Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 153/2022-T
Data da decisão: 2022-11-24  IRC  
Valor do pedido: € 38.972,08
Tema: IRC – 23.º CIRC - Dedução de gastos em IRC; ónus da prova; presunção de veracidade da declaração do contribuinte; requisitos formais das faturas;
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Sumário

1.      Existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.

2.      Tendo a Requerente comprovado a materialidade das operações inseridas no desenvolvimento da sua atividade, relativamente às quais possui faturas e documentos de cuja conjugação resultam os elementos descritores essenciais exigidos no artigo 23.º, n.º 4 do Código do IRC, e não se suscitando risco de fraude e evasão, a solução jurídica do caso concreto à luz da interpretação que se preconiza dos artigos 23.º e 23.º-A do Código do IRC, é a da dedutibilidade dos gastos.

Decisão Arbitral

Relatório

    I.           Identificação Das Partes 

Requerente: A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na a ..., ...-... Lisboa, doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT. 

A Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 10-03-2022.

A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra a Dra. Rita Guerra Alves, aceite por esta, nos termos legalmente previstos.

Em 03-05-2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 23-05-2022, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata. 

Por despacho de 07-10-2022, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e apresentação de alegações foi dispensada.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 II.           Pedido           

3.      A Requerente, deduziu o seu pedido de pronúncia arbitral (PPA) de declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, n.º 2019... e n.º 2021..., relativo ao ano de 2015, que fixou um imposto a pagar de € 38.972,08 (trinta e oito mil novecentos e setenta e dois euros e oito cêntimos),  demonstrações de acerto de contas n.º 2020... e 2021..., e da ilegalidade do ato de indeferimento parcial de reclamação graciosa n.º ...2020... .

III.           Causa De Pedir

4.      A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:

5.      A Requerente alega, que o âmbito desta inspeção, a Administração Tributária corrigiu o lucro tributável de IRC da Requerente 2015 para € 524.079,07 e detetou IVA em falta no montante de € 16.104,44. 

6.      No que respeita ao IVA, a Requerente optou por corrigir voluntariamente a sua situação, submetendo as declarações periódicas relativas ao imposto em causa e pagando o imposto e os juros compensatórios daí decorrentes.

7.      Diferentemente, a Requerente não concorda com a maior parte das correções realizadas pela Administração Tributária em sede de IRC e optou por não corrigir voluntariamente a sua situação quanto a este imposto, tendo por isso sido notificado dos atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios de IRC, acima identificados, nos termos das quais a Administração Tributária: (i) apurou imposto a pagar no valor de € 44.273,97; e (ii) liquidou juros compensatórios no montante de € 6.249,30.

8.      Em suma, a Requerente entendeu desde sempre que estes atos são ilegais porque: (a) A desconsideração de gastos com subcontratos e honorários médicos suportados por falta de documentação anterior à operação de trespasse acima referida é ilegal; (b) As correções relativas às vendas realizadas pela Requerente à sociedade B..., Lda. carecem de fundamento; (c) A liquidação de juros compensatórios é ilegal por não estarem demonstrados – nem se verificarem – os respetivos pressupostos subjetivos e objetivos; e que, em qualquer caso, (d) a Administração Tributária transpôs de forma errada as conclusões do Relatório de Inspeção para a liquidação de IRC contestada.

9.      Em consequência, a Requerente considera que: (i) o seu lucro tributável final corresponde a € 225.520,09 e não aos € 549.209,89 inscritos no Relatório de Inspeção; e que (ii) só deveria ter sido chamada a pagar o valor correspondente a € 12.831,13 e não o valor constante da liquidação n.º 2019 ..., correspondente a € 50.523,27.

10.   Sobre a ilegalidade da liquidação de IRC e das correções subjacentes, a Requerente sustenta que contabilizou encargos relativos a subcontratos e a honorários médicos, as faturas que suportam os gastos em causa são referentes a serviços adquiridos antes da operação de trespasse, ainda que algumas tenham sido emitidas em momento posterior. 

11.   Sustenta a Requerente, que o critério seguido pela Administração Tributária foi apenas e só a data da emissão da fatura: se emitida antes de 1 de maio (data em que se efetivou a operação de trespasse), o respetivo valor foi considerado pela Administração Tributária como gasto dedutível; se emitida posteriormente a essa data, então, o valor foi liminarmente excluído do apuramento do resultado fiscal, por se tratar de gasto não dedutível.

