SUMÁRIO
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A liberdade de circulação de capitais é estabelecida pelo artigo 63.º do TFUE como uma liberdade fundamental do mercado interno.
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A liberdade de circulação de capitais goza da primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efetividade da livre circulação de capitais.
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O TJUE decidiu no processo no processo C-545/19, entre ALLIANZGI-FONDS AEVN e a Autoridade Tributaria e Aduaneira, quanto aos dividendos: “O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
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Esta decisão proferida relativamente aos dividendos, aplica-se aos juros de empréstimos, pois são as mesmas as normas aplicáveis, inclusivamente enquadráveis no artigo 5.º do CIRS, para que remete o n.º 3 do artigo 22.º do EBF, porquanto, em qualquer dos casos, se está perante rendimentos de capitais.
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A retenção na fonte em IRC de 25% sobre os juros de empréstimo pagos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s não residentes, estabelecidos noutros Estados Membros da União Europeia, simultaneamente isentando de tributação os juros de empréstimo a OIC’s equiparáveis que se constituam e a operem ao abrigo da lei portuguesa estabelecidos e domiciliados em Portugal, é desconforme com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação de capitais.
Os Árbitros, José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Sofia Ricardo Borges e Rita Guerra Alves (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 11-05-2022, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:
Decisão Arbitral
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Relatório
É Requerente a sociedade A... S.A., SICAV-RAIF, com o NIPC..., com sede em ..., Luxemburgo, doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.
É Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.
A Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 03-04-2022.
A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou comos Árbitros, José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Sofia Ricardo Borges e Rita Guerra Alves.
Em 22-04-2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo, foi regularmente constituído em 11-05-2022, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.
Por Despacho de 03-07-2022, foi dispensada a realização a que alude artigo 18.º do RJAT, e conferido às partes a possibilidade de apresentação de alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
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Argumentos Das Partes
A ora Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, relativo à retenção na fonte de rendimentos, com os números de guia ... (período de 2019/6), e ... (período de 2019/9), relativas a junho e setembro de 2019, que fixou um imposto a pagar de € 296.945,75 (duzentos e noventa e seis mil, novecentos e quarenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos).
A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:
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A Requerente é um organismo de investimento coletivo luxemburguês, qualificado como fundo de investimento alternativo reservado (Reserved Alternative Investment Fund – RAIF) constituído sob a forma de sociedade de investimento de capital variável (Société d’investissement à capital variable – SICAV).
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Em conformidade com a estrutura jurídica dos organismos de investimento coletivo, a Requerente é gerida pela B... mbH, sociedade gestora de organismos de investimento coletivo, autorizada como GFIA (Gestora de Fundos de Investimento Alternativo) na Alemanha, nos termos da Diretiva AIFMD.
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Na qualidade de GFIA, a B... mbH, além de gerir e comercializar FIAs no respetivo Estado-Membro de origem (Alemanha), pode também gerir e comercializar FIAs incorporados noutros Estados-Membros, ao abrigo do artigo 33.º da Diretiva AIFMD, incluindo por conseguinte FIAs incorporados em Portugal.
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Portanto, em ambas as jurisdições, a Requerente é qualificada como um organismo de investimento coletivo, ainda que com diferentes denominações decorrentes das legislações domésticas aplicáveis.
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Defende que caso a Requerente tivesse sido constituída e estivesse a operar de acordo com a legislação portuguesa, seria um organismo de investimento coletivo sob forma societária, mais concretamente uma sociedade de investimento mobiliário nos termos do RGOIC.
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Na sua qualidade de organismo de investimento coletivo, o objeto social da Requerente é o investimento do capital reunido juntos dos investidores, tendo em consideração o princípio da diversificação do risco, em participações e em ativos, de qualquer espécie, de acordo com a Lei de 2016 sobre fundos de investimento alternativos reservados e com os seus documentos informativos.
