Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 278/2022-T
Data da decisão: 2022-11-07  IMT  
Valor do pedido: € 328.558,66
Tema: IMT – Regime fiscal aplicável aos FIEAE.
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SUMÁRIO

  1. O legislador estabeleceu que se aplica ao FIEAE o regime fiscal especial aplicável ao FIIAH, por força da norma do artigo 117.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril. Trata-se de uma norma remissiva dinâmica com uma função integradora geral. O legislador pretende, através desse expediente técnico-jurídico, estender ao FIEAE o regime tributário que em cada momento se encontre vigente para o FIIAH, significando que é o legislador, ele próprio, que dá conta da existência de uma analogia entre os dois casos. Considerando que o regime do FIIAH vigorou até 31 de dezembro de 2020, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, haverá de entender-se que a lei tem uma vigência temporária, verificando-se a cessação da vigência da lei na data em que ocorreu o seu termo.
  2. Verificando-se a cessação de vigência do regime do FIIAH, e não tendo sido este regime substituído por outro, deixaram de subsistir quaisquer das disposições que compunham esse regime, incluindo a do artigo 8.º, n.º 7, que previa a isenção de IMT para a aquisição de prédios urbanos, e, por conseguinte, essa disposição não é já aplicável ao FIEAE. Porquanto, tendo cessado a vigência da norma em 31 de dezembro de 2020, essa norma não tem existência jurídica, passando a vigorar, em sede de IMT, o regime geral para o FIEAE, desde dessa data.
  3. O legislador na redação do artigo 398.º da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro, é bastante claro nas suas intenções, ao definir expressamente que a prorrogação é para efeitos da aplicação do n.º 6 do artigo 71.º do EBF, artigo este que se aplica apenas ao Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, não sendo assim aplicável ou extensível ao FIEAE, aplicando-se em sede de IMT, o regime geral.
  4. À data que a Requerente vendeu o prédio ao FIEAE, já vigorava no ordenamento jurídico o regime fiscal especial aplicável ao FIIAH bem como estava determinada a data limite em que o mesmo vigorava, ou seja, 31 de dezembro de 2020, e neste sentido quando a Requerente decidiu antecipar a compra do imóvel que havia alienado ao FIEAE, em 2022, não podia ignorar que, a essa data, já havia cessado a vigência do regime fiscal especial aplicável ao FIIAH e não poderia, portanto, beneficiar desse regime especial, pelo que não tinha qualquer expectativa legítima de que esse regime se mantinha, ou ia manter-se, em vigor, pelo que inexiste assim violação dos princípios constitucionalmente consagrados da segurança jurídica e da proteção da confiança.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Presidente), Rui Ferreira Rodrigues e Pedro Guerra Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 05-07-2022, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

A..., S.A., doravante “Requerente”, NIPC..., com sede na ..., ..., ...-..., Coimbra, veio, em 22-04-2022, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA") contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) n.º..., no montante global de € 328.558,66, pretendendo a respetiva declaração de ilegalidade e anulação, bem como o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).

A Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:

