Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 805/2021-T
Data da decisão: 2022-12-03  IMI  
Valor do pedido: € 45.587,51
Tema: IMI – fixação do VPT; reclamação graciosa, convolação para pedido de revisão e indeferimento tácito; terreno para construção; acto destacável e impugnação autónoma.
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SUMÁRIO:

 

I. Os actos de fixação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

 

II. Caso se entenda que a reclamação graciosa não é o meio adequado para solicitar a anulação parcial de liquidações de IMI com o fundamento serem elas ilegais por assentarem em VPT fixados ilegalmente, então está a AT obrigada, nos termos do artigo 52.º do CPPT, a convolar a dita reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa.

 

III. A avaliação de terrenos para construção, antes de a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro ter alterado a redacção das normas aplicáveis, devia ter sido realizada sem aplicação dos coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afectação e sem a majoração de 25% a que se refere o n.º 1 do artigo 39.º do CIMI.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. Relatório

A - Geral

 

 

  1. A..., S.A., contribuinte fiscal n.º ..., com sede na ..., n.º ..., ... - ...-... Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e em representação do FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B..., contribuinte fiscal n.º..., com sede na ..., n.º ..., ... (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 02.12.2021, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, a anulação da decisão de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa por si apresentada contra as liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (de ora em diante “IMI”), para o ano de 2019, identificados com o número 2019 ..., 2019 ... e 2019 ..., todas no valor de € 106.238,35 (cento e seis mil, duzentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos), incidentes sobre imóveis de que é proprietária (de ora em diante “Liquidações Contestadas”) e a anulação parcial das ditas liquidações de IMI com o consequente reembolso da quantia paga em excesso, no valor de € 45.587,51 (quarenta e cinco mil quinhentos e oitenta e sete euros e cinquenta e um cêntimos) e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestação tributária.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (RJAT), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro, não tendo as Partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

  1. Por despacho de 10.12.2021, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida” ou “AT”) procedeu à designação das Senhoras Dra. C... e Dra. D... para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído a 08.02.2022.

 

  1. No mesmo dia 11.02.2022 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, solicitar produção de prova adicional e juntar aos autos cópia do processo administrativo.

 

  1. No dia 16.03.2022 a Requerida apresentou a sua Resposta.

 

 

B – Posição da Requerente

 

 

  1. A Requerente, a 31.12.2019, era proprietária dos prédios urbanos (terrenos para construção) inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias do ..., ... e ..., sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... (adiante “Terrenos para Construção”).

 

  1. A Requerente foi notificada das Liquidações Contestadas, relativas ao ano de imposto de 2019, no valor global de € 106.238,35 (cento e seis mil, duzentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos).

 

  1. Do valor global do IMI liquidado em 2020 e referente a 2019, no montante de € 106.238,35 (cento e seis mil, duzentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos), o valor de € 92.893,79 (noventa e dois mil, oitocentos e noventa e três euros e setenta e nove cêntimos) diz respeito aos Terrenos para Construção, resultando da aplicação da taxa de IMI em vigor no ano de 2019 (0,38%) relativamente aos valores patrimoniais tributários (de ora em diante “VPT”) a 31 de Dezembro de 2019, conforme a tabela seguinte:

 

 

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento integral das Liquidações Contestadas, correspondentes à primeira, segunda e terceira prestações do IMI do ano de imposto de 2019, nos prazos que dispunha para o efeito.

 

  1. A Requerente constatou, porém, que na determinação dos VPT dos Terrenos para Construção que serviram de base às Liquidações Contestadas, a Requerida aplicou uma fórmula de cálculo ilegal, tendo sido considerados indevidamente os coeficientes multiplicadores do VPT (i.e., os coeficientes de localização – 1,57 nos terrenos e parcelas de terrenos com edificação prevista para serviços e habitação e de 1,4 quando para comércio – e de afectação – 1,1  nos terrenos e parcelas de terrenos com edificação prevista para serviços, 1,55 quando para habitação e de 1,2 no caso de comércio) e a majoração constante do n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI (de ora em diante “CIMI”).

 

  1. Os erros assinalados na fórmula de cálculo de determinação do VPT dos Terrenos para Construção conduziram à apresentação, pela Requerente, de pedidos de avaliação dos Terrenos para Construção.

