Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 39/2016-T
Data da decisão: 2016-07-28  IRC  
Valor do pedido: € 75.079,46
Tema: IRC - Benefício fiscal. SGPS
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Carla Castelo Trindade e Dr.ª Ana Duarte (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-04-2016, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A…, SGPS, LDA., pessoa colectiva n.º…, com sede no …, n.º …-…, …, …-… Lisboa, doravante designada por Requerente, veio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e n.º 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade da decisão proferida em sede de reclamação graciosa e, bem assim, do acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2012, na parte em que incorpora a correcção ao lucro tributável do valor de € 485.161,14.

A Requerente pede ainda restituição dos valores indevidamente pagos a título de IRC e de derrama municipal, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-02-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 29-03-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 08-04-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 18-05-2016 foi dispensada a realização de reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente, anteriormente denominada B…, SGPS, LDA., é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. No final do exercício de 2012 a Requerente definha participações sociais nas seguintes sociedades (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

  1. As referidas participações sociais foram sendo adquiridas pela Requerente ao longo dos anos de 2003 a 2011;
  2. No dia 10 de Julho de 2003, a Requerente subscreveu uma quota da sociedade C…, LDA., no valor de € 6.910.553,30 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. A subscrição da referida participação social foi integralmente realizada em espécie, mediante a transferência para a mesma do estabelecimento comercial da própria Requerente (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em 27 de Dezembro de 2006, a Requerente adquiriu mais duas quotas da mesma sociedade:
  1. uma com o valor nominal de € 188.931,46, pelo preço de € 551.000,00, e
  2. outra com o valor nominal de € 4.899,00, pelo valor de € 4.900,00

(documentos n.ºs 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  1. Em 7 de Novembro de 2011, a Requerente adquiriu à sociedade D…, S.A., a participação social por esta detida na referida C…, LDA, pelo valor de € 3.630.632,02 (Documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. O valor global de aquisição das participações sociais detidas pela Requerente naquela sociedade foi, assim, de € 11.097.085,32;
  3. A participação social na sociedade E…, S.A., foi adquirida pela Requerente em 23 de Janeiro de 2007, pelo valor global de € 3.500.000,00 (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em 24 de Maio de 2010, a Requerente adquiriu uma participação correspondente a 75% do capital social da sociedade F…, S.A., tendo adquirido os restantes 25% em 29 de Dezembro de 2011 (documentos n.ºs 10 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  5. O valor de aquisição global das referidas participações sociais ascendeu a € 4.735.711,84 (Documentos n.ºs 10 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  6. As participações sociais correspondentes à totalidade do capital social da sociedade G…, LDA., foram adquiridas no dia 30 de Novembro de 2011 (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  7. A participação social detida na sociedade H…, S.A., correspondente a 13,82% do respectivo capital social, foi adquirida em 30 de Julho de 2010, pelo valor de € 149.093,96 (Documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  8. A participação social na sociedade I…, S.A., foi subscrita em 4 de Fevereiro de 2009, pelo valor de € 6.250,00 (Documento n.º 24 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  9. No exercício de 2012, a Requerente suportou encargos financeiros no valor global de € 1.328.461,44, que incluem o valor de € 1.306.979,63 a título de juros (páginas 7 e 8 do Anexo às Demonstrações financeiras que integra o documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e afirmação da Requerente no artigo 15.º do pedido de pronúncia arbitral que não é contestada);
  10. Os encargos financeiros referidos dizem respeito aos diversos financiamentos que foram obtidos pela Requerente, nomeadamente junto de instituições de crédito;
  11. Os juros decorrentes de empréstimos contraídos junto de instituições de crédito, concretamente junto do BANCO J…, S.A., do BANCO K…, S.A., e do BANCO L…, S.A., ascenderam a € 958.250,00 (artigo 17.º do pedido de pronúncia arbitral e documento n.º 15 junto com ele junto, cujo teor se dá como reproduzido);
  12. Em 17 de Dezembro de 2007, a Requerente (e outras sociedades do Grupo empresarial a que pertence) celebrou como o BANCO J…, S.A. um contrato de abertura de crédito por conta corrente (grupado), com o limite de crédito de € 7.500.000,00 (Documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  13. O referido contrato foi sucessivamente alterado e aditado, tendo o limite de crédito sido aumentado para € 10.000.000,00 (documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  14. Nos documentos em apreço não consta a finalidade concreta dos financiamentos obtidos pelas sociedades do Grupo, sendo apenas referenciado que se tratava de um financiamento sob a forma de conta corrente e que as mesmas sociedades poderiam usufruir dos fundos disponibilizados até ao limite estabelecido no contrato (documentos n.ºs 16 e 17 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  15. O referido contrato de abertura de crédito em conta corrente foi revogado em 12 de Dezembro de 2012 (documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  16. Em 15 de Abril de 2009, a Requerente celebrou com o BANCO K…, S.A., um contrato de abertura de crédito com o valor de € 6.000.000,00, em cuja cláusula 2.ª se refere que «os fundos mutuados (...) destinam-se exclusivamente a ser utilizados pela CREDITADA para apoio de tesouraria» (documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  17. O contrato referido na alínea anterior foi objecto de alterações, mantendo-se em 2012 com a redacção que lhe foi dada pela alteração realizada em 5 de Abril de 2011, em que foi acordado aumentar o montante máximo global do financiamento de € 6.000.000,00 para € 10.000.000,00, indicando-se no contrato que o crédito tinha como finalidade o «apoio à tesouraria» e que o crédito seria utilizado sob a forma de conta corrente (documento n.º 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  18. Em 24 de Maio de 2010, a Requerente celebrou, em conjunto com outras entidades do Grupo, um aditamento ao contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada inicialmente outorgado entre a sociedade M…, SGPS, S.A. e o BANCO L…, SA, passando a ser também beneficiária do valor inicialmente mutuado, no montante de € 4.000.000,00, sendo indicado no contrato que o financiamento tinha como finalidade o apoio à tesouraria das entidades mutuárias (documentos n.ºs 21 e 22 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  19. Os restantes financiamentos obtidos pela Requerente junto das sociedades consigo relacionadas implicaram o pagamento de juros no exercício de 2012 no valor total de € 332.887,79, destinando-se estes financiamentos à generalidade da actividade da Requerente, não tendo os valores obtidos junto dessas sociedades tido como destino qualquer utilização específica (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e artigos 29.º e 30.º do pedido de pronúncia arbitral, não contestados);
  20. Em 23 de Maio de 2013, a Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 com referência ao exercício de 2012, identificada com o código …-…-… (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  21. Na referida declaração Modelo 22 de IRC, a Requerente declarou um resultado líquido do exercício no valor de € 260.127,76 (campo 701 do Quadro 07 do documento n.º 2);
  22.  Para esse mesmo resultado líquido do exercício concorreram (como componente negativa) os gastos de financiamento suportados pela ora Requerente no exercício de 2012, no valor global de € 1.328.461,44 (que inclui o montante de € 1.306.979,63, a título de juros) (artigo 33.º do pedido de pronúncia arbitral, não contestado);
  23.  Aquando do preenchimento da Declaração Modelo 22 de IRC, a Requerente efectuou os seguintes ajustamentos (acréscimos no Quadro 07):
  1. um acréscimo no montante de € 93.998,35, referente a «IRC e outros impostos que directa ou indirectamente incidiam sobre os lucros, [art.º 45.º, n.º 1, al. a)]» (campo 724);
  2. um acréscimo no montante de € 15.871,60, referente a «multas, coimas, juros compensatórios e demais encargos com a prática de infracções [art.º 45.º, n.º 1, al. d)]» (campo 728) e
  3. um acréscimo no montante de € 485.161,74, respeitante a «juros de suprimentos [art.º 45.º, n.º 1, al. j)]» (campo 734);
  1. O valor de € 458.161,74 refere-se a encargos financeiros que a Requerente considerou como não dedutíveis ao abrigo do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, sendo indicado, por lapso, no campo 734 do Quadro 07 e não no campo 779 do mesmo Quadro 07 (artigos 35.º e 36.º do pedido de pronúncia arbitral, não contestados);
  2. Para determinar o valor a ajustar (acrescer) ao abrigo daquele preceito legal, a Requerente utilizou a metodologia prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março da Direcção de Serviços do IRC (DSIRC);
  3. Depois de feitos todos os ajustamentos no Quadro 07, a Requerente apurou um lucro tributável no montante de € 855.159,45 (Documento n.º 2);
  4.  Uma vez que tinha prejuízos fiscais de exercícios anteriores no montante total de € 513.651,73, a Requerente deduziu tal valor no cálculo da matéria colectável do exercício de 2012, apurando, assim, uma matéria colectável no valor de € 341.507,72 (documento n.º 2).
  5. Em consequência de tais operações, a Requerente apurou uma colecta de IRC no valor de € 85.376,93 (documento n.º 2);
  6. Deduzido o pagamento especial por conta anteriormente realizado, no montante de € 6.070,00, a Requerente declarou um IRC liquidado no valor de € 79.306,93 (documento n.º 2);
  7. Como tinha sofrido retenções na fonte no valor total de € 144.852,57, a Requerente apurou um valor a recuperar de € 65.545,64 (documento n.º 2);
  8.  A Requerente autoliquidou, ainda, na mesma declaração Modelo 22 de IRC, o valor de € 12.827,39 a título de derrama municipal (documento n.º 2);
  9. O valor final a recuperar apurado na declaração Modelo 22 de IRC acima mencionada foi reduzido para € 52.718,25 (documento n.º 2);
  10. Posteriormente, a Requerente entendeu que o ajustamento realizado em conformidade com o método previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, se revelava inadequado à sua situação (artigo 45.º do pedido de pronúncia arbitral, não contestado);
  11. No dia 20 de Maio de 2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação de IRC acima identificado (documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  12. Na reclamação graciosa a ora Requerente pediu, em primeiro lugar, o seguinte:

