Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 150/2022-T
Data da decisão: 2022-11-21  IRS  
Valor do pedido: € 11.136,52
Tema: IRS - Mais-valias imobiliárias. Reinvestimento. Habitação própria e permanente.
Versão em PDF

 

 

 

SUMÁRIO: 

I.              O artigo 10º nº 5 e 6 do CIRS estabelece um benefício fiscal, de exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificados, cumulativamente, determinados requisitos;

II.            Tratando-se de um benefício fiscal, a demonstração da ocorrência dos seus pressupostos corre por conta do contribuinte (artigo 74º nº 1, da LGT);

III.          Com vista ao cumprimento do ónus da prova, impõe-se a alegação e prova de indícios sérios e consistentes do uso dos imóveis como habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado;

IV.          Não basta para o efeito a mera junção de faturas relativas a consumos de água, energia elétrica e telecomunicações.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.                  RELATÓRIO:

 

A..., contribuinte fiscal número..., doravante designado por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a ilegalidade do ato de liquidação de IRS relativo ao exercício de 2019 nº 2021..., no valor global de € 11.136,52 e a sua substituição pela liquidação junta como documento nº 3, bem como a condenação da Autoridade Tributária (AT) ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

 

a)             Na declaração Modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2019, o Requerente declarou a venda da sua habitação própria e permanente, pelo preço de € 335.000,00;

b)             Declarando que o valor de € 239.865,20 seria objeto de reinvestimento para aquisição de habitação própria e permanente;

c)             A AT emitiu a correspondente liquidação, da qual resultou imposto a reembolsar ao Requerente no montante de € 2.970,11, que foi reembolsado;

d)             Em 2020/05/05, o Requerente adquiriu a fração autónoma designada pela letra “D”, do prédio urbano sito na Rua ..., nº..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, descrito na CRP de ... sob o nº ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...;

e)             O qual se destinava a habitação própria e permanente do Requerente, o que ficou a constar do respetivo título de aquisição;

f)              O imóvel adquirido constitui, desde a data da aquisição, a habitação própria e permanente do Requerente;

g)             O Requerente tentou proceder à alteração do seu domicílio fiscal no portal das finanças;

h)             Na declaração Modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2020, o Requerente declarou ter efetuado reinvestimento na aquisição de habitação própria e permanente no valor de € 143.750,00;

i)              A AT emitiu a correspondente liquidação, da qual resultou imposto a reembolsar ao Requerente no montante de € 2.842,80, que foi reembolsado;

j)              A AT emitiu, posteriormente, a liquidação impugnada, desconsiderando o valor do reinvestimento declarado;

k)             A lei apenas estabeleceu uma presunção de que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente, sendo tal presunção ilidível;

l)              A liquidação impugnada viola o artigo 10º nº 5 do CIRS.

 

O Requerente juntou 14 documentos e não arrolou testemunhas.

 

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 20 de maio de 2022.

 

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando em síntese que o Requerente não logrou provar que o imóvel onde alega ter efetuado o reinvestimento do valor da realização obtido no ano de 2019 constitui a sua habitação própria e permanente, concluindo pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com a consequente manutenção da liquidação impugnada na ordem jurídica e a sua absolvição do pedido.

 

A Requerida não juntou documentos, nem arrolou testemunhas.

 

Posteriormente à resposta apresentada pela Requerida, o Requerente juntou aos autos 28 documentos - faturas emitidas pela EDP Comercial, pela Indaqua e pela NOS, relativas a consumos efetuados no imóvel adquirido em 2020, no período compreendido entre 14/05/2020 e 30/04/2022 (EDP Comercial), 07/05/2020 e 20/04/2022 (Indaqua) e 01/06/2020 e 01/06/2022 (NOS), bem como uma carta remetida pela companhia de seguros Ocidental, relativa a um sinistro ocorrido em 19/06/2020.

 

Devidamente notificada para se pronunciar sobre os documentos juntos, a Requerida nada disse.

 

II.              SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

O Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciação do pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS relativo ao exercício de 2019 nº 2021..., bem como do pedido de condenação da Autoridade Tributária (AT) ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal.