12.   Como resulta claramente da legislação que regula o regime de faturação (os artigos 7.º e 36.º do Código do IVA e o Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro), o momento relevante para o registo dos proveitos/dos gastos e para a tributação associada às prestações de serviços não é a data da emissão da fatura, mas a data da realização do serviço.

13.   Mais refere, que de facto de parte das faturas terem sido emitidas após o trespasse é, quando muito, uma irregularidade punível nos termos do Regime Geral das Infrações Tributárias, mas não pode impedir que a Requerente deduza os gastos efetivamente suportados dos os valores respeitantes a gastos dedutíveis são suportados por documentos anexos às faturas – a que a Administração Tributária teve acesso no âmbito da Inspeção e da Reclamação Graciosa – nos quais se refere o momento da prestação dos serviços.

14.   Neste contexto, defende a Requerente que estes gastos devem ser considerados dedutíveis à luz do disposto nos artigos 18.º e 23.º do Código do IRC.

15.   Sustenta que embora conste de recibos que mencionam uma data de prestação de serviço igual à data da emissão do recibo (o que se deve ao facto de muitos prestadores de serviços desconhecem a importância de inserir a data efetiva da prestação), têm nos documentos anexos informação sobre a data em que os serviços (consultas médicas) foram realizadas.

16.   Nestes termos, as correções relativas aos gastos com subcontratos e honorários médicos são ilegais e devem ser anuladas, conjuntamente com os atos que a traduzem na ordem jurídica, conjuntamente com a decisão da Reclamação Graciosa que os manteve parcialmente na ordem jurídica, com todas as consequências legais. 

17.   Sustenta ainda a Requerente a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, defendendo que para que haja lugar a uma liquidação válida de juros compensatórios é, portanto, preciso que esteja demonstrado que o retardamento da liquidação (o pressuposto objetivo dos juros) se deveu a um facto imputável ao sujeito passivo, ou seja, que este teve culpa no atraso (o pressuposto subjetivo dos juros).

18.   E, não estamos perante uma situação de retardamento na liquidação do imposto porque, na verdade, a Requerente não obteve os rendimentos tributáveis subjacentes ao apuramento (ilegal) do IRC aqui em causa.

19.   E na medida em que não é devido imposto, falha a AT no preenchimento do pressuposto objetivo dos juros.

20.   Termina a Requerente peticionando a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios acima identificados e da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa.

 IV.         Da Resposta da Requerida

21.   A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

22.   Em causa no presente pedido estão gastos, cuja dedutibilidade não foi aceite, por não estarem reunidas as condições legais para o efeito, mormente o terem sido incorridos em momento posterior à celebração do contrato de trespasse (08.05.2015) entre A Requerente  e o C..., SA.

23.   Defende que a clarificação das condições de dedutibilidade dos gastos fiscais foi um dos pontos sobre que incidiu a Reforma do IRC, concretizada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, referindo o seu Anteprojeto o propósito de eliminar divergências interpretativas sobre a questão da prova documental dos gastos contabilizados e inerente litigância.

24.   Sustenta que são três requisitos para que um gasto possa ser deduzido: que tenha efetivamente ocorrido, que tenha sido realizado “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, que se encontre documentado, ou seja, que exista prova documental permita verificar, pelo menos, a existência do gasto e que o mesmo cumpram vários requisitos quanto ao seu conteúdo, nomeadamente que contenha todos os elementos de informação elencados nas alíneas a) a c) do nº 4 do art.º 23º.

25.   Quando a documentação que suporta o gasto não contenha todos estes elementos, tal gasto não será dedutível (art.º 23º-A, nº 1 al. c) do CIRC).

26.   Ora, da conjugação do disposto nos n.º 1, n.º 2, al. a), n.º 3 e n.º 4, al. e) do art.º 23.º do CIRC, resulta claro que para o gasto ser fiscalmente aceite, não basta ter sido incorrido ou suportado pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, é imperioso que esteja comprovado que ocorreu na sua esfera jurídica e tal comprovação obedece a requisitos formais fixados na lei, tendo com fim último prevenir a evasão fiscal.

27.   Não estando em causa a materialidade das operações, a questão que se coloca é a de saber quais as consequências do não cumprimento de algum(uns) requisitos formais.