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A Requerente decidiu investir no mercado português e desde 2018 detém indiretamente – através da sociedade luxemburguesa C... Sarl. – 41,38% do capital social da sociedade portuguesa D..., Lda. (“AE"), contribuinte fiscal n.º..., com sede na Av. ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa
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Por forma a poder cobrir as necessidades de liquidez iniciais da AE no contexto dos investimentos em território português, a Requerente e a AE celebraram um contrato de financiamento a curto prazo no dia 12 de dezembro de 2018, com maturidade em 30 de abril de 2019 (o “Contrato de Financiamento”).
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Neste contexto, a AE reteve na fonte, a título definitivo, um montante total de € 296.945,75, ou seja, de € 235.242,74, incluído na guia de retenção na fonte referente a junho de 2019, e de € 61.703,01, incluído na guia de retenção na fonte referente a setembro de 2019 – as RF Contestadas – ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º, n.º 2 e alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º, n.º 4 do artigo 87.º, alínea c) do n.º 1, e dos n.ºs 4, 5 e 6 do artigo 94.º do Código do IRC
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Conclui a requerente sustentado:
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O regime previsto no artigo 22.º do EBF circunscreve-se a organismos de investimento coletivo constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, e como tal, não se aplica a organismos de investimento coletivo constituídos e a operar de acordo com a legislação de outros Estados-Membros;
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A discriminação estabelecida no artigo 22.º do EBF, com base na residência dos veículos, constitui uma restrição ilegal à liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE;
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Um organismo de investimento coletivo luxemburguês está numa situação comparável com um organismo de investimento coletivo português, logo a medida restritiva estabelecida no artigo 22.º do EBF não pode ser justificada com base no argumento de que se tratam de situações que não são comparáveis;
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Nenhuma razão imperiosa de interesse geral pode ser invocada para justificar a restrição à liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 22.º do EBF; e, como tal,
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A Requerente deveria ter beneficiado do regime fiscal especial previsto no artigo 22.º do EBF, nomeadamente da não sujeição a IRC dos rendimentos por si obtidos, pelo que as RF contestadas assentam em erro grosseiro na aplicação do direito, sendo, por isso, ilegais, devendo tais RF e a decisão de indeferimento expresso da RG que manteve tais liquidações na ordem jurídica ser anuladas, com todas as consequências legais.
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
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Ora, a Requerente descreve o regime fiscal dos organismos de investimento coletivo (OIC), que se constituem e operam de acordo com a legislação nacional, recorrendo para o efeito, aos normativos do Código do IRC e artigo 22.º do EBF.
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Porém, existem dois aspetos de grande relevância para a definição completa do quadro fiscal dos OIC, a que importa dar o devido relevo.
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Um, tem a ver com a opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, mediante a subtração à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo.
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O outro prende-se justamente com a tributação incidente sobre os dividendos, porquanto, além de não integrarem a matéria coletável do IRC, também beneficiam da isenção de retenção na fonte (cf. n.º 10 do artigo 22.º do EBF).
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Por conseguinte, os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF – tal como ocorre com os fundos de pensões - por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma incidente sobre os lucros distribuídos, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano.
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Os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso da Requerente, não está sujeito a tributação autónoma sobre os dividendos.
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Do alegado pela Requerente é possível concluir que os regimes fiscais aplicáveis aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional e dos OIC constituídos no Luxemburgo, não são genericamente comparáveis, pois que a tributação dos primeiros compreende uma tributação em IRC sobre um lucro tributável que integra rendimentos marginais e repousa sobretudo no Imposto do Selo, ao passo que, aparentemente, os segundos estavam isentos de tributação no imposto sobre o rendimento e, aparentemente, também de outros impostos.
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Recorda-se que um OIC constituído e estabelecido em Portugal, embora isento de retenção na fonte, está sujeito a uma tributação autónoma sobre os dividendos, à taxa de 23%, se as correspondentes partes sociais não forem detidas, de modo ininterrupto, pelo período de um ano e, além disso, esses rendimentos, quando forem parte integrante do valor líquido global do OIC em cada trimestre, ainda sofrem a incidência do Imposto do Selo.
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Para efeitos de comparação da carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e os OIC constituídos na Luxemburgo, é redutor, e manifestamente insuficiente para extrair conclusões, atender apenas ao imposto retido na fonte e abstrair de outras imposições suscetíveis de onerar fiscalmente os dividendos.
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Assim, contrariamente ao afirmado pela Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.
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Assim, um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um Fundo de Investimento constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro, não estão em situações comparáveis para efeitos de averiguar se existe um tratamento discriminatório em termos fiscais e uma clara restrição à liberdade de circulação de capitais.
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A AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada.
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O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
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Termina a Requerida sustentado o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a entidade Requerida nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências.
Ambas as partes apresentaram alegações, reiterando as posições já assumidas.
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Do Mérito
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Questões Decidendas
Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constituem questões centrais a dirimir, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:
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Ilegalidade das liquidações em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, relativo à retenção na fonte de rendimentos, com os números de guia ... (período de 2019/6), e ... (período de 2019/9), relativas a junho e setembro de 2019, que fixou um imposto a pagar de € 296.945,75 (duzentos e noventa e seis mil, novecentos e quarenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos).
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Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
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Fundamentação De Facto
Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar, de seguida, a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos:
A Requerente é um organismo de investimento coletivo luxemburguês, qualificado como fundo de investimento alternativo reservado (Reserved Alternative Investment Fund – RAIF) constituído sob a forma de sociedade de investimento de capital variável (Société d’investissement à capital variable – SICAV) - cf. documento 4 junto pela Requerente.
A Requerente é gerida pela D... mbH, sociedade gestora de organismos de investimento coletivo, autorizada como GFIA, (Gestora de Fundos de Investimento Alternativo) na Alemanha, nos termos da Diretiva AIFMD - cf. documento 5 junto pela Requerente.
A Requerente desde 2018 detém indiretamente – através da sociedade luxemburguesa C... Sarl. – 41,38% do capital social da sociedade portuguesa D..., Lda.., contribuinte fiscal n.º ..., com sede na Av. ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa.
A D..., Lda.. foi constituída no dia 16 de novembro de 2018 e tem como objeto social a “aquisição, desenvolvimento, exploração e gestão de centrais hidroelétricas, sistema fotovoltaicos e/ou turbinas eólicas, e a gestão, marketing e venda de energia elétrica gerada por centrai hidroelétricas, sistemas fotovoltaicos e/ou turbinas eólicas” - cf. documento 6 junto pela Requerente.
A Requerente e a D..., Lda. celebraram um contrato de financiamento a curto prazo no dia 12 de dezembro de 2018, com maturidade em 30 de abril de 2019. O montante concedido pela Requerente ao abrigo do Contrato de Financiamento foi de € 27.600.000, e a remuneração prevista no contrato correspondia a uma taxa de juro anual de 6.8%. O Contrato de Financiamento foi objeto de três sucessivos aditamentos que alargaram o seu prazo de maturidade - cf. documento 4, 7 e 8 junto pela Requerente.
No âmbito desse contrato, a D..., Lda. em 13 de junho de 2019 devia um montante de € 940.970.96 de juros, e a 31 de julho de 2019, devia um montante adicional de € 246.812,05 de juros.
A D..., Lda. procedeu ao pagamento à Requerente do montante líquido de juros de € 890.837,26 em 23 de setembro de 2019 - cf. documento 10 junto pela Requerente.
A D..., Lda. como agente responsável pela retenção na fonte que pagou os juros acima indicados, reteve o imposto na fonte devido em Portugal e declarou os montantes nas declarações para os meses respetivos, num montante total de € 296.945,75, correspondente a € 235.242,74, incluído na guia de retenção na fonte referente a junho de 2019, e de € 61.703,01, incluído na guia de retenção na fonte referente a setembro de 2019. . cf. Documento 2 junto pela Requerente.
Foram emitidas as declaração de retenções na fonte IRC e imposto do selo com os números ...referente ao período de 2019/Junho em 2019-07-18 e com data limite de pagamento 2019-07-20, e ... referente ao período de 2019/Setembro em 2019-10-14 e com data limite de pagamento 2019-10-20. cf. Documento 2 junto pela Requerente.