 

  1. O VPT agregado dos referidos Terrenos para Construção, a 31.12.2019, devia ter sido fixado pela Requerida em € 12.449.020,00 (doze milhões, quatrocentos e quarenta e nove mil e vinte euros), ao invés do VPT agregado que foi ilegalmente fixado de € 24.445.733,80 (vinte e quatro milhões quatrocentos e quarenta e cinco mil, setecentos e trinta e três euros e oitenta cêntimos), pelo que o VPT fixado em excesso ascende a € 11.996.713,80 (onze milhões, novecentos e noventa e seis mil, setecentos e treze euros e oitenta cêntimos), o que representa um IMI liquidado em excesso de € 45.587,51 (quarenta e cinco mil, quinhentos e oitenta e sete euros e cinquenta e um cêntimos).

 

  1. Na sequência dos procedimentos de avaliação iniciados em 2020 pela Requerente, a Requerida reconheceu já formalmente (ainda que apenas parcialmente) os referidos erros na fórmula de cálculo quando desconsiderou, nos termos solicitados pela Requerente, os coeficientes de localização e de afectação, mas não ainda, como se impunha, a desconsideração da majoração constante do n.º 1 do artigo 39.º do CIMI.

 

  1. A Requerente assinalou, no artigo 126.º da reclamação graciosa apresentada, que se a Requerida entendesse não ser a reclamação graciosa o meio adequado para solicitar a anulação parcial das Liquidações Contestadas “(...) então sempre estará obrigada, nos termos legais, a convolar a presente reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa apresentado no prazo da reclamação na medida em que estão preenchidos todos os pressupostos de aplicação do artigo 78.º da Lei Geral Tributária” (de ora em diante “LGT”).

 

  1. O artigo 45.º do CIMI estabelece as regras de determinação do VPT dos terrenos para construção, as quais, são diferentes e especiais em face das regras aplicáveis aos prédios urbanos edificados com destino a serviços, comércio, indústria e outros previstas nos artigos 38.º e seguintes do mesmo Código, razão por que não podem ser considerados, na avaliação de terrenos para construção, os coeficientes de afectação e de localização, aplicáveis aos prédios urbanos edificados.

 

  1. A existência de regras especiais de avaliação dos terrenos para construção, sem qualquer remissão intra-sistemática para o regime de avaliação dos prédios edificados, afasta a aplicação da fórmula geral do artigo 38.º do CIMI, afastamento que faz sentido uma vez que, de outra forma e a título meramente exemplificativo, o coeficiente de localização seria susceptível de influenciar duplamente o VPT de um terreno para construção.

 

  1. O artigo 45.º do CIMI contém regras diferentes e especiais de avaliação dos terrenos para construção, estabelecendo que o VPT resulta da área de implantação do edifício a construir – a qual varia entre 15% e 45% das edificações autorizadas ou previstas em função das características que servem de base à determinação do coeficiente de localização (v.g. a localização em zonas de elevado valor do mercado imobiliário) –, acrescida da área do terreno adjacente à implantação. 

 

  1. Na ausência de remissão expressa do artigo 45.º para a fórmula geral do artigo 38.º, ambos do CIMI, esta última fórmula (que inclui os coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto) não poderá ser aplicada analogicamente para efeitos de avaliação dos terrenos para construção, uma vez que a analogia está proibida por força do disposto no n.º 4 do artigo 11.º da LGT, por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário.

 

  1. A aplicação desses coeficientes, de afectação, de qualidade e conforto e de localização, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103.º n.º 2 da CRP.

 

  1. Acresce que a fórmula de cálculo utilizada pela Requerida na avaliação dos Terrenos para Construção considerou indevidamente o valor base dos prédios edificados (€ 603) ao invés do valor médio de construção, por metro quadrado (€ 482,40) sem aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante do artigo 39.º, n.º 1, do CIMI.

 

  1. Ora, o valor a considerar para efeitos do cálculo do VPT dos terrenos para construção é o do custo médio de construção por metro quadrado sem qualquer majoração (i.e., € 482,40 aplicável até ao ano de imposto de 2018 e € 492,00 aplicável em 2019) ao invés do valor base dos prédios edificados (€ 603,00 aplicável até ao ano de imposto de 2018 e € 615,00 aplicável em 2019) constante da referida norma.

 

  1. A posição assumida pela Requerente no presente pedido arbitral tem vindo a ser corroborada pela jurisprudência (já consolidada e uniformizada) dos tribunais superiores à qual a Requerida também está vinculada, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 68.º-A da LGT.

 

  1. Não está aqui em causa qualquer erro na quantificação da avaliação dos terrenos para construção que pudesse ser corrigido pelos peritos avaliadores no contexto dos procedimentos de primeira ou de segunda avaliação, mas de um passo prévio ou pré-determinado que é a fórmula de cálculo que foi assumida (sem possibilidade de ser alterada) pelo sistema informático da Requerida.