No entanto, o tribunal arbitral não é competente para apreciação do pedido de condenação da AT na substituição da liquidação impugnada pela liquidação junta pelo Requerente como documento nº 3.

Com efeito,

O âmbito material da arbitragem tributária encontra-se fixado no artigo 2º nº 1 do RJAT, que determina:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.”

Não se insere, assim, no âmbito de competência material do tribunal arbitral a condenação da AT à substituição de uma liquidação.

O tribunal arbitral apenas poderá, no âmbito da sua competência e sendo caso disso, declarar a ilegalidade do ato de liquidação, cabendo depois à AT levar a cabo os atos necessários ao cumprimento da decisão proferida, entre os quais se poderá incluir a substituição pela liquidação requerida pelo sujeito passivo. 

A infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso.

Assim, pese embora tal incompetência não tenha sido suscitada pela Requerida, impõe-se a este tribunal conhecer oficiosamente da mesma.

Nesta conformidade, o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para conhecer do pedido de condenação da AT na substituição da liquidação impugnada pela liquidação junta pelo Requerente como documento nº 3, o que importa a absolvição da instância, nessa parte, da Requerida.

 

III.            QUESTÃO A DECIDIR:

 

A questão a decidir é a de saber se o ganho proveniente da venda do imóvel ocorrida em 2019 e utilizado na aquisição do imóvel adquirido em 2020 beneficia da exclusão da tributação prevista no artigo 10º nº 5 do CIRS.

IV.            MATÉRIA DE FACTO:

 

a.       Factos provados:

 

Com relevo para a decisão consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)             Em 30/10/2019, o Requerente vendeu a fração autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “D”, do prédio urbano sito na Rua ..., nº ..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na CRP ... sob o nº ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., pelo preço de € 335.000,00;

b)            Na declaração Modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2019, o Requerente declarou a venda do imóvel a que se alude em a) e manifestou a intenção de proceder ao reinvestimento para aquisição de habitação própria e permanente do valor de € 239.865,20;

c)             Em 2020/05/05, o Requerente adquiriu a fração autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “D”, do prédio urbano sito na Rua ..., nº ..., freguesia de ..., concelho de Santa Maria da Feira, descrito na CRP de ... sob o nº ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...;

d)            Tendo ficado a constar do respetivo título de aquisição que o imóvel adquirido se destinava a habitação própria e permanente do Requerente;

e)             Em 06/05/2020, o Requerente celebrou contrato de fornecimento de água com a Indaqua;

f)              Em 14/05/2020, o Requerente celebrou contrato de fornecimento de eletricidade com a EDP Comercial;

g)             Encontra-se emitido em nome do Requerente um Certificado de Matrícula - Documento Único Automóvel, com a morada correspondente ao imóvel a que se alude em c);

h)            Em 11/10/2020, o Requerente enviou, através da sua área reservada do Portal das Finanças, um pedido de informações/esclarecimentos, do seguinte teor: “Boa tarde. Tenho estado a tentar fazer a alteração de morada, mas não tenho conseguido. Solicito ajuda para o efeito. Cump.”;

i)              Na declaração Modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2020, o Requerente declarou ter efetuado reinvestimento na aquisição de habitação própria e permanente do valor de € 143.750,00;

j)              A AT desconsiderou o reinvestimento declarado e, em consequência, emitiu a nota de liquidação de IRS relativo ao exercício de 2019 nº 2021..., da qual resultou imposto a pagar no valor global de € 11.136,52;

k)            Nos períodos compreendidos entre 14/05/2020 e 30/04/2022, verificaram-se consumos de energia elétrica no imóvel a que se alude em c) dos factos provados;

l)              Nos períodos compreendidos entre 07/05/2020 e 20/04/2022, verificaram-se consumos de água no imóvel a que se alude em c) dos factos provados;

m)           Nos períodos compreendidos entre 01/06/2020 e 01/06/2022, verificaram-se consumos de serviços de telecomunicações faturados ao Requerente, tendo as respetivas faturas sido remetidas para a morada do imóvel a que se alude em c) dos factos provados.