(i) seja determinada a correcção da autoliquidação de IRC deste período, em virtude da desconsideração, para efeitos do apuramento do lucro tributável da Reclamante, do acréscimo do montante de € 485.1.61,74, relativo a encargos financeiros não dedutíveis ao abrigo do n.º 2 do artigo 32.º do BBF calculados de acordo com a metodologia imposta pela Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, originando o apuramento de um lucro tributável no montante de € 369.997.71, e consequentemente, a correcção do montante de prejuízos fiscais disponíveis para dedução em períodos futuros;

(íi) seja determinado o reembolso do montante de € 62,252,07, indevidamente pago a título de IRC;

(iii) seja determinado o reembolso do montante de € 12.827,39, indevidamente pago a título de derrama municipal; e

(iv) o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre estes montantes e até ao efectivo e integral pagamento dos mesmos por parte da AT.

 

  1. Subsidiariamente, a Requerente defendeu na reclamação graciosa, que mesmo que se aplicasse o critério previsto na Circular n.º 7/2004, ter-se-ia de expurgar para efeitos desse cálculo a participação social que foi adquirida mediante entrada em espécie e pediu o seguinte:

(i) ser apenas considerado, para efeitos do apuramento do lucro tributável da Reclamante, um acréscimo relativo a encargos financeiros não dedutíveis ao abrigo do n.º 2 do artigo 32.º do EBF no montante de € 325.550,95, o que conduziria à correcção do montante do lucro tributável para € 695.548.66;

(ii) ser determinado o reembolso do montante de € 12,827,39, indevidamente pago a título de derrama municipal; e

(iii) ser determinado o reembolso do montante de € 39.902,70, indevidamente pago a título de IRC;

(iv) o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre estes montantes e até ao efectivo e integral pagamento dos mesmos por parte da AT.

 

  1. Em 29 de Outubro de 2015, através do Ofício n.º…, de 27 de Outubro, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que foi proferida pela Senhora CHEFE DA DIVISÃO DE JUSTIÇA ADMINISTRATIVA (em substituição) da DIREÇÃO DE FINANÇAS DE LISBOA, que manifestou concordância com uma informação (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), em que se refere, além do mais, o seguinte:

(...)

Nota a reclamante que, quanto à sociedade C…, do total do valor de aquisição, € 6.910,553,30 foi adquirido através de um aumento de capital realizado por entradas em espécie, pelo que esta parcela não deveria ser tida em conta.

Com efeito, segundo a própria ficha doutrinária referente ao processo n.º 2799/2009, despachado em 2011-11-19, o termo "aquisição de participações sociais" apenas abarca aquelas que resultarem de transações, não estando vertidas as ações recebidas em contrapartida da entrada em espécie para a realização do capital social, no momento da constituição de uma sociedade, como é o caso de parte da aquisição da sociedade C… (ponto 82 da petição, a fls. 22).

Para comprovar o alegado, a reclamante junta certidão da escritura pública de aumento de capital e alteração parcial do pacto social da sociedade C…, a fls. 80 a 99.

Conclui então a reclamante, quanto ao seu pedido subsidiário, que "(...) apenas o montante de € 325.550,95 seria acrescido para efeitos do apuramento do lucro tributável, o que conduziria ao apuramento de um lucro tributável de € 698.548,66, à utilização do montante total de prejuízos fiscais apurados em períodos anteriores (€ 513.651,73) e, consequentemente, ao apuramento de uma colecta de IRC de € 54.474,23, em vez de € 85.376,93, devendo por isso, ser processado o reembolso da diferença no montante de € 39.902,70" (ponto 86 da petição, a fls. 23).

(...)

III - ANÁLISE DO PEDIDO

Após a exposição dos argumentos trazidos na petição de reclamação graciosa, no ponto l, deverá dizer-se o seguinte:

• Quanto ao carácter interpretativo da Circular supra mencionada e como bem referiu a reclamante, as instruções administrativas vinculam os serviços da AT. Pelo que rapidamente se compreende que, em caso de litígio ou em qualquer situação na qual se levante uma questão já regulada por Circular ou outra instrução administrativa vinculativa para os serviços, deverão estes seguir essa interpretação.

Não se olvide as vantagens destas instruções administrativas, sendo uma das mais flagrantes o aludido princípio constitucional da igualdade, bem invocado pela reclamante. Com efeito, as interpretações divulgadas pela AT permitem que os sujeitos passivos, não só conheçam previamente a posição da AT, como se encontrem salvaguardados de tratamento igual para casos iguais.

Em suma, as orientações genéricas asseguram aos contribuintes a aplicação uniformizada das disposições fiscais, estando os serviços vinculados à sua prossecução (n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT).

Uma nota apenas para acrescentar que, face ao ponto 36 da petição (a fls. 9), quanto à disponibilidade da reclamante para apresentar informação para o esclarecimento de que nenhum dos financiamentos por si obtidos se destinou a financiar a aquisição de participações sociais, deve invocar-se o n.º 1 do artigo 74.º da LGT, pelo que nunca competiria à AT indicar qual essa documentação, desde logo porque a desconhece e depois porque é sobre a reclamante que impende o ónus da prova.

• A argumentação no sentido da ilegalidade da metodologia de cálculo dos encargos financeiros prevista na Circular em análise mostra-se incorreta.

A redacção da Circular e o seu entendimento pretendem que a afetação dos passivos remunerados se encontre diretamente relacionada com os ativos. Ora, tendo em conta que as sociedades gestoras de participações sociais têm como atividade comercial essa mesma gestão, naturalmente, que os seus ativos (ou pelo menos a grande maioria deles) subsumir-se-ão nessas participações sociais. Assim, o financiamento remunerado em que incorram terá, portanto, uma significativa, senão total, relação com estes ativos.