A D..., Lda. como agente responsável procedeu ao pagamento das retenções referidas, cf. Documento 2 junto pela Requerente.
A Requerente foi notificada em 05-11-2021, para o exercício do direito de audição, o qual não foi exercido, cf. Processo Administrativo (“PA”).
Foi apresentada reclamação graciosa, nº ...2021... dos atos de retenção na fonte de IRC, a título definitivo, realizados nos anos de 2019, cf. Processo Administrativo (“PA”).
Por despacho de 30-11-2021, a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa. cf. Processo Administrativo (“PA”).
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Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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Fundamentação Da Fixação Da Matéria De Facto
Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
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Matéria De Direito
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Delimitação das questões a decidir:
A questão decidenda consiste em determinar se a retenção na fonte em IRC sobre os juros pagos por sociedades residentes em Portugal a OIC estabelecido noutro Estado Membro da União Europeia (in casu, Luxemburgo), simultaneamente isentando de tributação os juros pagos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, ou não, o artigo 63.º do TFUE. E saber sobre o direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.
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Sobre a ilegalidade das liquidações de IRC
A Requerente é uma pessoa coletiva de direito luxemburguês, constituída como organismo de investimento coletivo (OIC), sendo sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, gerida pela B... mbH.
O presente pedido de pronuncia arbitral, consiste em aferir da legalidade das liquidações em crise, por retenção na fonte, em virtude da compatibilidade ou não com o DUE dos normativos nacionais que, nos termos do artigo 22.º, do EBF, isentam de tributação, em sede de IRC, os juros pagos por entidades com sede em Portugal a OIC com sede neste país, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, tributando à taxa de 25%, por retenção na fonte a título definitivo, os juros pagos à Requerente, nos termos dos artigos 3.º, n.º 1, alínea d), 4.º, n.ºs 2 e n.º 3, alínea c), 87.º, n.º 4 e 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.º 5 e n.º 6, todos do Código do IRC.
Neste sentido, iniciemos pela análise da legislação fiscal portuguesa e comunitária com interesse para a decisão, em vigor à data dos factos:
- Estatuto dos Benefícios Fiscais
“Artigo 22.º-
Organismos de Investimento Coletivo
1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento
mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
(…)
3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos
referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.ºA do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
(…)
6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
7 - Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.
8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.
(…)
10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.
(…)
14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.
15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente
responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.
(…)”.
- Código do IRC
“Artigo 3.º -
Base do imposto
1 - O IRC incide sobre:
d) Os rendimentos das diversas categorias, consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito por entidades mencionadas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior que não possuam estabelecimento estável ou que, possuindo-o, não lhe sejam imputáveis.
(…)”
“Artigo 4.º - Extensão da obrigação de imposto
(…)
2 - As pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território
português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam:
c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado:
3) Outros rendimentos de aplicação de capitais;
(…)”
“Artigo 87.º
Taxas
(…)
4 - Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, (…).”
“Artigo 88.º
Taxas de tributação autónoma
(…)
11 - São tributados autonomamente, à taxa de 23 %, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. (…)”
“Artigo 94.º
Retenção na fonte
1 - O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:
c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade;
(…)
3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo:
b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.
(…)
5 - Excetuam-se do disposto no número anterior as retenções que, nos termos do n.º 3, tenham carácter definitivo, em que são aplicáveis as correspondentes taxas previstas no artigo 87.º
6 - A obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou em legislação complementar. (…)”
- Código do Imposto do Selo – Tabela Geral
“29 - Valor líquido global dos organismos de investimento coletivo abrangidos pelo artigo 22.º do EBF:
29.1 - Organismos de investimento coletivo que invistam, exclusivamente, em instrumentos do mercado monetário e depósitos - sobre o referido valor, por cada trimestre: 0,0025 %
29.2 - Outros organismos de investimento coletivo - sobre o referido valor, por cada trimestre: 0,0125 %.”.
-Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE),
Artigo 63.º
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
Artigo 65.º
1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º”
Observemos de seguida, as várias decisões proferidas no âmbito da jurisprudência comunitária e nacional, conforme de seguida realçamos:
Apreciemos o Acórdão do TJUE, no processo C-545/19, entre ALLIANZGI-FONDS AEVN e a Autoridade Tributaria e Aduaneira. No âmbito desse processo, foram colocadas para apreciação as seguintes cinco questões:
1. O artigo 56.º [CE] (atual artigo 63.º TFUE), relativo à livre circulação de capitais, ou o artigo 49.º [CE] (atual artigo 56.º TFUE), relativo à livre prestação de serviços, opõem-se a um regime fiscal como o que está em causa no litígio no processo principal, constante do artigo 22.º do EBF, que prevê a retenção na fonte de imposto com caráter liberatório sobre os dividendos recebidos de sociedades portuguesas a favor de OIC não residentes em Portugal e estabelecidos noutros países da UE, ao mesmo tempo que os OIC constituídos ao abrigo da legislação fiscal portuguesa e residentes fiscais em Portugal podem beneficiar de uma isenção de retenção na fonte sobre tais rendimentos?
2. Ao prever uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção de retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes, uma vez que a estes últimos não lhes é dada qualquer possibilidade de aceder a semelhante isenção?
3. O enquadramento fiscal dos detentores de participações dos OIC será relevante para
efeitos de apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa, tendo presente que esta prevê um tratamento fiscal autónomo e distinto (i) para os OIC (residentes) e (ii) para os respetivos detentores de participações dos OIC? Ou, tendo presente que o regime fiscal dos OIC residentes não é, de todo, alterado ou afetado pela circunstância de os respetivos participantes serem residentes ou não residentes em Portugal, a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório da referida regulamentação deve ser realizada apenas por referência à fiscalidade aplicável ao nível do veículo de investimento?
4. Será admissível a diferença de tratamento entre OIC residentes e não residentes em
Portugal, tendo em conta que as pessoas singulares ou coletivas residentes em Portugal, que sejam detentoras de participações de OIC (residentes ou não residentes) são, em ambos os casos, igualmente sujeitas (e, em regra, não isentas) a tributação sobre os rendimentos distribuídos pelos OIC, sujeitando os detentores de participações em OIC não residentes a uma fiscalidade mais elevada?
5. Tendo em consideração que a discriminação em análise no presente litígio diz respeito a uma diferença na tributação do rendimento relativamente a dividendos distribuídos pelos OIC residentes aos respetivos detentores de participações nos OIC, é legítimo, para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento considerar outros impostos, taxas ou tributos incorridos no âmbito dos investimentos efetuados pelos OIC? Em particular, é legítimo e admissível, para efeitos da análise de comparabilidade, considerar o impacto associado a impostos sobre o património sobre despesas ou outros, que não estritamente o imposto sobre o rendimento dos OIC, incluindo eventuais tributações autónomas?
O TJUE decidiu relativamente a essas questões, no seguinte sentido:
“O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
A decisão proferida relativamente aos dividendos, aplica-se aos juros de empréstimos, pois são as mesmas as normas aplicáveis, inclusivamente enquadráveis no artigo 5.º do CIRS, para que remete o n.º 3 do artigo 22.º do EBF, porquanto, em qualquer dos casos, se está perante rendimentos de capitais.
Aliás, a decisão do TJUE, vai no mesmo sentido do entendimento defendido pelos tribunais arbitrais nacionais, de o regime do artigo 22.º do EBF ser contrário ao disposto no direito da União, abordando-se a comparabilidade das situações de organismos de investimento coletivo que são sujeitos a diferentes exigências fiscais em diferentes jurisdições, observem-se as decisões proferidas no CAAD, sob os processos 166/2021-T; 68/2020-T; 11/2020-T; 64/2020-T, 166/2021-T; 947/2019-T; 922/2019-T; 528/2019-T; 194/2019-T, 90/2019-T, 99/2019-T, 543/2019-T, 129/2022-T; 121/2022-T; 821/2021-T; 817/2021-T; 816/2021-T; 717/2021-T; 711/2021-T, 624/2021-T; 623/2021-T; 621/2021-T; 620/2021-T, 593/2021-T; 368/2021-T; 214/2021-T, 166/2021-T; 135/2021-T; 133/2021-T; 130/2021-T; 28/2021-T. Decisões que versaram sobre a questão dos dividendos bem como, parte delas, sobre a dos juros de empréstimos.