  1. A Requerente é uma sociedade cujo objeto social consiste na fabricação de bolachas, biscoitos e tostas e pastelaria de conservação.
  2. No âmbito da sua atividade, a Requerente até 2010 era proprietária de um imóvel inscrito sob o artigo matricial U-..., sito na freguesia de ..., o qual se traduzia numa fábrica localizada na região de Coimbra.
  3. Por forma a obter liquidez e fazer face a carências de tesouraria a Requerente, a 14 de maio de 2010, celebrou um Contrato de Compra e Venda, Promessas Unilaterais de Compra, Promessa Unilateral de Venda, Arrendamento e Fiança com o Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas (“FIEAE”), no qual a Requerente alienou o imóvel inscrito sob o artigo matricial U-..., sito na freguesia de ... e ... ao FIEAE.
  4. Concomitantemente à alienação do imóvel em questão, procedeu-se à locação daquele imóvel, em que a Requerente assumiu a posição de locatária e o FIEAE de locador.
  5. No âmbito do contrato celebrado estabeleceu-se que o FIEAE prometia vender à Requerente e esta prometia adquirir o imóvel ao fim de 7 anos, por valor definido no respetivo contrato.
  6. A 15 de novembro de 2013 foi celebrado um aditamento ao contrato acima referido no qual se estendeu o período de locação do imóvel em apreço, bem como do prazo de caducidade das promessas de compra e de venda acima referidas até 30 de setembro de 2023.
  7. A Requerente decidiu antecipar a compra do imóvel em apreço, tendo para o efeito celebrado a 20 de janeiro de 2022 o respetivo contrato de compra e venda do referido imóvel, e para esse feito foi emitida a liquidação IMT n.º ... no montante de € 328.558,66.
  8. Defende a Requerente que na sequência da crise financeira de 2007, o Governo adotou um conjunto de medidas por forma a dirimir as dificuldades de financiamento sentidas pelas empresas, as quais se viam privadas de acesso, em condições adequadas. A este respeito, em concretização do disposto na Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2009, através do Decreto-Lei n.º 104/2009, de 12 de maio foi a criado o FIEAE.
  9. Refere, não obstante, que o prazo de duração do FIEAE tem sido sucessivamente prorrogado, por períodos adicionais de um ano e em 2016 foi alvo de uma prorrogação de 4 anos, terminando em 11 de maio de 2020.
  10. Contudo, conforme resulta do Despacho Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital n.º 3486/2020, de 20 de março, o FIEAE foi prorrogado por mais 6 anos, encontrando-se em pleno funcionamento até 2026.
  11. Alega a Requerente, face aos objetivos do FIEAE e considerando as operações encetadas por aquele Fundo, o Legislador Português pugnou pela necessidade de instituir um regime fiscal próprio por forma a facilitar a prossecução dos objetivos propostos.
  12. Mais sustenta a Requerente, que o regime fiscal aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (“FIIAH”) é aquele que resulta do artigo 8.º do Regime dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (“RFIIAH”) ínsito no artigo 104.º da Lei 64-A/2008, que aprovou o Orçamento de Estado para 2009, com a epígrafe “Regime tributário”.
  13. Nestes termos, decorre do regime tributário estabelecido pelo artigo 8.º uma série de isenções em matéria tributária por forma a desonerar e facilitar a atividade desenvolvida pelos FIIAH e na mesma medida, por força de remissão, aquela desenvolvida pelo FIEAE.
  14. Alega a Requerente que a regulação do regime fiscal aplicável ao FIEAE foi determinada por via de remissão para um regime tributário preexistente criado para outra tipologia de fundos, concretamente o FIIAH, tornando-se patente que o Legislador entendeu aplicar ao primeiro o mesmo quadro jurídico-fiscal aplicável a estes últimos apesar de a criação de ambas as tipologias de fundos terem contextos e objetivos distintos – i.e., criar um instrumento de apoio e financiamento de Pequenas e Médias Empresas (“PME”) vs. instrumentos de promoção e dinamização do mercado de arrendamento habitacional.
  15. Para o efeito, resulta da aplicação mutatis mutandis da alínea b) do n.º 7 do artigo 8.º do RFIIAH, que ficam isentos de IMT as aquisições de imóveis em resultado do exercício da opção de compra por parte dos arrendatários.
  16. Defende a Requerente que com a isenção aqui prevista, o Legislador procurou não onerar as transações realizadas entre o FIEAE e as empresas sob pena de prejudicar o objetivo principal do referido Fundo – apresentar-se como uma solução de financiamento a PME.
  17. Alega, que desde 31 de dezembro de 2020 o RFIIAH cessou a sua vigência, passando os FIIAH a regerem-se pelo regime aplicável a fundos de investimento imobiliário.
  18. Neste sentido, suscitam-se dúvidas relativamente ao regime fiscal atualmente em vigor para o FIEAE, tendo com efeito a Requerente por prudência liquidado e suportado IMT no exercício da opção de compra do imóvel acima melhor identificado, sem prejuízo de considerar que as mesmas se afigurem ilegais por erro nos pressupostos de direito concretamente aplicáveis.
  19. Nestes termos, é de concluir que o cessar da vigência do RFIIAH opera para efeitos dos FIIAH e o texto legislativo não procura repercutir efeitos para o FIEAE e o seu regime fiscal.
  20. Caso se admita que a cessação do RFIIAH a 31 de dezembro de 2020, resulta na inaplicabilidade do artigo 8.º daquele regime a partir dessa data ao FIEAE e a PME que tenham recorrido a essa entidade como forma de financiamento e apoio à sua atividade – como o caso da Requerente – então podem-se retirar duas conclusões:
  1. Presentemente existe uma norma em vigor no ordenamento jurídico português que ao remeter para o artigo 8.º do RFIIAH não resulta qualquer efeito útil e, nessa medida, a norma torna-se absurda; e
  2. Não sendo de aplicar o regime do artigo 8.º do RFIIAH às operações realizadas com o FIEAE, então encontram-se sujeitas ao regime geral em sede de IMT, pelo que o propósito do FIEAE de apoiar empresas com financiamento vê-se profundamente afetado, na medida que as PME se veem na obrigação de suportar imposto em transações cujo objetivo principal foi obter financiamento e resolver carências de tesouraria.
  1. Por outro lado, a admitir-se que o n.º 2 do artigo 9.º do RFIIAH afeta o regime fiscal ao FIEAH, então outra conclusão não se pode retirar se não a que o artigo 117.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que aprovou o Orçamento de Estado para 2010, prorroga a vigência do presente regime fiscal.
  2. Sustenta, no que respeita em matéria de IMT, o Legislador pretendeu desonerar em termos fiscais a entrada dos ativos no FIEAE, bem como a sua saída ao retornar para a esfera dos arrendatários (proprietários originais) – idêntica lógica àquela dos FIIAH – como forma de facilitar as transações realizadas neste âmbito e incentivar as mesmas.
  3. Ora, percebe-se que se um instrumento de financiamento das PME, como é o caso do FIEAE, mantiver a tributação nos termos gerais onerando operações realizadas no âmbito da sua atividade e, consequentemente, as PME contraria em si o próprio objetivo de financiamento.
  4. Assim, entender que a cessação de vigência do RFIIAH prejudica o regime fiscal aplicável ao FIEAE não só extravasa a letra da lei, pelas razões atrás referidas, também contraria a teleologia ínsita à criação do FIEAE, na medida em que para esse fundo continuar a representar uma solução de financiamento das PME afigura-se determinante a desoneração fiscal de operações realizadas com o dito fundo.
  5. Por outro lado, importa salientar que se fosse intenção do Legislador limitar o regime fiscal dos FIEAE ao prazo de vigência do RFIIAH, então as sucessivas prorrogações ao FIEAE revelam-se completamente contrárias a essa vontade.
  6. Assim, face à manutenção de contratos até 2026 e a aquisição de imóveis por parte dos arrendatários que celebraram contratos com o FIEAE que ocorrerão até essa data, afigura-se premente que o quadro fiscal aplicável ao FIEAE seja aquele do artigo 8.º do RFIIAH e se mantenha em vigor, porquanto os objetivos prosseguidos pelo FIEAE apenas estarão assegurados se inexistirem barreiras de índole fiscal à realização de operações com o Fundo.
  7. A entender-se em sentido contrário estar-se-ia a contender com a teleologia subjacente à criação do regime fiscal aplicável ao FIEAE por via de remissão, bem como do FIEAE.
  8. Mais sustenta que a interpretação segundo a qual a isenção de IMT aqui analisada não se aplica à situação concreta da Requerente sempre seria ilegal sob pena de violação dos princípios constitucionalmente consagrados da segurança jurídica e da proteção da confiança. E no que em específico concerne ao contrato celebrado entre a Requerente com o FIEAE, deve impor-se como conclusão lógica de que a não aplicação da isenção de IMT ao exercício da opção de compra do imóvel acima melhor identificado, deverá ser considerada como violadora dos princípios elementares do direito fiscal, constitucionalmente consagrados.
  9. Alega que, à data de celebração do contrato e respetivo aditamento entre o FIEAE e a Requerente, não existiam condições razoáveis que poderiam desviar esta última da expectativa de no final do contrato não ser onerada com IMT para recomprar as suas instalações.
  10. Refere a Requerente, que a possibilidade de beneficiar de um regime fiscal mais vantajoso no âmbito deste quadro contratual não só foi considerada no momento em que a Requerente decidiu recorrer ao FIEAE, como decurso do contrato até ao seu término, em que a recompra do imóvel se realizaria.
  11. Termina a requerente sustentando que a liquidação de IMT acima melhor identificada encontra-se viciada de ilegalidade por erro nos pressupostos de direito e, consequentemente, devem ser anuladas com os devidos efeitos legais.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 22-04-2022, e subsequentemente notificado à AT.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 15-06-2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 05-07-2022, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.