Por outras palavras, o financiamento alheio terá maioritariamente como fito a aquisição de ativos - e por ativos entendemos as participações sociais detidas.

Referia-se, a propósito, que a própria reclamante diz concordar com as razões que levaram à redação da Circular n.º 7/2004. Citamos o seguinte passo: "Ora, a reclamante não ignora as vantagens de tal método, na medida em que, em muitos casos, poderá efectivamente verificar-se que as empresas não dispõem de informação suficiente que lhes permita efectuar uma afectação directa dos encargos financeiros por si suportados às actividades (de investimento ou tesouraria) por si desenvolvidas. Por outro lado, sendo este método de aplicação simples, pode ser facilmente validado pelos serviços de inspecção da AT no âmbito de uma acção de inspecção" (pontos 17 e 18 da petição, a fls. 6).

• Por último, quanto à invocada inconstitucionalidade, não podemos referir senão que não cabe no âmbito da reclamação graciosa a apreciação da constitucionalidade das leis.

A apreciação da inconstitucionalidade das leis é da competência do Tribunal Constitucional, de acordo com o artigo 6.º e a alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro, alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional). Diremos apenas que o raciocínio da reclamante se mostra viciado, desde logo, porquanto a Circular n.º 7/2004 não consagra qualquer norma de incidência fiscal, concretiza tão-só o regime do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

• Aqui chegados e face à improcedência do pedido principal, cumpre analisar o pedido subsidiário efetuado pela reclamante.

Ora, invocada a ficha doutrinária e a sua redação referida no ponto I da presente Informação, dir-se-á que é deixado bem explícito que esta noção de aquisição refere-se ao momento de constituição da sociedade.

A própria reclamante cita, no ponto 83 da sua petição, a fls. 23, que "(...) quando as acções são emitidas «ex novo» aquando da constituição da sociedade, não há, aqui, qualquer acto translativo". Significa isto que, não estando em causa a constituição de sociedade, verifica-se um ato translativo e, sim, a aquisição de participações sociais.

Além disso, independentemente do termo de "aquisição", relevante será a aplicação exata da fórmula e metodologia adotada pela Circular, na qual não se faz referência explícita a essa distinção.

(...)

 

  1.  Em 27-01-2016, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal  arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou qual a utilização que foi dada pela Requerente aos financiamentos que geraram encargos financeiros suportados no ano de 2012, designadamente não se provou se esses financiamentos tiveram ou têm ou não relação directa ou indirecta com a aquisição de participações sociais.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e não são controvertidos.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Os poderes de cognição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD na impugnação de actos de autoliquidação sujeitos a reclamação graciosa necessária 

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação da legalidade de actos de liquidação é limitada pela vinculação pela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2911, de 22 de Março, que não abrange as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação (...) que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Desta vinculação resulta que a reclamação graciosa de actos de autoliquidação é necessária para acesso à jurisdição arbitral, nos mesmos termos em que o artigo 131.º do CPPT a exige para acesso aos tribunais tributários.

À face do referido artigo 131.º do CPPT, a reclamação graciosa de actos de autoliquidação apenas não é necessária «quando estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (n.º 3).

No caso em apreço, embora a Requerente tenha efectuado a autoliquidação de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, suscita no presente processo (como já suscitara na reclamação graciosa) questões de facto, juntando abundante documentação atinente à prova da origem e afectação dos financiamentos que obteve, pelo que tem de se concluir que não está em causa apenas matéria de direito e, por isso, a reclamação graciosa era necessária.

A fundamentação relevante em situações de autoliquidação em que foi apresentada reclamação graciosa necessária que foi indeferida é que consta da decisão de indeferimento (directamente ou por remissão).

Na verdade, nas situações de autoliquidação seguida de reclamação graciosa necessária em que é proferida uma decisão expressa, o que fica a subsistir na ordem jurídica é a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira perante o contribuinte que é definida pela decisão da reclamação graciosa, na parte em que a legalidade da autoliquidação foi submetida à apreciação da Autoridade Tributária e Aduaneira. Este é, de resto, o único acto da autoria da Administração Tributária que existe na ordem jurídica.

Consequentemente, a questão que se coloca ao Tribunal é a de saber se deve ser declarada a ilegalidade da autoliquidação ou se ela deve ser mantida na ordem jurídica pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa isto tendo em especial consideração que no que em concreto respeita aos casos de auto-liquidação é na decisão expressa de indeferimento que, a Administração Tributária fixa os fundamentos da, in casu¸ manutenção do acto.

Por outro lado, nos casos de reclamação graciosa necessária de actos de autoliquidação, deve entender-se que apenas podem ser imputados a esta vícios que foram suscitados na reclamação graciosa, pois seria inutilizada ou subvertida a exigência de prévia impugnação administrativa se o contribuinte pudesse impugnar no tribunal arbitral a autoliquidação com fundamentos distintos dos que foram apresentados a Administração Tributária.

  Por isso, sem prejuízo de o contribuinte poder impugnar no tribunal arbitral a própria decisão da reclamação graciosa com base em todos os vícios que entenda que a afectam, no que concerne à legalidade da autoliquidação que foi submetida à apreciação administrativa, apenas os vícios que lhe foram imputados na impugnação administrativa poderão ser fundamento de declaração de ilegalidade pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Neste contexto, em que a vinculação depende apenas da discricionariedade dos membros do Governo, a restrição não será inconstitucional, à face do princípio da tutela judicial efectiva, pois a via arbitral de impugnação de actos em matéria tributária não é imposta constitucionalmente e o contribuinte, quando pretender formular jurisdicionalmente pretensões que não caibam no âmbito da jurisdição arbitral, mantém a plenitude de tutela que lhe proporciona o acesso aos tribunais tributários estaduais.

Por isso, é em face da fundamentação da decisão reclamação graciosa que tem de ser apreciada a questão da legalidade ou não da autoliquidação, estando em causa quanto à legalidade desta apreciar se a decisão da reclamação graciosa apreciou ou não adequadamente as pretensões que lhe foram apresentadas, nos termos em que o foram.

 

 

3.2. Interpretação da decisão da reclamação graciosa

 

Assim, sendo a decisão da reclamação graciosa o acto que é objecto imediato do processo e delimita as questões de legalidade que devem ser apreciadas, importa, antes de mais, interpretá-lo, para precisar os pressupostos de facto e de direito em que assentou.

A Requerente na declaração modelo 22 individual que apresentou, por referência ao exercício de 2012, procedeu ao acréscimo, no âmbito do apuramento do seu lucro tributável, no campo 734 do Quadro 7, do montante de € 485.161,74.

Segundo refere a Requerente e não é contestado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, aquele valor de € 458.161,74 refere-se a encargos financeiros que a Requerente considerou como não dedutíveis ao abrigo do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, tendo sido indicado, por lapso, no campo 734 do Quadro 07 e não no campo 779 do mesmo Quadro 07.

Para determinar o valor a acrescer ao abrigo daquele artigo 32.º, n.º 2, a Requerente utilizou a metodologia prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março da Direcção de Serviços do IRC (DSIRC).

Na reclamação graciosa que apresentou, a ora Requerente defendeu, em suma, que não estava obrigada a aplicar o método previsto naquela Circular e que deveria utilizar-se um método em que se apurasse a afectação real dos encargos financeiros à aquisição de participações sociais e, pelo menos, não deveria ser tido em conta a parcela do valor das participações sociais que resultam de entrada em espécie.

Defendeu ainda a Requerente que a referida Circular é material e organicamente inconstitucional.

A Requerente manifestou disponibilidade para esclarecer que nenhum dos financiamentos obtidos se destinou a financiar a aquisição de participações sociais, mas não apresentou na reclamação graciosa elementos comprovativos dos financiamentos que geraram encargos suportados no exercício de 2012 (designadamente os que juntou no presente processo arbitral), tendo juntado apenas cópias da declaração modelo 22, de várias decisões judiciais, da certidão relativa ao aumento de capital e alteração do pacto social da C…, de uma ficha doutrinária e de cálculo do ajustamento que entendia dever ser efectuado.