 

b.      Factos não provados:

 

Com relevo para a decisão, não resultou provado que o Requerente tenha, após a respetiva aquisição, afetado o imóvel adquirido em 2020, a que se alude na alínea c) dos factos provados, à sua habitação própria e permanente.

 

c.       Fundamentação da matéria de facto:

 

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pelas partes, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

Quanto ao facto não provado, a sua convicção teve por base a total ausência de prova nesse sentido efetuada pelo Requerente, a quem incumbia demonstrar o facto que veio a ser julgado não provado.

 

Note-se que, como é alegado pelo Requerente e admitido pela Requerida, a presunção estabelecida na lei de correspondência entre domicílio fiscal e habitação própria e permanente é ilidível mediante prova em contrário.

 

Sendo certo que é sobre o sujeito passivo que incumbe o ónus de fazer tal prova, conforme decorre expressamente do disposto no artigo 74º nº 1 da LGT, nos termos do qual “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

 

No entanto, cremos não ter o Requerente, a quem incumbia o respetivo ónus, logrado fazer a prova do contrário.

 

Com efeito, pese embora o Requerente tenha junto aos autos os documentos que serviram de base à inclusão na matéria de facto provada dos pontos k), l) e m), a verdade é que tais documentos e os consumos a eles inerentes não são aptos a demonstrar que os mesmos tenham sido efetuados pelo Requerente, o que se impunha para demonstrar que este afetou o imóvel adquirido à sua habitação própria e permanente.

 

Na verdade, tais consumos tanto podiam ter sido efetuados pelo Requerente como por terceiro, como sucede, por exemplo, em casas arrendadas com despesas incluídas, a suportar pelo senhorio.

 

Note-se, aliás, no que diz respeito às faturas da EDP Comercial juntas, que estas, apesar de se referirem a uma morada de fornecimento correspondente ao imóvel adquirido pelo Requerente em 2020, foram todas remetidas para a morada do imóvel vendido em 2019, o que, em face da tese apresentada pelo Requerente, não faz sentido, sempre se lhe impondo esclarecer, o que não logrou fazer, a razão pela qual continuou a receber numa morada que já não seria a sua faturas de consumos efetuados noutra morada. 

 

Para demonstrar a afetação do imóvel a habitação própria e permanente, impunha-se ao Requerente alegar e demonstrar que o imóvel adquirido constituía a sua residência habitual e permanente, no sentido de que nele organizava e nele se encontrava fixado o centro da sua vida familiar, social e económica, com estabilidade e de forma duradoura.

 

E tal demonstração carecia de ser efetuada por outros meios que não a mera junção de faturas relativas a consumos de eletricidade, água e telecomunicações, designadamente através de junção de registos de contactos com outras entidades, como bancos ou através de prova testemunhal, que não foi indicada.

 

Da mesma forma, não é apto a demonstrar que o Requerente destinou o prédio adquirido à sua habitação própria e permanente o facto de tal declaração ter ficado a constar da escritura de aquisição do imóvel, já que, na escritura, o Notário limita-se a atestar o que as partes declararam no ato e nada mais.

 

Não tendo, da mesma forma, o Certificado de Matrícula - Documento Único Automóvel a virtualidade de demonstração de que a habitação própria e permanente do Requerente corresponde ao imóvel adquirido em 2020.

 

Assim, não tendo o Requerente logrado demonstrar a afetação do imóvel adquirido a habitação própria e permanente, não se mostra ilidida a presunção de identidade entre domicílio fiscal e residência habitual.

 

 

V.              DIREITO:

 

Conforme resulta do disposto no artigo 1º nº 1 do CIRS, este imposto incide sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias nele elencadas.

 

Uma das categorias é a Categoria G - Incrementos patrimoniais, entre as quais se incluem as mais-valias, definidas como os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem, designadamente, da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis - cfr. artigos 9º e 10º nº 1 a) do CIRS.

 

Prescreve a alínea a) do nº 4 do artigo 10º do CIRS que o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nas situações previstas nas alíneas a), b), c) e i) do n.º 1.

