DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. No dia 6-4-2022, o sujeito passivo A..., B. V., sociedade de direito neerlandês não residente em Portugal, pessoa colectiva com número neerlandês de identificação fiscal nº ... e com o número de identificação fiscal ..., com sede em ..., ..., ..., Países Baixos, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), contra o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida a 08-09-2021, que incidiu sobre actos de liquidação de Imposto do Selo relativos à operação ..., no valor de € 1.000.000,00 (Verba 17.1.2.) e € 12.000 (Verba 17.3.4.).
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitros o Professor Doutor Rui Duarte Morais (presidente), o Professor Doutor Luís Menezes Leitão (relator) e o Professor Doutor Rui Miguel de Sousa Simões Fernandes Marrana, disso notificando as partes.
3. O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, os seguintes:
4.1. A Requerente instaurou, a 08-09-2021, reclamação graciosa contra os actos tributários de liquidação do Imposto do Selo realizados ao abrigo da Verba 17.1 no valor de € 1.000.000,00 e Verba 17.3 no valor de € 12.000,00, ambas da Tabela Geral do Imposto do Selo, o que perfaz o total de € 1.012.000,00 (um milhão e doze mil euros).
4.2. Sucede que até à presente data a aludida reclamação graciosa não mereceu qualquer resposta por parte da AT.
4.3. Por força do silêncio da AT no referido prazo de quatro meses, i.e. até 08‑01‑2022, formou-se a presunção do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.
4.4. O IS subjacente aos actos tributários foi liquidado pela instituição bancária B..., S.A., com sede em Portugal, no dia 24-05-2021, e o encargo do mesmo foi suportado pela Requerente por ser mutuária de uma operação de concessão de crédito:
4.5. As liquidações do IS incidiram, assim, sobre uma operação financeira, mais precisamente de concessão de crédito, efectuada por uma instituição bancária sediada em Portugal a favor da Requerente cuja sede se situa na Holanda.
4.6. A Requerente discorda das liquidações uma vez que da correcta interpretação e aplicação das regras de territorialidade, previstas no Código do Imposto do Selo, deve concluir-se pela não sujeição a imposto neste território.
4.7. Com efeito, a sujeição desta operação a IS violou as regras da territorialidade consagradas no artigo 4.º do CIS na medida em que o facto tributário não ocorreu em território nacional (uma vez que a mutuária, a Requerente, não tem sede nem estabelecimento estável em Portugal) e não se enquadra em nenhuma das excepções previstas no n.º 2 deste preceito legal.
4.8. Sobrevém, a título subsidiário, um outro fundamento de anulação da liquidação de imposto: a Requerente, enquanto sociedade que se dedica à gestão de participações sociais, beneficia da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS à luz da jurisprudência arbitral que sobre esta matéria tem sido vertida, pelo que a liquidação de imposto é também por este motivo ilegal.
4.9. A Requerente é uma sociedade comercial constituída ao abrigo do direito holandês e tem a sua sede em Amesterdão, Holanda, não possuindo qualquer estabelecimento estável em Portugal.
4.10. A Requerente tem como actividade principal «Financial Holdings» o que, traduzindo para língua portuguesa, significa a actividade de gestão de participações sociais.
4.11. Por conseguinte, o SBI-code da Requerente – que equivale, em Portugal, à classificação portuguesa de actividades económicas (CAE) – corresponde ao n.º «6420 – Financial holdings».
4.12. A Requerente integra o Grupo C... sendo detida, de forma indirecta, pela holding de cúpula do Grupo, a saber, a D..., SGPS, S.A.
4.13. No âmbito deste Grupo, a Requerente é uma sub-holding vocacionada para a gestão de participações sociais, detendo, nomeadamente, uma participação correspondente a 33,34% do capital social da sociedade E... SGPS, S.A.
4.14. Em plena prossecução da sua actividade, a Requerente celebrou com a B..., no dia 20‑05‑2021, um contrato de mútuo no montante total de € 200.000.000,00.
4.15. Tal como explicitado no próprio contrato (cfr. cláusula 3.), o contrato destina-se a reforço do fundo de maneio, i.e. a uma utilização sem vinculação ao território e totalmente a definir pela mutuária.
4.16. Sobre a concessão de crédito e respectiva comissão de celebração de contrato de mútuo incidiu IS no valor global de €1.012.000,00 nos termos das várias rúbricas aplicáveis da Verba 17 da TGIS.
4.17. Assim, a B..., na qualidade de instituição financeira e de crédito, enquanto sujeito passivo, liquidou IS, no montante de € 1.012.000,00, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS.
4.18. A Requerente, por sua vez, enquanto titular do interesse económico, suportou o referido IS, nos termos do n.º 1 e da alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS.
4.19. A principal regra de incidência objectiva do IS encontra-se estatuída no n.º 1 do artigo 1.º do respectivo Código de acordo com a qual estão sujeitos a IS «todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens».
4.20. No caso em apreço, está em causa a utilização de crédito que se encontra sujeita a IS de acordo com as Verbas 17.1.1. a 17.1.3 da TGIS nos seguintes termos:
17.1.1 - Crédito de prazo inferior a um ano - por cada mês ou fracção - 0,04%
17.1.2 - Crédito de prazo igual ou superior a um ano - 0,50%
17.1.3 - Crédito de prazo igual ou superior a cinco ano - 0,60%..
4.21. Está também em questão a comissão de celebração do contrato de mútuo, a qual se encontra sujeita a IS de acordo com a Verba 17.3.4 da TGIS nos seguintes termos:
17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4%.
4.22. O IS não incide sobre todos os factos com factores de conexão pessoal com Portugal, mas apenas sobre os que se considerem ocorridos em território nacional à luz das regras de territorialidade consagradas no artigo 4.º, n º1, do CIS.
4.23. Estabelece o n.º 1 do artigo 4.º do CIS que «[s]em prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional».
4.24. Por sua vez, as alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 4.º do CIS estendem a incidência de IS às operações de crédito e às garantias – que por ela não seriam abarcadas – a que se referem as Verbas n.º 17.1 e 10 da TGIS, respectivamente, efectuadas por quaisquer entidades domiciliadas no estrangeiro – entre as quais se incluem filiais, sucursais e estabelecimentos estáveis no estrangeiro de entidades domiciliadas em território português – quando tenham como destinatários quaisquer entidades domiciliadas em território nacional.
4.25. Com a reforma do IS, operada pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, a substituição da mera «concessão de crédito» pela «utilização de crédito» visou capturar nas malhas do IS apenas as efectivas manifestações de riqueza ou capacidade contributiva de quem contrai o crédito (dado que é sobre o mutuário que incide o encargo do imposto), o que, de resto, se depreende sem qualquer dificuldade do preâmbulo do próprio Código.
4.26. Uma vez que quem o legislador quer declaradamente tributar é o utilizador do crédito (mesmo que este seja um mero estabelecimento estável), é que este entendeu, por bem, explicitar, de forma absolutamente transparente, que quando o mutuário for, economicamente – ou seja, o titular do direito económico na acepção do nº 1 do artigo 3º do CIS –, domiciliado em Portugal haverá lugar à incidência de IS independentemente de ter fixado com o mutuante – residente ou não residente – que as obrigações emergentes do contrato se devem cumprir fora do território nacional; esta é a única interpretação consistente com o princípio de que o legislador consagrou a solução mais acertada e a única que permite uma aplicação coerente do nº 1 e da al. b) do nº 2 do artigo 4º do CIS.