A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a reclamação graciosa por entender, em suma, que pode emitir circulares, que a vinculam, tendo emitido a Circular n.º 7/2004, para uniformização da base de cálculo dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais pelas SGPS e que a interpretação que é feita naquela Circular está conforme a lei.

Quanto à disponibilidade da Requerente para esclarecer que nenhum dos financiamentos por si obtidos se destinou a financiar a aquisição de participações sociais, a Autoridade Tributária e Aduaneira referiu que é sobre a Requerente que impende o ónus da prova, por força do artigo 74.º da LGT, e que desconhece a documentação o que permite concluir que na decisão se entendeu que a prova não tinha sido feita no procedimento de reclamação graciosa.

Na decisão da reclamação graciosa a Autoridade Tributária e Aduaneira justificou a aplicação do método previsto na Circular n.º 7/2004, para afectação dos passivos remunerados a activos dizendo que se pretende obter uma relação directa e, «tendo em conta que as sociedades gestoras de participações sociais têm como atividade comercial essa mesma gestão, naturalmente, que os seus ativos (ou pelo menos a grande maioria deles) subsumir-se-ão nessas participações sociais. Assim, o financiamento remunerado em que incorram terá, portanto, uma significativa, senão total, relação com estes ativos. Por outras palavras, o financiamento alheio terá maioritariamente como fito a aquisição de ativos - e por ativos entendemos as participações sociais detidas».

No que concerne à inconstitucionalidade invocada pela Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não a pode apreciar, mas que a Circular n.º 7/2004 não estabelece uma norma de incidência.

No que concerne à relevância das participações sociais obtidas através de entradas em espécie, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, não estando em causa a constituição de sociedade, ocorreu um acto translativo, pelo que se justifica a aplicação da metodologia prevista naquela Circular.

 

3.3. Posições das Partes

 

A Requerente defende, em suma:

 

– a fórmula constante da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, utilizada para proceder ao ajustamento sob apreciação, extravasa a mera interpretação da lei tributária -- rectius, contraria-a -- pois que, como decorre do artigo 32.º, n.º 2, in fine, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), o método de identificação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, para efeitos da sua exclusão do lucro tributável, é o método da afectação/imputação directa;

– o artigo 32.º, n. .º 2, do EBF interpretado no sentido de que é admissível, para efeitos de determinação dos encargos não dedutíveis, a adopção de um método inovador consubstancia uma violação ao disposto nos artigos 103.º, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, bem assim, do artigo 8.º da Lei Geral Tributária (LGT);

– a adopção da fórmula instituída pela circular sob apreciação configura, ainda, uma violação ao principio da tributação pelo lucro real, consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, e, bem assim, uma violação ao princípio da especialização dos exercícios;

– sem prejuízo, considerando que os fundos obtidos através dos empréstimos em causa se destinaram a financiar a generalidade da actividade da Requerente, que uma parte muito significativa das participações sociais em apreço foi adquirida muito antes da celebração dos referidos contratos de financiamento externo e que uma das participações sociais aqui em causa (a mais significativa) foi adquirida através de uma operação de aumento de capital realizado em espécie, é impossível estabelecer qualquer relação entre os encargos de financiamento e aquelas partes de capital;

– considerando que a fórmula criada pela Circular n. .º 7/2004, era composta pelos passivos remunerados, os activos geradores de juros, os restantes activos remunerados e os outros activos que, no último dia do exercício, se encontrem ainda, respectivamente, por liquidar e realizar -- e não, ao invés, pelos passivos e activos que tenham sido, respectivamente, constituídos e liquidados e adquiridos e realizados desde o início até ao final do exercício ou que, constituídos ou adquiridos nesse ou noutro exercício, se encontrem, respectivamente, por liquidar ou por realizar no final desse exercício - a imputação dos encargos financeiros, assim realizada (isto é, de acordo com aquele método) tomava por base um período (de apenas um dia, em concreto, o último dia do exercício), bem diferente do período tributário (que é de um ano).

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo defende, em suma, o seguinte:

 

– a Requerente reconhece no artigo 155.º do pedido de pronúncia arbitral que não é lhe é possível estabelecer qualquer alocação directa dos encargos financeiros suportados em 2012 às referidas participações sociais, pelo que não podia efectuar-se qualquer ajustamento (acréscimo) a luz do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF;

– foi a Requerente quem acresceu ao resultado líquido do exercício os encargos financeiros imputáveis a partes de capital, como lhe era imposto pelo artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redacção aplicável à data dos factos e segundo o critério de imputação previsto na circular n.º 7/2004, conformando-se com este;

– o método referido no ponto 7. da Circular n.º 7/2004 garante uma uniformidade na tributação aplicável a todas as SGPS’s que não procedam ou não sejam capazes de realizar tal afectação específica;

 – a questão só assume realce quando não seja possível realizar a tal afectação específica ou directa;

– no caso em apreço, como a própria Requerente reconhece, não era possível proceder a uma afectação específica dos encargos em apreço à aquisição das partes de capital em causa;

– a Requerente não traz ao conhecimento da AT ou do Tribunal quaisquer elementos que permitam uma afectação específica de algum ou alguns dos empréstimos contraídos;

– a Requerente admite que os financiamentos obtidos não se destinaram especificamente à aquisição das participações sociais que constavam do seu activo em 31/12/12, mas não faz prova sobre quais ou qual parte do financiamento obtido se destinou à aquisição das mesmas participações;

– na impossibilidade confessada de afectação específica ou directa, é legítimo à AT, face à letra e ao espírito do n.º 2 do art. 32.º do EBF, aplicar um método de afectação indirecta ou não específica;

– o n.º 2 do artigo 32.º do EBF não indica qualquer método para a alocação dos encargos financeiros, mas daí não decorre que ele deixe de ser aplicado sem que não seja possível a afectação específica ou directa, pois isso violaria o princípio da legalidade tributária;

– esta norma visa acautelar a vigência de um regime de neutralidade dos gastos e rendimentos, pelo que se impõe concluir que qualquer método, seja directo seja indirecto, que permita alcançar a finalidade e objectivo da norma tem de ser aceite como bom;

– a seguir-se a tese propugnada pela requerente corria-se o risco de dar relevância fiscal aos encargos financeiros ao mesmo tempo que se isentava as mais-valias que advieram da alienação das participações, o que violaria o princípio da neutralidade fiscal e conduziria a uma solução contra legem;

– a solução preconizada pela requerente violaria o princípio da igualdade por concretizar dois tratamentos diferentes aplicáveis a SGPS’s e dentro de uma medida já excepcional que é a do benefício fiscal que lhes é aplicável face a todos os demais sujeitos passivos de IRC quanto a mais-valias obtidas;

– não é a Circular n.º 7/2004 que cria normas de incidência, mas é a própria lei, interpretada nos termos acima expostos, que afasta a dedutibilidade dos encargos financeiros (incorridos com financiamentos ligados à aquisição das participações sociais alienadas e que realizam, ainda que potencialmente, mais-valias excluídas de tributação), para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício em que são incorridos;

– as circulares são importantes na actividade desenvolvida pela AT, para a adequada prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses dos contribuintes – cfr. art.ºs 266.º da CRP e art.º 55.º da LGT;

– não procedeu a AT à criação de qualquer norma de incidência fiscal, mas procurou esclarecer as emergentes dúvidas sobre o regime fiscal aplicável às SGPS;

– só está garantida a neutralidade fiscal caso os encargos financeiros incorridos com essa aquisição de partes de capital não sejam considerados como custos, em função da susceptibilidade da realização de mais-valias isentas de tributação, cuja realização futura se considere provável ou expectável;

– não pode ser acolhido, como pretende a requerente, um entendimento da norma que possibilite a consideração dos custos com os encargos financeiros, pese embora a não consideração dos proveitos associados às mais-valias realizadas;

