Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 410/2014-T
Data da decisão: 2014-11-12  IRS  
Valor do pedido: € 182.318,07
Tema: IRS – Retenção na fonte
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Henrique Curado e Prof. Doutor António Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 07-08-2014, acordam no seguinte:

 

1.      Relatório

 

A SGPS, S.A. (doravante “A”), sociedade com sede na … Amadora, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa …, veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL COLETIVO com vista à declaração de ilegalidade das liquidações de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de juros compensatórios

– n.º 2013 …, datada de 2-01-2014, no total de € 55.275,94, referente ao ano de 2009;

– n.º 2014 …, datada de 10-01-2014, no total de €.52.361,55, referente ao ano de 2010;

– n.º 2014 …, datada de 10-01-2014, no total de €.45.792,74, referente ao ano de 2011;

– n.º 2014 …, datada de 10-01-2014, no total de €.28.887,84, referente ao ano de 2012.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 03-06-2014 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-06-2014.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 21-07-2014 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 07-08-2014.

Por despacho de 01-10-2014 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinado que o processo prosseguisse com alegações.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2.      Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      Em cumprimento do despacho interno DI … de 06-06-2013 para os exercícios de 2008 e 2009 e das ordens de serviço OI…, OI…, OI… e OI…, com despacho de 30-08-2013, foi determinada uma inspectiva externa aos períodos de 2009, 2010, 2011 e 2012, à Requerente;

b)      As referidas ordens de Serviço foram abertas com o código de actividade …, para uma análise externa de âmbito parcial, referente a retenções na fonte de IRS que incidem sobre os exercícios de 2009, 2010, 2011 e 2012, na sequência de uma análise ao Modelo 13 – “Valores Mobiliários, Warrants Autónomos e Instrumentos Financeiros Derivados”.

c)      A Requerente tem por objecto social a gestão de participações sociais, correspondente ao CAE …, consistindo na gestão de participações sociais em outras sociedades, como forma indirecta de exercício da actividade económica, sendo a sociedade dominante do Grupo B;

d)     Na Conservatória do Registo Comercial constava que a administração é exercida pelas seguintes pessoas;

 

-

-

-

C

D

E

 

e)      A Inspecção Tributária concluiu que o referido Presidente do Conselho de Administração C era o administrador de facto da empresa, baseando-se nos seguintes factos;

– em 2009 foi celebrado um contrato de locação financeira, o qual foi assinado pelo administrador acima referido;

– em 16-05-2008 foi assinada pelo mesmo a acta n.º 6 do Conselho de Administração;

– em 2013 foi assinada pelo mesmo uma autorização de débito de conta bancária;

– nas declarações Modelo 22 e nas declarações anuais – IES dos exercícios de 2009 a 2012, consta como representante legal o referido administrador;

f)       Refere-se no Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, o seguinte, além do mais:

111.4. Descrição dos fados e diligências efetuadas 111.4.1. Caracterização da transação

Na sequência de uma análise ao Modelo 13 – 'Valores Mobiliários, Warrants Autónomos e Instrumentos Financeiros Derivados", apresentada periodicamente pelos Bancos, constatou-se que a A procedeu â aquisição das seguintes ações (Anexo 3):

 

C

G (antiga H,SGPS)

I, SGPS

Banco F

Banco F

 

Da análise aos modelos 13 verifica-se que, a aludida aquisição das ações da H, SA, foi efetuada ao Dr.º C, acionista da sociedade em análise, onde este detém uma participação de 99,99 % e exerce funções de administrador.

Relativamente à aquisição das ações da I, SGPS não constava a informação do vendedor e do valor real da transação.

III.4.2. Existência de relações especiais

Face ao anteriormente mencionado verifica-se que entre o vendedor – o Dr.º C, e a empresa compradora A existem relações especiais, conforme se encontram definidas no art.º 63° (anterior 58.º) do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

Efetivamente, estabelece o n.º 4 daquele normativo que "Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, – ", precisando as al. a) e c) o seguinte:

• al. a) " Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto";

• al. c) " Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direção ou gerência .-... e respectivos ascendentes e descendentes" -

Sucedendo que, a legislação fiscal desconsidera nas operações entre entidades relacionadas, os eventuais efeitos advenientes das relações de influência e/ou de proximidade das partes intervenientes.

Com efeito o n.º 1 do já mencionado art.º 63.º do CIRC (anterior art.º 58°), determina que " Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis."

Para tanto deve o sujeito passivo adotar "... o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, conforme n ° 2 do art° 63.º do CIRC (anterior art° 58.º).

Por seu turno, a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21/12, aplicável à matéria em apreço por remissão do n.º 13 do art.º 63.º do CÍRC, veio concretizar os seus aspetos mais relevantes, dando aplicabilidade prática, certeza e segurança jurídica às normas supra citadas.

Em súmula, tem a Administração Fiscal legitimidade para questionar os aspetos relativos às operações em consideração, quer quanto à sua natureza, quer quanto ao seu valor.

(...)

III.4.4. Análise dos elementos apresentados e recolhidos

Da análise efetuada aos elementos apresentados pelo S. P., pelo Dr.º C, bem como das entidades circularizadas, constatamos as seguintes situações:

Relativamente ao ponto 1. (sub alíneas 1 A) a 1. H) da notificação efetuada à A, refere-se o seguinte:

Ata do Conselho de Administração

Em Conselho de Administração de 2008/05/06, onde se encontravam presentes os Administradores Sr.º Dr.º C, Sr. J e Sr. Dr.º E, foi deliberado "... sobre a compra, pela sociedade, de ações da I, SGPS, SA, e da H, SGPS, SA." Foi deliberada a aquisição de 420.000 ações da I, SGPS, SA. contribuinte n.º … pelo valor unitário de € 2,55, perfazendo um valor total de € 1.071 000,00 bem como pela aquisição de 945 046 de ações da H, SGPS, SA, contribuinte n.º …, pelo valor unitário de € 2,58, perfazendo um valor total de € 2.438.218,68 (Anexo 9).

De referir que ao abrigo do art° 397.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), o Presidente de Conselho de Administração Dr.º C, (vendedor das ações) estava impedido de votar, pelo que, absteve-se da votação.

Contrato de compra e venda de ações

Segundo nos foi confirmado pelos responsáveis da empresa, não foi celebrado contrato entre a empresa e o vendedor das ações, (Anexo 10).

Relatório e parecer (intercalar) do Fiscal Único

Para dar cumprimento das disposições legais estabelecidas no n.º 2 art.º 397.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), em 20 de maio de 2008, o ROC Dr. ° L, emitiu um Relatório e Parecer do Fiscal Único relativamente à aquisição pela sociedade A, ao acionista e administrador C, das participações por este detidas na H, SGPS, SA e na I, SGPS (Anexo 11).

O parecer do ROC caracteriza o negócio, com recurso a duas declarações emitidas pelo Banco M, com data de 30 de janeiro de 2008, onde é declarado que o valor médio das transações de títulos da I, SGPS, SA realizadas em 2007, ascendeu 2,55 € por título transacionado; tendo, por seu lado, o valor médio das transações de títulos da H, SGPS. SÁ, realizadas em 2007, ascendido a 2,58 € por título transacionado, No relatório e parecer do Fiscal Único é referido ainda que foram estes os "... valores que serviram de base à fixação do preço da transação em apreciação"

Falta de entrega do Modelo 4

No âmbito das obrigações acessórias, o art.º 138,° do CIRS, determina que os alienantes e adquirentes de ações e outros valores mobiliários, são obrigados a entregar uma declaração de modelo oficial –Modelo 4, nos 30 dias subsequentes à realização das operações sobre valores mobiliários. Porém, não foi cumprida a referida exigência, quer por parte do vendedor, quer por parte da empresa A.

 

Registo contabilístico da aquisição das ações

Da análise efetuada aos registos contabilísticos da empresa, verificou-se que no exercido de 2008 foi registado um investimento financeiro de € 3.509.218,68, relativamente a 945.046 ações da H SGPS. SA (€ 2.438,218,88), e a 420.000 ações da I SGPS, SA, (€ 1.071.000,00) as quais foram refletidas contabilisticamente na conta 41131 – investimentos financeiros por contrapartida da conta 2559 acionistas – C, como a seguir se discrimina (Anexo 12):

Débito 41131 – investimentos financeiros – partes de capital -outras empresas €2.438.218,68 Débito 41131 – Investimentos financeiros – partes de capital – outras empresas € 1.071.000,00

Credito 2559 – acionistas – outras operações – C  € 3 509.218,68 aquisição das ações (documento n.º 23, diário 6 de julho de 2008 )

 

Pagamentos efetuados pela A ao acionista e administrador

Da análise efetuada aos registos contabilísticos e das transferências bancárias efetuadas pela empresa A para o Dr.º C, verificou-se que desde 2008 foram efetuados os seguintes pagamentos, por conta deste negócio:

 

 

Transferência das Ações

De acordo com os elementos apresentados pelo contribuinte verifica-se que, o acordo de compra e venda das ações foi efetuado em maio de 2008, e foi nessa data que o vendedor das ações comunicou a sua intenção de venda e solicitou a ordem de transferência de títulos à I, SGPS, SA e H, SGPS, SA (Anexo 14). Contudo, só se encontravam reunidas todas as formalidades estatutárias para a sua efetiva transferência em outubro de 2008, para as ações da I, SGPS, SA, e abril de 2009 para as ações da H, SGPS, SA, datas constantes no Modelo 13 conforme referido no ponto III.4.1.

Fundamentação e documentos de suporte que justifiquem os valores acordados e a comprovação da aplicação ou do cumprimento do Principio da Plena Concorrência

Segundo fomos informados pelos responsáveis da empresa " ... o valor de compra das acções, foi calculado com base no valor médio das transações efetuadas em 2007, conforme declaração de 30/1/2008 emitida pelo Banco M....". Em anexo juntaram duas declarações emitidas em 30 de janeiro de 2008 pelo Banco M referindo o seguinte (Anexo 15):

" Declara-se, para os devidos efeitos, que o valor médio das transações de títulos da H SGPS, SA, realizadas em 2007, ascendeu a 2,58 Euros por título transacionado"; (Anexo 15);

" Declara-se, para os devidos efeitos, que o valor médio das transações de títulos da Sociedade I SGPS, SA, realizadas em 2007, ascendeu a 2,55 Euros por título transacionado" (Anexo 15);

Porém, não foi apresentado qualquer outro documento de suporte aos valores declarados.

Face a esta situação foi circularizado o próprio Banco M (atualmente Banco F) e apesar de ter sido solicitado " ... todos os documentos/elementos emitidos peta Vossa entidade no âmbito destas transações" foram-nos apresentados os documentos de suporte à elaboração do Modelo 13 e troca de correspondência entre o detentor das ações, a A, o Banco M e as empresas emitentes, no sentido de proceder à transferência da titularidade das ações

Porém, não nos foram exibidos quaisquer documentos que comprovem o valor médio de venda das ações. Realçando-se o facto de, nos elementos apresentados pelo próprio Banco e nos incluídos no Modelo 13, (Anexo 3), não constar o preço real de aquisição das ações da I, SGPS. Constava apenas o valor total de € 420,000,00, correspondente ao valor nominal da cada ação, quando o preço de venda ascendeu a € 1.071.000,00.

Constata-se assim, que o Banco M nem sempre tem conhecimento dos preços de venda reais das ações, é apenas a entidade depositante das ações e é a entidade que apresenta o Modelo 13.

Concluímos assim que, não foram apresentados, quer pela empresa, quer pelo próprio Banco M, nem pelo ROC (que se baseou nas declarações do Banco M para a emissão do seu parecer de compra das ações -Anexo 11 e 15) os documentos de suporte ao apuramento de tais preços médios de venda, os quais são de difícil comprovação, se não vejamos:

 No modelo 13 nem sempre constam os valores efetivos de venda de todas as transações de ações das entidades emitentes que se encontram em causa. Temos como exemplo o valor constante no modelo 13 da transação das ações da I, conforme mencionado anteriormente (Anexo 3),

 Não se tratam de empresas cotadas em bolsa,

 Para dar cumprimento ao direito de preferência nas transmissões de ações, previstos nos estatutos, das sociedades emitentes, as comunicações efetuadas pelos acionistas, são apenas propostas de alienação de ações, não provam que as transações foram concretizadas e aos preços aí referidos.

Assim, não ficou provado qual o preço médio das transações dos títulos das referidas sociedades de modo a que possam ser utilizados como preço médio comparável de mercado, método utilizado pelo contribuinte para comprovar a aplicação do princípio da plena concorrência.

De referir, que foi ainda no decurso do exercício de 2008 que a desconfiança gerada com as notícias vindas a público, envolvendo empresas do grupo N os seus órgãos sociais, as suspeitas de ilicitudes. e a perda do seu maior ativo, o Banco M, nacionalizado ao abrigo da Lei n.º 62.º-A /2008. de 11 de novembro contribuiu para os resultados negativos evidenciados no período de 2008 e consequentemente, dificultou o intuito dos investidores em reaver as aplicações realizadas em algumas empresas do grupo N.

De acrescentar ainda que logo em fevereiro de 2008, o Sr. O pedia a sua demissão da presidência do Banco M e em maio veio a público diversas queixas de gestão danosa.

Em face dos factos enunciados, somos obrigados a concluir que não foi perfilhado o princípio da plena concorrência nas operações de compra das ações por parte da A ao seu administrador e acionista, Dr. C, com o qual existem relações especiais, conforme estabelecido no art.º 63.º do CIRC.

Não foram contratados, aceites e praticados, os termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes

As condições em que decorreram as operações de compra das referidas ações, concretizada pela empresa ao Dr.º C, concretamente o preço de € 2.55 e 2,58 por ação, apenas é justificável em virtude das relações especiais existentes entre as partes,

Desta feita, conclui-se que a operação de compra das ações representativas do capital da H e I, por parte da A ao seu Administrador, foi estruturada de forma a serem obtidas claras vantagens para este último de modo a ser ressarcido de um valor que não conseguiria obter se as vendesse a uma entidade independente

De referir que, o valor da alienação das ações detidas na H pelo Dr.º C, estava à data excluído de tributação, nos termos do n.º 2 do art.º 10.° do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), em sede de IRS, peto facto de serem detidas durante mais de 12 meses. Assim, a sobrevalorização do preço-por ação, na esfera do vendedor, não teria Impacto para efeitos de tributação em sede de IRS mas apenas no valor do investimento financeiro registado na empresa compradora e no preço a pagar por cada ação ao alienante, neste caso administrador e acionista da empresa compradora. Ou seja, realizada entre entidades relacionadas e que direta ou indiretamente possam influenciar a realização do negócio.

 

Determinação do valor das ações

A venda das ações entre entidades relacionadas deve respeitar os termos e condições que seriam estabelecidas entre entidades na ausência dessas relações especiais, entre entidades independentes em operações comparáveis, aplicando para o efeito o regime dos preços de transferência, previsto no art.º 63.° do CIRC e Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro.

Nos termos do n.º 3 do art. 63.º do referido normativo são estabelecidos os seguintes métodos.

• al. a) – do preço comparável de mercado; do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

• al. b) – o método do fracionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos no ponto anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam,

Dado que a empresa não se encontrava cotada em bolsa e que não são conhecidos preços efetivos de vendas por outras entidades independentes, não seria possível aplicar a al. a) do referido normativo.