28.   Ora, uma vez que as faturas não cumpriam os requisitos, nomeadamente porque a data nelas constante é posterior ao trespasse, deixando antever que os gastos não ocorreram na sua esfera jurídica/patrimonial, a consequência é a sua não aceitação, conforme o disposto no art.º 23.ºA, n.º 1, al. c) do CIRC. 

29.   Acresce ainda o que concluíram os SIT sobre a documentação disponibilizada pela Requerente e analisada no decurso da ação inspetiva, principalmente em sede de direito de audição, bem como do sistema e-fatura. Nesta senda, verificaram os SIT o seguinte:

30.   As faturas que alegadamente comprovam os gastos indicam uma data de emissão posterior à data do trespasse. 

31.   Os encargos gerados por serviços prestados em períodos anteriores ao trespasse, independentemente da data de emissão das faturas, deveriam estar obrigatoriamente na contabilidade, por forma a não desvirtuar a verdadeira imagem da atividade quando da transferência, nem distorcer as demonstrações financeiras e apuramento do valor real do trespasse.

32.   Se os encargos fossem na realidade referentes a períodos anteriores ao trespasse, os valores teriam influenciado o valor apurado referente a este e que foi considerado no lucro tributável.

33.   Defende a AT, que o prestador do serviço dispõe de 5 dias úteis para emitir a fatura, caso a isso esteja obrigado, sob pena de cometer infração contraordenacional punível nos termos do RGIT, contudo tal não permite justificar a omissão contabilística.

34.   No caso de adiantamentos, a emissão da fatura deve ocorrer no momento do pagamento.

35.   Ao manter as contas de alguns fornecedores em aberto e a registar gastos após o contrato de trespasse, então o rédito apurado para a operação estaria adulterado, com a omissão de valores e com a agravante de, em grande parte das situações em apreço, estarem envolvidos, como fornecedores, intervenientes diretos no acordo celebrado, em nome do A...  que, por conseguinte, não podiam alegar qualquer desconhecimento.

36.   O contrato de trespasse previu a imputação de direitos e obrigações inerentes à atividade desenvolvida ao adquirente do trespasse, incluindo os constituídos em data anterior à transferência da atividade.

37.   Tal foi assumido pela agora Requerente, com a aceitação da refaturação, por parte do C..., da totalidade dos rendimentos faturados após o trespasse, admitindo não serem seus, independentemente do momento da realização dos serviços. 

38.   Os encargos exigidos após o trespasse, não evidenciados na contabilidade (nomeadamente através de estimativas) no momento da transferência da atividade, uma vez que os direitos e obrigações acessórias foram considerados no apuramento do valor do trespasse, independentemente do momento em que os serviços ocorreram, deveriam ter sido integralmente refaturados ao adquirente do trespasse.

39.   Defende a AT, que a sujeição a tributação desse rendimento iria legitimar a admissibilidade fiscal dos encargos em análise, nos termos do n.º 1 do art.º 23º do CIRC, uma vez que, assim, teriam sido incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. 

40.   Para efeitos de IRC, o gasto tem de estar comprovado/suportado através de documento, que pode não ser fatura, admitindo-se que possa assumir outra natureza, ponto é que tais suportes documentais contenham os elementos exigidos pelo n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, entre outros, a data em que os bens foram adquiridos ou as prestações de serviços realizadas, sob pena de não ser aceite em cumprimento do disposto no art.º 23.º-A, n.º 1, al. c) do CIRC.

41.   Recaindo sobre a Requerente o ónus da prova, quer quanto à existência de um documento de suporte dos gastos que pretende deduzir, quer da verificação dos requisitos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIRC.

42.   Em sede arbitral, pretendendo justificar/comprovar gastos ocorridos em momento anterior ao trespasse (08.05.2015), anexa agora a Requerente o “Doc. N.º 10”, do qual constam faturas referentes à rúbrica “subcontratos e honorários” e também documentos internos.

43.   Ora, relativamente a estas faturas constantes do “Doc. 10”, verifica-se que:- as datas de emissão /ou datas de vencimento nelas indicadas, são posteriores à data da celebração do trespasse (08.05.2015) e outra não consta;- os restantes documentos internos (Quadros e tabelas) não comprovam, per se, inequivocamente que as prestações de serviços ocorreram em data anterior ao trespasse.

44.   Em suma, desta visão de conjunto, isto é, das faturas de suporte e outra documentação interna, bem como da própria contabilidade (que não reflete, por exemplo, os encargos gerados anteriormente ao trespasse), resulta; com o devido respeito, que os gastos aqui em causa não possam ser aceites fiscalmente, porquanto não é possível aferir com segurança e inequivocamente que os mesmos ocorreram na esfera jurídica da Requerente em momento anterior a 08.05.2015.