– as SGPS’s não estão em igualdade de circunstâncias com outras realidades societárias, já que a desconsideração dos encargos financeiros é contrabalançada com a aplicabilidade da exclusão da tributação prevista no n.º 2 do art. 32.º do EBF, pelo que não pode pretender que o princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real lhes seja aplicável tal como o é para as restantes pessoas colectivas que não usufruem da mesma isenção;

– não faz sentido falar-se em presunção inilidível no caso em concreto, pois não estamos perante qualquer tipo de presunção que a requerente não pudesse afastar, uma vez que desde que fosse por ela efectuada a afectação específica ou fornecidos os elementos necessários para tanto à AT, tal afectação seria aplicada;

– no âmbito de aplicação/controle de um benefício fiscal não faz, efectivamente, sentido falar-se na aplicação de um método indirecto tal como ele se encontra consagrado nos artigos 85.º e segs. da LGT, uma vez que a aplicação de um método indirecto visa a determinação da matéria tributável de qualquer imposto, e, no caso dos encargos financeiros, é óbvio que não está em causa a determinação total da matéria colectável mas apenas e só o cálculo de um determinado custo que se visa expurgar da determinação da matéria colectável tendo em conta o fim da neutralidade entre proveitos e custos visado pelo benefício fiscal.

 

3.4. Questão da compatibilidade do ponto 7. da Circular n.º 7/2004 com o artigo 32.º, n.º 2, do EBF

 

O artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, estabelece o seguinte:

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

A Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços do IRC, estabelece no seu n.º 7 o seguinte:

Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

 

No n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que tem de se concluir que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, dando nova redacção ao artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

Na Proposta de Lei n.º 28-IX, que veio a dar origem à Lei do Orçamento para 2003, constava o texto desse artigo 31.º, n.º 2, com redacção idêntica à vigente em 2012 (no artigo 32.º, n.º 2), sendo a única diferença o aditamento da referência aos «ICR» (abreviatura de «investidores de capital de risco»), que é irrelevante para a interpretação da norma.

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003 ( [1] ), depois de se constatar uma quebra na execução orçamental de 2002 quanto ao IRC ( [2] ) anuncia-se a introdução de várias medidas visando o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», entre as quais a da indedutibilidade dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, que se anuncia nos seguintes termos:

«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;

 

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.

Por outro lado, como se vê por esta explicação do alcance desta parte final do n.º 2, trata-se de uma medida legislativa autónoma em relação à parte em que se estabelece que as mais-valias e as menos-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável, pois é óbvio que o não concurso de mais-valias para a formação do lucro tributável não alarga a base tributável, antes a diminui e, por isso, não vale aquela razão de ser.

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta, para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros, a constatação de que a SGPS é titular de participações sociais e suportou encargos financeiros, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros (designadamente, as obtidas por entradas em espécie), elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

É também corolário desta interpretação que, relativamente às participações sociais adquiridas com financiamentos geradores de encargos, apenas os encargos derivados dos financiamentos relativos à sua aquisição são indedutíveis.

Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais. ( [3] )

Por isso, é claro, à face da letra da parte final do n.º 1 do artigo 32.º e da explicação dada no Relatório do Orçamento para 2003, que a indedutibilidade de encargos apenas se aplica aos que forem directamente derivados de financiamentos utilizados para aquisição de participações sociais.

            Sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por actos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP).

Para além disso, a definição dos pressupostos da tributação é matéria sujeita ao princípio da legalidade, desde logo por força do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP que estabelece que «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes».

Este princípio da legalidade é reafirmado e ampliado pela LGT, no seu artigo 8.º.

É, assim, claro que as normas relativas à liquidação de tributos, designadamente, as que definem a incidência e os benefícios fiscais, estão subordinadas ao princípio da legalidade, estando consequentemente afastada a possibilidade de, por via administrativa, serem criadas normas de que resulte uma efectiva oneração para os contribuintes. ( [4] )

O ponto 7 da Circular n.º 7/2004, a ser aplicado pela Administração Tributária, com eficácia externa, de forma a afastar a dedutibilidade de encargos que se comprove não estarem conexionados com a aquisição de participações sociais, consubstanciará uma norma de natureza inovadora sobre a determinação da matéria tributável de IRC, criando situações de indedutibilidade de encargos financeiros não previstas na lei (aquelas em que não haja relação entre encargos desse tipo e a aquisição de participações sociais), pelo que será inválida por violação do princípio da legalidade.

Mas, nada impede que a Autoridade Tributária e Aduaneira emita uma circular de que consta o seu entendimento sobre aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, para ser aplicável nos casos em que não seja viável uma determinação directa dos encargos derivados de financiamento utilizados na aquisição de participações sociais, pois tal possibilidade de emissão de orientações genéricas vinculativas para os seus serviços está prevista no artigo 68.º-A da LGT.

Como resulta do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT e tem sido pacificamente entendido, as circulares apenas têm eficácia vinculativa para a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo efeitos externos apenas de natureza informativa para os contribuintes, que podem saber antecipadamente qual o entendimento que será por aquela adoptado.

Nesta linha, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2014, de 09-01-2014, proferido no processo n.º 564/12, na esteira de Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª edição, página 201, em que se refere:

Trata-se «de regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos.

Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de atuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).

É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato”.

Esses atos, em que avultam as “circulares”, emanam do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respetivo âmbito subjetivo (da relação hierárquica) que têm observância assegurada. Incorporam diretrizes de ação futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais.

 

Não sendo ilegal a emissão de circulares que interpretem diplomas legislativos com eficácia interna, a ilegalidade de actos em matéria tributária que apliquem os entendimentos nelas perfilhados não pode derivar da sua aplicação, em si mesma, mas, apenas, da ilegalidade desse entendimento em face do regime legal aplicável previsto no diploma legislativo interpretado.

Isto é, a ilegalidade de actos em matéria tributária que concretizem a aplicação do entendimento adoptado em circulares apenas pode fundar-se na ilegalidade da aplicação do regime nela previsto a uma determinada situação concreta e não na mera invocação da circular.

E, por isso, pelo facto de existirem decisões jurisprudenciais que, em casos concretos em que foi aplicado método do ponto 7. da Circular 7/2004 e se demonstrou que conduziu a resultados incompatíveis com o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, não se pode concluir que são ilegais todos os casos em que foi aplicado esse método. Na verdade, não se pode afirmar a ilegalidade abstracta do método previsto no ponto 7. da referida Circular, se entendido como apenas sendo aplicável subsidiariamente, como método indirecto, nos casos em que não for viável a determinação directa do montante dos encargos conexionados com financiamentos utilizados na aquisição de participações sociais, como permitem os artigos 85.º, n.º 1, e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT.

É, aliás, esta posição do método previsto na Circular n.º 7/2004 ser um método indirecto, de aplicação subsidiária apenas nos casos em que seja inviável a utilização de um método directo, que a Autoridade Tributária e Aduaneira afirma no presente processo.

Porém, não é essa posição que for assumida na decisão da reclamação graciosa, pois aí não se faz qualquer alusão à aplicação subsidiária desse método, antes se defende e se procura justificar a sua aplicação generalizada, dizendo:

A redacção da Circular e o seu entendimento pretendem que a afetação dos passivos remunerados se encontre diretamente relacionada com os ativos. Ora, tendo em conta que as sociedades gestoras de participações sociais têm como atividade comercial essa mesma gestão, naturalmente, que os seus ativos (ou pelo menos a grande maioria deles) subsumir-se-ão nessas participações sociais. Assim, o financiamento remunerado em que incorram terá, portanto, uma significativa, senão total, relação com estes ativos.

Por outras palavras, o financiamento alheio terá maioritariamente como fito a aquisição de ativos - e por ativos entendemos as participações sociais detidas.