4.27. Resulta absolutamente claro que, no caso em apreço, se o facto tributário que predetermina a existência de IS às operações de crédito é a efectiva utilização do crédito por parte do beneficiário, sendo esta utilização realizada fora do território nacional, não há lugar ao pagamento deste imposto neste território, motivo pelo qual deve o presente pedido arbitral ser julgado totalmente procedente.
4.29. Este entendimento já foi igualmente acolhido pelos nossos tribunais superiores, designadamente pelo Tribunal Arbitral constituído sob a égide do CAAD e composto por José Poças Falcão, Adelaide Moura e José Nunes Barata, no âmbito do processo n.º 61/2019-T, datado de 06/11/2019.
4.30. O TCA-SUL, no Acórdão proferido no processo n.º 675/03.9BTLRS, de 25-03-2021, decidiu no mesmo sentido ao considerar que «a sujeição a imposto de selo do crédito utilizado, no actual CIS, encontra-se condicionada pela conexão que a situação apresente com o território português, sendo esta conexão determinada pelo local onde se verifica a utilização do crédito, por força da regra da territorialidade».
4.31. No mesmo sentido rumou o acórdão arbitral proferido processo n.º 280/2020-T, de 04-11-2021, confirmando precisamente o entendimento da Requerente, a saber, o de que tendo esta a sua sede e direcção efectiva fora do território nacional, não há sujeição a IS sobre o mútuo da qual é mutuária.
4.32. Circunstância a que há que aliar o facto de a utilização se destinar ao reforço do fundo de maneio da Requerente, i.e. a uma utilização não expressamente vinculada a uma utilização física em Portugal, i.e. que revele uma manifestação de riqueza ou disponibilidade financeira no nosso país.
4.33. Face ao exposto, tendo a utilização do crédito ocorrido in casu fora do território nacional, esta operação deverá considerar-se excluída do âmbito de aplicação deste imposto e, assim, ser anulada a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa e, consequentemente, a liquidação de IS.
4.34. Contudo, caso assim não se entenda, o que apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, as liquidações sempre serão ilegais uma vez que deve a Requerente beneficiar da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
4.35. Como resulta do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS, são isentos do imposto «[o]s juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças».
4.36. Adicionalmente, o n.º 7 do artigo 7.º esclarece que a referida isenção «apenas se aplica às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea».
4.37. E, dentro destas, a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS refere-se especificamente «(a)os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito».
4.38. É na Directiva Bancária (Directiva n.º 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013) e no Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, que se encontram definidos os conceitos de «instituição de crédito» e «instituição financeira», para os quais, de resto, também a legislação doméstica remete (cfr. o disposto na alínea z) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras («RGICSF»), constante do Decreto-Lei n.º 298/92, actualizado).
4.39. Ora, a Directiva Bancária (na versão consolidada vigente à presente data), declara, no seu artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, como sendo uma instituição financeira, para efeitos da Directiva, «uma instituição financeira na acepção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013».
4.40. O artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013, qualifica como "Instituição financeira": uma empresa que não seja uma instituição nem uma sociedade gestora de participações no setor puramente industrial, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção do artigo 4.º, ponto 4), da Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, alíneas f) e g), respetivamente, da Diretiva 2009/138/CE».
4.41. Por força do parágrafo 26 do n.º 1 do artigo 4.º, para efeitos do direito comunitário, uma sociedade cuja actividade principal se reconduza à aquisição de participações sociais, e que não respeite ao sector dos seguros, qualifica-se como instituição financeira.
4.42. Assim decidiu o Tribunal Arbitral, na decisão proferida no processo n.º 911/2019-T.
4.43. No que se respeita à Requerente enquanto sociedade beneficiária do crédito, é forçoso concluir-se que a actividade principal da mesma é a aquisição de participações (que não de sector excepcionado na norma), pelo que preenche os requisitos necessários para ser considerada como instituição financeira, de acordo com a legislação comunitária.
4.44. Esclareça-se ainda que, nos termos do direito holandês, não existe uma figura jurídica semelhante ao das sociedades gestoras de participações sociais previstas em Portugal no Decreto-Lei n.º 163/94 de 4 de Junho, bastando, para exercer, a título principal, a actividade de aquisição de participações sociais que esse seja o objecto principal da sociedade.
4.45. No entanto, é inequívoco, como decorre do objecto social da Requerente, que a sua actividade principal é “a aquisição de participações” ao estar registada para actividade de «financial holding»”.
4.46. Naturalmente, esta conclusão não poderá ser afectada pelo facto de o legislador nacional, ao transpor a Directiva 2013/36/EU para o direito interno, ter adoptado um conceito mais restritivo de «instituição financeira», caracterizando como tal «as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal» (cf. o disposto na alínea z) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras («RGICSF»), constante do Decreto-Lei n.º 298/92.
4.47. Mostram-se assim preenchidos na totalidade os pressupostos de aplicação da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, sendo forçoso concluir que a concessão de crédito a favor da Requerente, assim como a comissão cobrada, beneficiam da isenção aí consagrada, de onde decorre a necessidade de se proceder à anulação das liquidações, com fundamento na sua ilegalidade, como consequência da ilegalidade do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa, e restituição à Requerente do imposto devidamente suportado.
4.48. A jurisprudência do CAAD é convergente no sentido de que uma sociedade dedicada à aquisição e gestão de participações sociais (como é o caso da Requerente) constitui uma instituição financeira para efeito da isenção de IS prevista no artigo 7.º n.º 1 alínea e) do CIS.
4.49. Muito recentemente, o STA, no acórdão de 23/03/2022 proferido no processo n.º 0118/20.3BALSB, no âmbito de um recurso para uniformização de jurisprudência interposto por um contribuinte de um acórdão arbitral, entendeu que haviam dúvidas na interpretação do direito da União Europeia e ordenou, por conseguinte, o reenvio prejudicial da seguinte questão para o Tribunal de Justiça da UE.
4.50. Pelo que, em caso de dúvida, sugere-se que seja formulada a seguinte questão exemplificativa ao TJUE, ao abrigo do pedido de reenvio prejudicial (pedido que é consentido ao tribunal arbitral submeter à luz do Acórdão do TJUE no “Caso Ascendi; C‑377/13”) , previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE (TFUE): "Uma sociedade de direito holandês constituída sob a forma de Besloten Vennootschap e cuja actividade principal consiste na aquisição e gestão de participações sociais, estando registada, no registo comercial dos Países Baixos, com o código de actividade económica principal 6420 – Financial holdings, subsume-se ao conceito de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/201?"
4.51. Solicita, consequentemente, a Requerente a anulação da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa e, consequentemente, a anulação da liquidação de IS no valor de € 1.012.000 por vício de violação de lei, de modo a proceder-se à imediata e plena reconstituição da legalidade, bem como que lhe seja concedido o direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido da prestação tributária até à data da efectiva restituição.
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:
5.1. O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa, cujos termos correram junto do Serviço de Finanças de Lisboa ..., sob o procedimento n.º ...2021... .
5.2. A reclamação graciosa foi apresentada, em 08-09-2021, contra liquidações de Imposto do Selo, efectuadas em 24-05-2021 pela B..., no valor total de € 1.012.000,00, correspondendo € 1.000.000,00 ao imposto liquidado pela concessão de crédito - verba 17.1.2 da TGIS –, e os restantes € 12.000,00 ao imposto liquidado sobre a comissão de celebração – verba 17.3.4. da TGIS.