 

  1. De resto, a alteração legislativa operada pela Lei do Orçamento do Estado para 2021, Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, alterou, de forma totalmente inovadora, sem carácter interpretativo e sem efeito retroactivo, as normas legais da avaliação dos terrenos para construção, passando a fórmula de cálculo assumida automaticamente pela Requerida a ter respaldo na lei apenas a partir de 1 de Janeiro de 2021.

 

  1. Os sujeitos passivos têm o direito a solicitar a revisão oficiosa (e, por maioria de razão, também o direito de apresentar reclamação graciosa) contra liquidações de IMI em casos como o que ora se analisa, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI   .

 

  1. A Requerente tomou conhecimento de uma instrução de serviço emitida pela Direcção de Serviços da Justiça Tributária, identificada com o n.º ..., Série I, onde se pode ler: “na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, pelo que não podem ser considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afectação, de qualidade e conforto”.

 

  1. Pelo que pôde a Requerente apurar, a Direcção de Serviços da Justiça Tributária terá ainda acrescentado formalmente, na referida Instrução de Serviço, que, em todos os litígios existentes entre os contribuintes e a AT, em processos judiciais ou em procedimentos tributários (reclamações graciosas, recursos hierárquicos e revisões oficiosas, ou qualquer outro procedimento administrativo tributário em que a questão jurídica dos erros nas avaliações dos terrenos para construção constitua o seu objecto imediato ou mediato) que estejam pendentes quer no contexto de procedimentos tributários que venham a ser iniciados, no prazo legal, pelos contribuintes, deve a AT: (i) proferir decisão favorável aos contribuintes; (ii) promover pela revogação do acto impugnado nos processos judiciais; e, (iii) abster-se de interpor recurso jurisdicional nos processos judiciais decididos em primeira instância e que sejam favoráveis aos contribuintes.

 

  1. Seria profundamente injusto impedir a recuperação dos impostos pagos em excesso, por erros exclusivamente imputáveis à AT, por referência aos últimos quatro anos, quando é este o procedimento adoptado pela AT quando existem erros na avaliação dos prédios que sejam motivados, designadamente, por modificações dos prédios ou elementos de qualidade e conforto não devidamente declarados. Nesses casos, que implicam geralmente um acréscimo dos VPT de tais prédios (e, por conseguinte, um acréscimo dos impostos a pagar pelos sujeitos passivos), o procedimento regra da AT é no sentido de, a coberto de avaliações promovidas oficiosamente, emitir liquidações adicionais de impostos por referência ao ano da avaliação e aos quatro anos de imposto anteriores ao da avaliação.

 

  1. Sendo as liquidações mediatamente postas em crise ilegais, por incidirem sobre VPT dos Terrenos para Construção fixados, pela AT, de forma ilegal, e tendo a Requerente procedido ao pagamento integral das mesmas, suportando assim IMI em excesso, por referência ao ano de imposto de 2019, no valor de € 45.587,51, deve ser-lhe reconhecido o direito a juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até à data do reembolso do imposto indevidamente pago.

 

C – Posição da Requerida

 

  1. A Requerida entende que o pedido formulado pela Requerente prende-se com a ilegalidade de um acto destacável, ele próprio autonomamente atacável.

 

  1.  Por força do artigo 168.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (de ora em diante “CPA”) a correcção da base de incidência do imposto, i. e., a correcção do acto de avaliação qual resulta a fixação do VPT efectuada há mais de cinco anos já não pode ser objecto de anulação administrativa, por se ter consolidado na ordem jurídica.

 

  1. Não tendo a Requerente colocado em causa o VPT obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.

 

  1. Os vícios da fixação do VPT não sindicáveis na análise da legalidade do acto de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica.

 

  1. A revogação e a anulação dos actos administrativos em matéria tributária, estão previstas no artigo 79.º da LGT, sendo subsidiariamente aplicável o regime previsto nos artigos 165.º a 174.º do CPA, por força da alínea c) do artigo 2.º da LGT.

 

  1. Decorre do texto da lei, mais concretamente do n.º 1 do artigo 168.º do CPA, que apenas são passíveis de anulação os actos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenham decorrido cinco anos desde a respectiva emissão.

 

  1. Forçoso é concluir-se que já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do acto que fixe o VPT, o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo do IMI.

 

  1. O pedido formulado pela Requerente não está fundamentado na lei, não podendo o tribunal arbitral julgar de acordo com critérios de equidade.

 

  1. Uma vez que, à data dos factos, a AT fez uma correcta aplicação da lei, não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços” que legitime o reconhecimento do direito da Requerente a juros indemnizatórios.