Conforme mencionado anteriormente, o contribuinte veio apresentar duas declarações emitidas pelo Banco M. Porém, são apenas declarações, não foi comprovado pelo contribuinte o apuramento do valor real das compras e vendas. E por outro lado não era do conhecimento do contribuinte e do próprio Banco M os preços reais de todas as compras e vendas de ações das entidades em causa.

Como referido no ponto anterior, o valor da alienação das ações detidas na H, na I pelo Dr.º C, estava excluído de tributação, nos termos do n.º 2 do art.º 10.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), em sede de IRS, pelo facto de serem detidas durante mais de 12 meses.

Assim, a sobrevalorização do preço por ação, na esfera do vendedor, não teria impacto para efeitos de tributação em sede de IRS mas apenas no valor do investimento financeiro registado na empresa compradora e no preço a pagar por cada ação ao alienante, neste caso administrador e acionista da empresa compradora. Ou seja, realizada entre entidades relacionadas e que direta ou indiretamente possam influenciar a realização do negócio.

Não sendo possível a aplicação da al. a) do n.º 3 do art. 63° do CIRC, tem a Administração Fiscal que se socorrer de outros métodos para a determinação do preço de livre concorrência, nomeadamente o método previsto no art.º 15º do Código do Imposto de Selo (CIS), o abordado pela al. b) do n.º 2 do art.º 52.º do CIRS (o valor apurado com base no último balanço), entre outros, enquadráveis no disciplinado pelo art.º 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21/12, como a seguir se discrimina:

 Dado que o preço de aquisição foi estabelecido entre o vendedor e comprador em maio de 2008, as últimas contas disponíveis eram as reportadas a 2007/12/31. Assim, com base nas últimas contas consolidadas aprovadas da H, SGPS, a 2007/12/31 (Anexo 16), verifica-se que, tendo em consideração o total dos capitais próprios e o número total de ações da H, o valor destas apenas ascenderia a € 1,178896352 cada, substancialmente inferior ao valor de aquisição da empresa € 2,58, determinado do seguinte modo:

 

Balanço da H, SA a 2007/12/31 (Anexo 16)

1. participação – aquisição das ações

 n.º ações 945.046

custo por ação €2,58

valor do custo da participação € 2.438 218,68

2. participada – H, SA n.º ações 470.825.000

valor nominal de cada ação € 1,00

total dos capitais próprios € 555.172.000

valor de cada ação € 1,178896852 (€ 555.172.000,00 /470.925.000 = 1,178896052)

3. valor da participação com base nas contas a 2007/12/31 n.º ações 945.046

valor de cada ação €1,178696652

valor da participação € 1.114.111,75 (845.046x1,178896852)

valor da imparidade € 1.324.106.93 (€ 2,438.218,68 – € 1.114.111.75)

 

 Dado que o preço foi acordado entre o vendedor e o comprador em maio de 2008, as últimas contas disponíveis eram as reportadas a 2007/12/31. Assim, com base nas últimas contas aprovadas da I, SGPS, a 2007/12/31 (Anexo 17), verifica-se que, tendo em consideração o total dos capitais próprios e o número total de ações da I, SGPS, o valor destas apenas ascenderia a € 1.163177891 cada, substancialmente inferior ao valor de aquisição da empresa € 2,55, determinado do seguinte modo:

 

Balanço da I, SGPS a 2007/12/31 (Anexo 17)

1. participação – aquisição das ações n.º ações 420.000

custo por ação € 2.55

valor do custo da participação € 1.071 000,00

2. participada – I SGPS, SA n.º ações 172.200.000

valor nominal de cada ação € 1,00

total dos capitais próprios € 200.299.232,85

valor de cada ação € 1,163177891 (€200299.232,85 /172.200.000 = 1,163177891)

3. valor da participação com base nas contas a 2007/12/31 n.º ações 420.000

Valor de cada ação €1,163177891

valor da participação €488.534,71 (420,000x1,163177891)

valor da imparidade € 582.465,29 (€ 1.071.000,00 – € 488.534,71)

O apuramento deste valor vem ainda ao encontro do estabelecido na al. b) do n.º 2 do art.° 52.º do CIRS, determinado com base no último balanço da H e I.

Não obstante o registo contabilístico do investimento financeiro ter sido efetuado ao custo de aquisição, aquando do encerramento das contas a 2008/12/31, o ROC incluiu a seguinte reserva na CLC "...A empresa adquiriu, no exercício de 2008, cerca de 945 000 ações de H, SGPS, SA e 420 000 ações de I, SGPS, SA pelo valor global de 3,5 milhões de euros (custo médio de cerca de 2,57 euros). Face à atual situação financeira e patrimonial destas sociedades, deveria ser registada dotação relativa a afastamentos referentes a estes investimentos."

Assim, e de acordo com as regras do POC e da DC – Diretriz Contabilística n.º 9 os investimentos financeiros decorrentes da aquisição de partes e capital, nomeadamente aquisição de ações, estabelece o método da equivalência patrimonial como um método de contabilização dos investimentos que se caracteriza por, a todo o momento a conta 41 – Investimentos financeiros, refletir a real conjuntura dos capitais próprios da detida. Ou seja, com o método da equivalência patrimonial a conta 41 -investimentos financeiros, é ajustada pelas variações percentuais ocorridas nos capitais próprios da detida. As variações negativas implicam um decréscimo da conta 41 – investimentos financeiros. Uma variação positiva implica um acréscimo na mesma conta. O objetivo deste método é fazer com que o custo de aquisição registado na conta 41 – investimentos financeiros, seja ajustado face às variações ocorridas nos capitais próprios da participada, motivados pelos resultados obtidos.

Com base nas demonstrações financeiras das empresas H SGPS, SA e I SGPS, SA disponíveis â data da aquisição, ou seja 2007/12/31, o valor das ações seria substancialmente inferior ao valor a que foi efetuada a aquisição, como se verifica nos cálculos acima apresentados.

 

Conclusão:

Face ao anteriormente mencionado conclui-se o seguinte:

> o acordo de compra e venda das ações da H e I  foi celebrado em 2008/05/06;

> o valor de compra das ações foi definido com base em duas declarações do Banco M, nas quais se encontra declarado que o valor médio de transação dos títulos das sociedades, realizados em 2007 ascendeu a € 2,58 e 2,55, Porém, não foram exibidos quaisquer documentos de suporte ao apuramento dos referidos valores médios;

> circularizado o Banco M, este não nos apresentou documentos de suporte ao apuramento dos referidos valores. Realçando-se o facto do Banco M ser apenas a entidade depositária das ações e nem sempre tem conhecimento do preço real de transação das ações a título exemplificativo verifica-se que, no caso em apreço, no Modelo 13 apresentado pelo Banco M, não constar o valor real de venda das ações da I;

> circularizada a entidade que emitiu o Parecer intercalar do Fiscal Único, verificamos que este apenas faz referência às declarações emitidas pelo Banco M, sobre o valor médio das transações, não tendo sido exibido qualquer outro documento de suporte ao apuramento do referido valor;

> foi em 2008 que a desconfiança gerada com as notícias vindas a público envolvendo empresas do grupo N, os seus órgãos sociais, as suspeitas de ilicitudes, a perda do seu maior ativo, o Banco M, nacionalizado de 11 de novembro contribuiu para os resultados negativos evidenciados em 2008, gerando a diminuição do valor das ações, o que consequentemente dificultou o intuito dos investidores em reaver as aplicações realizadas em algumas empresa do grupo N;

> foi logo em fevereiro de 2008, que o Sr. O pedia a sua demissão da presidência do Banco M e em maio veio a público diversas queixas de gestão danosa;

