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Sumário:
I – Aplicação do regime de residente não habitual (RNH) para efeitos do artigo 16º e 72 nº 6 (actual 10º) do Código do IRS
II - Densificação do conceito de quadro superior de empresa para efeitos do regime dos RNH
III – Um indivíduo contratado para exercer funções de Chief Operating Officer reportando directamente ao Presidente do Conselho de Administração da empresa exerce a actividade de elevado valor acrescentado correspondente a Quadro Superior de Empresa.
DECISÃO ARBITRAL
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
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O Requerente A…, titular do número de identificação fiscal … (“Requerente”), residente na Rua …, São Paulo/SP, Brasil, notificado da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2021 … e da liquidação de juros compensatórios n.º 2021 …, ambas referentes ao ano de 2017, no montante adicional total de €31.694,13, e com elas não se conformando, vem, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”) e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral.
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O presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) tem como objecto o acto de liquidação nº 2021…, referente ao ano de 2017, do qual resultou imposto a pagar no montante de 31.694,13 €.
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Para tanto, o Requerente vem alegar a ilegalidade de tal acto de liquidação porquanto, na qualidade de residente não habitual (RNH) os rendimentos da categoria A que auferiu no ano de 2017 são decorrentes de uma AEVA (Actividade de Elevado Valor Acrescentado), sujeitos a uma taxa especial de 20%, nos termos da Portaria nº 12/2010, de 07/01 e do nº 10 do art. 72º do CIRS (redacção à data dos factos).
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Fundamenta o pedido nos seguintes argumentos de facto e de direito:
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A correcção feita pela AT é ilegal porquanto o Requerente, na qualidade de residente não habitual (RNH) auferiu rendimentos da categoria A no ano de 2017, decorrentes de uma AEVA (Actividade de Elevado Valor Acrescentado), sujeitos a uma taxa especial de 20%, nos termos da Portaria nº 12/2010, de 07/01 e do nº 6 do art. 72º do CIRS (redacção à data dos factos) – factualidade que foi desconsiderada pela AT;
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A AT violou o artigo 72.º, n.º 10, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”) e da Portaria n.º 12/2010, de 7 de Janeiro, por estar demonstrado forma evidente que o Requerente exercia funções como quadro superior da J…, sendo além disso engenheiro (e exercendo por isso não uma mas duas atividades classificadas como AEVA);
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Violou o disposto no artigo 55.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) na medida em que a exigência de procuração escrita decorre (e em qualquer caso não sendo imprescindível e permitindo outros elementos de prova de que resulte a atividade efetivamente exercida) de circulares da AT, não sendo, por isso, vinculativa nem podendo ser tida como determinante e muito menos impreterível para aferir se um determinado trabalhador exerce ou não atividade como quadro superior de uma entidade ;
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Praticou manifestos erros na análise do enquadramento fático (que consequentemente geram erros na aplicação do Direito) por ter desconsiderado as funções materialmente exercidas, que decorrem do cargo de Diretor de Operações que exercia na J… e o seu papel absolutamente central na condução das operações como um todo da empresa;
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Violou os princípios da prevalência da substância sobre a forma e da justiça, ao considerar a AT que pelo simples facto de não dispor de uma procuração o Requerente não poderia ser tributado ao abrigo de uma AEVA, enquanto RNH em Portugal;
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Sem prejuízo da procedência dos vícios antes invocados (por si só invalidantes da Liquidação Contestada) esta é ainda ilegal e deverá ser anulada na medida em que é violadora do disposto no artigo 72.º, n.º 6, do CIRS e da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, atendendo à classificação da atividade profissional desenvolvida pelo Requerente como “engenheiro”, o que tem correspondência com o código 102 da lista de AEVA aprovada pela referida portaria;
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Numa perspetiva material e económica (e não meramente formalista) é indiscutível que, no âmbito das funções de COO exercidas em 2017 e em 2018 junto da J…, o Requerente era um quadro superior da J… e é engenheiro, pelo que todos os rendimentos de categoria A, pagos por esta empresa no ano de 2017, deverão ser considerados decorrentes de uma AEVA, sendo a Liquidação Contestada, que assim não considera, manifestamente ilegal e devendo ser anulada.
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Por seu turno a Requerida sustenta a correcção efectuada pela Autoridade Tributária com base nos seguintes argumentos:
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Considera a AT que o PPA, a declaração emitida pela J… e o certificado de habilitações com o grau académico do Requerente não têm a virtualidade de demonstrar que este exerceu a AEVA de “quadro superior de empresa”;
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Ainda que se reconheça que o conceito de quadro superior de empresa é um conceito indeterminado, que carece de concretização casuística, e que tem como pressuposto a vinculação empresarial e o desempenho de funções de direção, alega a AT que a procuração é um elemento densificador do conceito de quadro superior de empresa, que erige em indispensável e sem o qual entende não poder concluir-se pelo exercício de tais funções;
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No caso concreto, o Requerente não apresentou procuração e não fez qualquer outra prova idónea de que detinha poderes de vinculação para com a empresa empregadora” (cf. artigo 41.º da Resposta), entende a AT que o Requerente “...não demonstrou que detinha poderes para vincular a J… perante terceiros, designadamente mediante a apresentação de uma procuração para o efeito e também porque não fez prova de que exercia funções de direcção.” (cf. artigo 43.º da Resposta);
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Acrescentando ainda que “...não se extrai da prova apresentada pelo R. a posição hierárquica superior profusamente mencionada no PPA.” (cf. artigo 47.º da Resposta);
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Por fim, quanto à qualificação do Requerente como engenheiro, salienta a AT que “...o exercício da profissão de engenheiro em Portugal depende da inscrição na Ordem dos Engenheiros em Portugal” (cf. artigo 58.º da Resposta), pelo que, alegadamente, a demonstração de engenheiro não se bastaria com a declaração da entidade empregadora e com o certificado de habilitações do Requerente.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 7 de Setembro de 2021.