 

Com relevância para os autos, dispõem os números 5 e 6 do referido artigo 10º:

 

“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

 

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

 

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

 

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

 

6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

 

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento” (sublinhados nossos).

 

Verifica-se, assim, serem requisitos cumulativos para a exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente:

1)    Que o valor de realização (deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel) seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino;

2)    Que o reinvestimento seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

3)    Que o sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento;

4)    Que o sujeito passivo afete o imóvel adquirido à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento.

 

 

Sobre o regime da exclusão de tributação previsto no artigo 10º nº 5 do CIRS, veja-se o que se consignou no Ac. do TCA de 30SET2020, processo nº 2960/10.4BELRS, in www.dgsi.pt:

 

“O objectivo geral do regime de exclusão da incidência é, pois, não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se a técnica de rol-over, que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados à habitação e situados em território nacional. A exclusão referida só vale pois para as mais-valias de imóveis destinados a habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino. O imóvel “de partida” e o imóvel “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão de incidência – e mais-valia realizada no imóvel de “partida” será tributável

 

Nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal prevista no art. 19.º da LGT pode ser demonstrada a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, e por conseguinte, não obsta ao preenchimento do pressuposto de “habitação permanente” o n.º 5 do art. 10.º do CIRS a não comunicação da alteração do domicílio fiscal.

 

O requisito da permanência na “habitação” (a lei não utiliza o termo “residência”), deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade e não propriamente no sentido cronológico absoluto de estadia sem qualquer solução de continuidade. Para se assegurar a finalidade subjacente à atribuição do benefício fiscal, que consiste em estimular e incentivar o acesso à habitação própria (cfr. al. c) do nº 2 do art. 65º da CRP), basta que o beneficiado organize no prédio as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação. // Para este efeito, os actos ou factos que demonstram a ligação do beneficiado ao prédio (…) não se esgotam na ligação à circunscrição fiscal onde se situa o prédio ou na correspondência da habitação com o domicílio fiscal registado nos serviços de finanças. É certo que estes elementos são indícios de que o beneficiado pretende fixar ou fixou a sua morada real e efectiva no prédio (…). Todavia, a morada em certo lugar, a habitatio, deve demonstrar-se através “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.”

 

Concluindo-se no referido aresto:

“Com vista à demonstração dos pressupostos da isenção de tributação das mais-valias obtidas na alienação de imóveis, com base no seu uso como habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado, não basta a junção de facturas relativas a despesas de funcionamento dos mesmos.

O cumprimento do ónus da prova referido implica a alegação e prova de indícios sérios, consistentes, conciliados com outros meios de prova, do uso dos imóveis como habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado.”

 

Está em causa, como bem se salienta no acórdão citado, a invocação de um benefício fiscal, pelo que a demonstração da ocorrência dos seus pressupostos corre por conta do contribuinte (artigo 74.º/1, da LGT). 

 

No caso dos autos, como resultou provado - cfr. pontos a), b), c) e d) da matéria de facto provada -, encontram-se verificados os três primeiros requisitos.

 

No entanto, não se verificou o último requisito, já que não resultou provado que o Requerente tenha afetado o imóvel adquirido à sua habitação própria e permanente dentro do prazo legalmente previsto.

 

De onde resulta não se encontrarem verificados os requisitos, cumulativos, de que a lei faz depender a possibilidade de exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente.

 

Improcede, assim, o pedido arbitral formulado, de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS relativo ao exercício de 2019 nº 2021..., no valor global de € 11.136,52, bem como a condenação da Autoridade Tributária (AT) ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal.

 

 

VI.            DISPOSITIVO:

 

Em face do exposto, decide-se: 

a)             Julgar o Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar o pedido de condenação da AT na substituição da liquidação impugnada pela liquidação junta pelo Requerente como documento nº 3, e, em consequência, absolver a AT da instância;

b)             Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS relativo ao exercício de 2019 nº 2021..., no valor global de € 11.136,52;

c)             Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal.

 

***

Fixa-se o valor do processo em € 11.136,52, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

***

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pelo Requerente, por ser a parte vencida.

***

***

Registe e notifique. 

Lisboa, 21 de novembro de 2022.

***

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira