DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
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A..., L.da, pessoa coletiva n.º..., com sede em ..., ..., ..., veio nos termos do disposto no artigo 2.º n.º 1 alínea a), 5.º n.º 2 alínea a), 6.º n.º 1, 10.º n.º 1 alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista, à anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que tinha por objeto a liquidação de IRC e juros compensatórios relativos ao exercício de 2017, no valor total de € 64 881,58, peticionando a anulação parcial daquela liquidação e respetivos juros compensatórios, no valor de € 19 016,77.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, tendo seguido a sua normal tramitação.
O Tribunal foi constituído no dia 18 de janeiro de 2022.
A AT apresentou a sua resposta defendendo que a instância fosse suspensa até decisão do processo n.º 508/2021-T e a improcedência do pedido.
Em 1 de julho de 2022, a Requerente juntou aos autos cópia da decisão arbitral proferida no processo n.º 508/2021-T.
Por despacho de 19 de setembro de 2022, foi dispensada a produção de prova testemunhal, por desnecessidade, e, não existindo controvérsia sobre a matéria de facto ou exceções que se impusessem analisar, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
As partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, o que fizeram dentro do prazo determinado para o efeito.
Foi fixado o dia 15 de novembro para prolação da decisão final.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, ex vi o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 10.º, n.º 1, do RJAT.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, como determinado pelos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não enfermando o processo de quaisquer nulidades, nem existindo obstáculo à apreciação do mérito da causa.
II. Fundamentação
4. Matéria de facto
4.1. Factos Provados
Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
4.1.1. A Requerente é uma sociedade que desenvolve a atividade de exploração e comercialização de minérios extraídos de concessões em exploração, nomeadamente de areias, seixos, britas e caulinos.
4.1.2. A Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva, levada a cabo através da Ordem de Serviço Externa n.º OI2019..., de âmbito parcial, em sede de IRC e IVA, relativamente aos valores declarados no exercício de 2017.
4.1.3. No relatório da inspeção tributária procedeu-se à correção do valor de RFAI declarado pela Requerente, nos termos seguintes:
4.1.4. Tal correção estribou-se na seguinte fundamentação:
4.1.5. Para além dessa correção, foram ainda realizadas as seguintes correções aritméticas à matéria tributável de IRC, com os fundamentos constantes do relatório de inspeção e que aqui se dão por reproduzidos:
4.1.6. Relativamente ao exercício de 2016, o sujeito passivo fora sujeito a um procedimento de inspeção, em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2018..., na qual se desconsideraram, para efeitos de RFAI, os investimentos realizados nesse ano pela Requerente.
4.1.7. Na sequência desse relatório, foi efetuada a liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2020... .
4.1.8. Em 25 de agosto de 2021, a Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral no qual, entre o mais, controverteu a legalidade das correções aritméticas no montante de € 179 245,11, relativas ao valor considerado para dedução à coleta do IRC relativo ao RFAI do ano de 2016.
4.1.9. Por decisão datada de 27 de junho de 2022, o CAAD, no Processo n.º 508/2021-T, decidiu anular parcialmente o ato de liquidação de IRC relativo a 2016, considerando encontrarem-se preenchidos os requisitos de acesso ao incentivo fiscal previsto no artigo 22.º do CFI, determinando a ilegalidade da correção administrativa do valor das dotações de RFAI relativas ao ano de 2016, no montante de € 179 245,11, não tendo sido interposto recurso desta decisão.
4.1.10. No dia 12 de outubro de 2020, foi emitida a liquidação de IRC relativa ao período de 2017, com o n.º 2020..., resultando da mesma um valor a pagar de € 64 881,58.
4.1.11. Na mesma data, foi emitida a demonstração da liquidação de juros compensatórios, com o seguinte teor:
4.1.12. A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRC de 2017 e respetivos juros compensatórios em 30 de março de 2021.