 

Analisando esta fundamentação, que é a que releva para aferir da legalidade ou ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, conclui-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu o seguinte:

– os activos ou, pelo menos a maioria dos activos, das SGPS serão participações sociais;

– daí decorre que o financiamento remunerado em que incorram terá, portanto, uma significativa, senão total, relação com estes activos;

– o financiamento alheio terá maioritariamente como fito a aquisição das participações sociais.

 

Como se conclui desta fundamentação, para além de não se restringir a aplicação do método previsto na Circular n.º 7/2004 aos casos em que seja inviável uma afectação directa dos encargos com financiamentos à aquisição de participações sociais, entende-se que basta que o financiamento alheio se destine maioritariamente à aquisição de participações sociais para ser aplicado o método da Circular que consiste em todos os encargos que sejam imputados a empréstimos remunerados concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros são imputados à aquisição de participações sociais.

Este entendimento não tem suporte legal, pois não restringe a indedutibilidade de encargos financeiros aos que estejam relacionados com a aquisição de participações sociais.

Conclui-se, assim, que este fundamento invocado para indeferimento da reclamação graciosa é ilegal.

Mas, dessa ilegalidade de fundamentação não decorre necessariamente a anulação da decisão, pois, quando um acto tem mais que um fundamento autónomo, basta que um deles assegure a legalidade da decisão proferida para ele dever ser mantido na ordem jurídica. ( [5] )

Na verdade, como se referiu, conclui-se da decisão da reclamação graciosa, ao referir que que desconhece a documentação e cabia à ora Requerente o ónus da prova da afirmação que fez de que nenhum dos financiamentos por si obtidos se destinou a aquisição de participações sociais, que esta falta de prova foi também fundamento do indeferimento da reclamação graciosa.

Quanto a este fundamento, a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem razão no que concerne à prova de que a quota da sociedade C…, LDA., no valor de € 6.910.553,30, foi totalmente realizada em espécie, pois ela foi apresentada com a reclamação graciosa.

Mas, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão quanto às restantes participações sociais, pois na reclamação graciosa não foi apresentada pela ora Requerente qualquer elemento de prova de que nenhum dos financiamentos por si obtidos que geraram encargos suportados no ano de 2012 se destinou à aquisição de participações sociais.

Sendo assim, justifica-se a anulação da decisão da reclamação graciosa na parte em que considerou que a quota da sociedade C…, LDA., no valor de € 6.910.553,30, devia ser considerada no cálculo dos encargos indedutíveis, como fez a Requerente na autoliquidação.

 Pelo exposto, procede parcialmente o pedido de pronúncia arbitral devendo declarar-se a ilegalidade da decisão da reclamação graciosa e da autoliquidação, na parte em que consideraram que no cálculo dos encargos indedutíveis deveria ser considerado o valor da quota referida.

 

4. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

 

A Requerente formula pedidos de reembolso da quantia de € 75.079,46 e de juros indemnizatórios.

O direito a juros indemnizatórios é reconhecido pelo artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

A situação dos autos é de uma autoliquidação a que se seguiu uma reclamação graciosa, em que é invocado um fundamento ilegalmente, o que justifica a anulação na parte respectiva.

  Por isso, é à face dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT que há que apreciar o direito a juros indemnizatórios.

No caso em apreço, conclui-se que há erro de direito na decisão da reclamação graciosa directamente imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira e erro de direito na autoliquidação que também se lhe considera imputável por força do disposto no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, na medida em que a Requerente tenha actuado em sintonia com a orientação genérica que consta do n.º 7 da Circular n.º 7/2004.

No entanto, não ficou demonstrado neste processo a que se destinaram os financiamentos que geraram encargos suportados no ano de 2012 e, por isso, não se pode concluir que houve esses encargos são dedutíveis e, sendo-o, tenha havido «pagamento indevido» de imposto, o que é o requisito primacial do direito a reembolso e a juros indemnizatórios.

A Requerente afirma no artigo 155.º do pedido de pronúncia arbitral que não é lhe é possível estabelecer qualquer alocação directa dos encargos financeiros suportados em 2012 às referidas participações sociais, mas também não prova a que é que se destinaram os financiamentos que implicaram o pagamento dos encargos, pelo que não há elementos no processo que permitam concluir com segurança que os encargos referidos eram dedutíveis.

Assim, não há fundamento para se decidir neste processo se há ou não direito a reembolso e a juros indemnizatórios, pelo que têm de ser julgados improcedentes os pedidos respectivos, sem prejuízo dos eventuais direitos que possam ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir, quando não é há elementos para esse efeito no processo declarativo.

 

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e a autoliquidação, nas partes em que consideraram ser relevante para a determinação dos encargos indedutíveis, nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, o valor da quota da sociedade C…, LDA.
  3.    Julgar improcedente os pedidos de reembolso de quantia e de juros indemnizatórios, sem prejuízo da possibilidade do seu reconhecimento em execução de julgado.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 75.079,46.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

 

 Lisboa, 28-07-2016

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

                                                     

 

(Ana Duarte)

 

 

 

(Carla Castelo Trindade)

(com a declaração de voto que segue)

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

Salvo o devido respeito, que é muito, não perfilho, quanto a duas questões, do entendimento supra referido. Divergi, portanto, da posição que fez vencimento, votando vencido, pelas razões essenciais que passo a resumir.

Uma primeira, relativamente ao não conhecimento de parte do pedido de pronúncia arbitral, porquanto entendo, salvo o devido respeito pela opinião contrária, que a lei não impõe qualquer limitação ao sujeito passivo nem em sede de arbitragem tributária nem, tão pouco, em sede de impugnação judicial, relativamente aos fundamentos invocados em sede de reclamação graciosa quando necessária.

Uma segunda, relativamente ao pedido de reembolso de quantia indevidamente paga e de juros indemnizatórios, na medida em que em meu entender o tribunal arbitral é competente para decidir no presente processo se há ou não direito a reembolso e a juros indemnizatórios.

  1. Da limitação dos fundamentos do pedido de pronúncia arbitral aos fundamentos invocados em sede de reclamação graciosa necessária

Na decisão supra, entendeu-se que a Requerente, tendo-se decidido pela contestação da legalidade do acto de autoliquidação após a imposta apresentação de reclamação graciosa necessária, não poderia, em sede arbitral, invocar outros vícios do acto de autoliquidação, diferentes daqueles invocados no âmbito do procedimento administrativo.

Dito de outro modo, apenas os vícios imputados ao acto de liquidação em sede de impugnação administrativa poderão ser fundamento de declaração de ilegalidade pelos tribunais arbitrais.

Por essa razão, o pedido da Requerente foi apenas parcialmente procedente, tendo a (i)legalidade do acto de autoliquidação sido apreciada apenas à luz da fundamentação da decisão de reclamação graciosa.

Ora, em primeiro lugar, faço aqui a ressalva de que, em meu entender, a reclamação graciosa não era, no caso concreto, necessária. Com efeito, a Requerente apresentou reclamação peticionando a correcção da autoliquidação de IRC, em virtude da desconsideração, para efeitos do apuramento do lucro tributável, do acréscimo do montante de € 485.161,74, relativo a encargos não financeiros dedutíveis ao abrigo do n.º 2 do artigo 32.º do EBF calculados de acordo com a metodologia imposta pela Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, originando o apuramento de um lucro tributável no montante de € 369.997,71, e consequentemente, a correcção do montante de prejuízos fiscais disponíveis para dedução em períodos futuros. Deste modo, o que a Requerente pretendia era discutir a metodologia de cálculo patente na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março. Assim, a meu ver, o caso concreto cai no âmbito da excepção à regra da necessidade de esgotamento prévio da via administrativa, incluindo-se, em rigor, na previsão do n.º 3 do artigo 131.º do CPPT segundo o qual “[q]uando estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, não há lugar à reclamação necessária prevista no n.º 1”. A metodologia de cálculo é, pois, matéria de direito. A Requerente pretendia, como se viu, a correcção dos encargos financeiros não dedutíveis calculados de acordo com aquela Circular. Por conseguinte, a reclamação graciosa era, in casu, facultativa.