5.3. A Requerente é uma sociedade comercial constituída ao abrigo do direito neerlandês, não possuindo qualquer estabelecimento estável em Portugal.
5.4. Como resulta da certidão de registo comercial, a Requerente tem como actividade principal «Financial Holdings», ou seja, exerce a actividade de gestão de participações sociais, para além de outras atividades compreendidas no seu objeto.
5.5. Em concreto, a Requerente integra o Grupo C... sendo detida, de forma indireta, pela holding de cúpula do Grupo, a saber, a D..., SGPS, S.A..
5.6. No âmbito deste Grupo, a Requerente é uma sub-holding vocacionada para a gestão de participações sociais, detendo, nomeadamente, uma participação correspondente a 33,34% do capital social da sociedade E... SGPS, S.A..
5.7. Na prossecução da sua atividade, a Requerente celebrou com a B..., no dia 20-05-2021, um contrato de mútuo no montante total de € 200.000.000,00.
5.8. Sobre a concessão de crédito e respetiva comissão de celebração de contrato de mútuo incidiu imposto do selo, no valor global de €1.012.000,00, nos termos das seguintes rúbricas da Verba 17 da TGIS:
Data 24-05-2021 – operação PT... – Guia 29792
Verba 17.1.2 da TGIS - € 1.000.000,00
Verba 17.3.4 da TGIS – € 12.000,00.
5.9. A B..., na qualidade de instituição financeira e de crédito localizada em Portugal, enquanto sujeito passivo, liquidou imposto do selo, no montante de € 1.012.000,00, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS.
5.10. A Requerente, por sua vez, enquanto titular do interesse económico, suportou o referido imposto, nos termos do n.º 1 e da alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS.
5.11. Importa, sem prejuízo do explicitado em sede de direito, aqui desde já notar que a Requerente não faz prova de que o crédito obtido junto da B... foi efectivamente utilizado fora de Portugal.
5.12. Na verdade, limita-se a afirmar que o financiamento obtido se destina ao reforço do fundo de maneio da Requerente, i.e., a uma utilização não expressamente vinculada a uma utilização física em Portugal, i.e., que revele uma manifestação de riqueza ou disponibilidade financeira em Portugal.
5.13. Na situação em apreço, está em causa a aplicação da verba 17.1.2 da TGIS - crédito de prazo igual ou superior a um ano -, que determina que a utilização de crédito em virtude da sua concessão está sujeita a Imposto do Selo à taxa de 0,50%,
5.14. bem como a aplicação da verba 17.3 da mesma Tabela que determina a incidência de Imposto do Selo sobre as “operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”, aqui se incluindo: “17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.
5.15. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 4.º do CIS estabelece, sob a epígrafe territorialidade, que “sem prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o Imposto do Selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional”.
5.16. Ora, da factualidade acima aduzida resulta evidente que o financiamento e a comissão de celebração do contrato de mútuo em causa foram concedidos e cobrados em Portugal por uma instituição de crédito portuguesa, apesar do destinatário destas operações financeiras ter residência fora deste território.
5.17. Pelo que, competia legalmente à B..., entidade concedente do crédito e credora da comissão, na qualidade de sujeito passivo do imposto, liquidar, cobrar e entregar nos cofres do Estado o imposto repercutido à Requerente, sedeada nos Países Baixos, conforme decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, das alínea f) e g) do n.º 3 do artigo 3.º, das alíneas g) e h) do artigo 5.º, do n.º 1 do artigo 9.º, do n.º 1 do artigo 22.º, do n.º 1 do artigo 23.º, dos artigos 41.° e 43.° e do n.º 1 do artigo 44.º, todos do CIS.
5.18. Assim, não tem acolhimento a argumentação da Requerente no sentido de que não estão abrangidas pelo campo de incidência do Imposto do Selo as utilizações de crédito que em virtude da sua concessão ocorram fora de Portugal por um mutuário que não seja aqui residente.
5.19. Não se retira da conjugação das regras de incidência objetiva, previstas na verba 17.1 da TGIS, nem da territorial previstas no artigo 4.º do CIS, em especial do seu n.º 1, ou até da alínea b) do seu n.º 2, que o legislador tenha alguma vez desejado que o crédito concedido por uma entidade com residência em território nacional a favor de uma entidade não residente, constituíssem operações financeiras não sujeitas a Imposto do Selo pelo simples facto de esta última ter o seu domicílio fiscal no estrangeiro.
5.20. Acolhendo o entendimento da Requerente, distinguindo, para efeitos de sujeição, os fluxos financeiros (concessão/utilização de crédito) realizados exclusivamente entre entidades com sede ou direção efetiva em território nacional e entre estas e entidades com sede ou direção efetiva no estrangeiro estaríamos a discriminar fiscalmente umas em favor de outras, ofendendo o princípio da igualdade de tratamento, da capacidade contributiva e a provocar, por essa via, uma distorção da concorrência, desconsiderando o princípio da neutralidade fiscal.
5.21. Sucede que, em parte alguma do CIS o legislador releva o local da prestação pecuniária, sendo que nem isso constitui qualquer omissão: o legislador relevou, expressamente, e apenas, o local onde as operações – neste caso, de concessão de crédito e do serviço financeiro – são efetuadas (cf. n.º 1 do artigo 4.º do CIS).
5.22. Repare-se também que o artigo 5.º, al. g) do CIS é a disposição legal que prevê o nascimento da obrigação tributária, estabelecendo o normativo que nas operações de crédito o mesmo se verifica no momento em que forem realizadas.
5.23. Deste modo, sendo a operação de crédito em causa realizada por uma entidade domiciliada em território português, o facto tributário ocorreu no mesmo território, motivo por que a situação em escrutínio se subsume à redação do artigo 4.º, n.º 1 do CIS.
5.24. Por outro lado, há a questão do imposto liquidado sobre a comissão de celebração do mútuo, no valor de € 12.000,00, porquanto não se vislumbra, nem a Requerente explicita como se pode defender que a mesma não está sujeita a Imposto do Selo em Portugal, por força da aplicação das regras da territorialidade.
5.25. Neste caso, resulta inequívoco que a cobrança de uma comissão (bem como dos juros devidos pela concessão de crédito) constituem factos tributáveis para efeitos do n.º 1 do artigo 4.º do CIS, porquanto dúvidas não há que entidade que a cobra, B..., está localizada em Portugal.
5.26. Por fim, dúvidas existissem, no sentido defendido pela Requerida, veja-se a decisão arbitral proferida no processo arbitral n.º 163/2015-T, e bem assim, mais recentemente, a decisão arbitral proferida no processo 279/2020-T, de 03-11-2020, onde, pese embora estar em causa uma questão de cash pooling, o ponto relevante é, como nos presentes autos, se estar perante uma operação abrangida pela verba 17.1 da TGIS.
5.27. Igualmente, no sentido defendido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 28-11-2018, no âmbito do processo n.º 06/11.4BESNT 0436/16.
5.28. O facto de apenas haver lugar a tributação quando o crédito concedido for utilizado, que resulta da verba 17.1 da TGIS, não obsta ao entendimento do legislador, e que está também presente no citado acórdão do STA, de que as “operações financeiras” que se pretendem tributar são as de concessão de crédito, mas que apenas se consideram concretizadas no momento em que o crédito concedido é utilizado.
5.29. Pelo que, estando as operações financeiras sob apreço sujeitas a Imposto do Selo, nos termos conjugados da verba 17.1.2.e da verba 17.3.4 da TGIS, com o n.º 1 do artigo 1.º e n.º 1 do artigo 4.º do CIS, conclui-se que as autoliquidações impugnadas são legais, improcedendo por essa razão a pretensão da Requerente.
5.30. Vem a Requerente a título subsidiário invocar a ilegalidade das autoliquidações, uma vez que entende que deve beneficiar da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, mas também aqui não lhe assiste razão.
5.31. As operações subjacentes à parte das liquidações contestadas no presente ppa estão sujeitas ao imposto do selo, por força do art.º 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo e Verbas 17.1 e 17.3.
5.32. A Requerente defende, no entanto, que estão preenchidas as condições para beneficiar da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo.
5.33. Como resulta bem explicitado na decisão arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T e mais recentemente, na proferida no processo n.º 559/2020-T, e bem assim nas decisões arbitrais proferidas nos processos arbitrais n.os 856/2019-T, 170/2021-T, 62/2021-T, 92/2021-T, 444/2021-T, 79/2021-T, 471/2021-T, para que se remete, a Requerente não pode ser qualificada como instituição financeira, de crédito ou sociedade financeira para efeitos da referida norma de isenção.
5.34. Não se extrai da definição de “instituição financeira” resultante da conjugação do ponto 22) do n.º 1 do artigo 3.º da Diretiva n.º 2013/36/UE com o ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 que as sociedades gestoras de participações sociais integrem o conceito fornecido pela legislação comunitária.
5.35. Não é pelo facto de o legislador comunitário ter delimitado a definição de “instituição financeira”, dela excluindo expressamente as empresas que não sejam instituições de crédito ou empresas de investimento e as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”, e desde a redação dada pelo Regulamento (UE) n. º 2019/876, as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, que se pode concluir que, desta definição, conjugada com RJSGPS, as SGPS cabem no conceito de “instituição financeira” previsto no Regulamento n.º 575/2013.
5.36. Efetivamente, no contexto das disposições da Diretiva, nomeadamente das que regem a autorização do exercício da atividade, a aquisição de participações qualificadas, o exercício da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços e a supervisão das instituições de crédito e das empresas de investimento, ao nível individual ou em base consolidada, não se detecta qualquer referência explícita ou implícita a empresas-mãe que se identifiquem com sociedades gestoras de participações em sociedades que não sejam instituições de crédito ou empresas de investimento.
5.37. É o caso, a título de exemplo, do artigo 34.º da Diretiva, com a epígrafe “Instituições Financeiras”, inserido no Título V – Disposições relativas à liberdade de estabelecimento e à liberdade de prestação de serviços e do artigo 111. º (inserido no Título VII Capítulo 3) da Diretiva)..
5.38. Nesta norma atribuem-se as competências para o exercício da supervisão em base consolidada à “empresa-mãe”, sendo esta identificada como correspondendo à “Instituição-mãe num Estado-Membro”, “Instituição-mãe na UE”, “Companhia financeira-mãe” ou “Companhia financeira mista-mãe”, qualificativos que não podem ser atribuídos a uma SGPS, como a Requerente pretende, à luz das definições constantes do artigo 4.º, pontos 28), 29), 30) e 31) do Regulamento.
5.39. Aliás, como já acima referido, a sujeição a supervisão em base consolidada, nos termos dos artigos 119.º a 125.º da Diretiva dirige-se a companhias financeiras e às companhias financeiras mistas e não a qualquer empresa-mãe independentemente da natureza da atividade das suas filiais.
5.40. De igual modo, para efeitos de aplicação dos requisitos de fundos próprios numa base consolidada, os artigos 11.º e seguintes do Regulamento definem o perímetro da consolidação com base nos mesmos conceitos de “empresa-mãe”.
5.41. Por conseguinte, o âmbito da definição “Instituição financeira” na parte referente a “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações” é delimitado pela operatividade das disposições da Diretiva e do Regulamento que regulam domínios específicos ligados sobretudo à supervisão em base consolidada e ao exercício das liberdades de estabelecimento e de prestações de serviços e, nesse sentido, não compreende toda e qualquer SGPS.
5.42. E tanto assim é que as matérias reguladas pela Diretiva e pelo Regulamento não são aplicáveis à Requerente.
5.43. Também não procede o argumento de que a exclusão expressa da definição do artigo 4.º, ponto 26) do Regulamento, acima citado, de determinadas SGPS, reforça a ideia que todas as demais sociedades gestoras de participações são automaticamente abrangidas pela definição de “Instituições financeiras”.
5.44. Embora os Considerandos da Diretiva e do Regulamento não forneçam uma explicação sobre esta exclusão, resulta com toda a evidência que, estabelecendo a Diretiva 2009/138/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II), nos artigos 213.º e seguintes, que os Estados-Membros preveem a supervisão, ao nível do grupo, das empresas de seguros e de resseguros que pertencem a um grupo, não poderiam as sociedades gestoras de participações do sector dos seguros e sociedades gestoras de participações de seguros mistas ser consideradas no conceito de “instituições financeiras” para efeitos da Diretiva 2013/36/UE e do Regulamento.
5.45. Aqui chegados, é forçoso concluir que a definição de “Instituição financeira” constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) e artigo 4.º, ponto 26) da Diretiva serve os objetivos de um quadro regulatório dedicado às atividades de natureza financeira e às instituições de crédito e empresas de investimento.
5.46. Consequentemente, nela não cabe uma SGPS cujo único objeto é a detenção e gestão de participações em sociedades, não sendo qualquer delas uma instituição de crédito, ou empresa de investimento.
5.47. Ou seja, como referido, se atentarmos à exclusão da definição de instituição financeira das sociedades gestoras de participações do sector dos seguros e das sociedades gestoras de participações de seguros mistas (na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE), não retiramos, contrariamente ao que faz a Requerente, qualquer conclusão no sentido de que as SGPS que não operem nos setores seguradores integram a definição de “instituição financeira”, pois, de outro modo, não faria sentido a introdução da exclusão expressa acima referida no Regulamento n.º 575/2013.
5.48. Do que ficou exposto nos dois parágrafos anteriores decorrem três conclusões que se nos afiguram incontestáveis: (i) as empresas de seguros, resseguros e as SGPS que adquirem e detém as suas participações sociais são “instituições financeiras”; (ii) as SGPS que detêm aquelas participações são “instituições financeiras” precisamente por esse facto, isto é, pelo simples, mas determinante facto, de deterem participações em empresas de seguros; e, (iii) mais importante para o que aqui nos ocupa, o elo de conexão que as liga é o facto de por esse motivo estas últimas, isto é, as SGPS do sector segurador, assim qualificadas por deterem participações em empresas de seguro e resseguro, ficarem sujeitas à supervisão de grupo de um dos sectores que compõem o sistema financeiro, em concreto, o do sector segurador.
5.49. Ou seja, e revertendo estas conclusões para o caso que se aprecia, aquela que nos parece ser numa perspectiva literal, sistemática e teleológica a melhor interpretação da definição de “instituição financeira" inserta no ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, é a que uma SGPS, pelas participações sociais que adquire e/ou detém numa instituição de crédito ou empresa de investimento, fica, por esse mesmo motivo, sujeita ao quadro regulatório e de supervisão numa base individual ou consolidada imposta pelas respetivas autoridades de supervisão financeira.
5.50. Este entendimento está em sintonia com a especificidade das SGPS que dimana do art.º 1, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 495/88, pois, se as SGPS “têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”, o exercício indirecto da actividade própria das instituições de crédito ou de empresas de investimento ou de instituições financeiras só pode ser exercido quando são detidas participações de controle ou qualificadas em sociedades que assumem aquela natureza.