4.1.13. Na reclamação graciosa, a Requerente aceita as correções relativas a “juros moratórios pela prática de infrações não aceites fiscalmente”, “depreciações indevidas de ativos fixos tangíveis”, “consideração indevida de grande reparação de ativo depreciável como gasto do período”, “gastos deduzidos indevidamente por erros de registo contabilístico ou outros”, “dedução à matéria coletável de benefício fiscal – criação de emprego”, “dedução à matéria coletável de BF – apoio ao transporte rodoviário de mercadorias”, “tributação autónoma em falta (sobre ajudas de custo)”, tendo qualificado a sua atuação como meramente negligente.
4.1.14. Por ofício datado de 10 de agosto de 2021, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa.
4.1.15. O presente pedido de constituição de tribunal arbitral foi apresentado no dia 9 de novembro de 2021.
4.2. Factos não provados
4.2.1. Não se provou que o valor do imposto liquidado e em causa nos presentes autos tivesse sido pago.
4.3. Motivação da decisão relativa à matéria de facto
Considerando o disposto nos artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.os 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil (por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), incumbe ao Tribunal o dever de selecionar a matéria de facto relevante para a decisão tomando em consideração a pretensão formulada.
No caso sub judice, a decisão sobre os factos provados e não provados radicou, segundo o princípio da livre apreciação da prova, no acervo documental presente nos autos, tanto com o requerimento de pronúncia arbitral, como, posteriormente, com o Processo Administrativo, organizado nos termos do artigo 111.º do CPPT, e junto pela Requerida, e nos factos que não foram questionados pelas partes.
5. Matéria de direito
5.1. Questão Decidenda
A questão a decidir é a de saber se a liquidação de IRC de 2017 padece de ilegalidade, na parte em que a mesma assenta na correção de valores a deduzir à coleta ao abrigo do RFAI, quando tal correção resulte da não consideração de valores relativos a investimentos realizados em 2016, que foram objeto de correção administrativa que originou uma liquidação adicional de IRC, entretanto anulada, nessa parte, por decisão arbitral. Concomitantemente, coloca-se a questão da legalidade dos juros compensatórios liquidados pela Requerida.
Vejamos.
5.2. Fundamentos de direito
O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) encontra-se previsto nos artigos 22.º a 26.º do Código Fiscal do Investimento (CFI), traduzindo-se em benefícios fiscais que operam, na parte relevante para o caso em análise, por dedução à coleta do IRC.
Nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CFI, tal dedução é efetuada na liquidação de IRC em que sejam realizadas as aplicações relevantes, tendo dos seguintes limites: a) no caso de investimentos realizados no período de tributação do início de atividade e nos dois períodos de tributação seguintes, exceto quando a empresa resultar de cisão, até à concorrência do total da coleta do IRC apurada em cada um desses períodos de tributação; b) nos restantes casos, até à concorrência de 50 % da coleta do IRC apurada em cada período de tributação. Quando tal dedução não possa ser efetuada por insuficiência de coleta, dispõe o n.º 3 do referido preceito que a importância ainda não deduzida pode sê-lo nas liquidações dos 10 períodos de tributação seguintes, até à concorrência da coleta de IRC apurada em cada um dos períodos de tributação, no caso de investimentos abrangidos pela alínea a) do número anterior ou com o limite previsto na alínea b) do mesmo número, nos casos aí previstos.
Como resulta do relatado, a legalidade da liquidação de IRC relativo ao exercício de 2017 vem controvertida por força da desconsideração dos montantes dedutíveis para efeitos do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) relativos ao exercício de 2016 e que podiam ser deduzidos à coleta de 2017 nos termos do referido artigo 23.º, n.º 3, do CFI, caso aqueles valores não tivessem sido objeto de uma correção, cujo efeito se projeta na liquidação de IRC aqui controvertida.