A Requerida apresentou a sua resposta, com defesa por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”) em 23-09-2022, alegando, em síntese, o seguinte:

  1. O Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas (FIEAE) foi criado pelo Decreto-Lei n.º 104/2009, de 12.05, tendo como principais objetivos o apoio de empresas economicamente viáveis, ainda que enfrentando eventuais dificuldades financeiras, apostando por este modo no seu saneamento, na sua estabilização e consolidação, na sua modernização e eventual redimensionamento e, em qualquer caso, na criação, manutenção e qualificação do respetivo emprego.
  2. O FIEAE tem por objeto a aquisição de imóveis, por período de tempo limitado, integrados no património das empresas e utilizados no desenvolvimento da respetiva atividade sendo, subsequentemente, dados de arrendamento às empresas transmitentes
  3. O FIEAE adquire os imóveis celebrando com a empresa alienante um contrato de arrendamento ou outra forma de cessão onerosa de utilização, de molde ao FIEAE assegurar o adequado retorno do seu investimento - deste modo a empresa troca um ativo imobiliário por uma injeção de capital e um custo fixo.
  4. Aos FIEAE, aplica-se, por remissão, o regime fiscal especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional RFIIAH ou FIIAH, regime aprovado pelo artigo 102.º da Lei 64-A/2008, de 31-12 - Capítulo X – Secção II (cf. artigos 102.º a 105.º da Lei do OE), constando as normas do regime jurídico no n.º 1 do artigo 104.º da referida lei e a sua vigência temporária do n.º 2 deste mesmo artigo 104.º.
  5. Do regime fiscal aplicável aos FIIAH importa atentar no artigo 8.º do RFIIAH, ínsito no n.º 1 do artigo 104.º da Lei 64-A/2008, que aprovou o Orçamento de Estado para 2009, com a epígrafe “Regime tributário”.
  6. Nestes termos, decorre do regime tributário estabelecido pelo artigo 8.º uma série de isenções em matéria tributária por forma a desonerar e facilitar a atividade desenvolvida pelos FIIAH e na mesma medida, por força de remissão, a desenvolvida pelo FIEAE.
  7. Todavia, o regime dos FIIAH tem carácter temporário como se prevê no referido n.º 2 do referido artigo 104.º da Lei 64-A/2008. Assim, por força deste normativo legal, desde 31 de dezembro de 2020, o RFIIAH cessou a sua vigência, passando os FIIAH a regerem-se pelo regime aplicável a fundos de investimento imobiliário.
  8. Estando igualmente determinado, desde o seu início (prévio ao regime dos FIEAE), que o RFIIAH tem caráter temporário, cessando a 31 de dezembro de 2020, passando os FIIAH a reger-se pelo regime aplicável a fundos de investimento imobiliário – cf. artigo 104.º, n.º 2 da Lei 64-A/2008.
  9. Assim sendo, atenta a cessação da vigência do RFIIAH em 31 de dezembro de 2020, resulta necessariamente, a sua inaplicabilidade a partir dessa data, salvo se o legislador tiver estabelecido norma legal em contrário.
  10. Com efeito, o regime fiscal dos FIIAH contém-se dentro do regime especial dos FIIAH, constante do n.º 1 do artigo 104.º, pelo que, por força do n.º 2 da mesma norma legal, tal regime tem natureza temporária e, por maioria de razão, os benefícios fiscais aí consagrados.
  11. Assim, o regime fiscal dos FIIAH aplicou-se aos FIEAE a partir da Lei n.º 3-B/2010, não ignorando o legislador, quando consagrou a aplicação, por remissão, deste regime fiscal, que o mesmo tinha carácter transitório, estando definida temporalmente a sua vigência na ordem jurídica até 31-12-2020, por assim o RFIIAH já o dispor.
  12. Verifica-se assim que o Legislador prorrogou o regime fiscal previsto no artigo 8.º do RFIIAH apenas para o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado conforme previsto no n.º 6 do art.º 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais
  13.  Mas o FIEAE não é beneficiário do disposto no citado n.º 6 do art.º 71.º do EBF, nem da salvaguarda ali consagrada.
  14. Assim, cessado o regime fiscal especial dos FIIAH e operando-se a sua conversão em FII ou SII, não se criou um vazio legal, pois passou a ser-lhe aplicável o regime fiscal especial destes instrumentos financeiros; concomitantemente a interpretação consequente atualista da remissão operada pelo artigo 117.º da Lei n.º 3-B/2010, que não mencionava expressamente o artigo 8.º do RFIIAH, conduz à conclusão de que o mesmo enquadramento fiscal passaram a ter os FIEAE.
  15. Sobre a alegada violação do princípio da proteção da confiança, sustenta a Requerida, que não se vislumbra na sua interpretação qualquer violação dos princípios da confiança e segurança jurídicas, invocados pela Requerente. Mais sustenta que não se vislumbra que o decurso do prazo de vigência previsto para o RFIIAH possa ter lesado expectativas consolidadas legitimamente fundadas da Requerente quanto à salvaguarda de determinadas posições ou situações jurídicas nessa matéria, pois ao tempo em que a Requerente vendeu, arrendou e prometeu recomprar o imóvel ao FIEAE, já estava estabelecida no RFIIAH a data de fim de vigência do regime, pelo que nessa data já era expectável que a partir de 01-01-2021 todo o regime, incluindo os benefícios fiscais, cessassem.
  16. Termina a Requerida sustentando que a liquidação de IMT n.º..., de 20-01-2022, no valor de € 328.558,66, resultante da entrega da Declaração Modelo 1 de IMT, com o n.º 2022/..., não padece de qualquer vício, pelo que se deverá a mesma manter-se na ordem jurídica para todos os efeitos e o PPA ser julgado improcedente.