Não obstante, ainda que assim não se entendesse – como foi o caso –, i.e., ainda que se considerasse que a reclamação graciosa era necessária, tal não será determinante para se considerar que apenas os vícios imputados ao acto de liquidação nessa sede poderão ser fundamento de declaração de ilegalidade pelos tribunais arbitrais.

Ficou patente, na decisão supra, o entendimento segundo o qual, proferida uma decisão expressa sobre a reclamação graciosa – in casu¸ de indeferimento – o que subsiste na ordem jurídica é a posição da Administração perante a pretensão do contribuinte, ou seja, subsiste o acto de indeferimento expresso. Por essa razão – assim se decidiu – os tribunais arbitrais terão de apreciar a legalidade da autoliquidação – e, por maioria de raciocínio, de retenção na fonte ou de pagamento por conta – com base nos fundamentos invocados pelo contribuinte no âmbito da reclamação graciosa, e apenas nesses.

Salvo o devido respeito, não posso concordar com esse entendimento.

Veja-se, a este propósito, o decidido pelo STA no Acórdão de 03.06.2015, processo
n.º 0793/14, posição que subscrevo na íntegra:

Na impugnação judicial [e digo eu, no pedido de constituição de tribunal arbitral] subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litigio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.”

Os fundamentos utilizados neste acórdão, pese embora se refiram não a uma reclamação graciosa mas ao pedido de revisão oficiosa de actos tributários, têm plena aplicação aos casos de reclamação graciosa necessária.

De facto, “o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise (no mesmo sentido, entre outros, o acórdão deste Supremo Tribunal datado de 18/06/2014, rec. n.º 01942/13), também aqui não faz qualquer sentido que o âmbito da impugnação judicial do acto que decide o pedido de revisão oficiosa esteja limitado pela própria decisão da revisão oficiosa, antes se impondo que esta impugnação judicial possa ter como fundamento qualquer ilegalidade de substância (no presente caso apenas se trata deste tipo de ilegalidade) do acto tributário”.

É imperativo que o processo arbitral, tal como a impugnação judicial, possa ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário – dentro dos limites impostos pelo âmbito material da arbitragem tal como definido no artigo 2.º e na Portaria de Vinculação – não podendo estar limitado pelos fundamentos do contribuinte apresentados em sede de impugnação administrativa. Aliás, não está o julgador tributário – árbitro e juiz – vinculado ao princípio da verdade material?

Ora, se nem o artigo 2.º do RJAT, nem a Portaria de Vinculação, limitam de tal forma a apreciação da legalidade dos actos tributários quando previamente sujeitos a reclamação graciosa necessária, porque haverão os tribunais de o fazer?

Se o próprio artigo 99.º do CPPT admite como fundamento da impugnação judicial – e, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, do pedido de pronúncia arbitral – qualquer ilegalidade, não fazendo qualquer restrição relativamente aos vícios dos actos que podem ser invocados, porque haverá o intérprete de distinguir, de limitar, onde o legislador não o fez?

Por outro lado, enquanto o acto de liquidação não atinge a “presumível estabilidade” que o esgotamento absoluto da possibilidade de ser impugnado com fundamento em vícios geradores de mera anulabilidade, não se afiguram razões de segurança jurídica que justifiquem a não invocação de novos vícios.

Bem se sabe que a exigência de esgotamento prévio dos meios tutelares administrativos, ou seja, de reclamação graciosa necessária apenas se justifica nos casos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta na medida em que ainda não existe um acto praticado pela Administração Tributária, ou seja, porque esta ainda não se pronunciou acerca da pretensão contribuinte. No entanto, a reclamação graciosa necessária não visa a limitação de fundamentos que o contribuinte poderá invocar na impugnação judicial – ou no processo arbitral – posterior para contestar o acto de indeferimento da reclamação graciosa.

A exigência de esgotamento prévio dos meios tutelares administrativos não fica subvertida pela possibilidade do contribuinte invocar, em sede arbitragem ou em sede de impugnação judicial, outros vícios do acto de autoliquidação não invocados na reclamação graciosa, desde logo porque também a Administração Tributária está vinculada ao princípio da legalidade. De facto, se nos termos do artigo 55.º da LGT, a Administração Tributária tem o dever de actuar em obediência à lei, dentro dos limites dos poderes que lhe estão atribuídos, e em conformidade com os fins para que esses poderes lhe foram conferidos, não deverá anular uma autoliquidação ilegal apenas porque o contribuinte não alegou aquele vício de lei em concreto na sua reclamação graciosa? E se assim é, se a Administração está vinculada à lei, por que razão deverão os fundamentos utilizados pelo contribuinte na reclamação graciosa limitar o âmbito do seu pedido de pronúncia arbitral? Mais, se os próprios tribunais arbitrais estão vinculados à lei, se estão adstritos ao princípio da verdade material, com que fundamento se descartam argumentos de ilegalidade utilizados pelo contribuinte apenas porque não foram também utilizados por este em sede de reclamação graciosa?

Pelo exposto, em minha opinião, quer nos casos de reclamação graciosa facultativa, quer nos casos de reclamação graciosa necessária, o contribuinte que decide contestar a legalidade do acto de indeferimento da reclamação poderá invocar quer em sede de arbitragem tributária, qualquer fundamento ou vício do acto tributário, mesmo que não o tenha invocado na apresentação da reclamação graciosa.

Por conseguinte, o tribunal arbitral deveria ter conhecido do pedido de pronúncia arbitral na íntegra, ou seja, devia ter conhecido de todos os fundamentos da Requerente, mesmo aqueles que não foram invocados em sede de reclamação graciosa.

 

  1. Do pedido de condenação na restituição da quantia indevidamente liquidada e respectivos juros indemnizatórios

A Requerente formulou um pedido de reembolso da quantia de € 75.079,46 e dos respectivos juros indemnizatórios o qual foi declarado, por este tribunal, improcedente. Com efeito, tal como se pode ler na decisão supra, o tribunal entendeu não haver elementos no processo que permitam concluir com segurança quais os encargos dedutíveis, na medida em que não ficou demonstrado neste processo a que se destinaram os financiamentos que geraram encargos suportados no ano de 2012.

Salvo o devido respeito, não posso concordar com esta posição do tribunal arbitral.

Se é certo que não ficaram demonstrados quais os encargos dedutíveis, certo é também que na medida em que tal demonstração fazia parte do pedido do de reembolso da quantia indevidamente paga e dos respectivos juros indemnizatórios, podia o tribunal ter conhecido desses elementos. E mesmo que não quisesse conhecer, não poder quantificar nem as correcções devidas nem, consequentemente, os juros indemnizatórios devidos não significa que não possa ou não deva o tribunal declarar a anulabilidade do acto e condenar a Administração tributária ao pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos logo que esta pratique o acto devido em função da decisão do tribunal.

Cumpre, a este propósito, analisar os poderes dos tribunais arbitrais.

Ora, se no artigo 2.º do RJAT o legislador conferiu, de modo expresso e indubitável, poderes de apreciação da (i)legalidade dos actos que sejam submetidos à arbitragem, o mesmo não se pode dizer a respeito dos poderes de anulação e de condenação. Não obstante, as competências anulatórias e condenatórias dos tribunais arbitrais resultam de outras disposições legais, desde logo, do artigo 24.º do RJAT, o qual regula, como se sabe, os efeitos das decisões arbitrais de que não caiba recurso ou impugnação.

De facto, da leitura do artigo 24.º do RJAT facilmente se retiram poderes anulatórios. De acordo com o disposto naquele preceito, a decisão arbitral vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da sua procedência, obrigando a Administração Tributária a:

  1. Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral;
  2. Restabelecer a situação que existiria se o acto objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito;
  3. Rever os actos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os actos tributários objecto de decisão arbitral;
  4. Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar.