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O Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular a Sra. Profª, Doutora Ana Paula Marques Rocha, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, 28/10/2021, e notificou as partes dessa designação.
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O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 17 de Novembro de 2021; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
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Nos termos art.º 17.º do RJAT, foi a AT notificada para apresentar resposta.
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A AT apresentou a sua Resposta em 21 de Dezembro de 2021, juntando cópia do processo administrativo.
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Em 18 de Janeiro de 2022 o Tribunal emitiu Despacho face à apresentação de diversas testemunhas por parte do Requerente e à consideração por parte da Requerida da desnecessidade de as ouvir, tendo determinado o seguinte:
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Admitir a inquirição das testemunhas B…, C…, D… e E…, por se tratarem de testemunhas a inquirir sobre matérias não especificamente incluídas nos pontos 8.º a 65.º do Pedido de Pronúncia Arbitral (os quais são objeto de prova documental, como aliás indica a Requerente nos pontos 66.º a 68.º de tal Pedido) e/ou que, em função das suas responsabilidades profissionais, poderão aportar esclarecimentos importantes sobre matéria de facto especialmente colocada em causa pela Requerida; e
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Dispensar a inquirição das testemunhas F…, G…, H… e I…, por considerar que os factos sobre os quais incidiria a inquirição de tais testemunhas se encontra já provado por prova documental.
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Para efeitos de realização da audiência de julgamento prevista no artigo 18.º do RJAT, designou-se o dia 10 de Fevereiro de 2022, pelas 14h30 bem como que a audiência será realizada por videoconferência.
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Em 10 de Fevereiro de 2022 realizou-se a audiência de julgamento tendo sido devidamente ouvidas as testemunhas.
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A Requerente apresentou alegações em 28 de Fevereiro de 2022 e a Requerida em 11 de Março.
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A 11 de Março de 2023 foi emitido Despacho pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD aceitando a renúncia às funções de árbitro da Sra. Profª. Doutora Ana Paula Marques Rocha e a substituição pela Sra. Dra. Ana Teixeira de Sousa, que aceitou a nomeação.
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Foram emitidos Despachos de prorrogação do prazo para a prolação da decisão em 13 de Maio, 12 de Julho e 16 de Setembro.
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As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
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A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
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O processo não enferma de nulidades.
II – Fundamentação; a matéria de facto
II.A. Factos que se consideram provados e com relevância para a decisão
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O Requerente tornou-se residente fiscal em Portugal a partir de 2017 para desempenhar as tarefas profissionais que lhe foram confiadas pela J….
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Em Novembro de 2017 o Requerente solicitou a sua inscrição como residente não habitual, com efeitos desde esse ano, tendo sido aceite tal inscrição pela AT, pelo que o Requerente passou a estar inscrito como residente não habitual desde o ano de 2017 (documento n.º 6).
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Após o deferimento da inscrição como residente não habitual, o Requerente apresentou um pedido de inscrição da sua atividade profissional como AEVA com o código “102 – Engenheiros”, nos termos da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro (documento n.º 7).
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O pedido em questão foi apresentado com efeitos ano de 2017, uma vez que o exercício das suas funções profissionais na J… teve início no dia 11 de Setembro de 2017.
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Juntamente com este pedido foi enviada uma declaração da J…, dirigida à Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, que atestava que o Requerente exercia uma AEVA, nos termos e para os efeitos da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, nomeadamente (cf. documento n.º 2 do pedido de reconhecimento da AEVA junto como documento n.º 7).
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Esta declaração está assinada pelos então Presidente do Conselho de Administração Executivo (CEO), Senhor Eng. K…, e administrador com o pelouro financeiro (CFO), Senhor Dr. L… – a J… reconhece expressamente que:
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O Requerente “exercia uma atividade de elevado valor acrescentado, nomeadamente como Engenheiro (Código 102, conforme Portaria n.º 12/2010 de 7 de Janeiro)”;
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O Requerente auferia rendimentos pelo exercício daquelas funções de engenheiro;
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A função de engenheiro era “exercida em acumulação com outras funções desempenhadas na mesma entidade, designadamente, enquanto Chief Operating Officer” (“COO”); e
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Reconhece ainda que o exercício destas funções de COO “careciam] do suporte técnico que as competências aportadas pela sua formação académica e experiência profissional como Engenheiro veiculam”.
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Para além da declaração da J…, o Requerente apresentou o seu diploma universitário, emitido pela Universidade Estadual de Campinas, no Brasil, no dia 29 de agosto de 1998 e que atesta que o Requerente obteve o grau académico de engenheiro, após a conclusão dos respetivos estudos superiores naquela universidade (cf. documento n.º 3 do pedido de reconhecimento da AEVA junto como documento n.º 2).
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No dia 31 de Maio de 2018 o Requerente apresentou a declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2017 (cf. documento n.º 8).
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Os rendimentos do trabalho dependente pagos pela J… no ano de 2017 (€126.422,09) foram inscritos no quadro 4-A do Anexo A, tendo sido igualmente declarado o valor das retenções na fonte de IRS (€25.283,00), as contribuições para a Segurança Social (€9.618,97) e a retenção na fonte de sobretaxa de IRS (€1.843,00);
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No Anexo L foram inscritos aqueles rendimentos do trabalho dependente, no montante de €126.422,09, no respetivo quadro 4-A, em que se identificou que os mesmos tinham sido obtidos no âmbito de uma AEVA com o código 802 – “Quadros superiores de empresas”;
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No mesmo Anexo L, o Requerente optou pela sujeição dos rendimentos do trabalho, no montante de €126.422,09, a tributação autónoma à taxa de 20% (cf. quadro 6 do Anexo L).