No dia 27-09-2014, procedeu-se por despacho arbitral a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas.

 

II - Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar da legalidade de atos de liquidação de IMT e juros compensatórios, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, contado da data limite de pagamento do imposto, fixada em 21 de janeiro de 2022, tendo a presente ação sido proposta em 22 de abril de 2022.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Matéria De Facto

§3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:

  1. A Requerente é uma sociedade anónima enquadrada em IVA no regime normal mensal que tem por objeto a fabricação de bolachas, biscoitos e tostas e pastelaria de conservação, a que fez corresponder o CAE 10720, cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”);
  2. A Requerente até 2010 foi proprietária do imóvel inscrito sob o artigo matricial U-..., sito na freguesia de ... e..., correspondente a uma fábrica localizada na região de Coimbra, cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”);
  3. A Requerente celebrou, em 14-05-2010, um Contrato de Compra e Venda, Promessas Unilaterais de Compra, Promessa Unilateral de Venda, Arrendamento e Fiança com o Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas, pelo preço de 4 500 000,00 €, tendo beneficiado de isenção de IMT nos termos da alínea a) do artigo 6.º do CIMT, cf. Doc. 2 da PPA;
  4. No âmbito deste contrato a Requerente alienou o imóvel supra descrito ao FIEAE e procedeu à locação desse mesmo imóvel, assumindo a Requerente a posição de locatária e o FIEAE de locador e ficou estabelecido que esta prometia vender à Requerente e esta prometia adquirir o imóvel ao fim de 7 anos, cf. Doc. 2 da PPA;
  5. Em 15-11-2013, foi celebrado um aditamento ao contrato no qual foi estendido o período do contrato até 30-09-2023, o período de locação do imóvel em apreço, e o prazo de caducidade das promessas de compra e de venda, cf. Doc. 3 da PPA;
  6. A Requerente decidiu antecipar a compra do imóvel, tendo para o efeito celebrado a 21-01-2022 o respetivo contrato de compra e venda do referido imóvel, pelo preço de 5 054 748,57 €, cf. Doc. 4 da PPA;
  7. A requerente, em 20-01-2022, para esse efeito procedeu a liquidação de IMT e IS, apresentando a declaração Modelo 1 – Reg. n.º 2022/25307, que gerou liquidação IMT n.º..., no valor de € 328.558,66, cf. doc.1 do PPA;
  8. A Requerente efetuou o pagamento do referido imposto.

§3.2. Factos não provados

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

§3.3. Fundamentação da matéria de facto

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos.