> na certificação legal das contas, relativamente ao exercício de 2008, é referido que"... a empresa adquiriu, no exercício de 2008, cerca de 945 000 ações da H, SGPS. SA e 420 000 ações de I, SGPS, SA pelo valor global de 3,5 milhões de euros (custo médio de cerca de 2,57 euros). Face à atual situação financeira e patrimonial destas sociedades, deveria ser registada dotação relativa a ajustamentos referentes a estes investimentos.";

> não sendo as ações cotadas em bolsa, para aferir sobre o valor real de cada ação recorreu-se às demonstrações financeiras da H e I a 2007/12/31, apurando-se que o valor de cada ação apenas ascendia a € 1,178896852 e € 1,163177891, respetivamente;

> apesar destas situações, o vendedor, também acionista e administrador da A foi ressarcido de parte do valor de venda ao preço de € 2,58 e 2,55 por ação;

> dado existirem relações especiais entre as entidades compradora e vendedora, conforme definido no art.º 63.º do CIRC, e não ter sido comprovado o preço comparável de mercado, terá a administração fiscal que determinar o preço de livre concorrência que se encontra definido legalmente;

> assim, de acordo com o referido anteriormente, o valor de € 1,178896852 e € 1,163177891, para cálculo da vantagem económica destas transações é o mais correto, uma vez que, foi o valor apurado com base nas últimas contas aprovadas da H e I, na data em que foi estabelecido o acordo de compra e venda das ações, maio de 2008.

 

III.5.5.Enquadramento fiscal e quantificação das correções ao imposto – retenções de IRS

III.5.5.1. Tributação dos adiantamentos sobre lucros

Face ao anteriormente mencionado foi acordado um valor total de € 3.509.218,68 Porém, de acordo com o valor real de cada ação, de € 1,178896852 e € 1,163177891 apurou-se uma vantagem económica total € 1,906.572,22, conforme a seguir se discrimina:

 

C

C

 

Dado que, os montantes foram colocados à disposição do acionista por várias tranches, foi distribuída essa vantagem em função da percentagem já paga, como a seguir se discrimina:

De referir que não são tidos em consideração os montantes pagos em 2008, uma vez que, é um período caducado conforme definido no art.º 45.º da LGT. Por outro lado, até à data não foi ainda efetuado o pagamento integral do contrato, pelo que serão tidos em consideração apenas os valores colocados à disposição desde 2009 até à data da inspeção.

Conforme nos foi referido pelos responsáveis da empresa, entre o vendedor e o comprador não foi estabelecido qualquer plano de pagamentos e estes foram efetuados relativamente à totalidade da aquisição das ações, da H, SGPS, SA e I, SGPS (Anexo 10).

Conforme foi exposto ao longo do relatório, verifica-se que o valor a que as ações foram contabilizadas não corresponde ao seu valor real, pelo que os € 773.664,77 foram retirados da empresa, desde 2009 até 2013, em benefício do Dr.º C.

Verifica-se assim que, a vantagem económica obtida pelo acionista com a realização deste negócio, ascendeu a € 236.337,21, € 232.262,42, € 196.404,36 e € 108.660,78 respetivamente em 2009, 2010, 2011 e 2012. Deste modo, os montantes colocados à disposição do administrador e acionista, os quais foram registados na sua conta corrente (255.9) não resultaram de mútuo nem de pagamento de ordenados pelo que, nos termos da al. h) do n.º 2 do art.º 5.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), considera-se que constituem adiantamentos sobre lucros.

De acordo com o estipulado no n.º 1 do art. 5.º e da al. h) do n.º 2.º, ambos do CIRS, consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, designadamente os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros.

Face ao mencionado, as transferências bancárias efetuadas para o Dr.º C, foram registadas na sua conta corrente e não derivavam dos ordenados e não resultaram de empréstimos. Assim, a diferença entre o valor de transmissão das ações lançado na conta corrente do acionista e o valor real das ações deve ser considerado como adiantamento por conta de lucros e consequentemente como rendimentos de capitais.

Assim, de acordo com o definido no ponto 2 da al. a) do n.º 3 do art,° 7.º os referidos rendimentos ficam sujeitos a tributação em sede de IRS, desde o momento que são colocados à disposição do sócio.

Este tipo de rendimento está sujeito a retenção na fonte a título definitivo à taxa liberatória de 20%, 21,5% ou 28% conforme preconizado na al. c) do n.º 1 do art.º 71.º do CIRS (anterior al. c) do n.º 3 do art. 71.º).

A empresa deveria assim ter retido o montante de € 47.267,44, € 46,452,48, € 42.226,94 e € 27.165,20, respetivamente em 2009, 2010, 2011 e 2012 e entregar no cofre do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que são devidos de acordo com o estipulado no n.º 3 do art. 98.º do CIRS por força do disposto na al. a) do n.º 2 do art.º 101.º e nas datas a seguir discriminadas:

III.6. Resumo das correções

g)      A Requerente foi notificada para exercício do direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária e não se pronunciou;

h)      Posteriormente, foi elaborado o relatório final, cujo teor se dá como reproduzido, sobre que recaiu um parecer da Senhora Chefe de Equipa e, depois, um despacho da Senhora Chefe de Divisão, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Concordo com o Parecer da Sr.ª Chefe de Equipa e com o relatório de actos de inspeção em anexo.

O relato da situação tributária observada, justifica e fundamenta as correções propostas em sede de retenções na fonte de IRS, com referência aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012.

A fundamentação assenta na previsão/estatuição das normas contidas na al. h) do n.º 2 do art. 5.º, 71.º, 98.º e 101.º, todos do CIRS, conjugados com os arts.º 81.º a 84.° da LGT.

Proceda-se como vem proposto.

Remetam-se os Autos da Notícia ao Serviço de Finanças de Amadora 3.

Notifique-se

Lisboa, 23 de dezembro de 2013

i)        Na sequência das correcções efectuadas a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou as seguintes liquidações de relativas a falta de retenção na fonte de IRS e a juros compensatórios:

– n.º 2013 …, datada de 02-01-2014, no total de € 55.275,94, sendo € 47.267,44 de IRS e € 8.008,50 de juros compensatórios, referente ao ano de 2009, com data limite de pagamento de 03-03-2014;

– n.º 2014 …, datada de 10-01-2014, no total de €.52.361,55, sendo € 46.452,48 de IRS e € 5.909,07 de juros compensatórios, referente ao ano de 2010, com data limite de pagamento de 10-03-2014;

– n.º 2014 …, datada de 10-01-2014, no total de € 42.226,94, sendo € 42.226,94 de IRS e € 3.565,80 de juros compensatórios, referente ao ano de 2011, com data limite de pagamento de 10-03-2014;

– n.º 2014 …, datada de 10-01-2014, no total de €.28.887,84, sendo € 27.165,20 de IRS e € 1.722,64 de juros compensatórios, referente ao ano de 2012, com data limite de pagamento de 10-03-2014 (documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral);

j)        Em 16-05-2014, a Requerente prestou garantia no montante de € 235.000,00 com vista à suspensão dos processos de execução instaurados para cobrança coerciva das dívidas respeitantes aos actos tributários que são objecto do presente processo (documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

k)      Em 02-06-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2.            Fundamentação da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseia-se no Relatório da Inspecção Tributária e nos documentos especificamente indicados juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

3.      Matéria de direito

 

3.1. Actos que são objecto do processo

 

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, é irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [1] )

No caso em apreço, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira venha dizer, no artigo 36.º da sua resposta que «a correcção em causa não teve subjacente a aplicação do disposto no n.º 11 do artigo 63.º do CIRC, mas assentou no princípio ínsito no n.º 4 do artigo 36.º da LGT», o certo é que não se encontra no Relatório da Inspecção Tributária qualquer referência ao artigo 36.º, n.º 4 da LGT, mas apenas, destas normas, ao artigo 63.º do CIRC.