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Em resultado da apresentação desta declaração de IRS para o ano de 2017, em Agosto de 2018 foi emitida a liquidação de IRS com o n.º 2018…, da qual resultou um montante de imposto a pagar de €508,40 (documento n.º 9).
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O Requerente procedeu ao pagamento deste montante de imposto no dia 5 de Setembro de 2018 (documento n.º 10).
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Após a apresentação da declaração de IRS para o ano de 2017 foi iniciado um processo de divergência com o n.º …, que se destinava à comprovação da AEVA inscrita na declaração de IRS em questão.
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Em resposta a essa divergência, o Requerente apresentou esclarecimentos no dia 10 de Setembro de 2018, através do Portal das Finanças, tendo enviado cópia da documentação apresentada anteriormente (aquando do pedido de reconhecimento da AEVA) (documento n.º 11).
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O Requerente efectuou contactos para obtenção de informação sobre o ponto situação do estado da análise do pedido de reconhecimento do desempenho de uma AEVA, destacando-se o pedido de informação enviado no dia 16 de Abril de 2019 através do Atendimento e-balcão do Portal das Finanças (documento n.º 12).
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A 28 de Janeiro de 2021 o Requerente entrou em contacto com o serviço de finanças de Cascais-…, por e-mail, descrevendo toda a documentação que tinha sido apresentada para a comprovação do desempenho de uma AEVA no ano de 2017 e que deveria conduzir ao encerramento do processo de divergência com o n.º … (documento n.º 13).
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No dia 29 de Janeiro de 2021, o serviço de finanças de Cascais-… respondeu (documento n.º 13) que, “nos termos da circular circular nº 4 /2019” seria necessário apresentar os seguintes documentos:
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“Em relação ao ano de 2017 para justificar a AEVA código 802, é necessário enviar documento comprovativo do exercício do cargo de direção (por exemplo contrato de trabalho), e procuração onde conste que possui poderes de vinculação da empresa.”
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Em resposta ao e-mail do serviço de finanças de Cascais-… o Requerente enviou, no dia 4 de fevereiro de 2021, uma cópia do contrato de trabalho celebrado com a J… no dia 11 de Setembro de 2017 (documento n.º 14).
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Através de notificação da AT, datada de 16 de Abril de 2021, o Requerente foi notificado da conclusão do processo de divergências (documento n.º 15).
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A AT informou o Requerente de que entendia que deveria haver lugar à correção do Anexo L da declaração Modelo 3 de IRS de 2017, o que implicava a desconsideração do montante total de rendimentos do trabalho obtidos nesse ano (€126.422,09) como rendimentos obtidos no âmbito de uma AEVA.
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A AT esclareceu em tal documento que na decorrência desta alteração “será V.a Ex.ª oportunamente notificado da liquidação do correspondente imposto, da qual poderá reclamar/impugnar nos termos do artigo 140º do Código do IRS e artigos 68º/99º e segs. Do Código de procedimento e de Processo tributário.” (documento n.º 15).
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Foi emitida a liquidação adicional de IRS com o n.º 2021 …, da qual resultou um montante de imposto a pagar no valor de €28.423,49, acrescido de €3.270,64 de juros compensatórios, no valor total a pagar de €31.694,13 – “Liquidação Contestada” – cujo prazo para pagamento terminava no dia 9 de Junho de 2021 (documento n.º 1).
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O Requerente procedeu ao pagamento da Liquidação Contestada no dia 1 de Junho de 2021 (documento n.º 16).
II.B. Factos que se consideram não provados
Com base nos elementos documentais disponibilizados nos autos e consensualmente aceites pelas partes, verifica-se que, com interesse para a decisão da causa, nada ficou por provar, não havendo controvérsia sobre a matéria de facto.
III – Fundamentação: a matéria de Direito
Como não se verificam nulidades processuais nem foram aduzidas excepções passemos ao exame do mérito da causa.
III. Do Mérito
III.1. Posição do Requerente
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O Requerente sustenta que exerce uma Actividade de Elevado valor Acrescentado (AEVA) como quadro superior de empresas e que tendo efectuado devida prova lhe deve ser aplicada a taxa de 20% aos rendimentos do trabalho.
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Para este efeito alega que foi contratado pela J… para desempenhar, a partir do próprio dia 11 de setembro de 2017, as funções correspondentes ao cargo de Diretor Executivo de Operações (COO – Chief Operating Officer) – cf. cláusula 1.ª/1 do contrato de trabalho.
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O superior hierárquico a quem o Requerente reportava, no âmbito do exercício destas funções, era ao próprio Presidente do Conselho de Administração da J….
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Apesar de reportar diretamente ao Presidente do Conselho de Administração da J…, todas as suas funções foram desempenhadas no âmbito de uma relação laboral, dado que o Requerente não foi, em nenhum momento, nomeado administrador da J….
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Em termos das funções, tarefas e responsabilidades que integravam o cargo exercido de Quadro Superior de Empresas incluíam-se as seguintes:
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Chefe das operações de voos;
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Liderança das equipas de voos;
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Responsável pelo Safety & Security;
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Coordenação da operação de solo, carga e correios em todos os aeroportos portugueses e estrangeiros;
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Coordenação do centro de controlo de voos;
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Coordenação entre a J… e a M… –, S.A. (“M…”);
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Compliance monitoring; e
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Acresce que lhe cabiam funções de representação da empresa entidade patronal J… junto de várias entidades tais como a N… Portugal, E.P.E entidade responsável pela gestão do espaço aéreo português); o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (entidade responsável pelo controlo de fronteiras em Portugal) e O… Portugal (a empresa responsável pela gestão do aeroporto português).