  1. Matéria de Direito

§4.1. Delimitação das questões a decidir:

Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:

  1. Ilegalidade da liquidação de IMT impugnada, por manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, e pela violação dos princípios constitucionalmente consagrados da segurança jurídica e da proteção da confiança.
  2. Do direito ao reembolso dos montantes indevidamente pagos, e do direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

§4.2. Sobre a ilegalidade da Liquidação de IMT

Face à factualidade assente nos presentes autos e aos articulados apresentados pelas partes, o thema decidendum do PPA é o seguinte: se é aplicável à aquisição do imóvel supra descrito, ocorrida em 21-01-2022, a isenção de IMT prevista no n.º 7 do artigo 8.º do RFIIAH, consagrado no Decreto-Lei n.º 104/2009, de 12 de maio por força da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, motivada pela reaquisição do imóvel pela Requerente ao FIEAE, o qual tinha sido a este previamente alienado com a respetiva opção de recompra em 14-05-2010.

A Requerente, em suma, sustentou que o regime fiscal aplicável ao FIEAE, é aquele que resulta do artigo 8.º do RFIIAH ínsito no artigo 104.º da Lei 64-A/2008, do qual decorre que a isenção em sede de IMT, é aplicável na compra do mesmo imóvel que foi por si alienado para efeitos do FIEAE.

A AT, sustenta, em contraposição, que com a cessação da vigência do RFIIAH em 31 de dezembro de 2020, resulta necessariamente, a sua inaplicabilidade a partir dessa data, salvo se o legislador tiver estabelecido uma norma legal em contrário, e que o Legislador prorrogou através do art.º 398.º da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro, o regime fiscal previsto no artigo 8.º do RFIIAH apenas para o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, conforme previsto no n.º 6 do art.º 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais., e o FIEAE, não é beneficiário do disposto no citado n.º 6 do art.º 71.º do EBF, nem da salvaguarda ali consagrada.

Perante o exposto, iniciamos pela análise do regime fiscal e enquadramento normativo nesta matéria e relevante para o presente caso.

O Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas (FIEAE) foi criado pelo Decreto-Lei n.º 104/2009, de 12 de maio, desse regime importa relevar para o presente caso os seguintes artigos, dos quais se extrai:

Artigo 2.º

Objectivos

1 - O FIEAE é especialmente vocacionado para a aquisição de imóveis integrados no património de empresas como forma de dotação destas mesmas empresas de recursos financeiros imediatos, normalmente acompanhada da reserva da utilização e direito ou obrigação de recompra desses mesmos imóveis pelas empresas transmitentes, nos termos previstos no presente decreto-lei e em eventuais regulamentos que venham a ser aprovados em sua execução.

2 - Através do seu contributo para a dotação das empresas, em especial pequenas e médias empresas (PME), de liquidez financeira imediata, o FIEAE tem como principais objectivos o apoio de empresas economicamente viáveis, ainda que enfrentando eventuais dificuldades financeiras, apostando por este modo no seu saneamento, na sua estabilização e consolidação, na sua modernização e eventual redimensionamento e, em qualquer caso, na criação, manutenção e qualificação do respectivo emprego.

(…)

Artigo 13.º

Recompra dos imóveis

1 - Aquando da apresentação dos seus projectos ao FIEAE, os proponentes podem condicionar esses mesmos projectos à consagração de uma opção de recompra dos imóveis que se proponham alienar ao FIEAE, a qual é exercível a todo o tempo até ao termo do prazo em que os proponentes se comprometam a reservar para si a utilização dos mesmos imóveis.

2 - O FIEAE pode, igualmente, condicionar a aprovação dos projectos à constituição a seu favor de uma opção de venda dos imóveis propostos alienar a exercer nos termos que venham a ser contratualmente estipulados.

3 - Nos casos referidos nos números anteriores, e salvo acordo diverso das partes relevantes, o exercício das opções para recompra pela transmitente é realizado com base no valor da alienação do imóvel ao FIEAE, acrescido de todos os custos e encargos suportados pelo FIEAE na aquisição do imóvel e actualizado de acordo com a variação do índice harmonizado de preços no consumidor mensalmente publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.

4 - No caso referido no n.º 1, os contratos a celebrar entre o FIEAE e as empresas devem especificar as situações em que o FIEAE pode considerar definitivamente cancelada a opção de recompra aí referida, entre as quais, na falta de disposição em contrário, se inclui:

a) O incumprimento da obrigação de pagamento das remunerações devidas ao FIEAE por um período superior a três meses ou a verificação de qualquer outra circunstância que, nos termos da lei aplicável, habilitasse o FIEAE à resolução do contrato com fundamento em incumprimento do mesmo pela empresa; e b) A insolvência da empresa ou a verificação de qualquer outro facto ou circunstância que, por aplicação dos critérios previstos no artigo 780.º do Código Civil, constituísse causa bastante para a perda pela empresa do benefício do prazo de pagamento de créditos em montante equivalente ao do preço de retoma dos imóveis em causa.

(…)

Artigo 16.º

Regime subsidiário

Em tudo o que não se mostre incompatível com as disposições do presente decreto-lei e com os regulamentos de funcionamento do FIEAE, aplica-se subsidiariamente o regime jurídico dos fundos de investimento imobiliário, aprovado pelo Decreto-Lei 60/2002, de 20 de Março.

Artigo 17.º

Extinção e transformação

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3, o FIEIAE é constituído pelo prazo inicial de um ano, prorrogável, sob proposta do conselho geral, por deliberação dos titulares da totalidade das participações então existentes no FIEAE, devidamente confirmada por despacho do membro do Governo responsável pela área da economia, publicado no Diário da República.