45.   Finalmente, importa sublinhar que nos termos do disposto no art.º 75.º, n.º 1 da LGT, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.

46.   Tal presunção cessa quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo ou o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária. (al. a) e b) do n.º 2 do art.º 75.º da LGT).

47.   Descendo ao caso sub júdice, e tendo sido levantadas dúvidas fundamentadas aos SIT, as quais foram demonstradas ante a factualidade descrita no RIT, quanto à documentação apresentada, nomeadamente datas das faturas, recai sobre o sujeito passivo inspecionado o esclarecimento da situação em concreto, à luz do disposto no art.º 74.º, n.º 1 da LGT.

48.   Termina a Requerida sustentando que será de julgar o pedido totalmente improcedente, mantendo-se o acto tributário na ordem jurídica.

             I.         Fundamentação De Facto

49.   Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos. 

50.   O objeto social da Requerente consiste na “prestação de serviços médicos, designadamente: a) prestação de serviços médicos em: regime ambulatório, regime de internamento; realização de exames complementares de diagnóstico; procedimentos terapêuticos necessários; b) ações de educação para a saúde; c) formação pós-graduação e investigação científica; d) publicação de elementos de divulgação técnico-científica”. cf. Relatório de Inspeção Tributária “RIT”.

51.   No exercício de 2015, a Requerente trespassou a sua atividade principal para a sociedade C..., SA, passando a ter uma atividade menos relevante, e como principais proveitos as rendas de um imóvel arrendado. cf. doc. 1 e 4 do PPA.

52.   Em agosto de 2019, a AT deu início a uma ação inspetiva relativa ao IRC e ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) do exercício de 2015, cf. RIT.

53.   No âmbito da inspeção, a Administração Tributária corrigiu o lucro tributável de IRC da Requerente do exercício de 2015 para € 524.079,07 e detetou IVA em falta no montante de € 16.104,44, cf. RIT.

54.   No que respeita ao IVA, a Requerente optou por corrigir voluntariamente a sua situação, submetendo as declarações periódicas relativas ao imposto em causa e pagando o imposto e os juros compensatórios daí decorrentes. cf. RIT

55.   Em 19 de junho de 2020, a Requerente apresentou uma Reclamação Graciosa contra aqueles atos de liquidação. cf. cf. RIT

56.   Com referência ao período de 2015 foi emitida a ordem de serviço n.º OI2018..., de âmbito parcial, para IRC e IVA, com vista à confirmação dos valores declarados em 2015. cf. RIT

57.   O SIT propôs as seguintes correções (cfr. RIT): 

RENDIMENTOS 

Conta # 27881053 – C...

Pelos motivos descritos no capítulo II.3.2.2 – 1.A, corrigidos os rendimentos sujeitos a tributação, nos termos do n.º 1 do art.º 20.º do CIRC, por forma a incluir o montante das notas de débito, no valor de € 59.421,79, contabilizadas na conta # 27881053 – D..., pela prestação de serviços médicos, realizados após o trespasse da atividade, mas que ainda faturados pelo A... . 

Conta # 27215 – B...

Pelos motivos descritos no capítulo II.3.2.2 – 1.B, corrigidos os rendimentos sujeitos a tributação por forma a incluir o valor global dos documentos emitidos à sociedade B..., Lda, no montante de € 38.258,21 que foram lançados a crédito na conta # 27215, nos termos do n.º 1 do art.º 20º do CIRC. Rendimentos Omissos Pelos motivos descritos no capítulo II.3.2.2 – 1.C, corrigidos os rendimentos sujeitos a tributação por forma a incluir os rendimentos identificados, cuja contabilização não foi identificada, no montante de € 32.995,27, nos termos do n.º 1 do art.º 20º do CIRC. 

GASTOS 

Perdas por Imparidade 

Pelos motivos descritos no capítulo II.3.2.2 – 3, corrigidos os gastos contabilizados na conta # 65.1.1, no valor de € 195.208,85, por imparidade de dívidas a receber por, em face dos elementos apresentados, não se considerarem verificados os requisitos elencados na alínea c) do n.º 1 do art.º 28º - A do CIRC, para a sua dedução para efeitos fiscais.