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

  1. Por requerimento de 01.04.2022, a Requerente, ao abrigo do princípio do contraditório, pronunciou-se sobre a defesa por excepção apresentada pela Requerida na sua resposta, refutando-a e reiterando o que havia sustentado no pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Por despacho de 02.08.2022 o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, por entender que as Partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, tendo prorrogado, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, por duas vezes, o prazo de prolação da decisão arbitral.

 

  1. Tendo sido as Partes convidadas a apresentar alegações, só a Requerente o fez, respigando os argumentos constantes quer do pedido de pronúncia arbitral quer no requerimento de 01.04.2022, refutando as excepções invocadas pela Requerida e as suas conclusões, aproveitando ainda a oportunidade para juntar a caderneta referente ao prédio urbano (terreno para construção) inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias do ..., ... e ..., sob o artigo matricial U-... .

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT, como adiante se dirá.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, estão devidamente representadas e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

  1. A cumulação de pedidos (declaração de ilegalidade de acto de liquidação, por um lado, e reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, por outro) efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o Tribunal Arbitral sufrague quanto à validade da liquidação posta em crise.

 

  1. O processo não padece de qualquer nulidade.

 

 

  1. Matéria de facto

 

2.1.      Factos provados

 

  1. A Requerente, a 31.12.2019, era proprietária dos prédios urbanos (terrenos para construção) inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias do ..., ... e ..., sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... (documento n.º 2, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral e documento n.º 1, junto aos autos com as alegações da Requerente).

 

  1. A Requerente foi notificada das Liquidações Contestadas, relativas ao ano de imposto de 2019, no valor global de € 106.238,35 (cento e seis mil, duzentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos) (documento n.º 3, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Do valor global do IMI liquidado em 2020 e referente a 2019, no montante de € 106.238,35 (cento e seis mil, duzentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos), o valor de € 91.108,58 (noventa e um mil, cento e oito euros e cinquenta e oito cêntimos) diz respeito aos Terrenos para Construção objecto dos presentes autos, resultando da aplicação da taxa de IMI em vigor no ano de 2019 (0,38%) relativamente aos valores patrimoniais tributários:

 

 

  1. Na determinação dos VPT dos Terrenos para Construção que serviram de base às Liquidações Contestadas que foram objecto da reclamação graciosa, a AT aplicou uma fórmula de cálculo na qual foram considerados os coeficientes multiplicadores do VPT (i.e., os coeficientes de localização e de afectação) e a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do CIMI (documento n.º 2, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento das quantias exigidas pelas Liquidações Contestadas no prazo de que dispunha.

 

  1. A reclamação graciosa pela qual a Requerente pugnou pela anulação parcial das Liquidações Contestadas foi apresentada, junto do Serviço de Finanças do Seixal-..., no dia 03.05.2021 (documento n.º 1, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A Requerente assinalou, no artigo 126.º da reclamação graciosa apresentada, que se a Requerida entendesse não ser a reclamação graciosa o meio adequado para solicitar a anulação parcial das Liquidações Contestadas, então estaria a AT obrigada, nos termos legais, a convolar a dita reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa.

 

  1. Até à apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, não houve decisão da Requerente no que respeita à dita reclamação graciosa.

 

2.2.      Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

O Tribunal não tem de pronunciar-se sobre todos os factos alegados pelas partes, devendo antes identificar aqueles que interessam à decisão e elencar a matéria de facto que julga provada e declarar a que considera não estar demonstrada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, e art.º 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.

 

  1. Matéria de direito

 

3.1.      Questão a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar pelo Tribunal Arbitral são, no fundo, as seguintes:

  1. A de decidir se o tribunal arbitral é competente para apreciar o presente pedido de pronúncia arbitral;
  2. A de saber se o acto que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica;
  3. A de dilucidar se eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são susceptíveis de ser impugnados no acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo;
  4. A de aclarar se Administração Tributária pode anular todos e quaisquer actos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, ou apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos; e
  5. Por fim, a de esclarecer se, caso seja julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação parcial dos actos de liquidação contestados, a Requerente, no âmbito do presente processo arbitral poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente à quantia por si entregue para satisfação da prestação tributária por esta ilegalmente exigida.

 

3.2.      As excepções inominadas alegadas pela Requerida

 

Na sua resposta, a Requerida defende-se por excepção, ainda que elas não sejam assim expressamente apresentadas, sustentando que o acto que fixou o VPT dos Terrenos para Construção está consolidado na ordem jurídica e, consequentemente, a inimpugnabilidade dos actos de liquidação com fundamento em vícios de que enferme a fixação de VPT.