5.51. Aliás, a exclusão das SGPS em geral do âmbito da Diretiva e do Regulamento é confirmada pelo facto de a sua transposição para o direito nacional, como já tinha sucedido com a Diretiva 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006 (revogada pela Diretiva 2013/36/UE), não ter implicado qualquer alteração ao regime jurídico das SGPS, nomeadamente, às regras de constituição e de exercício da atividade ou da sua sujeição ao cumprimento de regras de supervisão.
5.52. Sucede que, a Requerente não é uma entidade financeira, não faz parte nem exerce qualquer atividade dentro do sistema financeiro, nem tão-pouco actua no mercado bancário ou dos serviços e produtos financeiros.
5.53. Na verdade, uma simples consulta ao seu CAE (Código das Atividades Económicas, Rev.3), permite confirmar que não pratica, porque lhe está vedada face ao quadro legal referido, qualquer atividade estritamente relacionada com o mercado bancário e de serviços financeiros.
5.54. Por esse facto, não estava (à data dos factos) nem está sujeita, como não podia deixar de ser, face ao exercício da sua atividade, ao específico e rigoroso quadro regulatório, sancionatório e de supervisão financeira, aplicável às entidades regulamentadas e autorizadas a funcionar dentro do sistema financeiro.
5.55. E o mesmo se diga relativamente aos seus accionistas e gestores que, quanto nos foi possível apurar, nunca tiveram que passar pelo apertado crivo da competente autoridade de supervisão financeira de forma a certificar, no primeiro caso, a sua idoneidade e solidez financeira, e, no segundo caso, a idoneidade, experiência, independência e disponibilidade para a sua administração, conforme determina a Diretiva 2013/36/UE (complementada, por exemplo, com o n.º 4 do artigo 117.º do RGICSF que manda aplicar disposto nos artigos 30.º a 32.º do mesmo diploma, com as devidas adaptações).
5.56. Perante uma atividade tão fortemente regulada e fiscalizada, reservada, em exclusivo, a entidades que, de qualquer forma, estão condicionadas para o seu exercício a cumprir exigentes condições de acesso, exercício e supervisão, impostas pelas autoridades de supervisão competentes com responsabilidades no sistema financeiro em geral e bancário em particular, forçoso é concluir que a Requerente não pode ser enquadrada no conceito de “instituição financeira” presente na legislação, quer comunitária, quer nacional.
5.57. Acresce que, como já referimos, a Requerente não está, nem podia estar, face à atividade principal por si desenvolvida, sujeita à supervisão, ou mais correctamente, ao Mecanismo Único de Supervisão.
5.58. De facto, não está inserida em nenhuma das listas regularmente actualizadas pelo Banco Central Europeu, nomeadamente na parte B, que elenca as instituições financeiras menos significativas, cuja supervisão compete indirectamente ao Banco Central Europeu e diretamente à Autoridade Nacional Competente, com articulação e reporte àquele, conforme se pode confirmar por uma simples consulta ao sítio da internet do Banco Central Europeu, através do seguinte link:
https://www.bankingsupervision.europa.eu/banking/list/who/html/index.pt.htm
5.59. De onde, a isenção prevista alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, é-lhe inaplicável por não preenchimento do pressuposto subjectivo de que depende a operacionalidade do benefício.
5.60. Interpretação contrária conduziria à conclusão, defendida aliás pela Requerente, de que uma qualquer empresa, SGPS incluídas, podia ser “instituição financeira”, independentemente de estar ou não sujeita à supervisão financeira, o que contraria todo o modelo do sistema financeiro europeu.
5.61. Na verdade, chegar-se-ia ao absurdo de essas entidades serem definidas como “instituições financeiras”, mas a sua atividade não estar sujeita ao regime de supervisão prudencial do sistema financeiro, tanto português como europeu, que é precisamente aquilo que é cuidado pela Diretiva 2013/36/EU e pelo Regulamento n.º 575/2013, conforme decorre com clareza da leitura dos artigos 1.ºs de ambos os diplomas comunitários.
5.62. Ora, tal não acontece no presente caso, porquanto a Requerente não detém quaisquer participações sociais em filiais ou participadas qualificadas como instituições de crédito ou empresas de investimento que as obrigue a ficar igualmente sujeitas ao supervisor financeiro destas.
5.63. Conclui–se, assim, que a Requerente se enquadra no espectro das sociedades gestoras de participações expressamente excluídas do ponto 26) do n.º 1 do artigo 4. º do Regulamento n.º 575/2013, por não integrarem o conceito de “instituição financeira”, nos termos da legislação comunitária.
5.64. Passando, agora, à análise da transposição para o direito nacional, da definição de “instituição financeira” constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da Diretiva e artigo 4.º, ponto 26), do Regulamento, verifica-se que foi vertida no artigo 2.º-A alínea z), do RGICSF, (aditado pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 20 de outubro) nos seguintes termos:
z) «Instituições financeiras»: com exceção das instituições de crédito e das empresas de investimento:
i) As sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, incluindo as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas;
ii) As sociedades cuja atividade principal consista no exercício de uma ou mais das atividades enumeradas nos pontos 2 a 12 e 15 da lista constante do anexo I à Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013;
iii) As instituições de pagamento;
iv) (Revogada.)
5.65. Como está patente, o legislador nacional interpretou a definição da legislação europeia, em linha com o entendimento que acima foi exposto, ao considerar que a generalidade das SGPS não encontra correspondência nos específicos tipos das empresas compreendidas na definição de “Instituição financeira” constante do artigo 4.º, ponto 26), do Regulamento.
5.66. Deste modo, o legislador integrou nessa qualificação apenas as SGPS que, em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro e no artigo 117.º do RGICSF, estão sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.
5.67. Neste sentido foi igualmente a decisão arbitral no processo n.º 37/2020-T, bem como no processo 559/2020-T.
5.68. Deve, assim, concluir-se que a Requerente não preenche o elemento subjetivo da isenção previsto para o mutuário no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, por não se subsumir no conceito de “Instituição financeira” utilizado no quadro dos atos legislativos da União Europeia aplicáveis e consequentemente ser o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente.
5.69. Quanto aos juros indemnizatórios, nos termos legais, estes apenas seriam devidos a partir da data da decisão tácita do indeferimento da reclamação graciosa.
6. No dia 26 de Outubro de 2022 foi proferido despacho arbitral, dispensando a reunião prevista no art. 18º do RJAT, bem como a inquirição da testemunha arrolada por os factos relevantes estarem provados documentalmente, sendo igualmente dispensada a produção de alegações por as questões de direito já terem sido discutidas nos articulados.
II – Factos provados
7. Com base na prova documental constante da documentação junta pela Requerente e do processo administrativo junto aos autos pela Requerida, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
-
A Requerente é uma sociedade comercial constituída ao abrigo do direito neerlandês e tem a sua sede em Amesterdão, Holanda, não possuindo qualquer estabelecimento estável em Portugal;
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A Requerente tem como actividade principal «Financial Holdings», correspondendo o seu o SBI-code da Requerente ao n.º «6420 – Financial holdings».
-
A Requerente celebrou com a B..., no dia 20‑05‑2021, um contrato de mútuo no montante total de € 200.000.000,00;
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Sobre a concessão de crédito e respetiva comissão de celebração de contrato de mútuo incidiu imposto do selo, no valor global de €1.012.000,00, nos termos das seguintes rúbricas da Verba 17 da TGIS: Data 24-05-2021 – operação PT... – Guia 29792 – Verba 17.1.2 da TGIS - € 1.000.000,00 Verba 17.3.4 da TGIS – € 12.000,00;
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A B..., na qualidade de instituição financeira e de crédito localizada em Portugal, enquanto sujeito passivo, liquidou imposto do selo, no montante de € 1.012.000,00;
-
A Requerente, por sua vez, enquanto titular do interesse económico, suportou o referido imposto;
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A Requerente instaurou, a 08-09-2021, reclamação graciosa contra os actos tributários de liquidação do Importo do Selo realizados ao abrigo da Verba 17.1 no valor de € 1.000.000,00 e Verba 17.3 no valor de € 12.000,00, ambas da Tabela Geral do Imposto do Selo, o que perfaz o total de € 1.012.000,00, cujos termos correram junto do Serviço de Finanças de Lisboa 3, sob o procedimento n.º ...2021...;
-
Por força do silêncio da AT no referido prazo de quatro meses, i.e. até 08‑01‑2022, formou-se a presunção do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pela Requerente;
-
Em virtude da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa, foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral.
III - Factos não provados
8. Não há factos não provados que este Tribunal Arbitral Colectivo considere relevantes para a decisão da causa.
IV - Fundamentação da decisão de facto:
9. A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Colectivo e a convicção sobre a mesma foi formada com base em prova documental, i.e., nas peças processuais apresentadas pelas partes no âmbito deste processo arbitral, bem como pelos documentos juntos em sede de processo administrativo.
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada pelas partes, devendo, por isso, seleccionar a matéria factual com relevância directa para a decisão.
O Tribunal Colectivo apreciou livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
A Requerente solicitou, ainda, no âmbito deste processo arbitral, a inquirição de testemunhas para produção de prova testemunhal sobre os factos por si alegados. Não obstante, estando em causa, essencialmente, matéria de direito entendeu o Tribunal Colectivo que tal prova deveria ser prima facie efetuada por via documental, não podendo essa prova ser substituída por prova testemunhal ou depoimento de parte. Como tal, perante a prova documental produzida em juízo, entendeu o Tribunal Arbitral que não se torna necessária a prova testemunhal, razão pela qual se considerou que a inquirição da testemunha arrolada para esse efeito se afiguraria processualmente inútil, tendo, consequentemente, sido recusada.
V - Do Direito
10. São as seguintes as questões a examinar no presente processo.
- Da necessidade de solicitar o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
- Da ilegalidade da liquidações de imposto de selo por violação das regras relativas à territorialidade do imposto.
- Da ilegalidade das liquidações de imposto de selo por não consideração de uma isenção de que a Requerente beneficiaria.
- Do direito a juros indemnizatórios.
Examinar-se-ão assim essas questões:
— DA NECESSIDADE DE SOLICITAR O REENVIO PREJUDICIAL AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA.
11. A Requerente, no arts. 101.º e ss. do seu Pedido, levanta a questão da eventual suspensão da instância para suscitar um pedido de reenvio prejudicial ao TJUE ao abrigo do previsto no artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, embora esse pedido a final não tenha sido formulado.
Ora, só os tribunais que julgam em última instância estão obrigados a submeter ao TJUE as questões de interpretação de direito da União Europeia que forem suscitadas no processo, ficando, no entanto, dispensados de efectuar o reenvio quando haja jurisprudência europeia sobre o assunto, a questão for impertinente ou seja clara a interpretação do direito comunitário.
Assim, além de não estarmos perante um tribunal nacional cuja decisão seja em absoluto insusceptível de recurso, a questão suscitada pela Requerente, revela-se clara, inexistindo quaisquer dúvidas quanto à sua interpretação.
Não se justifica, por isso, neste caso a submissão da questão formulada ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
— DA ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES DE IMPOSTO DE SELO POR VIOLAÇÃO DAS REGRAS RELATIVAS À TERRITORIALIDADE DO IMPOSTO.
12. A Requerente impugna duas liquidações de Imposto de Selo (IS) realizadas ao abrigo da Verba 17.1. no valor de € 1.000.000 e da Verba 17.3. da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), no total de € 1.012.000.
De acordo com Verba 17.1 da TGIS a tributação verifica-se “pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo”.
Por sua vez a 17.3 da TGIS faz recair o imposto sobre "operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado".
Esta actual redacção das Verbas 17.1. e 17.3. resulta da alteração efectuada à TGIS pela Lei 12-A/2010, de 30 de Junho, tendo, no entanto, essa alteração se limitado a instituir um regime especial de tributação para a concessão de crédito a consumidores, constante da nova Verba 17.2., o que implicou que a anterior Verba 17.2. passasse a 17.3.
Ao contrário da posição da Requerente não atribuímos qualquer significado especial para efeitos de localização das operações tributáveis à alteração da redacção deste facto tributário pela Lei 150/99, de 11 de Setembro, que aprovou o Código do Imposto de Selo (CIS). Salienta-se que o art. 53 da TGIS aprovada pelo Decreto 21.916, de 28 de Novembro de 1932, fazia incidir o imposto sobre qualquer "confissão ou constituição de dívida, incluindo a inerente aos contratos de mútuo e usura". O facto de no preâmbulo do actual CIS se referir que se pretende "a alteração da filosofia de tributação do crédito, que passou a recair sobre a sua utilização e já não sobre a celebração do respectivo negócio jurídico de concessão" destina-se apenas a dispensar a formalização do negócio para efeitos de tributação, não tendo o significado de alterar as regras de localização das operações tributáveis.
Efectivamente, nos termos do art. 1º, nº 1, e 4º, nº1, do Código do Imposto de Selo (CIS) o imposto incide sobre todos os factos e situações jurídicas previstos na Tabela Geral, desde que ocorridos no território nacional.
O art. 4º, nº2, b) do CIS faz ainda incidir o imposto sobre "as operações de crédito realizadas e as garantias prestadas por instituições de crédito, por sociedades financeiras ou por quaisquer outras entidades, independentemente da sua natureza, sediadas no estrangeiro, por filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito, de sociedades financeiras, ou quaisquer outras entidades, sediadas em território nacional, a quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, domiciliadas neste território, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável".
No caso presente, e conforme a Requerente reconhece, estamos perante uma operação financeira, mais precisamente de concessão de crédito, efectuada por uma instituição bancária sediada em Portugal a favor da Requerente, cuja sede se situa nos Países Baixos.
Nesse caso, e uma vez que se trata da concessão de crédito por uma instituição de crédito sediada no território nacional, a situação recai no âmbito do art. 4º, nº1, do CIS, sendo a operação tributada em Portugal, e sendo sujeito passivo do imposto, nos termos do art. 2º, nº1, b) do CIS, "as entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações". Por esse motivo, naturalmente que a B... tinha que liquidar neste caso o imposto de selo, como efectivamente o fez.
O facto de a Requerente, como titular do interesse económico, enquanto utilizadora do crédito (cfr. art. 3º, nº1, f) CIS) ser uma sociedade sediada no estrangeiro não altera o facto de a concessão de crédito ocorrer em território português, uma vez que foi realizada por uma instituição de crédito portuguesa, pelo que naturalmente é tributada em Portugal, nos termos do art. 4º, nº1, CIS.