(…)

Seguindo a exposição legislativa, veio a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2010, estabelecer o regime fiscal especial aplicável ao FIEAE, em concreto previsto no seu artigo 117.º, do qual resulta:

Artigo 117.º

Regime fiscal do Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas

Ao Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas (FIEAE), criado pelo Decreto-Lei n.º 104/2009, de 12 de Maio, aplica-se o regime fiscal especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.

Por conseguinte, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, que procedeu a criação do FIIAH e SIIAH, resultaram os seguintes artigos de relevo:

Artigo 102.º

Objecto

É aprovado o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), que faz parte integrante da presente lei, e que consta dos artigos seguintes.

Artigo 103.º

Âmbito

O regime constante da presente secção é aplicável a FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da presente lei e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período.

Artigo 104.º

Regime jurídico

(…)

Artigo 8.º

Regime tributário

(…)

7 - Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º

(…)

Artigo 9.º

Regime transitório

(…)

3 - O regime constante da presente secção vigora até 31 de Dezembro de 2020, operando-se nessa data a conversão dos FIIAH em fundos de investimento imobiliário sujeitos na íntegra ao Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário.

Posteriormente, pela Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro, referente ao Orçamento de Estado de 2020, veio consagrar o art.º 398.º:

Artigo 398.º

Prorrogação no âmbito do Estatuto dos Benefícios Fiscais

Para efeitos de aplicação do n.º 6 do artigo 71.º do EBF, o regime previsto no artigo 8.º do Regime Jurídico dos Fundos e Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional, aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é prorrogado até 31 de dezembro de 2025.

Por último, estabelece o n.º 6 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais:

Artigo 71.º

Incentivos à reabilitação urbana e ao arrendamento habitacional a custos acessíveis

(…)

6- É aplicável ao Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado o regime tributário previsto no artigo 8.º do Regime Jurídico dos Fundos e Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional, aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, com as necessárias adaptações, compreendendo as finalidades previstas na alínea b) do n.º 3 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 48/2016, de 1 de setembro, com a alteração introduzida pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 50-A/2018, de 2 de maio.

São, assim, estes os normativos à luz do qual as questões serão devidamente apreciadas.

Vejamos.

O FIEAE foi criado pelo Decreto-Lei n.º 104/2009, de 12 de maio, tendo entre os seus principais objetivos o apoio a empresas que, embora economicamente viáveis, enfrentam eventuais dificuldades, sendo especialmente vocacionado para a aquisição de imóveis integrados no património de empresas como forma de dotação de recursos financeiros imediatos às empresas (cf. n.º 1 do artigo 2.º Decreto-lei 104/2009, de 12 de maio).

Nos termos do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 104/2009, de 12 de maio, o FIEIAE é constituído pelo prazo inicial de um ano, prorrogável, sob proposta do conselho geral, por deliberação dos titulares da totalidade das participações então existentes no FIEAE, devidamente confirmada por despacho do membro do Governo responsável pela área da economia, publicado no Diário da República.

O prazo de duração do FIEAE foi sendo prorrogado desde a sua criação, inicialmente por períodos adicionais de um ano. Porém, pelo despacho n.º 9508/2016, do Secretário de Estado da Indústria, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 141, de 25 de julho de 2016, foi prorrogado por 4 anos, ou seja, até 11 de maio de 2020 e finalmente, pelo despacho n.º 3486/2020, de 20 de março, do Secretário de Estado da Economia e da Transição Digital, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 57, de 20 de março de 2020, foi prorrogado por 6 anos, ou seja, até 11 de maio de 2026.

Nos termos do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 104/2009, de 12 de maio, em tudo o que não se mostre incompatível com as disposições do decreto-lei, e com os regulamentos de funcionamento do FIEAE, aplica-se subsidiariamente o regime jurídico dos fundos de investimento imobiliário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20 de março, alterado pelos Decretos-Leis n.º 252/2003, de 17 de outubro e 13/2005, de 7 de janeiro.

De harmonia com o disposto no artigo 117.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, ao Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas (FIEAE) aplica-se o regime fiscal especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro.

Donde se pode concluir que o FIEAE beneficia do regime especial de tributação, em sede de IMT, previsto no n.º 7 do artigo 8.º do Regime dos FIIAH e SIIAH.

Regime que de acordo com a redação do seu n.º 2 do artigo 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, vigorava até 31 de dezembro de 2020, operando-se nessa data a conversão dos FIIAH em fundos de investimento imobiliário sujeitos na íntegra ao Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário.

Assim, considerando que a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, entrou em vigor em 29 de abril de 2010 (cfr. artigo 176.º da mesma lei), aos FIEAE foi aplicado o regime fiscal especial aplicável aos FIIAH desde essa data até 31 de dezembro de 2020.

Deste modo quando a Requerente vendeu o prédio ao FIEAE, em 14 de maio de 2010, já vigorava no ordenamento jurídico o regime especial aplicável ao FIIAH, bem como estava determinada a data limite em que o mesmo vigorava, ou seja, 31 de dezembro de 2020.

Contrapondo tais critérios à questão que nos é proposta, verifica-se quando a Requerente recomprou o referido imóvel em 21 de janeiro de 2022, nesta data o regime especial aplicável FIIAH, aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, já havia cessado por força do n.º 1 do artigo 104.º dessa mesma lei.

Prosseguindo a análise da questão in casu, compete apreciar qual é a intenção do legislador, face ao regime fiscal aplicável ao FIEAE após a cessação do regime especial aplicável ao FIIAH em 31 de dezembro de 2020.