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Entende o Requerente que a Liquidação Contestada é ilegal, devendo como tal ser anulada com todas as consequências legais, padecendo de vício de ilegalidade decorrente da violação do disposto no artigo 72.º, n.º 10 do Código do IRS e na Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro (na redação em vigor à data dos factos).
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Sustenta que fez, atempadamente e sempre que lhes foi requerido, a prova adequada das funções exercidas pelo Requerente, oferecendo vários meios de prova, de acordo com o princípio geral de prova admitido em Direito Fiscal, que resulta inclusivamente do art. 75º da LGT.
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Não tendo sido apresentada a procuração escrita – elemento essencial, na ótica da AT, para o desempenho de uma função de “quadro superior de empresa” – conclui a AT que não era desenvolvida uma AEVA pelo Requerente.
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Para o Requerente a exigência de uma procuração escrita para a qualificação de uma determinada atividade profissional como “quadro superior de empresa” resulta da Circular n.º 2/2010, de 6 de Maio de 2010 e da Circular n.º 4/2019, de 8 de Outubro de 2019, e não é compatível com a lei pois nem o artigo 72.º, n.º 10 do Código do IRS nem a Portaria n.º 12/2010, de 7 de Janeiro exigem, em nenhuma circunstância, que um contribuinte tenha de ser mandatário da entidade patronal, através de procuração escrita, para que possa ser considerado um “quadro superior de empresa”.
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Cita jurisprudência diversa, quer dos tribunais judiciais quer do CAAD para concluir que as exigências feitas pela AT através das circulares não poderão manter-se sempre que as mesmas ponham em causa a correta aplicação das normas que pretendem interpretar.
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Fundamenta também com vária jurisprudência: Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, acórdão tirado no processo n.º 08S1540 (de 24/09/2008) e as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.ºs 505-2018-T (de 18/06/2019) e 103/2019-T (de 14/10/2019 a sua tese no sentido de que
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As funções efetivamente exercidas pelo trabalhador é que são determinantes para a qualificação como “quadro superior”, principalmente dentro da estrutura da empresa;
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A relação entre o trabalhador e entidades externas não assume importância para esta avaliação, tanto que o STJ refere expressamente que se atende mais às “características intrínsecas” do que às “características extrínsecas”;
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As funções desempenhadas por estes trabalhadores são, em regra, de maior complexidade técnica, pressupõem mais confiança, maior grau de responsabilidade ou maior qualificação bem como a gestão de elevados orçamentos da empresa”.
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Conclui que da jurisprudência citada parece evidente e inegável que o que caracteriza e define um quadro superior é necessariamente casuística, e depende em absoluto do tipo de organização empresarial e da atividade desenvolvida pela entidade em que se exercem tais funções.
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Admite que, em regra, (que admite naturalmente exceções em função da situação concreta em análise), um quadro superior de empresa assume uma determinada posição hierárquica e que a natureza concreta das funções que exerce pressupõe a existência de determinados poderes.
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No seu caso concreto o Requerente entende que, considerando a formação académica, a experiência profissional, as funções exercidas, as responsabilidades atribuídas, o facto de reportar directamente ao presidente do Conselho de Administração da J…, as funções de representação atribuídas perante entidades externas, tudo isto permitiu ao Requerente estar à altura das particulares exigências que o papel de Diretor Executivo de Operações implicava e que é indiscutível que a sua actividade correspondia a uma AEVA.
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Acrescenta a título subsidiário que, caso se entenda que não deve ser enquadrado como “quadro superior de empresa” e beneficiar da taxa especial aplicável aos rendimentos do trabalho decorrentes do exercício de um AEVA, ainda assim as funções desempenhadas pelo Requerente deveriam ser enquadradas como uma AEVA com o código “102 – Engenheiros”, nos termos da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro.
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De facto, o desempenho de todas as tarefas assumidas pelo Requerente enquanto esteve na J… apenas foi possível devido à sua formação académica, que o preparou nesse sentido fornecendo todas as ferramentas teóricas e práticas que veio utilizando ao longo da sua vida profissional.
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A própria J… reconheceu expressamente que as funções de Diretor Executivo de Operações “carecem do suporte técnico que as competências aportadas pela sua formação académica e experiência profissional como Engenheiro veiculam” (cf. documento n.º 2 do pedido de reconhecimento da AEVA junto como documento n.º 7).
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Remete para os depoimentos que qualifica como claros, coerentes e com conhecimento direto dos factos, das três testemunhas inquiridas em sede de audiência: B…, membro do C-level e CEO à data dos factos, C…, membro do C-level e CMO à data dos factos, e D…, Diretora Global de Aeroportos que reportava diretamente ao Requerente, sendo esta última inclusive sua subordinada na J… mas qualificada fiscalmente como residente não habitual com actividade de elevado valor acrescentado.
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Finaliza pedindo que a liquidação contestada, que se consubstanciou no pagamento indevido de imposto e juros compensatórios num montante total de €31.694,13, seja parcialmente anulada nesse montante por ilegal e que ao Requerente seja reconhecido o seu direito ao reembolso daquele montante, acrescidos dos devidos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, e de juros de mora, se a eles houver lugar.
III.2. Posição da Requerida.
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Na sua Resposta, a Requerida, não pondo em causa a factualidade supra exposta, entende que nem a declaração emitida pela J… nem, por si só, o certificado de habilitações com o grau académico do R., têm a virtualidade de demonstrar que exerceu uma AEVA, especificamente “Quadro Superior de Empresas”.
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Entende que o Requerente fez uma extensa listagem das suas funções mas não concretizou a sua efectivação.
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Alega que o contrato de trabalho é omisso quanto a qualquer dessas alegadas funções, bastando-se por estipular, na cláusula 1ª, que o R. irá desempenhar as funções que correspondem ao cargo de Director Executivo de Operações.
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Não obstante essa omissão no detalhe de funções, a cláusula 7ª do contrato estipula um período experimental de 180 dias, o qual, não corresponde ao período experimental “para trabalhador que exerça cargo de direcção ou quadro superior”, nos termos da alínea c) do art. 112º do código do trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/12/2009.
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Igualmente, essa demonstração não é efectuada no presente PPA.
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Considera não ser despiciendo referir que, em 2017, quando o R. solicitou à AT o reconhecimento de uma AEVA, não o fez para a actividade “Quadro superior de empresa”.
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Apenas no presente PPA é que o Requerente, indo ao encontro do entendimento preconizado na Circular nº 4/2019, para efeitos de demonstração das funções subsumíveis na AEVA “quadro superior de empresas” e, também, da jurisprudência que invoca, veio juntar, cfr. Doc. nº 4 junto à p.i., uma declaração da J…, datada de 02/09/21, na qual a empresa, e pela primeira vez, vem então declarar que o R. representava a empresa com poderes de vinculação em diversas áreas.
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A Requerida considera ser certo que as circulares são orientações internas destinadas a uma uniformização de procedimentos na administração tributária a que os sujeitos passivos não ficam vinculados.
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E também é certo que a inexistência de uma procuração, não significa, por si só, que o R. não possa ser considerado, para efeitos tributários, como quadro superior de empresa.
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Contudo, para a Requerida, a procuração, contudo, não deixa de ser um dos instrumentos, por excelência, dos poderes de representação e, por seu turno, estes são um dos elementos densificadores do conceito de “Quadro Superior de Empresas” que vêm sendo definido pela jurisprudência.
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E o Requerente nunca apresentou essa procuração, por não a ter.
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Concluiu que não era desenvolvida uma AEVA pelo R., porquanto este não demonstrou que detinha poderes para vincular a J… perante terceiros, designadamente mediante a apresentação de uma procuração para o efeito e também porque não fez prova de que exercia funções de direcção.
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Quanto ao enquadramento na AEVA “Engenheiros” refere o seguinte:
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Desde logo, o Requerente declarou, na declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2017, que os rendimentos obtidos nesse ano se inscreviam na AEVA “Quadro superior de empresas” e não na AEVA “Engenheiro”.
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Porém, que o exercício da profissão de engenheiro em Portugal depende da inscrição na Ordem dos Engenheiros em Portugal (cfr. art. 6º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/92 de 30/06, na redacção vigente conferida pela Lei nº 123/2015, de 2/09, E.O.E.)
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E o Requerente nunca comprovou esta inscrição.
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Conclui sustentando que o presente pedido de pronúncia arbitral deve improceder, por total falta de apoio legal.
IV. Fundamentação da decisão.
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A questão essencial é a de determinar se, relativamente ao ano de 2017 o Requerente fez, ou não, prova de preenchimento dos requisitos (residente não habitual, quadro superior da empresa desempenhando funções de elevado valor acrescentado, com o Código de Actividade “802”) de que depende o direito a ser tributada de acordo com o regime especial previsto no art. 72º, 6 (hoje 72º, 10) do CIRS e na Portaria nº 12/2010, de 7 de Janeiro.
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Entende o presente tribunal que essa prova foi feita e os requisitos legais preenchidos, com os seguintes fundamentos.
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A legislação base que enquadra a questão controvertida reconduz-se ao citado artigo 72.º, n.º 10 do Código do IRS, que prevê que “os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20%” .
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O artigo 72.º, n.º 10 do Código do IRS prevê expressamente que qualquer AEVA, que possa beneficiar desta taxa especial, deverá ser definida por portaria.
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Concretizando esta disposição normativa, foi publicada a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, que aprovou a “tabela de actividades de elevado valor acrescentado”.
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A Portaria elencou através da aprovação desta tabela a identificação de cada AEVA, sendo que o n.º 2 do artigo único da portaria refere o seguinte:
“Todas a dúvidas interpretativas respeitantes ao âmbito e ao alcance das actividades constantes da presente tabela devem ser enquadradas nos códigos de actividade económica (CAE) vigentes à data da entrada em vigor da presente portaria.”.
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As AEVA que se deverão destacar, com relevância para o presente caso, são as seguintes:
“ 1 — Arquitectos, engenheiros e técnicos similares:
[…]
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— Engenheiros;
[…]
8— Investidores, administradores e gestores:
[…]
802- Quadros superiores de empresas.”
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A Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, foi entretanto alterada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de Julho sendo que esta alteração é posterior ao ano que está aqui em crise (2017.
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A AT veio, através de orientações administrativas, interpretar a Portaria n.º 12/2010, de 7 de Janeiro, nomeadamente no que respeita aos requisitos para comprovação do exercício de uma AEVA por parte dos contribuintes.
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Através da Circular n.º 2/2010, de 6 de Maio de 2010, a AT clarificou que, na sua ótica, “os quadros superiores de empresas (Código 802), são as pessoas com cargo de direcção e poderes de vinculação da pessoa colectiva”.
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Através desta Circular estabeleceu-se que:
7 – Actividades do código 8 da Portaria nº 12/2010.
(…..)
802 – Quadros superiores de empresas Para efeitos desta tabela de actividades, considera-se que:
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……….
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………
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os quadros superiores de empresas (Código 802), são as pessoas com cargo de direcção e poderes de vinculação da pessoa colectiva.