Subcontratos

Pelos motivos descritos no capítulo II.3.2.2 - 4.1, corrigidos os gastos contabilizados na rubrica de subcontratos em € 261.556,88, nos termos do n.º 1 do art.º 23º do CIRC, por se considerar que os mesmos não foram incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC na esfera do sujeito passivo. 

Honorários 

Pelos motivos descritos no capítulo II.3.2.2 – 4.2, corrigidos os gastos contabilizados como

Honorários, em € 46.517,25, nos termos do n.º 1 do art.º 23º do CIRC, por se considerar que os mesmos não foram incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC na esfera do sujeito passivo.

(…)

Notificada para exercer o direito de audição a Requerente pronunciou-se tal como se encontra descrito a fls. 25 a 33 do RIT. 

58.   Após análise do alegado pela Requerente, concluíram os SIT ser de efetuar as seguintes correções:

59.   E a seguinte motivação: 

(…)

 

 

60.   A Requerente foi notificada em 9 de dezembro de 2021, através do Ofício n.º..., da decisão de indeferimento parcial proferida no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa n.º ...2020..., cf. RIT.

61.   A Administração Tributária deferiu parcialmente a Reclamação Graciosa no que respeita ao seguinte: 

A uma parte das correções relativas à matéria tributável, reduzida de € 549.209,89 para € 519.241,79 em função: (a) da aceitação do gasto de € 27.968,10 relativo à relação com a sociedade B..., Lda; e (b) da correção de € 2.000,00 no valor de um gasto com honorários médicos indevidamente desconsiderado em sede de inspeção; 

Aos erros de transposição das conclusões do Relatório de Inspeção para a liquidação – a Administração Tributária corrigiu os prejuízos fiscais dedutíveis para € 363.469,25 (correspondentes a 70% da matéria tributável já alterada) e admitiu a dedutibilidade da totalidade dos pagamentos especiais por conta, uma vez que o aumento da coleta resultante da inspeção permite a dedução de todo o imposto antecipado (€ 5.372,33), cf. RIT

62.   Na sequência desta decisão, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2021 ..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., reduzindo o imposto e os juros compensatórios a pagar para o montante total de € 38.972,08. cf. “RIT”

63.   Em dezembro de 2021 a Requerente procedeu ao pagamento do imposto e dos juros indemnizatórios liquidados pela Administração Tributária, bem como dos juros de mora apurados, no valor global de € 41.688,13, cf. RIT

 

  V.           Factos Não Provados

64.   Com relevância para a decisão da causa, não foram identificados factos que que devam ser considerados como não provados.

VI.           Fundamentação Da Matéria De Facto

65.   Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

66.   Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 

67.   Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

68.   Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos.

VII.           Questões Decidendas

69.   Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constituem questões centrais a dirimir, as quais cumprem, pois, apreciar e decidir:

(i)             A declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, n.º 2019... e n.º 2021..., relativo ao exercício do ano de 2015, que  fixou um imposto a pagar de € 38.972,08.

(ii)           Devolução dos montantes pagos pela Requerente e a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

VIII.           Matéria De Direito

70.   Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, a questão submetida a apreciação pelo Tribunal de ilegalidade dos atos tributários objeto do presente PPA, em concreto, apreciar a materialidade dos serviços prestados e a validade dos documentos e faturas apresentadas pela Requerente e se os mesmos cumprem com os requisitos legais do artigo 23.º e 23-A do CIRC para serem fiscalmente aceites como gastos.

71.   Para a Requerente, as faturas que suportam os gastos em causa são referentes a serviços adquiridos em data anterior à operação de trespasse, ainda que algumas tenham sido emitidas em momento posterior, os gastos devem ser considerados dedutíveis à luz do disposto nos artigos 18.º e 23.º do Código do IRC.

72.   Para a Requerida, os gastos, cuja dedutibilidade não foram aceites, por não estarem reunidas as condições legais para o efeito, mormente o terem sido incorridos em momento posterior à celebração do contrato de trespasse, e uma vez que as faturas não cumpriam os requisitos, nomeadamente porque a data nelas constante é posterior ao trespasse, deixando antever que os gastos não ocorreram na sua esfera jurídica/patrimonial, e por conseguinte a consequência é a sua não aceitação, conforme o disposto no art.º 23.ºA, n.º 1, al. c) do CIRC

73.   A matéria de facto está fixada, importa agora proceder à subsunção jurídica, e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com as questões decidendas já enunciadas.