Mesmo no caso inverso, de a instituição de crédito ser estrangeira e a utilizadora sediada no território nacional, a operação seria tributada em Portugal, nos termos do art. 4º, nº2, b) do CIS. Só que, conforme resulta dessa norma, a mesma acresce à tributação das operações de concessão de crédito realizadas pelas instituições de crédito nacionais, não a substitui. Estas operações são sempre tributadas em Portugal ao abrigo do art. 4º, nº1, CIS, independentemente da nacionalidade do utilizador ou da aplicação que este pretenda dar ao crédito.
Essa posição já foi claramente assumida por este Centro de Arbitragem no processo 163/2015-T, em que estava em causa uma operação de financiamento por uma empresa com sede em Portugal a uma empresa com sede em Espanha, tendo o contrato sido celebrado em Espanha e o crédito utilizado em Espanha, mas em que os fundos tinham origem em Portugal tendo sido igualmente no nosso país que foi disponibilizado o crédito.
Na decisão desse processo escreveu-se o seguinte:
"Determina o n.º 1 do art.º 4.º do CIS:
“1 - Sem prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional.”
Já sabemos que se trata de uma operação referida no art.º 1.º do CIS – actos ou contratos – operação de concessão de créditos (Vd. Verba 17.1 da TGIS).
E, será que podemos considerar que se trata de uma operação ocorrida em território nacional?
Importa, por isso, analisar, como o faz a Requerida, se e quando a obrigação tributária em causa – a operação de crédito – se considera constituída.
Ora, a operação tributária considera-se constituída:
“g) Nas operações de crédito, no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês;” (art.º 5.º alínea g) do CIS)
A operação de crédito em causa considera-se constituída no momento em que foi realizada, ou seja, no momento em que o crédito foi concedido.
E se o crédito foi concedido por entidade com sede em Portugal, a operação considera-se aqui localizada, e estando localizada em Portugal, porque o credor está em território nacional, aqui decorrerá a tributação e não em qualquer outro ordenamento jurídico/fiscal.
O elemento de conexão aqui relevante, tem a ver com a realização da operação de concessão de crédito. E, no caso dos autos, a mesma foi realizada em Portugal".
No mesmo sentido, ainda que a propósito do cash pooling se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no seu Acórdão de 28/11/2018, processo 06/11.4BESNT 0436/16, posição igualmente seguida por este Centro de Arbitragem no acórdão de 3/11/2020, emitido no processo 279/2020-T.
Este Tribunal Arbitral concorda com estas decisões, pelo que não considera verificada a ilegalidade das liquidações de imposto de selo por violação das regras de territorialidade do imposto, ao contrário do que sustenta a Requerente.
— DA ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES DE IMPOSTO DE SELO POR NÃO CONSIDERAÇÃO DE UMA ISENÇÃO DE QUE A REQUERENTE BENEFICIARIA.
13. Considera ainda a Requerente verificar-se a ilegalidade das liquidações de imposto de selo, por não se ter considerado a existência de uma isenção de que a mesma beneficiaria, prevista no art. 7º, nº 1, e) do CIS.
Esta disposição isenta do imposto de selo "os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças".
Entende a Requerente resultar da Directiva Bancária (Directiva n.º 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013) e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 a sua qualificação como instituição financeira, o que levaria que a mesma ficasse abrangida por esta isenção.
Sobre esta matéria já se pronunciou este Centro de Arbitragem Administrativa no acórdão de 19/11/2020, emitido no processo 37/2020-T:
"Na lei portuguesa não encontramos uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/12, de 31/12, a proceder à enumeração de entidades que qualifica casuisticamente como “Instituições de crédito” (artigo 3.º), “Empresas de investimento” (artigo 4.º-A) e “Sociedades financeiras” (artigo 6.º), e, no artigo 6.º n.º1, alínea b) refere que são instituições financeiras as referidas nas subalíneas ii) e iv da alínea z) do artigo 2.º-A, nas quais se incluem: i)As sociedades financeiras de crédito; ii) As sociedades de investimento; iii) As sociedades de locação financeira; iv) As sociedades de factoring; v) As sociedades de garantia mútua; vi) As sociedades gestoras de fundos de investimento; vii) As sociedades de desenvolvimento regional; viii) As agências de câmbio; ix) As sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos; x) As sociedades financeiras de microcrédito.”
Esta opção do legislador nacional vai, aliás, no mesmo sentido do Direito das União.
Nos termos e para os efeitos do Regulamento (EU) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, entende-se por “Instituição Financeira”: “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU , incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamentos na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamentos no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE.”
1. No ponto 27) do artigo 4.º Regulamento (EU) n.º 575/2013, uma “Entidade do setor financeiro” compreende:
a)Uma instituição;
b)Uma instituição financeira;
c) Uma empresa de serviços auxiliares incluída na situação financeira consolidada de uma instituição;
d) Uma empresa de seguros;
e)Uma empresa de seguros de um país terceiro;
f) Uma empresa de resseguros;
g) Uma empresa de resseguros de um país terceiro;
h) Uma sociedade gestora de participações do setor dos seguros;
i)(…)”.
Do legislador da União retira-se que uma instituição financeira é uma empresa que não seja uma “instituição” (ou seja, uma instituição de crédito ou empresa de investimento – artigo 4.º , n.º1, 3), e cuja atividade principal seja a gestão de participações sociais em empresas que desenvolvam atividades no setor bancário e financeiro (as atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU).
Elemento não menos importante reside no facto de tais entidades ficarem sujeitas ao regime jurídico desta Diretiva e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, a seguir tão só “Regulamento”.
Com efeito, o que o intérprete não pode deixar de ter em vista, na interpretação de qualquer conceito ou definição, é o objeto dos diplomas mencionados. Ora, o “Regulamento” é muito claro ao estatuir que o mesmo visa estabelecer” regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais que as instituições sujeitas à supervisão ao abrigo da Diretiva 2014/36/UE cumprem… (…)” (artigo 1.º do “Regulamento), bem como a estabelecer que “Para efeitos do cumprimento do presente regulamento, as autoridades competentes dispõem dos poderes e respeitam os procedimentos estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.”
Por sua vez, no Considerando (5) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, podemos ler:
“Conjuntamente, o presente regulamento e a Diretiva 2013/36/UE deverão constituir o enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento (a seguir conjuntamente designadas por “instituições”. Por conseguinte, o presente regulamento deverá ser interpretado em conjunto com a referida diretiva.”
Por sua vez, no Considerando (6), lê-se:
“A Diretiva 2013/36/UE, baseada no artigo 53.º, n.º1, do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE), deverá, nomeadamente, conter as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, tais como as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, o exercício da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços, aos poderes das autoridades competentes do Estados -Membros de origem e de acolhimento nesta matéria e as disposições que regem o capital inicial e a supervisão das instituições.”
Destaca-se, ainda, o Considerando (7) que refere:
“O presente regulamento deverá, nomeadamente, conter os requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionadas com o funcionamento do mercado bancário e do mercado de serviços financeiros e que se destinam a garantir a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível de proteção dos investidores e dos depositantes. O presente regulamento visa contribuir de forma determinada para o bom funcionamento do mercado interno (…)”.
Mais impressivo são, ainda, como vimos, os preceitos referentes ao estabelecimento de regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais, bem como os poderes de supervisão estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.
Do exposto resulta que as entidades abrangidas pelos diplomas comunitários mencionados se encontram sujeitas a um regime especial, com vista a prevenir, atenta a natureza da sua atividade, com potencial gerador de risco sistémico, para garantir a estabilidade financeira do mercado bancário e do mercados dos serviços financeiros, assim como proteger os investidores e depositantes (…).
