Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 391/2022-T
Data da decisão: 2022-10-28  IRC  
Valor do pedido: € 51.417,08
Tema: IRC. Inimpugnabilidade direta do ato tributário. Responsabilidade pelas custas.
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Sumário:

I - A intempestividade dos meios graciosos utilizados para impugnar a ilegalidade de atos tributários, indeferidas que foram com esse fundamento, determinam a inidoneidade da impugnação judicial para apreciar a legalidade dos referidos atos e constitui exceção dilatória que determina a absolvição da instância da Requerida.

II - As custas judiciais devidas são, em princípio, da responsabilidade do Requerente, por ser ele quem lhes dá causa.

III - Não dá causa ao processo o Requerente que se limitou a utilizar o único meio que consta da notificação que lhe foi efetuada pela Administração Tributária.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.          RELATÓRIO

1.         A sociedade A…, LDA., NIPC …, com sede na Rua …, … MAIA, doravante "Requerente", veio, em 28 de junho de 2022, apresentar pedido de constituição arbitral, ao abrigo do art.º 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 11/2011, de 20 de janeiro, tendo em vista a apreciação da ilegalidade das liquidações oficiosas de IRC e de juros compensatórias, efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de ora em diante designada por AT ou "Requerida" com referência aos exercícios de 2018 e 2019.

2.         Correspondem essas liquidações às demonstrações de liquidação de IRC n.ºs 2020 …., de 9 de dezembro de 2020, e 2020 …, de 23 de dezembro de 2020, relativas, respetivamente, aos exercícios de 2018 e 2019, e com os montantes a pagar, com juros compensatórios incluídos, de €25.750,34 e €25.666,74, num total de €51.417,08.

3.         O pedido de Constituição do Tribunal foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

4.         Tendo as partes sido informadas da designação do signatário como árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído a 5 de setembro de 2022.

5.         Em 5 de setembro de 2022 foi proferido o despacho arbitral previsto no artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e nesse mesmo dia notificado à Requerente e à Requerida.

6.         Na sequência da tramitação normal do Processo, a Requerida, em 7 de outubro de 2022 juntou aos autos o processo administrativo (PA) e apresentou Resposta, na qual suscitou as três exceções seguintes:

a)         Incompetência material do Tribunal Arbitral;

b)        Intempestividade para a impugnação direta dos atos de liquidação;

c)         Inimpugnabilidade dos atos de liquidação.

7.         Em 10 de outubro de 2022 foi proferido despacho arbitral a conceder prazo à Requerente e para se pronunciar, querendo, sobre as referidas exceções e à Requerida para clarificar aspetos relacionados com as notificações feitas à Requerente.

8.         Em 24 de outubro de 2022 tanto a Requerente como a Requerida apresentaram as Respostas respetivas.

9.         Por despacho arbitral foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e, bem assim, as alegações, designando-se, ainda, o dia 1 de novembro de 2022 como data-limite para a prolação da decisão arbitral.

 

II.        SANEAMENTO

10.       O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

11.       As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.

12.       Como referido antes, a AT invocou três exceções que impediriam o conhecimento do mérito do recurso, fundamentando cada uma nos termos seguintes:

 

II.1.1 - Por exceção: da incompetência material do Tribunal Arbitral

24.º

Constituindo as decisões de indeferimento proferidas no procedimento de revisão oficiosa e recurso hierárquico, o objeto imediato do ppa, e, por sua vez, as liquidações oficiosas, o seu objeto mediato

25.º

tendo o pedido de revisão oficiosa sido indeferido por intempestividade e inidoneidade, decisão que foi confirmada no procedimento de recurso hierárquico, não se pode então deixar       de considerar que foi rejeitada a apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação.

26.º

Com efeito, como se viu, esteve em causa a apreciação dos pressupostos de admissibilidade de dedução de pedido de revisão oficiosa.

27.º

E, assim sendo, estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, pelo que, consequentemente, também não o poderá ser por via arbitral, meio de resolução de litígios alternativo àquele.

28.º

Refere-se na decisão arbitral proferida no processo n.º        112/2015-T, que         a apreciação da competência do tribunal arbitral envolve um juízo   sobre a adequação ao caso sub judice do meio processual da ação administrativa ou do processo de impugnação judicial, em atenção ao disposto no artigo 97.º do CPPT.

29.º

Efetivamente, esta norma legal procede à definição dos respetivos campos de            aplicação, distinguindo a “impugnação dos atos      administrativos         em matéria tributária       que comportem amapreciação da legalidade do ato de liquidação”     (al. d)  do n.º 1)          e o “recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. p) do n.º 1),

30.º

sendo que, nos termos do n.º 2 do     art.      97.º      do        CPPT, o “recurso contencioso    dos atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo    central, os governos regionais e os seus  membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos”.

31.º

Para concretizar tal distinção,           como se refere naquela decisão arbitral, constitui orientação jurisprudencial consolidada que “a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa especial, por força do disposto no artigo 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa especial

32.º

Neste sentido, atente-se igualmente  ao doutrinado por Jorge Lopes de     Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário  Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, p. 54:

«no que           concerne aos actos     proferidos em processo de revisão oficiosa [...] a impugnação judicial  só será o meio processual adequado quando o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade do acto de liquidação».

33.º

Desenvolve o mesmo Autor, obra e locais citados, que:

«Se no acto praticado em processo desses tipos não se chegou a apreciar a legalidade de um acto de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento (como a intempestividade ou a ilegitimidade do requerente ou         recorrente), o meio de impugnação adequado será a acção administrativa especial, como decorre do preceituado no n.º 2 deste art. 97.º, pois se tratará de um acto que não aprecia a legalidade de um acto de liquidação».

34.º

Como referido, o processo     arbitral tributário encontra-se estabelecido por referência e com objeto em tudo semelhante ao processo de impugnação judicial, em relação à qual «deve constituir um meio processual alternativo» - cf. n.os 1, 2 e 4, alínea a), do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

35.º

Assim, a sindicância do ato em questão está fora do âmbito das matérias sus-cetíveis de apreciação em sede arbitral, conforme resulta do artigo 2.º do RJAT.

36.º

Efetivamente, como se pugnou na referida decisão arbitral:

«17.7. O pedido de revisão supra referido foi indeferido, por despacho da Chefe do Serviço de Finanças do Porto 4, de 12 de dezembro de 2014, proferido nos seguintes termos: “Concordo, pelo que rejeito liminarmente o pedido nos termos e com os fundamentos constantes do projeto de decisão oportunamente notificado. Notifique-se, informando o requerente que deste despacho poderá, querendo, recorrer hierarquicamente, no prazo de 30 dias a contar da notificação, nos termos do n.º 1 do artigo 66.o do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”.

Por sua vez, o projeto de decisão, notificado à Requerente através do ofício n.º .../...-10, daquele Serviço de Finanças, de 11 de novembro de 2014, foi pro-ferido nos seguintes termos: “Nos termos da informação e proposta infra, com as quais concordo, projeto a rejeição liminar do pedido por extemporâneo. No-tifique o reclamante para, querendo, exercer o direito de audição prévia, por escrito, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do artigo 60o da Lei Geral Tributária”.

17.8. Do exposto resulta a conclusão óbvia de que a Autoridade Tributária não apreciou a legalidade da liquidação.

 

37.º

Neste mesmo sentido vejam-se ainda as decisões arbitrais mais recentemente proferidas nos processos n.ºs 81/2022-T e 611/2021-T.

38.º

Atento o exposto, a decisão do pedido de revisão oficiosa apresentado e bem assim a decisão do recurso hierárquico que a confirmou, ao, desde logo, terem rejeitado liminarmente o pedido de revisão apresentado com fundamento em in-tempestividade e inidoneidade do meio processual utilizado, a sua impugnação deve ser efetuada através de ação administrativa, o meio processual adequea-do.

39.º

Pelo que, nessa medida, este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar o presente pedido de pronúncia arbitral.

40.º

Consubstanciando tal uma exceção dilatória, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

II.1.2 – Por exceção: da intempestividade para a impugnação direta dos atos de liquidação

41.º

Admitindo-se que o objeto mediato do pedido é constituído, inquestionavelmen-te, pelos atos de liquidação identificados no ppa, ter-se-á também de concluir que a impugnação direta destes atos de liquidação não é possível, pois que tal pedido, por só agora formulado contra tais atos de liquidação, seria intempes-tivo, atento o prazo estabelecido no artigo 10.o do RJAT.

42.º

Assim, o Tribunal não pode dele conhecer diretamente e, consequentemente, sempre a Requerida deve ser absolvida da instância – cf. alínea e), do n.º 1, do artigo 278.º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro – o que desde já se re-quer.

 

II.1.3 – Por exceção: da inimpugnabilidade dos atos de liquidação

43.º

Por fim, atento o referido na decisão do pedido de revisão oficiosa, acima já citada, decisão que foi confirmada pela decisão do recurso hierárquico, não pode deixar se atentar, como se refere no acórdão do STA de 14-10-2020 (pro-cesso n.o 0937/02.2BTLRS 0318/15), que “A extemporaneidade da reclamação graciosa não determina a extemporaneidade da impugnação judicial deduzida na sua sequência, mas a inimpugnabilidade do ato tributário (liquidação).”

44.º

Com efeito, pugna-se naquele aresto que:

«Ora, a intempestividade da reclamação graciosa tem implicações na impug-nação judicial deduzida na sua sequência, com base em pronúncia expressa ou no indeferimento tácito, mas não determina a caducidade do direito de impug-nar, a qual só se verificará se aqueles prazos previstos no artigo 102.o do CPPT não forem respeitados. Mas impedirá o tribunal de conhecer do mérito da questão por haver “caso decidido ou caso resolvido” (cf. o acórdão do Su-premo Tribunal Administrativo de 06/02/2013, recurso 0728/12). Se a reclama-ção graciosa é intempestiva tudo se passa como se não tivesse sido apresenta-da, e o ato tributário (a liquidação) consolida-se na ordem jurídica.

Logo, a concluir-se pela extemporaneidade da reclamação graciosa, a posteri-or impugnação judicial terá de improceder por inimpugnabilidade do ato e não por caducidade do direito de deduzir impugnação judicial (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31/05/2017, recurso 01609/13).»

45.º

Assim sendo, face à intempestividade e inidoneidade invocadas e demonstradas nas decisões proferidas em sede de pedido de revisão oficiosa e recurso hie-rárquico, para cuja fundamentação se remete e se dá aqui por reproduzida, de modo a evitar repetições inúteis,

46.º

não estão preenchidos os pressupostos específicos de que depende a admissibi-lidade de um pedido de revisão oficiosa de um ato tributário.

47.º

Termos em que, também por este motivo o Tribunal não pode conhecer do pedi-do arbitral, atenta a sua inimpugnabilidade, pelo que, consequentemente, a Re-querida deve ser absolvida da instância – cf. alínea e), do n.º 1, do artigo 278.º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro – o que desde já se requer.

13.       A Requerente respondeu à matéria das exceções invocadas pela Requerida nos termos seguintes:

                        Refere a ATA que: “Da fundamentação acima citada resulta, pois, em síntese, que o pedido de revisão oficiosa foi desde logo indeferido por se ter verificado que os pressupostos específicos da sua admissibilidade não estavam preenchidos, seja por se confirmar a extemporaneidade do mesmo, seja por inexistir erro imputável aos serviços, seja ainda por inexistir injustiça grave ou notória ou sequer duplicação de coleta”.

                        E mais adiante: “Para concretizar tal distinção, como se refere naquela decisão arbitral, constitui orientação jurisprudencial consolidada que “a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa especial, por força do disposto no artigo 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa especial” (cf. o acórdão do STA de 25.6.2009, proc. n..º 0194/09)”.

                        Efectivamente assim o é. Todavia, nos termos do n.º 4 do art.º 37.º do CPPT: “No caso de o tribunal vier a reconhecer como estando errado o meio de reacção contra o acto notificado indicado na notificação, poderá o meio de reac-ção adequado ser ainda exercido no prazo de 30 dias a contar do trânsito em jul-gado da decisão judicial”.

                        Ora, tal situação é facilmente constatável pelo teor da notificação efectua-da:

 

                        Assim sendo, concorda a requerente que o meio processual de que lançou mão não é o correcto, devendo a ATA ser absolvida da instância, mas com taxa de arbitragem a seu cargo, pois deu causa ao processo.

14.       Ora, concordando a própria Requerente que é incorreto o meio de que lançou mãos para impugnar diretamente os atos de liquidação que identificou, não pode este Tribunal deixar de concluir pela procedência exceção dilatória de inimpugnabilidade dos atos tributários em causa invocada pela Requerida, dela conhecendo aqui nos termos do disposto no artigo 595.º, n.º 1., alínea a) do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com as consequências legais.

15.       O conhecimento da exceção dilatória referida obsta ao conhecimento não apenas ao conhecimento das restantes exceções dilatórias invocadas, bem como do mérito do pedido, pelo que não tem o Tribunal de se pronunciar nem sobre as restantes exceções invocadas, nem sobre os factos alegados pelas Partes.

 

III.       DECISÃO

            Nos termos e com os fundamentos expostos, absolve-se a requerida da instância, com todas as consequências legais.

 

IV.       VALOR DO PROCESSO

Tendo a Requerente indicado como valor da causa o montante de € 51.417,08 e não tendo sido contestado pela Requerida e corresponde à soma do valor das duas liquidações a que se pretendia obstar, fixa-se naquele montante o valor do da causa.