Apreciando,

74.   Sobre esta questão, iniciaremos numa primeira linha por apreciar a materialidade dos serviços constantes nas faturas apresentadas, bem como sobre quem recai o ónus da prova da sua verificação.

75.    Sobre o ónus da prova e a presunção de veracidade dispõe o artigo 75.º da LGT, dentro da temática dos Impostos aqui em apreço, e antes de entrarmos na análise concreta das correções, a quem compete o ónus da prova do cumprimento dos requisitos inerentes ao IVA e IRC.

76.    Deste modo, do artigo 74.º n.º 1 da LGT, resulta: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.".

77.    Acresce que sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca, vide entre outros o Processo Arbitral nº 236/1014-T de 4 de Maio de 2015, que parcialmente se transcreve:

“Em consequência, cabe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua actuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido. Pelo seu lado, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca..” (…) “Como tal, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabe à Requerente a demonstração das bases e situações fácticas em que se sustentam os ajustamentos, desconhecimentos e regularizações que, por ela, foram promovidos e cuja relevância e consistência tributárias afirma, recaindo, pois, sobre a Requerente o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa e sua justificação.”. 

(…) Nesta sequência, deve, ainda, assinalar-se que resulta do artigo 75.º, n.º 1 da LGT que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, se presumem verdadeiras. Porém, esta presunção cessa nomeadamente se essas declarações, contabilidade ou escrita, ou os respectivos dados de suporte, apresentarem omissões, erros e inexactidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (art. 75.º, n.º 2, al. a) da LGT). Recorde-se ainda que, nos termos do n.º 3 do art. 75.º da LGT, “[a] força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar”. (…) Ora, sempre que se aplique a al. a) do n.º 2 do art. 75.º da LGT, “será sobre o contribuinte que recai o ónus de prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existam dúvidas probatórias”, pelo que “as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas” para os efeitos do n.º 1 do art. 100.º do CPPT (vd. assim Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, vol. II, 6ª ed, 2011, p. 133).

 

78.    Nesse mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11: “Nos casos em que a correcção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a activos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos activos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias.”

79.                  Retomando os autos, temos por certo que recai sobre a Requerente  o ónus da prova dos factos inscritos na sua declaração de rendimentos relativos ao ano de 2015, dos gastos apresentados, e da atividade desenvolvida.

80.                  Em qualquer caso, as declarações da Requerente, presumem-se verdadeiras e de boa-fé, princípio base consagrado no artigo 75.º da LGT, conforme se transcreve:

"Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. (Redação da Lei n.º 80-C/2013 de 31 de Dezembro)".

81.    O afastamento da presunção ocorre quando: “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75.º n.º 2 alínea a) e quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 alínea b).

82.    Por conseguinte, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabe à Requerente  o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa, inclusive demonstrar e justificar a sua relevância e consistência tributárias, recorrendo a meios de prova documental e se necessário complementar, os elementos fáticos que sustentam a sua correção, uma vez que foram pela Requerente  promovidos.

83.    In casu, as faturas apresentadas pela Requerente, embora não emitidos por esta, apresentam erros e omissões, em concreto não possuem uma representação fidedigna das datas das prestações dos serviços, nesse sentido, face ao anteriormente exposto, compete-lhe à Requerente demonstrar os períodos efetivos em que foram prestados os serviços constantes nas faturas.

84.    Por sua vez, impende sobre a Requerida, o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) legitimadores da sua atuação, ou seja, compete-lhe a prova do facto por si invocado respeitante às correções que efetuou, o que iremos analisar em detalhe de forma individualizada.

85.       Quanto aos documentos e faturas apresentadas pela Requerente, vejamos se cumprem os requisitos previstos nos artigos nºs 3 e 4 do artigo 23º, em conjugação com a al. c), do nº 1, do artigo 23º-A, do CIRC, e se Requerente comprovou a materialidade das operações inseridas no desenvolvimento da sua atividade.

86.       Iniciaremos pela norma jurídica aplicável designadamente o artigo 23.º do CIRC, aplicável à data dos factos, que dispõe na parte de relevo para a presente decisão, o seguinte:

Artigo 23.º

Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

(…)

3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados. 

5 — (Revogado).

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.

87.   Sobre a temática dos custos fiscalmente aceites, em concreto a aplicabilidade do disposto no artigo 23.º do CIRC, existe extensa jurisprudência, da qual destacamos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) n.º 0372/16 de 15/11/17, o seguinte:“segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos”.