Relevamos a decisão do CAAD, proferida no processo n.º 129/2022-T[1], de 26 de Junho de 2022, em causa um organismo de investimento coletivo constituído ao abrigo das leis do Luxemburgo, sendo sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, sendo gerido por uma entidade com sede na Alemanha:
“Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).
A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Assim, declara-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia.”
Na linha do exposto, face a legislação e jurisprudência comunitária e nacional, entende este Tribunal verificar-se a existência de um tratamento discriminatório e uma restrição da liberdade de circulação de capitais, proibida pelo disposto no artigo 63.º do TFUE, porquanto a Requerente, na sua qualidade de entidade não residente em Portugal, foi sujeito a uma retenção na fonte em Portugal sobre os juros de empréstimo obtidos em Portugal, ao passo que os OICs constituídos e a operar ao abrigo da lei portuguesa estão isentos.
Por tudo o quanto vai exposto, temos de concluir que a questão dos autos está suficientemente tratada na jurisprudência nacional e na jurisprudência do TJUE, as quais fornecem indicações seguras quanto à desconformidade com o direito da União da disparidade do regime de tributação dos juros auferidos por organismos de investimento coletivo residentes e não residentes, que tem consagração nos n.ºs 1 e 10 do artigo 22.º do EBF.
Assim, tem de se concluir que as liquidações em apreço, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
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Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pede reembolso do imposto retido indevidamente, no montante de € 296.945,75, acrescido de juros indemnizatórios.
A procedência do pedido de anulação dos atos de retenção na fonte objeto do pedido de pronúncia arbitral tem por consequência vincular a AT nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui, para além da restituição do indevido, “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.
Igual consequência decorre do disposto no n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que estabelece “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, que fixa o momento a partir do qual os mesmos são devidos, por erro imputável aos serviços (n.ºs 1 e 2) ou por “outras circunstâncias” (n.º 3), bem como a respetiva taxa (n.º 4) e a consequência do atraso na execução da sentença transitada em julgado (n.º 5).
Nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º, da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, com entrada em vigor no dia imediato ao da sua publicação e com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2011, “São também devidos juros indemnizatórios (…) d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.
No caso dos autos, estando em causa a declaração de ilegalidade da legislação nacional, máxime, do n.º 1 do artigo 22.º, do EBF, por violação do disposto no artigo 63.º, do TFUE, e, reflexamente, do n.º 4 do artigo 8.º, da CRP, há que reconhecer o direito da Requerente a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT.
Na sequência da anulação das retenções na fonte a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias retidas, no valor total de € 296.945,75, o que é consequência da anulação.
Face a todo o exposto e às invocadas normas legais, decide-se pelo provimento do pedido da Requerente.
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Decisão
Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Anular as retenções na fonte impugnadas quanto ao montante de 296.945,75 (duzentos e noventa e seis mil novecentos e quarenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos), bem como anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
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Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas, no montante de € 296.945,75 (duzentos e noventa e seis mil novecentos e quarenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) e condenar a Administração Tributária a pagar este montante à Requerente;
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Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante do imposto indevidamente pago, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT.
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Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 296.945,75 (duzentos e noventa e seis mil novecentos e quarenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada.
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Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 5.202,00 € , nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifiquem-se as Partes, bem como Digno Representante do Ministério Público, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, do 185.º-A, n.º 2, do CPTA subsidiariamente aplicável, e do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT.
Lisboa, 10 de Outubro de 2022.
Árbitro Presidente,
José Poças Falcão
Árbitros-vogais
Sofia Ricardo Borges
Rita Guerra Alves
(Relator)
[1]Em igual sentido, as decisões do CAAD que versaram sobre OIC constituídas ao Abrigo das leis do Luxemburgo: 821/2021-T; 817/2021-T; 593/2021-T; 215/2021-T.