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Posteriormente a AT, através de uma nova Circular, n.º 4/2019, de 8 de Outubro de 2019, reconheceu no preambulo que: No que respeita ao exercício de atividades de elevado acrescentado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tem vindo a adotar um procedimento administrativo de reconhecimento prévio, que corre em simultâneo com o pedido de inscrição como residente não habitual, sendo que aquele se revela excessivamente moroso e não obvia a necessidade de controlo à posteriori da manutenção da verificação dos pressupostos subjacentes àquele reconhecimento.
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Desta forma a AT passa a entender que; - Assim, deve entender-se que, com o ato de inscrição como residente não habitual o contribuinte adquire o direito a ser tributado nos termos do respetivo regime fiscal. Consequentemente, caso o contribuinte em algum ano, dos 10 anos de direito ao regime, aufira rendimentos da categoria A e/ou B de atividades que estejam elencadas na Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, alterada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho - rendimentos de atividades de EVA -, o direito a ser tributado de acordo com o regime excecional, aplicável aos rendimentos advenientes daquelas atividades, adquire-se no momento da verificação dos respetivos pressupostos. 3. ………………….. 4- Consequentemente, para exercer o direito ao regime fiscal dos rendimentos derivados de atividades de EVA, bastará que o contribuinte proceda à sua invocação na declaração anual de rendimentos mediante a inscrição do adequado código de atividade de EVA no anexo L da declaração modelo 3, sem necessidade da obtenção de reconhecimento prévio por parte da AT do exercício da atividade invocada
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E veio exigir os seguintes meios de prova para comprovação do exercício de uma AEVA:
“No caso das atividades de EVA previstas na Portaria n.º 12/2010, de 07 de janeiro, em conjugação com os pontos 7 e 8 da Circular n.º 2/2010, de 6 de maio, constituem elementos de prova, designadamente, os seguintes:
a) Contrato de trabalho ou de prestação de serviços que identifique objetivamente as funções exercidas, acompanhado de documento comprovativo de inscrição em Ordem Profissional, no caso de exercer atividade que careça dessa inscrição;
b) Documento comprovativo do exercício do cargo de direção (por exemplo contrato de trabalho) e procuração onde conste que o requerente possui poderes de vinculação da pessoa coletiva, no caso de atividade "Quadro Superior de Empresa" (ponto 7 da Circular n.º 2/2010, de 06 de maio), sendo considerada prova bastante uma procuração com poderes conjuntos;
(………………..)
f) Outros documentos idóneos que comprovem o exercício efetivo da atividade invocada.”
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Subscrevemos os argumentos que conduziram à decisão no Processo nº 103/2019-T, do CAAD e no Processo nº 573/2021 -T , as quais decidiram sobre as mesmas questões de facto e de direito que são apresentadas neste processo.
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Dá o tribunal como provado que no ano de 2017 o Requerente estava registado como residente não habitual, e que nessa condição obteve rendimentos de trabalho dependente tributáveis em IRS e sujeitos a retenção na fonte.
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Dá igualmente por provado que esses rendimentos foram apresentados em 2017 reportado ao código de actividade de elevado valor acrescentado «802», referente aos “quadros superiores de empresas”, nos termos previstos na Portaria nº 12/2010, de 7 de Janeiro, aplicável ex vi art. 72º, 6 do Código do IRS.
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O Requerente apresentou inicialmente junto da Direcção de Serviços de Registo o pedido de registo na AEVA 102 correspondente à função de Engenheiro.
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Esse pedido foi sustentado, entre outros elementos de prova, por uma declaração da sua entidade patronal que atestava que a formação e qualidades profissionais como Engenheiro eram desenvolvidas no quadro de uma função que tinha na empresa que era a de COO -Chief Operating Officer, reportando directamente ao Presidente do Conselho de Administração.
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No sistema processual da Autoridade Tributária o registo de uma AEVA é feito numa actividade, mesmo que o contribuinte se qualifique simultaneamente em duas ou mais AEVA.
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No presente caso, o que é um facto é que a Autoridade Tributária, não obstante o pedido apresentado pelo Requerente, não o notificou para apresentar documentação adicional e acabou por o registar com o código 888, não tendo igualmente notificado desse registo para reacção do contribuinte.
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Desta forma, deve o tribunal decidir sobre se considera ou não provado o exercício de uma AEVA, neste caso de quadro superior de empresa, por parte do Requerente no ano de 2017.
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E, conforme supra afirmado, entende-se que o Requerente diligenciou no sentido dessa prova, nos termos que se explanam seguidamente.
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No que concerne à viabilidade legal de apresentar a Modelo 3 de IRS com o código de quadro superior de empresa e conforme se extrai do n.º 7 do artigo 16.º do Código do IRS “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.”
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Do texto da lei decorre, com clareza, que o sujeito passivo considerado residente não habitual adquire, automaticamente, o direito a ser tributado como tal.
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E recorde-se, é esta a actual posição da AT que, reconhecendo o errado da posição até então por ela sustentada, veio agora, por despacho da Diretora-Geral, de 26-06-2019 –divulgado através de Circular n.º 4/2019 – afirmar o seguinte entendimento: “ 1 - As normas constantes do n.º 10 do artigo 72.º e do n.º 5 do artigo 81.º, ambas do Código do IRS, consubstanciam medidas excecionais de desagravamento da tributação de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT, conforme determina o artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).”…….
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4 - Consequentemente, para exercer o direito ao regime fiscal dos rendimentos derivados de atividades de EVA, bastará que o contribuinte proceda à sua invocação na declaração anual de rendimentos mediante a inscrição do adequado código de atividade de EVA no anexo L da declaração modelo 3, sem necessidade da obtenção de reconhecimento prévio por parte da AT do exercício da atividade invocada.