Por outro lado, no despacho da Senhora Chefe de Divisão referido na alínea h) da matéria de facto fixada, que recaiu sobre o Relatório da Inspecção Tributária e é o acto que determina as correcções efectuadas, refere-se, para além de concordância com o Relatório, o seguinte: «A fundamentação assenta na previsão/estatuição das normas contidas na al. h) do n.º 2 do art. 5.º, 71.º, 98.º e 101.º, todos do CIRS, conjugados com os art.º 81.º a  84. º da LGT».

Assim, é à face do Relatório da Inspecção Tributária e deste despacho que há que apreciar a legalidade das liquidações de retenção na fonte de IRS impugnadas.

 

3.2. Síntese da situação fáctica

 

Em 08-05-2008, a Requerente A SGPS, SA, adquiriu ao seu accionista maioritário e administrador Dr.º C, acções da H SGPS, SA ao preço de € 2,58 (945.046 acções por € 2.438.218,68) e acções da Sociedade I SGPS, SA, ao preço de € 2,55 (420.000 acções pelo preço de € 1.071.000,00).

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «a venda das ações entre entidades relacionadas deve respeitar os termos e condições que seriam estabelecidas entre entidades na ausência dessas relações especiais, entre entidades independentes em operações comparáveis, aplicando para o efeito o regime dos preços de transferência, previsto no art.º 63,° do CIRC e Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro».

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que, naquelas transacções, existiu sobrevalorização dos preços acordados por acção, entre partes relacionadas, e que o valor de mercado das acções corresponde a 1,178896852, no que concerne à H SGPS, SA. e €.1,163177891 no que respeita à I SGPS, SA, tendo encontrado estes valores através do total dos capitais próprios destas sociedades, reflectidos nas demonstrações financeiras relativas a 31-12-2007, divididos pelo número total das acções da respectiva sociedade.

A Requerente imputa à actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira os seguintes vícios:

– errada aplicação do artigo 63.º do Código do IRC;

– inexistência de facto tributário – violação do n.º 1 e alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS e do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Código do IRS;

– ilegalidade por inexistência de dever acessório de substituição tributária.

 

 

3.3. Violação do artigo 63.º do Código do IRC

 

Embora no despacho da Senhora Chefe de Divisão que indica a fundamentação das correcções efectuadas não se faça referência ao artigo 63.º do CIRC, é inequívoco que ele se inclui na fundamentação de direito dessas correcções, pois é com base no conceito de relações especiais nele definido que é justificada no Relatório da Inspecção Tributária, com que aquele despacho manifesta concordância, a não aceitação dos preços de venda das acções e a busca dos preços de livre concorrência.

De resto, para além de abundantes referências ao artigo 63.º do CIRC que se incluem no Relatório da Inspecção Tributária, refere-se nele expressamente, entre as «Infracções verificadas», aquele artigo 63.º.

Como se disse, as acções da H SGPS, SA foram vendidas pelo preço de € 2,58 (945.046 acções por € 2.438.218,68) e as acções da Sociedade I SGPS, SA, pelo preço de € 2,55 (420.000 acções pelo preço de € 1.071.000,00).

Os valores que serviram de base à fixação do preço da transacção em apreciação foram os valores que constam de duas declarações emitidas pelo Banco M, com data de 30-01-2008, nas quais se declara que o valor médio das transacções de títulos da I, SGPS, SA (I, SGPS, SA), realizadas em 2007,ascendeu a € 2,55 por título transaccionado e que o valor médio das transacções de títulos da H, SGPS, SA (H SGPS, SA), realizadas em 2007, ascendeu a € 2,58 por título transaccionado.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que, naquelas transacções, existiu sobrevalorização dos preços acordados por acção, entre partes relacionadas, e que o valor de mercado das acções corresponde a 1,178896852, no que concerne à H SGPS, SA. e €.1,163177891 no que respeita à I SGPS, SA, tendo encontrado estes valores através do total dos capitais próprios destas sociedades, reflectidos nas demonstrações financeiras relativas a 31-12-2007, divididos pelo número total das acções da respectiva sociedade.

 

3.3.1. Posição da Requerente

 

A Requerente defende que, embora seja inegável a existência de relações especiais entre a Requerente e seu accionista aqui em causa, é falso que não tenha sido contratado um preço substancialmente idêntico ao que normalmente seria contratado entre entidades independentes em operações comparáveis, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC.

Defende ainda a Requerente que, face à apresentação de duas declarações de uma entidade independente – a instituição de crédito depositária dos títulos –, emitidas em 30 de Janeiro de 2008, nos termos das quais o valor médio das transacções de títulos das sociedades em causa, realizadas em 2007, ascendeu a € 2,58 e € 2,55 por título transaccionado, a administração tributária limita-se a rejeitar a fidedignidade de tal declaração sem qualquer justificação válida e que a Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstra que, à data da transacção, o preço contratado divergia daquele que seria contratado entre partes não relacionadas.

Entende ainda a Requerente que o critério utilizado pela administração tributária para demonstrar o desvio ao preço de mercado das acções, com base no valor dos capitais próprios em Balanço, é manifestamente desajustado ao fim, sendo sabido que o ajuste de preço para a venda de acções e as avaliações empresariais quase ou nunca se baseiam exclusivamente nesse concreto elemento financeiro e que esse critério nem sequer consta da lei ou portaria em matéria de preços de transferência.

Diz ainda a Requerente a administração tributária usa elementos não disponíveis à data da transacção e que, de acordo com a informação disponível à data da aquisição das acções da H SGPS, S.A., a situação financeira empresarial era a de um activo líquido de € 8.567.641.000,00, de um resultado consolidado de 29.626 milhares de euros e um resultado individual positivo do exercício, no montante de € 21.971.754,57, aplicado em reservas legais e livres ( [2] )

Diz ainda a Requerente que a Administração Tributária refere que a determinação do valor das acções por si feita foi com base nas últimas contas disponíveis, reportadas a 31-12-2007, mas verifica-se que na verdade são utilizadas contas não disponíveis à data da transacção, ou seja, o balanço a 31-12-2008.

A Requerente refere ainda que há outras evidências existem da observância dos preços de mercado e que se refere na página 19 do Relatório publicado no acima indicado site do Banco de Portugal que foram adquiridas, no exercício de 2007, 4.513.169 acções da H SGPS, S.A. pelo valor unitário de € 2,78 e alienadas 875.665 acções pelo valor unitário de € 1,97.

A Requerente sustenta, por fim e sobre este ponto, que na situação em apreço não existe qualquer questão de preços de transferência e que o suposto sobre-preço pago pela Requerente pelos investimentos financeiros não tem sequer reflexo no lucro tributável, ou seja, não existe qualquer inflacionamento de custos fiscais, pelo que a invocação do artigo 63.º do Código do IRC revela-se destituída de sentido.

 

3.3.2. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira refere que não foram apresentados documentos considerados como fornecendo o devido suporte aos valores de transacção declarados, nem exibidos quaisquer documentos que comprovem o valor médio de venda das acções, realçando-se o facto de, nos elementos apresentados pelo próprio Banco M e nos incluídos no Modelo 13, não constava o preço real de aquisição das acções da I, SGPS, constando apenas o valor total de € 420.000,00, correspondente ao valor nominal da cada acção, quando o preço de venda ascendeu a € 1.071.000,00.

            Diz ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que não foram apresentados, quer pela Requerente, quer pelo próprio Banco M, nem pelo ROC os documentos de suporte ao apuramento de tais preços médios de venda, os quais são de difícil comprovação e que não ficou provado qual o preço médio das transacções dos títulos das referidas sociedades de modo a que possam ser utilizados como preço médio comparável de mercado, método utilizado pela Requerente para comprovar a aplicação do princípio da plena concorrência.

Defende a Autoridade Tributária e Aduaneira que as condições em que decorreram as operações de compra das referidas acções, concretizada pela empresa ao accionista, concretamente o preço de € 2,55 e 2,58 por acção, apenas é justificável em virtude das relações especiais existentes entre as partes, tendo a operação de compra das acções representativas do capital da H e I, por parte da Requerente ao accionista, sido estruturada de forma a serem obtidas claras vantagens para este último, de modo a receber um valor que não conseguiria obter se as vendesse a uma entidade independente.

Diz ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que, não sendo possível a aplicação da al. a) do n.º 3 do artigo 63.º do CIRC, socorreu-se de outros métodos para a determinação do preço de livre concorrência, nomeadamente na al. b) do n.º 2 do artigo 52.º do CIRS (o valor apurado com base no último balanço), entre outros, enquadráveis no disciplinado pelo artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21/12, dado que o preço de aquisição foi estabelecido entre o vendedor e comprador em Maio de 2008, as últimas contas disponíveis eram as reportadas a 31-12-2007.

Refere ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que próprio artigo 63.º do CIRC, na alínea b) do n.º 3, que estende a possibilidade a outros métodos que não os definidos neste quadro normativo – sem especificar quais – quando “os métodos referidos no ponto anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam”, que com base nas demonstrações financeiras das empresas H SGPS, SA e I, SGPS, SA, o valor das acções seria substancialmente inferior ao valor a que foi efectuada a aquisição e que qualquer expectativa de mercado que pudesse influenciar o preço das ações, no período em análise, só influenciaria negativamente esse preço, dada a situação em que a H se encontrava desde o início de Janeiro de 2008.

Diz ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que da análise efectuada às contas da H, SGPS, SA, reportadas a 31-12-2007, e as constantes no site do Banco de Portugal apontado no ponto 61.º da petição, constata-se que as primeiras têm reflectido € 88.014.000 de impactos reconhecidos em Resultados Transitados e que esta situação justifica o valor total dos capitais próprios utilizados pela entidade Requerida de € 555.172.000, face aos valores apontados na petição de € 643.186.000.

            Defende ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que a correcção em causa não teve subjacente a aplicação do disposto no n.º 11 do artigo 63.º do CIRC, mas assentou no princípio estabelecido no n.º 4 do artigo 36.º da LGT e que a correcção não teve por base aplicação do regime dos preços de transferência, foi apenas no seguimento dos elementos fornecidos pela Requerente e demais entidades que se determinou o valor das acções, procedendo-se seguidamente à determinação do valor em excesso, fundamentação esta, que, pelo que se referiu sobre a irrelevância da fundamentação a posteriori não pode ser atendida.

 

3.3.3. Apreciação da questão

 

3.3.3.1. Quadro legal de referência

 

A análise que o tribunal efectua sobre este ponto assenta no quadro legal que a seguir se apresenta.

 

 

A) Artigo 63.º do CIRC, sendo de particular relevo os seguintes normativos:

 

“1 — Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

 

2 — O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.

3 — Os métodos utilizados devem ser:

 

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

 

 

B) Portaria 1446-C/2001, da qual se salienta:

 

Artigo 1.º

Regras gerais sobre o princípio de plena concorrência

 

1 – Nas operações efectuadas entre um sujeito passivo do IRS ou do IRC e qualquer outra entidade, sujeita ou não a estes impostos, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 – A aplicação do princípio enunciado no n.º 1 deve, como regra, basear-se numa análise individualizada das operações, excepto naquelas situações, nomeadamente as enumeradas nas alíneas seguintes, em que a análise pode ser efectuada numa base agregada ou por séries de operações,….

 

 

Artigo 6.º

 

Método do preço comparável de mercado

1 – A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação com na análise funcional das entidades intervenientes.

 

2 – Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:

a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

 

b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares

 

 

Artigo 14.º

 

Informação relevante

 

Para dar cumprimento à obrigação referida no artigo anterior, o sujeito passivo deve obter ou produzir e manter elementos informativos, designadamente quanto aos seguintes aspectos:

(…)

c) Identificação detalhada dos bens, direitos ou serviços que são objecto das operações vinculadas, e dos termos e condições estabelecidos, quando tal informação não resulte dos contratos celebrados;

(…)

 

g) Contratos e outros actos jurídicos praticados tanto com entidades relacionadas como com entidades independentes, com as modificações que ocorram e com informação histórica sobre o respectivo cumprimento, devendo ainda ser fornecidos, quando não constem expressamente dos instrumentos jurídicos existentes ou quando a prática seguida se afaste do neles acordado, os elementos seguintes: (…)

 

3.3.3.2. Apreciação do Tribunal

 

            Saber se nas operações entre a Requerente e o seu accionista maioritário e administrador foram contratados preços substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados entre entidades independentes em operações comparáveis constitui a primeira questão colocada pela Requerente a que se deverá responder.

A utilização do preço comparável de mercado implica, como se dispõe quer no artigo 63.º do CIRC, quer nos artigos 6.º e 14.º da Portaria 1446-C/2001, que a informação de suporte à utilização desse método seja de molde a comprovar de forma nítida, e o mais ampla e completamente possível, a base de apuramento desse preço comparável.

Os documentos emitidos pelo Banco M, com data de 30-01-2008, que constam como anexos ao processo, e nos quais se declara que o valor médio das transacções de títulos da I, SGPS, SA (I, SGPS, SA), realizadas em 2007, ascendeu a 2,55 por título transaccionado, e ainda que o valor médio das transacções de títulos da H, SGPS, SA (H SGPS, SA), realizadas em 2007, ascendeu a € 2,58 por título transaccionado padecem, no entender do tribunal, de fragilidades notórias, quando analisados à luz do sua força probatória de suporte à tese da Requerente.

Com efeito, tais declarações não têm qualquer suporte estatístico de operações nas quais tais preços foram apurados. Não existem elementos quantificados, que poderiam ter sido anexos a essas declarações, que mostrem a base objectiva de tais preços. A própria assinatura que neles está aposta não identifica o responsável que as produziu, e que funções tinha então no Banco M que o qualificasse para essa função certificadora. Em suma, nessas declarações não só existem lacunas no plano da forma como, porventura ainda mais relevantes, existem deficiências de substância.

Na verdade, as exigências – atrás transcritas – dos artigos 6.º e 14.º da Portaria 1446-C/2001 estão longe de estarem satisfeitas. Invocando-se um preço de mercado, deverão mostrar-se operações comparáveis – individualizando ao menos algumas – e respectivos preços, ou os elementos fornecidos deverão incluir alguma prova de operações semelhantes que mostrem a comparabilidade dos preços praticados nas transacções de acções entre a Requerente e o seu accionista.

Como também a OCDE sublinha nas respectivas Guidelines ( [3] ) (p.108, sublinhado do tribunal) : “In order for the process to be transparent, it is considered a good practice for a taxpayer that uses comparables to support its transfer pricing, or a tax administration that uses comparables to support a transfer pricing adjustment, to provide appropriate supporting information for the other interested party (i.e. tax auditor, taxpayer or foreign competent authorities) to be able to assess the reliability of the comparables used.”

            Alega ainda a Requerente que, para além dessa base factual decorrente das declarações do Banco M, observar-se-ia ainda na página 19 do Relatório publicado no site do Banco de Portugal, que foram adquiridas, no exercício de 2007, 4.513.169 acções da H, S.A. pelo valor unitário de €.2,78 e alienadas 875.665 acções pelo valor unitário de € 1,97.

Trata-se do Relatório e Contas de 2007 da H, SGPS, S.A. Nessa página apresenta-se, em quadro sintético, a quantidade total de acções alienadas e adquiridas pela H, bem como os montantes totais envolvidos e o preço médio. Também se indica que existiram transacções de acções próprias, entre a sociedade e seus accionistas, e que destas transacções decorrem os valores apurados quanto a preços.

A informação que se extrai do mencionado Relatório e Contas da H, não afasta a insuficiência probatória já sublinhada relativamente às declarações do Banco M.

Uma vez mais, trata-se de valores agregados, sem base factual, estatística ou de individualização de operações que permitam criar uma nítida convicção de que seriam preços comparáveis de mercado. Além disso, nas ditas transacções de acções próprias, não se conhecem quais as que foram concretizadas entre accionistas que pudessem constituir, à luz dos critérios do artigo 63.º do CIRC, partes relacionadas, desconhecendo-se se, e em que medida, os preços que constam do dito quadro do Relatório e Contas da H de 2007 foram praticados entre entidades independentes.

Estando o tribunal convicto de que as bases em que a Requerente assenta a sua posição segundo a qual o preço de € 2,55 para os títulos da I, SGPS, SA (I, SGPS, SA), e de € 2,58 para os títulos da H, SGPS, SA (H SGPS, SA), são insuficientes, haverá agora que indagar se o método que a AT utiliza se revela apropriado.

A Requerente aponta a este método duas incongruências: a de que não está previsto na lei relativamente a preços de transferência, e ainda que o valor de mercado de uma empresa se afasta, em regra, do respectivo valor contabilístico.

Quanto ao primeiro ponto, estabelece o artigo 63.º, n.º 3, o CIRC (sublinhado do tribunal):

 

3 — Os métodos utilizados devem ser:

 

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

 

 

Como se observa, o método do valor contabilístico não é expressamente elencado nos cinco (preço comparável de mercado, preço de revenda minorado, custo majorado, fraccionamento do lucro e margem líquida da operações) que o artigo 63.º, n.º 3, do CIRC prevê de forma individualizada.

Mas, terá de se analisar se tal método poderá ter cabimento na expressão “ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam”.

            Ora, numa transacção de acções, o preço comparável de mercado é o método regra. Na verdade, os restantes quatro que explicitamente se prevêem no artigo 63.º, n.º 3, são de muito difícil aplicação. Estando a empresa cotada, o preço de mercado estará, em princípio, disponível. Não estando cotada, e havendo transacções entre partes relacionadas e independentes, em condições comparáveis, poderão documentar-se jurídica e economicamente essas transacções e obter assim comparáveis considerados fiáveis.

Porém, se o preço comparável de mercado não logrou ser demonstrado, o valor contabilístico das acções pode caber, em tese geral, nos “outros” métodos previstos. A não ser que a Requerente mostre a evidente desadequação de tal via para se obter o preço que se praticaria em operações comparáveis ente entidades independentes.

Será que a requerente logra infirmar este método? A Requerente afirma, é certo, que só por mero acaso o valor de mercado das acções coincidirá com o valor contabilístico. O Tribunal também assim o entende.

Na verdade, casos haverá, normalmente em situações de crescimento económico geral, em que o designado goodwill (valor de intangíveis internos não espelhados no balanço, tais como a competência da administração, o prestígio da empresa no mercado, a fidelidade da clientela, a reputação dos seus bens ou serviços, a eficácia da sua rede de produção e distribuição, e muitos outros) poderão elevar o preço de mercado acima do valor contabilístico.

Ao contrário, em tempos de recessão, o preço de mercado, incorporando expectativas de quebra de benefícios futuros, poderá ficar bem abaixo do valor contabilístico. Haverá pois um goodwill negativo, como será o caso de um número elevado de empresas, no momento actual, em Portugal.

Tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira usado o valor contabilístico, e podendo a Requerente infirmá-lo, como o poderia ter feito? Mostrando que, no caso concreto da H, haveria factores objectivos, quantificáveis, que afastariam (para a tese da requerente só interessaria provar que afastariam para mais, isto é, elevando o preço de mercado face ao valor contabilístico) o valor usado pela AT como referencial adequado na valorização das transacções em apreço.

Porém, essa contraprova não é feita. A alegação genérica segundo a qual o preço de mercado se afastará, em regra, do valor contabilístico, não basta. Era necessário provar que, no caso da H, em 2008, se afastaria, num sentido positivo (i.e., evidenciando um certo goodwill), porque razões assim aconteceria e que impacto quantitativo teria no preço.

Em conclusão, o método usado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo legalmente admissível, ainda que como método residual, não foi decisivamente posto em causa pela Requerente.

Resta, quanto a este ponto, a questão de saber se o valor contabilístico apurado pela Autoridade Tributária e Aduaneira estará bem aplicado, ou se, como sustenta a Requerente, se refere ao capital próprio do balanço de 2008, quando este não podia existir à data das transacções, o que tornaria incorrecto o valor utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Autoridade Tributária e Aduaneira utiliza dados referidos a finais de 2007, embora tais dados surjam nas contas de 2008, em comparação dos dois balanços. Quer dizer, durante 2008 foram revistos os valores do capital próprio de 2007, imputando às contas de 2007 (e reduzindo por isso o capital próprio) nas componentes de reservas e resultados transitados quantias que ascenderam a cerca de 88 milhões de euros.

 É desta imputação em 2008, às contas relativas a Dezembro 2007, que nasce a divergência assinalada pela Requerente. Para esta, o capital próprio relevante no cálculo do valor das acções seria de 643,18 milhões de euros, observado nas contas de 2007 e emitidas aquando do fecho desse ano.

Para a Autoridade Tributária e Aduaneira seria esta quantia diminuída de 88 milhões de euros, isto é, 555,17 milhões de euros, referente ao balanço de 2007, mas surgindo este aquando da divulgação das contas de 2008, em que foram ajustados certos valores respeitantes à situação líquida de 2007.

Assim, se em 2008 se imputou – às contas de 2007 – um valor de 88 milhões de euros (que afectou ainda o capital próprio de 2007 e não o resultado de 2008) tal significa que, em substância, o valor do capital 2007 seria mais reduzido do que o constante do relatório da H que se pode consultar no site do Banco de Portugal. Quer dizer: é certo que no fecho de contas de 2007 não se teriam ainda registado esses ajustamentos de 88 milhões de euros, mas foi precisamente durante o ano de 2008 – e recorde-se que as transacções em causa ocorreram em Maio de 2008 – que se reconheceram tais ajustamentos. Assim, o valor economicamente mais relevante do capital próprio para sustentar o valor das acções em meados de 2008 estará por isso mais próximo de 555,17 de que 643,18 milhões de euros. O valor real do capital em 2007 estaria já materialmente influenciado, até pelas contas da situação líquida nas quais os ajustamentos foram efectuados, em face de desajustamentos latentes, apenas corrigidos em 2008. Um preço formado entre compradores e vendedores informados, em Maio de 2008, levaria em conta esta factualidade.

No entanto, em face dos elementos de prova recolhidos, não podem deixar de subsistir dúvidas de que os valores do capital próprio das sociedades em causa em Maio de 2008 fossem os que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou como sendo relevantes pata efectuar a liquidação, dúvidas essas que, por força do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT não podem deixar de ser valoradas a favor da Requerente e não contra ela.

Mas, não garantindo este vício uma eficaz tutela dos direitos da Requerente, inclusivamente por ser indicada no referido despacho da Senhora Chefe de Divisão uma fundamentação alternativa, impõe-se o prosseguimento da apreciação dos vícios imputados pela Requerente, como está ínsito no n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, do RJAT.

 

 

3.4. Inexistência de facto tributário – violação do n.º 1 e alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS e do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Código do IRS

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu tratar a sobrevalorização que entendeu existir na venda à Requerente das acções pelo administrador e accionista maioritário como sendo uma antecipação por conta dos lucros, baseando-se no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, que estabelece, reportando-se ao n.º 1 do mesmo artigo, que se consideram rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas que compreendem «os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º».

