária, é processualmente admissível se for consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo.

Ora, a liquidação objecto da ampliação do pedido tem por base a desconsideração de prejuízos fiscais dedutíveis no exercício de 2019, como repercussão das correcções à matéria colectável ao exercício de 2017, objecto do presente pedido de pronúncia arbitral. É, por isso, indiscutível que a ampliação do pedido formulada é consequência do pedido primitivo.

Do que resulta a admissibilidade da ampliação do pedido que, por isso, se admite.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.

Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente, A..., Lda, é uma sociedade comercial que exerce atividade no âmbito da prestação de serviços de prática médica de clínica geral, CAE 86210, tributada em sede de IRC pelo regime geral de tributação.
  2. Credenciada pelas Ordens de Serviço OI2019... e OI2019..., a Administração Tributária e Aduaneira efectuou procedimento de inspecção tributária à Requerente, relativamente aos exercícios de 2017 e 2018.
  3. Na sequência de tal procedimento inspectivo, foram, em sede de IRC, efectuadas as seguintes correcções à matéria colectável:

- Exercício de 2017: 48.127,08 €

- Exercício de 2018: 6.976,77 € (por desconsideração de prejuízo fiscais).

  1. Consta, designadamente, do Relatório de Inspecção:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Credenciada pela Ordem de Serviço OI2021..., a Administração Tributária e Aduaneira efectuou procedimento de inspecção tributária à Requerente, relativamente ao exercício de 2019.
  2. Na sequência de tal procedimento inspectivo, foi, em sede de IRC, efectuada correcção à matéria colectável no montante de 8.160,50 € (e uma outra relativa a retenções na fonte).
  3. A liquidação de imposto resultante de tal procedimento de inspecção teve como fundamento: “apuramento proveniente de liquidação do imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) decorrente do procedimento de inspeção, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2021..., no âmbito do qual foi remetida a respetiva fundamentação, constante do Relatório Final de Inspeção Tributária”.
  4. A Requerente foi notificada, na sequência dos aludidos procedimentos de inspecção, das liquidações de IRC a que corresponderam as seguintes notas de demonstração de acerto contas:

- N.º 2021..., no valor de 3.847,29 €, relativa ao ano de 2017;

- N.º 2021..., no valor de 1.271,95 €, relativa ao ano de 2018;

- N.º 2022..., no valor de 1.450,04 €, relativa ao ano de 2019.

  1. A Requerente apresentou reclamação graciosa dos actos tributários relativos a 2017 e 2018, a qual foi tramitada sob o n.º ...2021... .
  2. A referida reclamação graciosa foi indeferida por despacho proferido pelo Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, de 16-12-2021, o qual foi notificado à Requerente em 20-12-2021
  3. A Requerente procedeu ao pagamento dos impostos liquidados.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo.

 

III.2. Matéria de Direito

 

A questão a apreciar no presente pedido arbitral consiste em saber se foi adequada a aplicação que o RIT fez do disposto no artigo 63º do CIRC, por entender que a transmissão de imóvel efectuada pela Requerente não está de acordo com as regras de plena concorrência e, em consequência, ter recorrido à utilização de método comparável de mercado.

 

Os dados em apreciação, constantes do RIT, são, em suma, os seguintes:

 

- A Requerente adquiriu o imóvel em causa, localizado em Albufeira, em Abril de 2016, por 90.000,00 €, de que eram comproprietários C... e D..., sócia maioritária da Requerente.

 

- Em Março de 2017, a Requerente vendeu o mesmo imóvel por 54.420,00 €, a B..., que detinha uma quota correspondente a 50% do capital social.

 

- Na mesma data, o referido B... alienou a quota que detinha na Requerente à sociedade E..., Lda.

 

Perante esta factualidade os SIT concluíram que na data da última alienação - a que está em causa no caso em apreço - ocorria uma situação de relações especiais entre a Requerente e o adquirente, enquanto detentor de parte do seu capital social.

 

Ora, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 63º do CIRC, na redacção anterior à Lei n,º 119/2019, de 18-09-2019, “nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”.

 

Determinando o n.º 4 do mesmo artigo:

- “Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto; b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respetivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto”.

(...)

 

Tendo presente que o adquirente do imóvel detinha uma quota representativa de 50% do capital social da Requerente é inequívoco que na data da alienação se verificava uma situação de relações especiais entre ambos.

 

Quer dizer, dúvidas não há que se encontrava preenchido um dos requisitos para aplicação das disposições especiais previstas no CIRC relativa a preços de transferência: a existência de relações especiais entre os intervenientes na operação.

 

Há, então, que apurar se a venda do imóvel em causa foi efectuada, em observância do princípio da plena concorrência, ou seja, em termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

 

O RIT, além de outros critérios que adiante se referirão, questiona a determinação do preço de venda pelo facto de o imóvel ter sido comprado onze meses antes, a um também sócio da Requerente, por um preço substancialmente superior àquele por que veio a ser vendido, para o que, diga-se, não se afigura que a Requerente tenha logrado apresentar justificação fundamentada para o facto.

 

Mais do que isso, para sustentar a sua conclusão de que o preço da transacção não obedeceu ao princípio da livre concorrência, o RIT recorreu ao preço comparável de mercado, explicitando de modo claro o percurso cognoscitivo e valorativo para determinar um valor médio de mercado (no caso, recorrendo a dados retirados do site “Idealista”, os quais foram compilados a partir da informação disponibilizada pelo INE).

 

Ora, para aferir a comparabilidade das operações, estabelece o artigo 4º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro que “o sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações”, tendo-se em consideração, por um lado, o método comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado ou, por outro lado, o método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias.

 

Contrariando a conclusão do RIT invoca a Requerente que a aplicação do método comparável de mercado tem de ser utilizado tendo em consideração o imóvel em concreto e não em abstracto. Tese que não se pode aceitar. Com efeito, se estamos a considerar um preço médio, obviamente que estamos a considerar, passe a redundância, uma média, dentro da qual o imóvel se insere. Questão distinta será apurar se o imóvel em concreto, apresenta características específicas que o afastem, por excesso ou defeito, dessa média.

 

A este propósito, invoca a Requerente que o imóvel em causa é um T1 e não um T2, alegação que é desmentida pela respectiva caderneta predial, sendo certo que o preço médio determinado no RIT foi calculado por referência exclusiva à área dos imóveis, independentemente da sua tipologia. Sendo esse erro um dos vícios que é assacado ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa.

 

Alega a Requerente que juntou, em sede de audição prévia, avaliação efectuada por avaliador certificado que abala a que foi feita pelo RIT. Salvo o devido respeito, ao documento em questão, pese embora possa ter sido elaborado por avaliador certificado, não pode ser atribuída a relevância e credibilidade de uma verdadeira avaliação de imóvel. É que tal documento não configura, no nosso entendimento, um verdadeiro relatório de avaliação, traduzindo-se, antes, numa refutação ao que constava do projecto de relatório de inspecção, como se refere expressamente no seu ponto 3: “análise do relatório ordem de serviço OI2019.../... apresentado (3.1 – No Cap. III artigo 63 q – Preços de transferência)”. Daí que os critérios de “avaliação” aí elencados tenham de ser apreciados no âmbito da demais argumentação invocada pela Requerente.

 

A Requerente traz, ainda, à colação o mapa de zonamento de Albufeira, para concluir que entre 2009 e 2015 se verifica uma desvalorização do coeficiente de localização de 2009 para 2015, o que entendemos não ter qualquer relevância para o caso. Seria, sim, oportuno que apresentasse a evolução – positiva ou negativa – de tal coeficiente no período em causa (2017) ou, melhor ainda, desde Abril de 2016 e Março de 2017 para justificar a queda abrupta de preços verificada entre a data de aquisição e de venda do imóvel de 90.000,00 € para 54.420,00 €, correspondente a uma diminuição de quase 39%.

 

Resulta do exposto que a Requerente não logrou demonstrar que o preço de venda que praticou está em consonância com os preços médios de mercado, determinados em livre concorrência.

 

Como se diz no Acórdão do TCA Sul de 16-12-2020 - Proc. 1882/14.4BESNT: “I – Cumpre à Autoridade Tributária e Aduaneira a verificação dos pressupostos de aplicação da norma relativa a preços transferências averiguando da existência de relações especiais entre o Contribuinte e as entidades envolvidas, e que as operações efetuadas se afastaram das que ocorreriam entre entidades independentes e numa situação de plena concorrência.  II - Cabe ao sujeito passivo a demonstração de que foram respeitados os princípios inerentes aos preços de transferência, nomeadamente organizando e apresentando o processo de documentação fiscal, para justificar que as aquisições dos bens foram efetuadas ao valor de mercado”.

 

Ou, no Acórdão do TCA Sul de 19-02-2015 - Proc. 07049/13: “A correcção em causa nos autos depende do preenchimento do requisito de relações vinculadas e da demonstração do preço comparável aplicável ao caso. O discurso de suporte da mesma tem em vista o preenchimento de cada um dos requisitos, fazendo a respectiva análise circunstanciada, de forma que se oferece acessível a um destinatário médio, colocado na posição da impugnante.
2) No sentido de evitar transferências de resultados em operações efectuadas entre entidades que mantém entre si relações especiais através de subfacturação ou sobrefacturação de forma a diminuir os proveitos e a aumentar os custos, foram estabelecidos métodos relativos aos preços de transferência. 3) A determinação de preços de livre concorrência deve ser efectuada de acordo com uma metodologia específica, cujo critério fundamental é o da comparabilidade, ao mais elevado grau, com operações substancialmente análogas realizadas entre partes independentes. 4) A AF observou o ónus de fundamentação da correcção em causa, seja através da análise topográfica das relações vinculadas em referência, seja através da justificação da escolha do método de comparação, pelo que recai sobre o contribuinte o ónus de demonstração do erro ou excesso na quantificação (artigo 74.º/3, da LGT). O qual não foi observado
”.

 

Com efeito, tendo a AT observado a verificação dos pressupostos de aplicação da norma relativa a preços de transferências averiguando da existência de relações especiais entre a Requerente e o interveniente na aquisição e que o preço praticado se afastou do que ocorreria entre entidades independentes, numa situação de plena concorrência, cabia à Requerente a prova do contrário, o que não logrou fazer.

 

Assim sendo, a Requerente violou o disposto no art.º 63º. do CIRC, bem como o ónus da prova que lhe competia, o que legitimou a actuação da AT ao promover uma correção ao lucro tributável, razão pela qual o seu pedido de anulação da liquidação em causa deve improceder, não existindo ilegalidade que possa ser assacada ao acto tributário.

 

Face ao decidido, nenhuma censura merecem também os actos de liquidação relativos aos exercícios de 2018 e 2019 que apenas reflectem a desconsideração de prejuízos, face às correcções efectuadas no exercício de 2017.

 

Fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado, dele se absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira.
  2. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 6.569,28 € €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

24 de Outubro de 2022

 

Lisboa, 30-11-2022

 

 

O Árbitro

 

 

(António Alberto Franco)