Elementos de prova
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5- Não obstante, deve o contribuinte estar munido dos elementos comprovativos do efetivo exercício dessa(s) atividade(s) e da correspondente obtenção de rendimentos, bem como dos demais pressupostos legais do direito que invoca em qualquer um dos anos, do período máximo de dez anos em que pode usufruir do estatuto de RNH, e proceder à respetiva apresentação sempre que tal seja solicitado pelos serviços da AT, nos termos previstos no artigo 128.º do Código do IRS.
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Deste modo, a verificação dos factos/pressupostos do direito invocados na declaração ocorre através das provas a apresentar pelos contribuintes em fase posterior à entrega da declaração de rendimentos, e não mediante o averbamento do respetivo código na aplicação do cadastro (SGRC), tal como ocorreu até ao presente momento.
Elementos de prova – Atividades de Eva previstas na Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro
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7 - No caso das atividades de EVA previstas na Portaria n.º 12/2010, de 07 de janeiro, em conjugação com os pontos 7 e 8 da Circular n.º 2/2010, de 6 de maio, constituem elementos de prova, designadamente, os seguintes:
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Contrato de trabalho ou de prestação de serviços que identifique objetivamente as funções exercidas, acompanhado de documento comprovativo de inscrição em Ordem Profissional, no caso de exercer atividade que careça dessa inscrição;
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Documento comprovativo do exercício do cargo de direção (por exemplo contrato de trabalho) e procuração onde conste que o requerente possui poderes de vinculação da pessoa coletiva, no caso de atividade "Quadro Superior de Empresa" (ponto 7 da Circular n.º 2/2010, de 06 de maio), sendo considerada prova bastante uma procuração com poderes conjuntos;...”,
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Relativamente à AEVA de quadro superior de empresa, aprovada pela Portaria mantém-se na atual orientação a noção de quadro superior de empresa já anteriormente divulgada através da Circular n.º 2/2010, no sentido de que “os quadros superiores de empresas (Código 802), são as pessoas com cargo de direção e poderes de vinculação da pessoa coletiva.”
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Tudo se cinge, portanto, à definição do que seja “quadro superior de empresa”, e de qual o conceito prevalecente – dado existir uma divergência conceptual entre o sentido comum da expressão, e aquele que consta das Circulares nº 2/2010 e nº 4/2019.
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Entende-se que a noção de quadro superior de empresa não pode ser interpretada no sentido vertido nas circulares acima referidas.
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A própria Requerida, na sua Resposta, vem reconhecer exactamente isto.
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Efectivamente, no 39º da Resposta a Requerida reconhece; “…ser certo que as circulares são orientações internas destinadas a uma uniformização de procedimentos na administração tributária a que os sujeitos passivos não ficam vinculados.”
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E no nº 40º da Resposta a Requerida reconhece igualmente que “…também é certo que a inexistência de uma procuração, não significa, por si só, que o R. não possa ser considerado, para efeitos tributários, como quadro superior de empresa.”
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Relativamente ao apelo que a Requerida faz ao conceito de “quadro superior de empresa” decorrente das duas circulares 2/2010 e 4/2019, está perfeitamente consolidado, a todos os níveis da jurisprudência constitucional, jurisdicional e arbitral, que as Circulares não vinculam os particulares, não têm eficácia vinculativa externa, e tão-pouco constituem fontes de Direito Fiscal – pelo que, fosse qual fosse o conceito de “quadro superior de empresa” que as Circulares perfilhassem, ele não seria oponível ao Requerente, e menos ainda teria a possibilidade de se sobrepor ao conceito que resultasse do enquadramento legal.
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Acresce que o sentido comum de “quadro superior” (reportado ao exercício de funções de maior complexidade técnica, de elevada confiança e autonomia, de elevada responsabilidade ou especial qualificação), que é aquele que tem curso no Direito do Trabalho, é também aquele que deve vigorar no Direito Fiscal, por força do disposto no art. 11º, 2 da LGT, já que é notório que não há nenhum conceito de “quadro superior” que seja privativo do Direito Fiscal.
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Quadro superior de uma empresa é um conceito típico de Direito do Trabalho.
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Nos termos do artigo 11º n.º 2 da LGT "sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei".
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Assim, é no Direito do Trabalho que devemos procurar o que venha a ser um quadro superior.
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Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do processo n.º 0851540 de 24-09-2008, o que releva para que alguém se qualifique como quadro superior é não só o exercício de funções de maior complexidade técnica, mas também o que pressupõe uma elevada confiança, mais elevado grau de responsabilidade ou mais especial qualificação.
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No mesmo sentido, veja-se NETO, Abílio, in «Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados», Ediforum, 3.ª Edição, pág. 246, que considera integrar o núcleo funcional de um quadro superior, aquele trabalhador que exerce funções que pressupõem elevada confiança, elevado grau de responsabilidade ou mais especial qualificação, não se exigindo, porém, para o preenchimento do conceito de quadro superior, que esse trabalhador, necessariamente, dirija ou supervisione outros trabalhadores ou se insira numa organização dentro da qual detenha, em termos hierárquicos, uma posição superior em relação a outros elementos da mesma.
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Com efeito, esta matéria foi já objeto de análise em outras decisões arbitrais tais como a decisão arbitral de 18-06-2019, proferida no processo n.º 505/2018-T, a decisão arbitral de 14-10-2019 no processo nº 103/2019, entre outros.
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Mas no caso dos autos a Requerida veio concluir que: “ Mas no caso concreto, o R. não apresentou procuração e não fez qualquer outra prova idónea de que detinha poderes de vinculação para com a empresa empregadora, não obstante ter apresentado uma declaração da J…, com data de 2/09/2021, que o afirma.”