Diz-se no Relatório da Inspecção Tributária sobre este enquadramento fiscal, que é reafirmado no despacho da Senhora Chefe de Divisão:

Verifica-se assim que, a vantagem económica obtida pelo acionista com a realização deste negócio, ascendeu a € 236.337,21, € 232.262.42, € 196.404,38 e € 108.660.78 respetivamente em 2009, 2010 2011 e 2012 Deste modo os montantes colocados a disposição do administrador e acionista, os quais foram registados na sua conta corrente {255.9) não resultaram de mútuo nem de pagamento de ordenados pelo que, nos termos da al. h) do n.º 2 do art.° 5.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares considera-se que constituem adiantamentos sobre lucros.

De acordo com o estipulado no n.º 1 do art. 5.° e  da al. h) do n ° 2.º, ambos do CIRS, consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, designadamente os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivas titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros o Dr.º C, foram registados na sua conta corrente e não derivaram dos ordenados e não resultaram de empréstimos.

Assim, a diferença entre o valor da transmissão das ações lançado na conta corrente e o valor real das ações deve ser considerado como adiantamento por conta de lucros e consequentemente como rendimentos de capitais».

 

Porém, no caso em apreço, é manifesto que a quantia creditada na conta do accionista não tem a natureza de uma distribuição ou antecipação de lucros, nem se fez sequer a prova de que existissem lucros e de que existisse alguma deliberação no sentido de serem distribuídos lucros ou efectuado adiantamento por conta deles.

E, para accionar a norma da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS é necessário, antes de mais, que haja lucros que sejam colocados à disposição ou adiantados aos associados.

  Por outro lado, embora o artigo 6.º, n.º 4, do CIRS estabeleça uma presunção de que «os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros», constata-se que esta norma nem sequer é invocada na fundamentação das correcções efectuadas.

De qualquer forma, esta presunção é ilidível, por força do disposto no artigo 73.º da LGT e, no caso, resulta da prova produzida que as quantias lançadas na conta do accionista foram a título de pagamento das acções adquiridas e não de adiantamento ou distribuição de lucros, pelo que, se a Autoridade Tributária e Aduaneira, sigilosamente, pretendeu aplicar esta presunção ela está ilidida pela prova produzida.

Por outro lado, para além de o artigo 36.º, n.º 4, da LGT, não ter sido utilizado para fundamentar as correcções efectuadas, há confusão da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre o seu alcance ao invocá-lo no presente processo, a posteriori, para fundamentar as correcções.

Na verdade, aquele artigo 36.º, n.º. 4, da LGT ao estabelecer que «a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária» reporta-se à irrelevância da qualificação perante os termos do negócio, permitindo a Autoridade Tributária e Aduaneira atender a estes e não à qualificação atribuída pelas partes. Mas, aquela norma apenas permite à Autoridade Tributária e Aduaneira ignorar a qualificação jurídica do negócio atribuída pelas partes e não desconsiderar os próprios termos em que ele foi feito e a sua eficácia à face da lei civil ou comercial. Isto é, tendo-se a transmissão das acções concretizado através de contratos através dos quais foi transmitida a propriedade das acções mediante um preço, está-se perante contratos de compra e venda típicos (artigo 874.º do Código Civil), permitindo aquele artigo 36.º, n.º 4, que a Autoridade Tributária e Aduaneira considere irrelevante qualquer outra qualificação jurídica que as partes nos contratos eventualmente lhe tivessem atribuído, como por exemplo, contratos de mútuo, ou de empreitada. Mas, o que não permite aquele artigo 36.º, n.º 4, é que contratos cujos termos preenchem os requisitos típicos do contrato de compra e venda, sejam fiscalmente tratados como se fossem contratos de outro tipo qualquer.

Um contrato de compra e venda de acções, que é um negócio de natureza bilateral, não se confunde conceitualmente com actos unilaterais como são a distribuição de dividendos ou sua antecipação.

Por outro lado, como bem defende a Requerente, a ineficácia do contratos de compra e venda com os seus efeitos próprios, apenas poderia ser considerada ineficaz, para efeitos fiscais, se tivesse sido feito uso da cláusula geral antiabuso, que consta dos artigo 38.º, n.º 2, da LGT que, essa sim, permite desconsiderar para efeitos fiscais, os termos dos negócios praticados no circunstancialismo aí previsto.

No caso em apreço, para além de a Autoridade Tributária e Aduaneira nem sequer aventar no Relatório da Inspecção Tributária ou no despacho da Senhora Chefe de Divisão que estivessem preenchidos os pressupostos da aplicação da cláusula geral antiabuso, verifica-se logo um obstáculo intransponível à sua aplicação que é a falta da obrigatória autorização do Senhor Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, prevista no artigo 63.º, n.º 7, do CPPT.

Por isso, tem de se concluir que a Requerente tem razão, ao invocar a inexistência do facto tributário (adiantamento por conta de lucros) em que assentaram as liquidações impugnadas.

Conclui-se, assim, que as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida no presente processo, ao terem como pressuposto que as quantias em que assentaram as liquidações constituem adiantamento por conta de lucros, enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de direito, designadamente a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.

Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral com fundamento neste vício que torna as liquidações ilegais.

 

3.5. Questão de conhecimento prejudicado

 

 O vício referido no ponto anterior assegura eficaz e estável tutela dos direitos da Requerente, pois obsta à possibilidade de renovação dos actos de liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida.

Assim, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento da questão da ilegalidade por inexistência de dever acessório de substituição tributária, que a Requerente também invoca.

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

            A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

Como resulta da alínea j) da matéria de facto fixada, em 16-05-2014, a Requerente prestou garantia no montante de € 235.000,00 com vista à suspensão dos processos de execução instaurados para cobrança coerciva das dívidas respeitantes aos actos tributários que são objecto do presente processo

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (artigos 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que os erros subjacentes às liquidações são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as correcções e liquidações foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigos 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e 565.º do Código Civil, aplicáveis nos termos do artigo 2.º, alínea d) da LGT].

 

            5. Decisão

 

              Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de juros compensatórios:

– n.º 2013 …, datada de 02-01-2014, no total de € 55.275,94, sendo € 47.267,44 de IRS e € 8.008,50 de juros compensatórios, referente ao ano de 2009, com data limite de pagamento de 03-03-2014;

– n.º 2014 …, datada de 10-01-2014, no total de €.52.361,55, sendo € 46.452,48 de IRS e € 5.909,07 de juros compensatórios, referente ao ano de 2010, com data limite de pagamento de 10-03-2014;

– n.º 2014 …, datada de 10-01-2014, no total de € 42.226,94, sendo € 42.226,94 de IRS e € 3.565,80 de juros compensatórios, referente ao ano de 2011, com data limite de pagamento de 10-03-2014;

– n.º 2014 …, datada de 10-01-2014, no total de €.28.887,84, sendo € 27.165,20 de IRS e € 1.722,64 de juros compensatórios, referente ao ano de 2012, com data limite de pagamento de 10-03-2014

– julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à A. a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão.

 

6. Valor do processo

 

   De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 182.318,07.

 

            7. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 12-11-2014

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Henrique Curado)

 

 

(António Martins)

 

 

 



[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

– de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207.

– de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289.

– de 09/10/2002, processo n.º 600/02.

– de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

                Em sentido idêntico, podem ver-se:

– MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".  

– MÁRIO ESTEVES  DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".

[2] Relatório e Contas da H a 31.12.2007, disponíveis publicamente no site do Banco de Portugal em: …

 

 

[3] OECD, “Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations”, Paris, 2010.