 

As excepções dilatórias (alíneas a) e k) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, subsidiariamente aplicáveis por força da alínea d) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) impedem que o tribunal decida do mérito da causa, uma vez que dão lugar à absolvição da instância, nos termos do n.º 2 do artigo 89.ºdo CPTA e do n.º 1 do artigo 278.º do CPC). Nos termos do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário (artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT) a decisão deve conhecer, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, o que se faz imediatamente.

 

A Requerida defende que os actos de fixação dos valores patrimoniais, quando inseridos num procedimento de liquidação de um tributo, são actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, sendo, pois, autonomamente impugnáveis. Conclui, assim, que os alegados vícios da fixação do VPT, nos termos do disposto no artigo 134.º do CPPT, não são sindicáveis na análise da legalidade dos actos de liquidação de IMI, porquanto aqueles, justamente por serem destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica, não sendo, nem legal, nem admissível, a apreciação da correcção do VPT em sede de impugnação do acto de liquidação.

 

A Requerente, pelo presente pedido de pronúncia arbitral, pede a anulação parcial das liquidações de IMI, matéria expressamente incluída na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

Este preceito dispõe o seguinte:

Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

 

 

 

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
c) (Revogada.)
2 - Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade.

 

Como se pode ver, tanto a apreciação da legalidade das liquidações como a da legalidade de actos de fixação de valores patrimoniais inserem-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

 

Contudo, importa apurar se os actos de liquidação de IMI podem ser directamente impugnáveis com fundamento na ilegalidade dos actos de fixação dos valores patrimoniais.

 

Vale a pena citar o que, a este propósito, foi referido no acórdão arbitral prolatado no processo 41/2021-T.

 

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º [do CPPT], ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais, «com fundamento em qualquer ilegalidade», e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação com fundamento em ilegalidade se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).

 

Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

 

Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

 

Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais ilegalidades dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

 

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).

 

Este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS, IRC e Imposto do Selo, o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

 

Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

 

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

 

A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT (…).

 

Pelo exposto, as ilegalidades dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem considerar-se ilegalidades dos actos de liquidação de IMI invocáveis na impugnação destes, nem servir de fundamento a revisão destes, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.ºda LGT.”

 

Mesmo que se entenda que a reclamação graciosa do acto de liquidação de IMI não é o meio processual adequado para solicitar a anulação parcial das Liquidações Contestadas, entendimento para que propendemos, não pode ser posta em causa a possibilidade de os contribuintes, para alcançarem esse propósito, lançarem mão da revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT, não já com fundamento “em qualquer ilegalidade”, como se lê no seu n.º 1, mas com “fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.

 

Como bem refere a Requerente, a AT “(...) sempre estará obrigada, nos termos legais, a convolar a presente reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa apresentado no prazo da reclamação na medida em que estão preenchidos todos os pressupostos de aplicação do artigo 78.º da LGT, devendo os erros na aplicação do direito em análise ser enquadrados como erros imputáveis aos serviços e devendo a situação resultante de tais erros ser enquadrada como situação de injustiça grave ou notória”.

 

Na verdade,  revisão oficiosa é um poder-dever da administração fiscal, atento o princípio da legalidade, motivo pelo qual a jurisprudência dos nossos tribunais superiores vem sublinhando que, de harmonia com o expressamente disposto no n.º 7 do artigo 78.º da LGT, a revisão oficiosa nos termos reservados à AT pode ser realizada a pedido do sujeito passivo, que a pode desencadear mesmo que se mostre ultrapassado o prazo para a reclamação graciosa, ou que a reclamação graciosa prevista não tenha sequer chegado a ser interposta[1].


Atendendo a que a AT se encontra obrigada, para além do mais, ao respeito pelo princípio da colaboração com os contribuintes (cf. artigo 59.º da LGT e 48.º, n.º 1 do CPPT), assim como aos princípios da celeridade e eficiência, não estava legitimada a escudar-se na circunstância de as entidades competentes para a decisão da reclamação graciosa e do pedido de revisão serem diferentes, para negar a pretendida convolação do pedido de reclamação em pedido de revisão oficiosa[2].

 

Pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da seção do CT, processo n.º 0793/2014), de 3 de junho de 2015,  que “o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)”.

 

Como é dito no acórdão arbitral prolatado no processo 178/2020-T, que advoga com acerto, nos termos do disposto no artigo 52.º do CPPT, um amplo dever de convolação quando ocorra erro na forma de procedimento, “Além da jurisprudência, o dever que impende sobre a Administração revogar todos os seus atos ilegais é um princípio há muito defendido pela doutrina administrativista, (…) decorrente de exigências ligadas aos princípios da igualdade, da imparcialidade e do acesso à tutela judicial efetiva.”