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“Precise-se, pois, o alegado no art. 132º do PPA. A AT concluiu que não era desenvolvida uma AEVA pelo R., porquanto este não demonstrou que detinha poderes para vincular a J… perante terceiros, designadamente mediante a apresentação de uma procuração para o efeito e também porque não fez prova de que exercia funções de direcção.”
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O tribunal entende que o Requerente fez abundante prova de que exercia uma AEVA no caso concreto de quadro superior de empresa.
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Efectivamente, logo em 2018 com o mesmo propósito (reconhecimento de AEVA pela Requerida) a J…, em 2018, tinha feito uma declaração, onde atestava que o Requerente desempenhava funções de engenheiro, para efeitos do código 102 elencado na Portaria nº 12/2010 e, bem assim, outras funções enquanto Chief Operating Officer as quais carecem de suporte técnico que as competências aportadas pela sua formação académica e experiência profissional como Engenheiro veiculam.
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O contrato de trabalho assinado entre as partes em Setembro de 2017 identificava o Requerente como Director Executivo de Operações – COO- reportando directa e funcionalmente ao Presidente do Conselho de Administração.
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Em 2021 a J… – entidade patronal- emitiu nova declaração – atestando que em termos das funções, tarefas e responsabilidades que integravam o cargo exercido de Quadro Superior de Empresas incluíam-se as seguintes:
Chefe das operações de voos;
Liderança das equipas de voos;
Responsável pelo Safety & Security;
Coordenação da operação de solo, carga e correios em todos os aeroportos portugueses e estrangeiros;
Coordenação do centro de controlo de voos;
Coordenação entre a J… e a M…, S.A. (“M…”);
Compliance monitoring; e
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Acresce que lhe cabiam funções de representação da empresa entidade patronal J… junto de várias entidades tais como a N…Portugal, E.P.E entidade responsável pela gestão do espaço aéreo português); o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (entidade responsável pelo controlo de fronteiras em Portugal) e O… Portugal (a empresa responsável pela gestão do aeroporto português).
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Tudo isto foi objecto de confirmação através da audição das testemunhas que foram claras e não suscitaram dúvidas interpretativas.
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Nesse testemunho ficou certo de que o superior hierárquico a quem o Requerente reportava, no âmbito do exercício destas funções, era o próprio CEO da J… (na altura dos factos, o Engenheiro B…) – veja-se o depoimento da testemunha C… de onde resulta que “O C-level é o conjunto de executivos que depende do presidente executivo da companhia.”.
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Em termos de comprovação de funções de representação externa todas as testemunhas o subscreveram apontando situações concretas salientando o presidente do Conselho de Administração que: “ ao Requerente foram atribuídas funções e tarefas especiais de representação da J… junto de entidades bastante importantes para a atividade da empresa e o respetivo negócio (cf. depoimento da testemunha B… quando refere que “Ele [o Requerente] representava a empresa. Não há dúvida.”).
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Pelo que considera o tribunal que os serviços tributários fizeram neste caso uma interpretação restritiva do conceito de “quadro superior de empresa” para efeitos de comprovação da AEVA inscrita na Portaria 12/2010.
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A verdade é que só através de uma análise formalista e arreigadamente redutora, que não pretendeu sequer admitir prova testemunhal quando estava em causa a necessidade de provar o exercício em concreto e no quadro de uma grande empresa, de uma actividade de direcção, se justifica que não se tenha reconhecido que, na realidade dos factos, uma AEVA.
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Um indivíduo contratado para as funções de Director Executivo de Operações da única empresa transportadora aérea portuguesa, reportando directamente ao Presidente do Conselho de Administração, auferindo um salário anual base de € 280.000,00, com responsabilidades por todas as operações e equipas de voos não pode deixar de ser qualificado como um quadro superior da empresa.
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Nestes termos considera o Tribunal sem margem para dúvidas que o Requerente enquanto COO – Chief Operating Officer - conforme decorre do contrato de trabalho e declaração da entidade empregadora, deve o mesmo ser considerado como quadro superior da empresa.
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Consequentemente, considera o Tribunal que os rendimentos auferidos no ano de 2017 pelo Requerente ao serviço da empresa J… são provenientes do exercício de uma atividade de elevado valor acrescentado enquadrável no código 802 – quadros superiores de empresas – da tabela anexa à Portaria 12/2010, de 07 /01.
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Aos referidos rendimentos deve, assim, ser aplicada a taxa especial de 20% prevista no n.º 6 (atual n.º 10), do Código do IRS, concluindo-se, portanto, pela ilegalidade, por vício de violação da lei, da liquidação impugnada, devendo esta ser anulada.
V. Do direito a juros indemnizatórios
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A par da anulação dos atos de liquidação, e consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, o Requerente solicita ainda que lhes seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
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Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.
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O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.
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No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, o Requerente efetuou o pagamento de importância manifestamente indevida.
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Resulta, também, dos autos, que a ilegalidade do ato de liquidação objeto do presente processo é diretamente imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal, padecendo de errada aplicação das normas jurídicas ao caso concreto.
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Reconhece-se, assim, aos Requerentes o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, art.43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).
VI. Decisão
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando-se a ilegalidade da liquidação impugnada, com a consequente anulação e reembolso das importâncias indevidamente cobradas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.
VII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 31.694,13 (trinta e um mil, seiscentos e noventa e quatro euros e treze cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VIII. Custas
Custas no montante de €1. 836,00 (mil oitocentos e trinte e seis euros) a cargo da Requerida (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).
Lisboa, 15 de Novembro de 2022
O árbitro
Ana Teixeira de Sousa
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