As decisões arbitrais têm, por conseguinte, um efeito constitutivo idêntico ao previsto para as decisões judiciais anulatórias.

Também poderes de condenação, e em especial os poderes de condenação no pagamento de juros indemnizatórios ou de indemnização por garantia indevidamente prestada, derivam do preceituado no artigo 24.º do RJAT. Com efeito, quanto a juros, resulta desde logo do n.º 5 daquele preceito que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário”.

Aliás, a jurisprudência arbitral tributária tem sido uniforme quanto a esta questão, de onde podemos destacar a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 66/2013-T:

“Assim, à semelhança do que sucede nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é claro que estes pedidos têm de proceder, já que as liquidações são anuladas e o erro de que enfermam é imputável à Administração Tributária (…)”.

De facto, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

No caso sub judice, e tal como se pode ler na decisão supra, foi realizada uma autoliquidação, a que se seguiu uma reclamação graciosa e um pedido de pronúncia arbitral que determinou, pelo menos parcialmente, a anulação daquele acto tributário. Diz-se pelo menos parcialmente ainda que como se viu se devesse ter analisado e anulado todo o acto tributário. Acresce que, tal como se decidiu, houve erro imputável à Administração Tributária, na decisão da reclamação graciosa. Tal como houve erro de direito na autoliquidação, também ele imputável à Administração Tributária, na medida em que aquela foi efectuada com base em orientações genéricas da Administração, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 43.º da LGT.

Por conseguinte, foi decidida a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da autoliquidação, “nas partes em que consideram ser relevante para a determinação dos encargos indedutíveis, nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, o valor da quota da sociedade C…, LDA.”.

Assim sendo, não se vislumbram também razões para não ser o pedido de condenação na restituição da quantia indevidamente paga, e nos respectivos juros indemnizatórios, procedente.

O que a Requerente peticiona a este tribunal não é nem o cálculo das correcções de imposto devidas, nem, tão pouco o cálculo dos juros devidos, mas sim, apenas, a decisão anulatória e de consequente devolução do imposto pago indevidamente e, bem assim, a decisão condenatória no pagamento de juros. Pagamento esse que é devido nos termos do artigo 43.º da LGT ex vi artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, bem como do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, nos termos do qual a Administração Tributária deve estabelecer a situação que existiria se o acto objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito. O tribunal não se substitui à Administração tributária na emissão do acto devido. O tribunal ao declarar a ilegalidade do acto tributário ou de parte dele obriga a Administração Tributária a repor – com ou sem produção de actos tributários dependendo do caso – a situação que existiria se não tivesse praticado o acto ilegal.

Se assim não fosse, as decisões arbitrais seriam meras “decisões programáticas”, estando na grande maioria dos casos os contribuintes, perante uma decisão que lhes é favorável, sempre obrigados a recorrer aos tribunais judiciais de execução de julgados para poderem ver as suas pretensões plenamente satisfeitas. Este resultado violaria no limite, o princípio da tutela jurisdicional efectiva. E este resultado não é de todo aquele que em meu entender se consagrou com o RJAT. Muito pelo contrário. Não se quis a decisão arbitral tendencialmente definitiva? Não se quis de resto que esta fosse tendencialmente irrecorrível? Não foi este um dos pontos relevantes para a qualificação dos tribunais arbitrais tributários portugueses enquanto órgãos jurisdicionais de um Estado-membro, na acepção do artigo 267.º do TFUE confirmada no âmbito do processo prejudicial n.º C-377/13 (caso Ascendi), em 12 de Junho de 2014?

Deste modo, também os pedidos de reembolso de quantia e de condenação no pagamento de juros indemnizatórios deveriam ter sido julgados procedentes sem necessidade de execução de julgado.

 

 

Lisboa, 28 de Julho de 2016

 

 

(Carla Castelo Trindade)



[2]             Refere-se no Relatório do Orçamento do Estado para 2003, página 51:

«a execução orçamental de 2002 indicia uma quebra de receita resultante da redução dos resultados apresentados por algumas das maiores empresas em 2001, sendo previsível que esta tendência se venha a agravar para 2002, o que determinará nova quebra na receita de 2003. Esta tendência será agravada pelo impacto da descida da taxa nominal de IRC de 32% para 30% com efeitos a partir de 01/01/2002, que poderá ser parcialmente compensada pelo incremento dos valores do pagamento especial por conta».

[3] À face da referida explicação que constam do Relatório do Orçamento para 2003, é duvidoso, pelo menos, que a indedutibilidade de encargos com financiamentos que se prevê na parte final do artigo 32.º, n.º 1 (anteriormente, o artigo 31.ª), se reporta apenas aos conexionados com participações detidas por mais de um ano (interpretação que faz a Autoridade Tributária e Aduaneira na referida Circular) ou se se refere a todos os encargos financeiros derivados da aquisição de participações sociais, mesmo que as participações sociais não venham a ser detidas por mais de um ano.

Na verdade, para além de a letra da lei ser compatível com esta interpretação, é a ela que conduz directamente a explicação dada para a introdução desta medida: «estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS», sem se referir qualquer limitação a esta desconsideração.

No entanto, as Partes não manifestamente discordância quanto ao entendimento de que a indedutibilidade de encargos se reporta apenas aos relativos a financiamentos relacionados com a aquisição de participações sociais que venham a ser detidas por mais de um ano (tese que está ínsita na Circular n.º 7/2004).

[4] Neste sentido, defendendo que deve distinguir-se, para efeitos de aplicação do princípio da legalidade, «entre normas que constituem uma efectiva oneração do contribuinte – sujeitas a reserva de lei – e deveres de cooperação de menor monta que daquela podem ser dispensados (tudo resultando do grau de sacrifício que implicarem e da legitimidade da sua exigência em termos de proporcionalidade) e normas organizatórias da cobrança e liquidação, que não faz sentido sujeitar ao princípio da legalidade», pode ver-se SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, páginas 121-122).

[5] Como é jurisprudência pacífica.

   Neste sentido, pode ver-se o acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 10-05-2000, proferido no processo n.º 39073, AP-DR de 09-12-2002, página 4229, em que se entendeu que «quando a decisão administrativa impugnada (...) assenta numa pluralidade de fundamentos jurídicos distintos e autónomos (no sentido de qualquer um deles é, só por  si, suficiente para alicerçar aquela decisão), o tribunal, para anular ou  declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de  actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação  da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a  verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica  habilitado a invalidar o acto».

Na mesma linha, podem ver-se:

– o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2004, processo n.º 28055, em que se entendeu que «tendo o acto contenciosamente impugnado uma pluralidade de fundamentos, a invalidade de um deles não obsta a que o tribunal conheça dos restantes e só no caso de concluir pela invalidade de todos eles pode e deve julgar o acto nulo ou anulável»;

– o acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 05-06-2007, processo n.º 730/06, em que se entendeu que «tendo a Administração invocado uma pluralidade de fundamentos para o indeferimento a legalidade de alguns deles assegura a validade substantiva da decisão e torna inoperante, caso existam, os vícios da motivação superabundante»;

– os acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 4-7-2013, processo n.º 337/11, e da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 12-06-2012, processo n.º 332/12, de 11-7-2012, processo n.º 466/12, de 11-7-2012, processo n.º 393/12, de 26-9-2012, processo n.º 541/12, e de 9-1-2013, processo n.º 1346/12, em que se entendeu que «a pluralidade de fundamentos autónomos de uma decisão equivale a uma pluralidade de proposições decisórias convergentes para o mesmo resultado» e que, «em princípio, qualquer recurso só poderá ter êxito se atacar, com êxito, todos os fundamentos jurídicos que imediata e autonomamente sustentem a decisão criticada, constituindo um seu antecedente lógico necessário».