Sobre a interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º, n.º 1, do CC, do qual resulta que a interpretação não pode basear-se exclusivamente no teor literal das normas, ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Interpretar em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva.[1]

Quanto à correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), o que só impedirá que se adotem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.

Para apreender o sentido da lei, a interpretação socorre-se, de vários meios de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.

O elemento racional, ou teleológico, consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

A atividade interpretativa, reclama pois uma hermenêutica sistémica das disposições legais, na unidade do sistema jurídico. (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2015 de 24-03-2015[2]).

Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto».

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

Quanto ao elemento objetivo, no que diz respeito às normas hermenêuticas devemos recorrer, por remissão do art. 11.º, n.º 1, da LGT, ao previsto no Código Civil: o art. 9.º, n.º 1 do C.C.

Assim a letra assume-se, naturalmente, como refere BAPTISTA MACHADO, «(…), o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, como assinala, uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou consonância nas palavras da lei»[3].Também como refere OLIVEIRA ASCENSÃO, “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito[4].

Revertendo ao caso concreto, a norma do artigo 117.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, ao aplicar ao FIEAE o regime fiscal especial aplicável ao FIIAH é uma norma remissiva dinâmica com uma função integradora geral. O legislador pretende, através desse expediente técnico-jurídico, estender ao FIEAE o regime tributário que em cada momento se encontre vigente para o FIIAH, significando que é o legislador, ele próprio, que dá conta da existência de uma analogia entre os dois casos.[5]

Considerando que o regime do FIIAH vigorou até 31 de dezembro de 2020, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, haverá de entender-se que a lei tem uma vigência temporária, verificando-se a cessação da vigência da lei na data em que ocorreu o seu termo (artigo 7.º, n.º 1, primeira parte, do Código Civil).

Verificando-se a cessação de vigência do regime do FIIAH, e não tendo sido este regime substituído por outro, deixaram de subsistir quaisquer das disposições que compunham esse regime, incluindo a do artigo 8.º, n.º 7, que previa a isenção de IMT para a aquisição de prédios urbanos, e, por conseguinte, essa disposição não é já aplicável ao FIEAE.

A norma remissiva do artigo 117.º da Lei n.º 3-B/2010, não tem hoje qualquer efeito prático porquanto, tendo cessado a vigência da norma para que se remete, essa norma não tem existência jurídica, passando a vigorar, em sede de IMT, o regime geral.

Perante o exposto, compete igualmente apreciar a prorrogação estabelecida no artigo 398º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, para efeitos de aplicação do n.º 6 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, sendo a questão que se impõe conhecer é se esta prorrogação é aplicável ao FIEAE.

Resulta destes normativos, que o legislador decidiu prorrogar até 31 de dezembro de 2025, o regime fiscal previsto para os Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, não esquecendo que o FIEAE foi prorrogado para além dessa data até 11 de maio de 2026.

Sobre esta questão diga-se, que de acordo com a Lei, os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excecional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (art. 2º do EBF).

Do ponto de vista jurídico, e na ótica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que, estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objetiva e subjetiva do imposto.

Especificamente, as normas que consagram benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (cfr. art. 10º do EBF).

O legislador, na redação do artigo 398.º (Prorrogação no âmbito do Estatuto dos Benefícios Fiscais) da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro, é bastante claro nas suas intenções, ao definir expressamente que a prorrogação é para efeitos da aplicação do n.º 6 do artigo 71.º do EBF, artigo este que se aplica apenas ao Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, não sendo assim aplicável ou extensível ao FIEAE, passando a vigorar, em sede de IMT, o regime geral.

Ora, tendo presente o referente legal basilar em matéria de interpretação da norma jurídica e cotejados os diversos diplomas legais passíveis de aqui serem chamados à colação, como sejam, desde logo, todos os normativos já citados, não se vislumbra normativo que isolada ou conjugadamente, permita trilhar o caminho e, sobretudo, a solução interpretativa a que a Requerente alude, da aplicação da isenção de IMT do n.º 7 do artigo 8 da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, ou da aplicação do n.º 6 do artigo 71.º do EBF.

Quanto à alegada violação dos princípios constitucionalmente consagrados da segurança jurídica e da proteção da confiança.

Prosseguindo a nossa análise, compete apreciar a alegada violação dos princípios constitucionalmente consagrados da segurança jurídica e da proteção da confiança, peticionada pela Requerente.

A Requerente sobre esta questão, vem alegar que, no que concerne ao contrato celebrado entre a si com o FIEAE, deve impor-se como conclusão lógica de que a não aplicação da isenção de IMT ao exercício da opção de recompra do imóvel, deverá ser considerada como violadora dos princípios elementares do direito fiscal, constitucionalmente consagrados.

Em sentido oposto, entende a AT que não se vislumbra que o decurso do prazo de vigência previsto para o RFIIAH possa ter lesado expectativas consolidadas legitimamente fundadas da Requerente quanto à salvaguarda de determinadas posições ou situações jurídicas nessa matéria, pois ao tempo em que a Requerente vendeu, arrendou e prometeu recomprar o imóvel ao FIEAE, já estava estabelecida no RFIIAH a data de fim de vigência do regime, pelo que nessa data já era expectável que a partir de 01-01-2021 todo o regime, incluindo os benefícios fiscais, cessassem. Mais sustentou, que é inevitável concluir-se que, a cessação da vigência do RFIIAH, operada pelo n.º 2 do artigo 104.º do RFIIAH, não viola os princípios da confiança e segurança jurídicas, ínsitos na ideia de Estado de Direito Democrático, consagrada no artigo 2º da CRP.