Diferentemente se passam as coisas em relação à Requerente.
Aqui chegados importa, assim, qualificar a Requerente, enquanto Sociedade Gestora de Participações Sociais, entidade sobre a qual recai o encargo do imposto liquidado pelas operações de financiamento em causa, conforme alíneas e), f) e g) do n.° 3 do artigo 3.° do CIS, a fim de determinar se estas podem beneficiar da isenção consagrada na alínea e) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS.
Trata-se, por outras palavras, de perceber se o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) e n.º 7 do CIS se aplica à Requerente.
As Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) são reguladas pelo disposto no Decreto-Lei n° 495/88, de 30 de dezembro.
Este DL define o regime jurídico das SGPS’s, que devem conter a menção «sociedade gestora de participações sociais» ou a abreviatura SGPS, considerando-se uma ou outra dessas formas indicação suficiente do objeto social.
As sociedades gestoras de participações sociais têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.
Não se identifica no regime jurídico das SGPS’s, que as mesmas tenham uma atividade económica direta.
Assim, e como decorre do artigo 1.°, as SGPS’s "têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, corno forma indireta de exercício de atividades económicas", não se verificando nenhuma atividade bancária e financeira que as qualifique como instituições financeiras.
Quanto à forma de constituição das SGPS’s, refira-se que não há dependência de qualquer autorização prévia, embora se estabeleça o dever de comunicação, enquanto a forma de fiscalização fica limitada à verificação da manutenção dos requisitos que a lei exige para a definição do seu tipo e para a atribuição dos benefícios de natureza fiscal, sendo a Inspeção-geral de Finanças, a entidade a quem compete a supervisão das SGPS’s, nos termos dos artigos 9.° e 10.° do Regime Jurídico das SGPS.
Assim, a criação de SGPS’s não obedece às mesmas regras que obedecem a constituição de instituições financeiras, pois é, na sequência do Direito Europeu mencionado, que o RGICSF estabelece, em Portugal, as condições de acesso e de exercício de atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos.
O exercício da atividade financeira em Portugal encontra-se reservado às entidades para tal autorizadas ou habilitadas pelo Banco de Portugal, no quadro do regime do Mecanismo Único de Supervisão (cfr. Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito e Regulamento (UE) n.º 468/2014 do Banco Central Europeu de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão (MUS).
Significa isto que o exercício desta atividade é apenas permitido a entidades que foram objeto de um processo de autorização ou habilitação (este, no caso de instituições financeiras autorizadas noutros Estados Membros da União Europeia), realizado junto do Banco de Portugal, no quadro do MUS.
No âmbito deste processo, é assegurada a observância de uma série de requisitos que asseguram a solvabilidade e a capacidade da entidade e dos membros dos principais órgãos sociais para prosseguirem a atividade financeira.
Neste quadro, o RGICSF prevê que o exercício de atividade financeira por entidade não autorizada ou habilitada pode constituir crime, sendo uma contraordenação grave, punível, entre outras sanções, com coima, de acordo com aquele regime.
No quadro exposto, a Requerente não é uma entidade financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da sua atividade.
Realce-se que a Requerente não cabe sequer no artigo 117.º do RGICSF, nos termos do qual “só ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras”. Além de se tratar de uma norma de direito nacional, com finalidade de natureza estritamente prudencial, a Requerente, atento o seu objeto, não se subsume sequer no seu âmbito".
No mesmo sentido foi a decisão proferida também por este Centro de Arbitragem Administrativa, no acórdão de 24 de Junho de 2021, emitido no processo 559/2020-T, onde se escreveu:
"Assim, a criação de SGPS’s não obedece às mesmas regras que obedecem a constituição de instituições financeiras, pois é, na sequência do Direito Europeu mencionado, que o RGICSF estabelece, em Portugal, as condições de acesso e de exercício de atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos.
No quadro exposto, impõe-se concluir que, para aplicação da isenção em sentido subjetivo, prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, não basta, como argumentam as Requerentes, estarmos perante uma entidade que se dedique à tomada e gestão de participações noutras sociedades. É preciso atender ao tipo de atividade e à natureza dessas participações. Apenas cabem no conceito europeu de instituição financeira as entidades enumeradas no artigo 4.º do “Regulamento” [artigo 4.º, n.º1, ponto 27), cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE, ponto 26)].
Assim sendo, as Requerentes não cabem no conceito de instituição financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não constam daquela enumeração, não exercem nenhuma atividade bancária, nem atuam no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeitas a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da sua atividade. Ou sujeitas a autorização ou registo de outra entidade reguladora do sector financeiro como, por exemplo, a CMVM".
Esta posição foi seguida por este Centro de Arbitragem Administrativa nas decisões emitidas nos processos 62/2021-T, 79/2021-T, 92/2021-T, 170/2021-T, 444/2021-T, e 471/2021-T, não havendo razão para este Tribunal Arbitral se afastar dessa orientação.
Conclui-se, assim, que a Requerente não é uma instituição financeira, pelo que não beneficia da isenção de imposto de selo prevista no art. 7º, nº 1, e) do CIS, não havendo também por esse motivo qualquer ilegalidade nas liquidações impugnadas.
— DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
14. A Requerente solicitou ainda o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43º da LGT.
Decorre do número 1 desse artigo que são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".
Podemos entender ainda que, como decorre do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral. Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.
Como já se referiu, não há qualquer ilegalidade a apontar na actuação da Requerida neste processo, pelo que improcede igualmente o pedido de condenação em juros indemnizatórios.
VI – Decisão
Nestes termos, julgam-se improcedentes o pedido de anulação da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa e o consequente pedido de anulação das liquidações de Imposto do Selo relativos à operação ..., no valor de € 1.000.000,00 (Verba 17.1.2.) e € 12.000 (Verba 17.3.4.).
Julga-se igualmente improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
Fixa-se ao processo o valor de € 1.012.000 (valor indicado e não contestado) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 14.076,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, condenando-se a Requerente nas custas do processo.
8 de novembro de 2022
Os Árbitros
(Rui Duarte Morais – com declaração de voto anexa)
(Luís Menezes Leitão)
(Rui Miguel de Sousa Fernandes Marrana)
Declaração de Voto
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Subscrevi a decisão que considera as operações em causa sujeitas a IS por, no essencial, partilhar o mesmo entendimento sobre a interpretação da regra de conexão espacial deste imposto (territorialidade).
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Relativamente à segunda causa de pedir invocada pela Requerente (isenção subjetiva por dever ser considerada, à luz do direito europeu, “instituição financeira”), entendo que a questão não pode ser havia por clara uma vez que o STA assim a não considerou, tendo efetuado, em processo em que a mesma interrogação se coloca, um pedido de reenvio prejudicial que, neste momento, se encontra pendente.
Pelo que entendo que a instância deveria ter sido suspensa, por para tal haver motivo justificado, até à prolação do acórdão do STA no processo n.º 0118/20 (processo em que foi decidido o referido reenvio prejudicial), uma vez que a decisão que nele vier a ser tomada seria diretamente transponível para o presente caso.
Assim o exigiria, a meu ver, o princípio da segurança jurídica, na sua dimensão de uniformidade das decisões judiciais, aqui passível de ser lograda pela intervenção uniformizadora do TJUE.
Tal terá sido, aliás, o procedimento seguido em outros casos pendentes no STA em que também se coloca a mesma questão.
Rui Duarte Morais