 

V.        DAS CUSTAS

A requerente vem pugnar pela sua não condenação em custas, alegando que foi induzida em erro pelas autoridades fiscais na notificação do indeferimento, onde lhe foi indicado que o meio para contestar o indeferimento expresso do recurso hierárquico era a impugnação judicial.

O extrato da notificação que transcreveu, para fundamento da sua pretensão, consta do ofício n.º …, de 18-04-2022, com origem na Direção de Serviços do IRC, já apresentado como prova documental juntamente com o pedido de decisão e consta igualmente do Processo Administrativo.

Inexistem, assim, dúvidas de que à Requerente foi indicado, pelas autoridades fiscais, um meio inidóneo, tendo em vista a tutela judicial efetiva dos particulares, para se opor à decisão proferida no recurso hierárquico.

Atento o disposto no artigo 527.º do CPC, aplicável neste pedido como antes já se viu, as custas são devidas por quem a elas deu causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. O que conduziria, ipso facto, à condenação da requerente em custas.

Sucede, porém, que se escreveu no Acórdão n.º 0740/06 do STA, de 16-05-2007, sobre tema similar, o seguinte:

            Só que, no caso em apreço, o que sucedeu é que o autor desta acção, conforme documento de fls. 107, foi notificado pela AT de que, no caso de discordar do despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico proferido pelo Sr. Subdirector Geral dos Impostos, poderia intentar Acção Administrativa Especial para a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo.

            Tendo sido isso que ele efectivamente veio a fazer, intentando a acção respectiva no TCAS, o qual se veio a declarar incompetente em razão da hierarquia e o condenou nas custas devidas por entender ter sido ele quem deu causa às mesmas ainda que aconselhado por outrem mas por acção própria.

Ora, ainda que a responsabilidade pelas custas assuma natureza objectiva, não se pode dizer com rigor que tenha sido o autor numa situação destas quem deu causa às custas devidas.

A conduta do autor não se ficou a dever a mera acção própria nem a um qualquer aconselhamento de outrem.

O autor desta acção administrativa especial cumpriu o que constava da notificação que a Administração Tributária lhe fez, não lhe sendo exigível que, perante uma notificação daquele teor, dela desconfiasse ao ponto de não respeitar o seu conteúdo.

            É que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelo princípio da boa fé (n.º 2 do artigo 266.º CRP).

Por outro lado, também a Administração Pública é responsável pelas informações prestadas por escrito aos particulares, ainda que não obrigatórias, em nome do princípio da colaboração da Administração com os particulares, consagrado no artigo 7.º CPA [Atual artigo 5.º].

            Daí que não fizesse sentido que a Administração notificasse um particular do indeferimento dum determinado recurso, dizendo-lhe expressamente que, caso se não conformasse com o mesmo, dele poderia recorrer para determinado tribunal e o particular ao fazê-lo viesse depois a ser penalizado por isso.

Uma tal conduta errada e contrária à lei, por resultar de informação prestada pela Administração, só a esta pode ser imputada em face das exigências decorrentes do princípio da protecção da confiança, estruturante do princípio do estado de direito.

            Aliás, do mesmo modo que quando no acto de citação é indicado prazo para a defesa superior ao que a lei concede se admite a defesa apresentada dentro do prazo indicado (v. artigo 198.º, n.º 3 CPC), também aqui se há-de aceitar que a responsabilidade pela prática dum acto não conforme à lei não pode ser imputada ao particular [Atual artigo 191.º, n.º 3]

            Razão por que não se poderá dizer que tenha sido o autor quem deu causa às custas da presente acção administrativa especial e, assim sendo, a sua condenação em custas não se poderá, pois, manter.

 

É, pois de acolher a jurisprudência que emana do Acórdão n.º 0740/06, do STA, de 16-05-2007 e, consequentemente concluir que a Requerente não deu azo à ação dirigida a tribunal incompetente, no caso o CAAD, uma vez que se limitou a observar o que consta da notificação efetuada pela Administração Tributária.

Nos termos e com os fundamentos expostos, fixa-se em 2.142,00 € o valor das custas, a cargo da Requerida, uma vez que, embora a Requerente não tenha logrado o seu objetivo, foi induzida em erro, quando o não deveria ter sido, pelos serviços da Administração Tributária que lhe comunicaram um meio impróprio para reagir à decisão que lhe estava a ser simultaneamente notificada.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de Outubro de 2022

 

O Árbitro singular,

 

(Manuel Faustino)