 

Portanto, ainda que se sustente, repita-se, que a reclamação graciosa não é o meio adequado para a pretensão da Requerente[3], o que se concede, são numerosos os arestos que sustentam o direito de os sujeitos passivos suscitarem a ilegalidade das liquidações de IMI e da fixação do VPT que lhes subjazem no âmbito de um pedido de revisão com fundamento, se não em erro imputável aos serviços, sem qualquer dúvida em injustiça grave ou notória. E a forma processual adequada à decisão de um pedido de revisão, expressa ou silente, é a impugnação judicial, nos termos dos artigos 78.º, n.º 3, da LGT e 97.º, n.º 1, alínea b), do CPPT[4].

 

Na verdade, sendo o pedido de revisão oficiosa[5] meio próprio para se obter a revisão de uma liquidação, mesmo quando inquinada por vício na quantificação da matéria colectável que lhe serve de base, é meio próprio para conhecer de tais questões o recurso judicial ou arbitral interposto no seguimento do silêncio administrativo quanto a tal pedido. A errada, e por isso ilegal, fixação do VPT pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido tempestivamente contra essa fixação[6].

 

Aliás, como bem se recorda na decisão arbitral prolatada no processo 285/2022-T, “ainda que por vias e mecanismos diversos, os tribunais têm vindo a anular atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa, juntamente com os correspondentes atos de liquidação, com fundamento na errónea fixação do VPT: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31-10-2019, no processo n.º 2765/12.BELRS; Decisão Arbitral de 10-05-2021, no processo n.º 487/2020-T; Decisão Arbitral de 10-05-2021, no processo n.º 254/2021-T; Decisão do Tribunal Arbitral de 24-06-2021, no processo n.º 500/2020-T; Decisão Arbitral de 27-07-2021, no processo n.º 41/2021-T; Decisão Arbitral de 10-12-2021, no processo n.º 253/2021-T; Decisão Arbitral de 15-02-2022, no processo n.º 676/2021-T; Decisão de 14-03-2022, no processo n.º 541/2021-T; Decisão Arbitral de 05-05-2022, proferida no processo n.º 835/2021-T; Decisão Arbitral de 04-05-2022, proferida no processo n.º 497/2021-T; Decisão Arbitral de 06-05-2022, proferida no processo n.º 411/2021-T; Decisão Arbitral de 23-05-2022, proferida no processo n.º 753/2021-T; Decisão Arbitral de 21-06-2022, proferida no processo n.º 55/2022-T.”

 

Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes, à face das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, quer para apreciar a legalidade das liquidações de IMI quer dos actos de fixação de valores patrimoniais que lhes estão subjacentes, sendo certo que, em sede de impugnação, podem os actos de liquidação de IMI ser anulados, mesmo que a ilegalidade de que padeçam resulte apenas de vícios respeitantes à fixação do VPT em que aqueles necessariamente se baseiam, ainda que no quadro de um indeferimento, expresso ou tácito, de um pedido de revisão. Entendimento contrário autorizaria a perpetuação de um vício, de uma ilegalidade, o que, a todos os títulos, não pode aceitar-se, por injusto.

 

3.3.      Da ilegalidade das Liquidações Contestadas

 

Concluindo-se que o acto que fixou o VPT dos Terrenos para Construção não está, nos termos pretendidos pela Requerida, consolidado na ordem jurídica, podendo, consequentemente, ser postos em crise, no âmbito de um pedido de revisão, os actos de liquidação com fundamento em vícios de que enferme a fixação de VPT[7], importa apreciar a questão de saber se as Liquidações Contestadas são ilegais. O mesmo é perguntar, prima facie, se na determinação do VPT de um terreno para construção poderão ser tomados em conta os coeficientes de afectação e de localização a que se refere o artigo 38.º do CIMI, e a majoração a que alude o n.º 1 do artigo 39.º do mesmo Código.

 

Entende a Requerente que na determinação do VPT dos Terrenos para Construção que serviram de base às Liquidações Contestadas que foram objecto da reclamação graciosa, a AT aplicou uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados indevidamente os coeficientes multiplicadores do VPT (i.e., os coeficientes de localização e de afectação) e a majoração constante do n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI. Sobre este aspecto em particular, o silêncio da AT é elucidativo.

 

Vejamos os preceitos que disciplinam a fixação do VPT, que relevam para a decisão.

 

Artigo 39.º
Valor base dos prédios edificados

 

 

 

1 - O valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor.
2 –(…).

 

Artigo 41.º
Coeficiente de afectação

 

 

 

O coeficiente de afectação (Ca) depende do tipo de utilização dos prédios edificados, de acordo com o seguinte quadro:

 

Utilização

Coeficientes

Comércio

1,20

Serviços

1,10

Habitação

1,00

Habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados

0,70

Armazéns e actividade industrial

0,60

Comércio e serviços em construção tipo industrial

0,80

Estacionamento coberto e fechado

0,40

Estacionamento coberto e não fechado

0,15

Estacionamento não coberto

0,08

Prédios não licenciados, em condições muito deficientes de habitabilidade

0,45

Arrecadações e arrumos

0,35

 

 

Artigo 42.º
Coeficiente de localização

 

 

 

1 - O coeficiente de localização (Cl) varia entre 0,4 e 3,5, podendo, em situações de habitação dispersa em meio rural, ser reduzido para 0,35. 

2 - Os coeficientes a aplicar em cada zona homogénea do município podem variar conforme se trate de edifícios destinados a habitação, comércio, indústria ou serviços.

3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:

  1. Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;
  2. Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;
  3. Serviços de transportes públicos;
  4. Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º.

 

Artigo 45.º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

 

 

 

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação. 

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º.

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.

 

 

Sobre esta matéria existe abundante jurisprudência, tanto dos tribunais superiores como dos tribunais arbitrais. 

 

Sigamos a fundamentação do acórdão arbitral proferido no processo 41/2021-T, que este tribunal acompanha.

 

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, que

I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).

II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto.

 

 Na fundamentação deste acórdão refere-se o seguinte:

 

O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (n.º 2 do artigo 15.º do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45.º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no n.º 1 do artigo 38.º do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:

 

Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.

 

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45.º já referida, onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do n.º 3 do artigo 42.º.

 

Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.

 

O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.

 

Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado, mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.

 

A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38.º do CIMI.

 

Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no n.º 4 do artigo 11.º da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário.

 

A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103.º n.º 2 da CRP.

 

A própria remissão para os artigos 42.º e 40.º do CIMI constante do artigo 45.º e mesmo a redacção dada ao artigo 46.º relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38.º com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.

 

É que mesmo a remissão feita para os artigos 42.º e 40.º do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos, mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.

 

O que se compreende face à definição de terrenos para construção do n.º 3 do artigo 6 do C.I.M.I.(…) Concordando e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp. 104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” avaliação e que para a de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção, expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.

 

Com o devido respeito, não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no art.º 6.º n.º 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto (…) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.

 

(…) Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto. Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados.

 

Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45.º do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no n.º 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no n.º 2 do artigo 45.º do CIMI, mas não outras características ou coeficientes.

 

Isto só pode significar que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38.º do CIMI, onde expressamente se prevê, entre outros, o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (art.º 45.º n.º 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião, não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, vídeo vigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.

 

(…) Na linha desta jurisprudência, é de entender que a avaliação dos terrenos para construção devia ser efectuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afectação.

 

(…) Assim, à face da jurisprudência referida, tem de se concluir que a fixação de valores patrimoniais destes prédios enferma dos erros que a Requerente lhes imputa, que são exclusivamente imputáveis à Administração Tributária que praticou os actos de avaliação.

 

O mesmo se diga da majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do CIMI. Na verdade, resulta claro do teor do preceito, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que a majoração de 25% nele prevista se reporta apenas a «prédios edificados». E o artigo 45.º do CIMI, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, estabelece especificamente as regras da determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não operando nenhuma remissão para o artigo 39.º nem contém qualquer referência ao «valor base dos prédios edificados», que veio apenas a ser introduzida por aquela Lei.

 

Assim, a majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do CIMI não podia ter sido usada na determinação do VPT dos Terrenos para Construção.

 

Tudo visto e ponderado, é forçoso concluir que a avaliação dos Terrenos para Construção devia ter sido realizada sem aplicação dos coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afectação, sendo esses actos de avaliação ilegais por violação dos artigos 38.º e 45.º do CIMI. E tendo nas avaliações em causa sido aplicado o valor com a majoração de 25% a que se refere o n.º 1 do artigo 39.º do CIMI, os actos de avaliação são da mesma sorte ilegais por violação desse artigo e do 45.º do CIMI, nas redacções que tinham à data a que se reportam os autos. O mesmo é dizer que a Requerida aplicou uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados indevidamente os coeficientes multiplicadores do VPT (i.e., os coeficientes de localização e de afectação) e a majoração de 25% constante do artigo 39.º, n.º 1, do CIMI, o que implica a ilegalidade da fixação do VPT desses mesmos prédios e inquina a validade dos actos de liquidação de IMI a jusante dela. 

 

Mesmo entendendo que a ilegalidade dos actos de determinação da matéria colectável, ou seja, de fixação do VPT, não pode ser sindicada por via de uma impugnação tendente à declaração da sua ilegalidade, sempre se teria de concluir que seria possível ao sujeito passivo pedir, nos termos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, a revisão do acto tributável, com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte, como manifestamente não é, no prazo de 3 anos a contar da prática do acto, o que também se verifica. A gravidade da injustiça é evidente, porquanto da ilegal fixação do VPT dos Terrenos para Construção resulta uma tributação em IMI expressivamente superior ao que seria devido.

 

Assim, as Liquidações Contestadas não podem subsistir na ordem jurídicas, como se válidas fossem.

 

3.4.      Dos juros indemnizatórios

 

A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o previsto no art.º 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Aliás, nos termos do n.º 5 do art.º 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (CPPT), o que remete para as manifestações desse princípio que encontramos no n.º 1 do art.º 43.º da LGT e no art.º 61.º do CPPT.

 

Assim, justifica-se a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pela Requerente.

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

Considera-se erro imputável aos serviços aquele que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos, de facto ou de direito, que não sejam da responsabilidade do contribuinte. Ora, aquando da prática dos actos de liquidação controvertidos, a administração tributária e aduaneira conhecia ou não podia ignorar que a prática desses actos, por assentarem numa errada e ilegal determinação do VPT, violaria as regras legais aplicáveis. Portanto, não há dúvida ter havido, para estes efeitos, erro imputável aos serviços. 

 

Estando provado que a Requerente pagou, ainda que em data que não foi apurada no âmbito deste processo arbitral, prestação tributária que pelas liquidações reclamadas e ora parcialmente anuladas lhe foi, por erro imputável aos serviços, exigida, tem ela direito não apenas ao reembolso do que pagou indevidamente, mas ainda a perceber juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento.

 

  

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar improcedentes as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
  2.  Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando-se parcialmente as liquidações de IMI identificadas com os números 2019 ..., 2019 ... e 2019 ..., na parte em que tiveram como pressupostos valores patrimoniais em que foram considerados coeficientes multiplicadores do VPT e a majoração prevista no n.º 1 do artigo 39.º do CIMI;
  3. Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 45.587,51 (quarenta e cinco mil, quinhentos e oitenta e sete euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até integral reembolso; e
  4. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

 

  1. Valor do processo

 

Quando seja impugnado um acto de liquidação, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende, que corresponde à utilidade económica do pedido. Assim, de harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 45.587,51 (quarenta e cinco mil, quinhentos e oitenta e sete euros e cinquenta e um cêntimos).

 

 

  1. Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

 

Lisboa, 3 de Dezembro de 2022

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

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(Nuno Pombo)

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

 

 



[1] Ver neste sentido o acórdão arbitral prolatado no processo 41/2021-T.

[2] Cfr., entre vários, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 15.04.2021, prolatado no processo 02010/12.6BEPRT.

[3] Crê-se na verdade que não se pode pôr em crise uma liquidação de IMI, atacando-se para o efeito a fixação do VPT, com fundamento em ilegalidade da fixação do VPT que lhe está a montante e que deveria ter sido atacada nos termos e prazos previstos na lei. Contudo, seria possível apresentar pedido de revisão oficiosa com esse objectivo, com fundamento em injustiça grave ou notória. Em sentido diverso, e mais permissivo, v. decisão arbitral respeitante ao processo 533/2021-T. 

[4] Como decidiu o como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 13.10.2010, no âmbito do processo n.º 0455/10, como pode ler-se no acórdão arbitral prolatado no processo 41/2021-T.

[5] Ou reclamação graciosa convolada, como se viu, em pedido de revisão oficiosa.

[6] V. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 31.10.2019, referente ao processo 2765/12 e a decisão arbitral prolatada no processo 500/2020-T, que o cita.

[7] No mesmo sentido veja-se o acórdão arbitral prolatado no processo 41/2021-T. Aí admite-se que os actos de liquidação de IMI não padecem de qualquer ilegalidade se se basearem em VPT que o sujeito passivo não contestou nos prazos de que dispunha para o efeito. Contudo, como se defende na presente decisão, não se fecha a porta à revisão do acto tributário, a pedido do contribuinte, com o fundamento em «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». Nesse caso, o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o prazo de «três anos posteriores ao do acto tributário», entendido como o acto de liquidação de IMI e não o acto de fixação do VPT.