Existe, assim, no caso concreto, uma relação de dependência entre as correções realizadas no âmbito da inspeção ao exercício de 2016, que motivaram a impugnação arbitral da respetiva liquidação, e que foram consequentemente projetadas no exercício de 2017, levando à correção do valor deduzido à coleta pelo sujeito passivo de € 37.987,59 para € 24.249,61, por não terem sido aceites os investimentos realizados em 2016 para efeitos de RFAI, fazendo refletir em 2017 o reporte do saldo transitado do ano anterior.
Por decisão arbitral prolatada no Processo n.º 508/2021-T, o CAAD decidiu que a desconsideração dos investimentos realizados em 2016 para efeitos de RFAI e consequente dedução à coleta “enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito”, “mostrando-se integralmente preenchidos, no presente caso, os requisitos de acesso ao incentivo fiscal previsto no artigo 22.º do CFI”.
Com essa decisão, resultam afetados os pressupostos de facto assumidos pela AT na correção que deu origem à liquidação em crise e que, nessa medida, não poderá manter-se, por haver saldo a transitar para o exercício de 2017, o qual fora indevidamente corrigido na medida em que o tribunal aceitou como válidos para efeitos de RFAI os investimentos realizados em 2016, de onde resultou uma dotação no valor de € 179 245,11 que interfere com os valores a deduzir à coleta de 2017 e que não foi tida em conta na liquidação impugnada.
Concomitantemente, resultando do exposto que a liquidação impugnada padece de erro nos pressupostos de facto, erro esse que não pode deixar de ser imputável à Requerida, fica também inquinada, por esse motivo, a legalidade da liquidação dos juros compensatórios que recaíram sobre o imposto aqui controvertido.
Não se olvida que a Requerente controverte também a liquidação dos juros compensatórios com base na falta de fundamentação e na ausência de culpa, não sendo claro se o faz em termos subsidiários ou não. Em todo o caso, sempre se dirá que apenas com base nos motivos referidos no parágrafo anterior existe razão para anular tal liquidação. Com efeito, perscrutado o teor da mesma, constata-se estarem cumpridos os requisitos mínimos do dever de fundamentação nesta matéria, tal como vem sido realçado pela jurisprudência do STA, com base na qual se afirma que a “fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem” – cf., entre muitos outros, o Acórdão de 30 de novembro de 2011, tirado no processo n.º 0619/11 –, sendo que, quanto à questão da culpa, tem-se entendido que “no caso dos juros compensatórios (...), a factualidade em que há-de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento de imposto entendido em falta, na exata medida em que se integram neste, nos termos do n.º 8, do art.º 35.° da LGT” – Acórdão do TCA Sul, de 11 de novembro de 2008, tirado no processo n.º 02020/07 –, razões que foram suficientemente detalhadas no relatório da inspeção e relativamente às quais a Requerente logrou opor-se na parte em que as controverteu. Quanto às demais, que a Requerente aceitou reconhecendo a negligência da sua conduta em sede de reclamação graciosa, importa referir que o preenchimento do elemento subjetivo de culpa previsto no artigo 35.º n.º 1, da LGT, basta-se com um comportamento negligente, pelo que, na economia da decisão, os juros compensatórios padecem de ilegalidade na parte em que os mesmos assentam numa liquidação adicional que, pelos motivos expostos, não pode manter-se qua tale na ordem jurídica.
Por fim, vem ainda peticionada a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios. Nos termos da norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido". Resulta desse preceito que o direito aos juros indemnizatórios pressupõe o pagamento do imposto em valor superior ao devido, cabendo à Requerente o ónus de alegar e provar essa realidade.
III. Decisão
6. Decisão
Destarte, atento o exposto, este Tribunal Arbitral decide:
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Julgar procedente o pedido de anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa e anular parcialmente o ato de liquidação de IRC de 2017 e respetivos juros compensatórios;
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Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios; e,
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Condenar a Requerida nas custas processuais infra determinadas.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, atribui-se ao processo o valor de € 19 016,77.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 224,00, em consonância com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Coimbra, 15 de novembro de 2022,
João Pedro Rodrigues
Notifique-se.