Assim passamos a apreciar.

Sobre estes princípios, o Tribunal Constitucional no acórdão do n.º 287/90 de 30 de outubro de 1990, estabeleceu já os limites do princípio da proteção da confiança na ponderação da eventual inconstitucionalidade de normas dotadas de «retroactividade inautêntica, retrospectiva», onde se escreveu o seguinte:

“A ideia de arbitrariedade ou excessiva onerosidade, para efeito da tutela do princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, tem por referência a dois pressupostos essenciais: (a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda (b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).

Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária.

Os dois critérios completam-se, como é, de resto, sugerido pelo regime dos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição. Para julgar da existência de excesso na «onerosidade», isto é, na frustração forçada de expectativas, é necessário averiguar se o interesse geral que presidia à mudança do regime legal deve prevalecer sobre o interesse individual sacrificado, na hipótese reforçado pelo interesse na previsibilidade de vida jurídica, também necessariamente sacrificado pela mudança. Na falta de tal interesse do legislador ou da sua suficiente relevância segundo a Constituição, deve considerar-se arbitrário o sacrifício e excessiva a frustração de expectativas.”

Nessa linha, pronunciou-se igualmente o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 309/2018, proferido em matéria fiscal, do seguinte modo:

«13. (…) [O] legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção do regime legal (Acórdão n.º 188/09).

Se bem que a aplicação do princípio da proteção da confiança depende, necessariamente, do confronto entre a finalidade de interesse público e as expectativas frustradas pela medida em causa, para aferir da existência de uma “situação de confiança” e do “investimento na confiança”, importa ter presente o método que a jurisprudência constitucional adota quando procede à ponderação desses interesses.

De acordo com essa jurisprudência, para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da confiança é necessário: em primeiro lugar, que as expectativas de estabilidade do regime jurídico em causa tenham sido induzidas por comportamentos dos poderes públicos; que elas sejam legítimas, ou seja, fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; por fim, o cidadão deve ter orientado a sua vida e feito opções, precisamente, com base em expectativas de manutenção do quadro jurídico. Dados por verificados esses requisitos cumulativos, há que proceder a um balanceamento ou ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Com efeito, para que a situação de confiança seja constitucionalmente protegida, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa (Acórdãos n.ºs 287/90, 128/2009, 399/2010, 396/2011, 353/2012, 187/2013, 474/13, 602/2013, 794/2013 e 862/2013).»

Como se fez notar, segundo a jurisprudência constitucional sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais: (a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda (b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).

Os dois critérios enunciados são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. (cf Acórdão do TC n.º128/2009 12 de Março de 2009)

Este princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui proteção (cfr., entre outros, o acórdão n.º 287/90).

Perante o exposto, resulta do caso sub judicio, que, quando a Requerente vendeu o prédio ao FIEAE, em 14 de maio de 2010, já vigorava no ordenamento jurídico o regime especial aplicável ao FIIAH bem como estava determinada a data limite em que o mesmo vigorava, ou seja, 31 de dezembro de 2020, e neste sentido quando a Requerente decidiu antecipar a compra do imóvel que havia alienado ao FIEAE, em 20 de janeiro de 2022, não podia ignorar que, a essa data, já havia cessado a vigência do regime fiscal especial aplicável ao FIIAH e não poderia, portanto, beneficiar desse regime especial, pelo que não tinha qualquer expectativa legítima de que esse regime se mantinha, ou ia manter-se, em vigor.

Assim, inexistiu violação dos princípios constitucionalmente consagrados da segurança jurídica e da proteção da confiança.

Perante todo o exposto a liquidação de IMT, não sofre de qualquer ilegalidade, devendo manter-se na ordem jurídica, julgando-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolvendo-se a AT de todos os pedidos.

§4.3. Pedidos de conhecimento prejudicado

Sendo de julgar improcedente o pedido principal de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, fica necessariamente prejudicado o pedido de reembolso e de pagamento de juros indemnizatórios.

  1. Decisão

De harmonia com o exposto, acordam os árbitros, neste Tribunal Arbitral, em:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Julgar prejudicados os pedidos de reembolso das quantias pagas e do pagamento de juros indemnizatórios.
  1. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 328.558,66, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, correspondente ao valor da liquidação de IMT cuja anulação constitui o objeto desta ação.

  1. Custas Arbitrais

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.814,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cabendo à Requerente o seu pagamento, atendendo a improcedência do pedido de pronuncia arbitral.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 7 de novembro de 2022

 

 

 

Os Árbitros,

 

 

Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Presidente)

 

 

Rui Ferreira Rodrigues

 

 

Pedro Guerra Alves (Relator)

 



[1] Cfr. Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I., pp. 58/59 de Pires de Lima e Antunes Varela onde se afirma que o sentido de a lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório de diplomas ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.

[2] Disponível em www.dgsi.pt

[3] Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2ª reimpressão, Coimbra, 1989, pp. 187 ss.

[4] In O Direito, Introdução e Teoria Geral, 9º Ed., Almedina, Lisboa, 1995, p. 382

[5] Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, págs. 105-108).