88.   Veja-se também o que foi decidido no Processo arbitral nº217/2018-T:

A clarificação das condições de dedutibilidade dos gastos fiscais foi um dos pontos sobre que incidiu a Reforma do IRC, concretizada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, referindo o seu Anteprojeto[1] o propósito de eliminar divergências interpretativas sobre a questão da prova documental dos gastos contabilizados e inerente litigância. Assim, o princípio geral de que são dedutíveis os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC é modelado por requisitos formais, devendo o sujeito passivo possuir documentos que os comprovem que devem conter os elementos essenciais de identificação das operações, seus intervenientes, valor e data, e, tratando-se de operações que suscitem a obrigação de emissão de uma fatura nos termos do Código do IVA, esses documentos devem revestir essa forma [de fatura]. 

(…)

A norma em apreço foi introduzida com a Reforma do IRC para resolver interpretações divergentes a propósito de questões de “documentação probatória”, como refere o Anteprojeto da Reforma[2], passando a ser obrigatória a posse de uma fatura para efeitos de dedução dos gastos em IRC. Não obstante, afigura-se que a inclusão deste novo requisito formal – a posse de uma fatura – que passou a constar do artigo 23.º, n.º 6 do Código do IRC, se coloca no plano da comprovação das operações, ad probationem, e não no dos seus pressupostos materiais, ad substantiam, e tem por finalidade complementar as medidas de combate à fraude e evasão fiscais.

Deste modo, cremos que se mantêm válidas as considerações de Rui Morais anteriores à Reforma do IRC no sentido de que, para comprovação documental dos gastos, “o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito”, pois “a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efetivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva.” – cf. Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pp. 79-80. No mesmo sentido aponta a jurisprudência do STA, como, a título ilustrativo, a constante dos Acórdãos de 5 de julho de 2012, processo n.º 658/11, e de 14 de setembro de 2011, processo n.º 433/11.

89.   Retomando os autos, os gastos apresentados aferiram  a forma de fatura ou documento e equiparado, cumprindo com o disposto no  n.º 6 do artigo 23.º do CIRC. 

90.   Das faturas apresentadas, a Requerida não as considerou por terem sido emitidas após a data do trespasse, e consequentemente incumpriam com os requisitos formais.

91.   Ora, a Requerente  demonstrou a materialidade das operações, que se refira não vem questionada pela AT, bem como não questiona a veracidade das faturas, aceitando como verdadeiras.

92.   A falta, insuficiência ou incumprimento de algum dos elementos necessários a constar da fatura por aplicação das regras do artigo 36.º CIVA, não afastam a sua dedutibilidade em sede de IRC, cabendo ao sujeito passivo demonstrar e comprovar, a data e os serviços que foram prestados, por força da aplicação do artigo 75.º da LGT, e da consequência para o sujeito passivo do incumprimento dos requisitos formais, o que no caso da fatura, depende da emissão por terceiro, do prestador de serviços, encontrando-se insuficiente, o gasto será desconsiderado no apuramento da matéria coletável de IRC, por incumprimento de um requisito formal.

93.   Ora, da factualidade assente, do conjunto das faturas e documentos juntos pela Requerente, resultam os elementos essenciais de informação exigidos pelo artigo 23.º, n.º 4 do Código do IRC, motivo pelo qual, não assiste razão da AT quando refere que os gastos não são dedutíveis, por incumprimento do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do CIRC, alem do mais o n.º 3 admite que a comprovação documental se efetue por qualquer meio, i.e., “independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”.

94.   A Requerente fez essa comprovação, e a materialidade das operações não foram questionadas pela AT.

95.   O facto de as faturas terem sido emitidas posteriormente à data do trespasse, não afasta este entendimento, uma vez que a Requerente comprovou o período a que se referem os serviços, foram anteriores à data do trespasse.

96.   Nesse sentido, veja-se a decisão do Processo nº 217/2018-T:

Tendo-se chegado na situação concreta à conclusão, inequívoca, de que os gastos foram efetivamente incorridos pela Requerente  no exercício da sua atividade, estão suportados por faturas e documentos de suporte e que inexiste risco de fraude afigura-se que os mesmos se devem considerar dedutíveis.

Desde logo, por um argumento literal, pois o artigo 23.º, n.º 6 do Código do IRC não estatui a indedutibilidade dos gastos por falta de fatura. Por outro lado, o artigo 23.º-A, que enumera os encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, opera uma remissão, na alínea c) do seu n.º 1, para os n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, mas não para o n.º 6 que prevê a obrigatoriedade da fatura, o que não pode deixar de significar uma distinção no tratamento e efeitos que merecem os gastos não devidamente documentados, no sentido daqueles aos quais faltam elementos essenciais de identificação das transações (enumerados no n.º 4), e os gastos que estão comprovados por via documental com menção a todos esses elementos, mas não suportados em fatura, como sucede neste caso.

97.   Por conseguinte, não nos merece duvidas que a Requerente  comprovou a materialidade das operações inseridas no desenvolvimento da sua atividade, relativamente às quais possui faturas e documentos de cuja conjugação resultam os elementos descritores essenciais exigidos no artigo 23.º, n.º 4 do Código do IRC, e não se suscitando risco de fraude e evasão, a solução jurídica do caso concreto à luz da interpretação que se preconiza dos artigos 23.º e 23.º-A do Código do IRC, é a da dedutibilidade dos gastos em apreço. Esta solução, que se alcança no patamar infraconstitucional, é, de igual forma, a que melhor corresponde a uma interpretação conforme aos princípios da igualdade tributária (na vertente de capacidade contributiva) e da proporcionalidade consagrados na Lei Fundamental (artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 103.º, n.º 2 da CRP)

98.   Por outro lado, dos elementos dos autos não emerge qualquer dúvida objetivamente fundada de que as operações em causa não se tenham realizado pelo que, ainda que existisse qualquer incumprimento formal de algumas das alíneas do nº 4 do art. 23º do CIRC, estão identificados todos os elementos necessários ao controlo das operações económicas em causa, sempre havia que considerar não haver violação dos nº 3º e 4º do art. 23º do CIRC, sendo, consequentemente, inaplicável o art. 23º-A, nº 1, al. c), do CIRC.

99.   Dos esclarecimentos prestados e da prova apresentada, pese embora as faturas tenham sido emitidas após a data do trespasse, relembrando, que as faturas não foram emitidas pela Requerente, mas pelos prestadores de serviços, logrou provar a data efetiva da prestação dos serviços constantes nas faturas, que foram prestados em data anterior à data do trespasse.

100. Nesse sentido, conclui-se que os gastos ocorreram na sua esfera jurídica e patrimonial da Requerente, assim, a correção em causa é ilegal, quer por vício de fundamentação insuficiente, equivalente a falta de fundamentação, quer por vício de violação de lei, e são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, nos termos do disposto no artigo 23.º,  e do n.º 1 do artigo 23-A, ambos do CIRC, procedendo o pedido da Requerente.

 IX.         Dos Juros Indemnizatórios

101. Quanto ao pedido da Requerente de pagamento de juros indemnizatórios, e perante o anteriormente exposto, a liquidação na parte abrangida pela anulação, resulta de erro de facto e de direito imputável exclusivamente à administração fiscal, na medida em que, a Requerente  cumpriu o seu dever de declaração.

102. Na verdade, ficou demonstrado que a Requerente  pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido, o que por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem a Requerente direito aos juros indemnizatóriosdevidos, juros esses que devem ser contabilizados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, cujo prazo para pagamento se conta da data de início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT. 

103.Face a todo o exposto e às invocadas normas legais, decide-se pelo provimento do pedido da Requerente.

   X.         DECISÃO

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

      i.         Julgar procedente o pedido da Requerente.

    ii.         Condenar a Requerida, a restituir à Requerente  essa quantia indevidamente liquidada e paga, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos, relativo ao período que mediou entre a data de pagamento do imposto até a sua devolução, bem como, no pagamento dos juros indemnizatórios vincendos a contar da data da notificação da decisão, até, efetivo e integral pagamento, tudo conforme o disposto n.ºs 2.º a 5.ºdo art.º 61.º do CPPT, à taxa legal apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT até integral reembolso.

Fixa-se o valor do processo em € 38.972,08 (trinta e oito mil novecentos e setenta e dois euros e oito cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 1 836.00€ (mil oitocentos e trinta e seis euros) a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º 1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

Notifique-se.

Lisboa, 24 de Novembro de 2022

A Árbitra

Rita Guerra Alves

 

 

 

 



[2] Cf. pp 88 e 99 do Anteprojeto.