Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 839/2021-T
Data da decisão: 2022-10-25  Selo  
Valor do pedido: € 205.725,65
Tema: IS – Operações de concessão de crédito – Verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) - Alteração do prazo ao contrato de concessão de crédito (nova concessão) ou prorrogação de prazo.
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Sumário:

 

O imposto do Selo foi indevidamente cobrado, uma vez que não é possível subsumir as várias alterações ao contrato de concessão de crédito a uma prorrogação suscetível de configurar uma nova concessão de crédito, sujeita a tributação, sob pena de violação dos princípios de legalidade, da igualdade e da capacidade contributiva.

 

 

Decisão Arbitral

 

Os árbitros Fernanda Maçãs, Maria da Graça Martins e Ana Teixeira de Sousa   designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

        

         I. RELATÓRIO

 

A..., SA, com o NIPC..., e sede na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., adiante a Requerente, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente ao despacho de 22.11.2021 de indeferimento da Reclamação Graciosa, processo n.º    e, bem assim, de forma mediata, a liquidação de imposto do selo que lhe foi repercutido pelo B... SA, com o NIPC..., no montante de € 205 725,65 (duzentos e cinco mil euros setecentos e vinte cinco e sessenta e cinco cêntimos),

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Autoridade Tributária”).

 

1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 23.12.2021 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à Requerida.

 

2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

3. Em 09.02.2022, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 02.03.2022.

 

5. Nos presentes autos, a Requerente sustenta a procedência do seu pedido de anulação da liquidação adicional, em síntese, pelos seguintes argumentos:

 

- A Requerente defende a não sujeição e aplicação da parte final da verba 17 .1 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo, porquanto no seu entendimento, estar-se-ia somente perante uma alteração do prazo e não perante uma prorrogação do mesmo, como o  B... considerou.

 

-  Alegou ainda que o imposto já foi inicialmente determinado à taxa máxima, não há qualquer imposto em dívida por comparação com um empréstimo convencionado ab initio pelo prazo que resultou dos sucessivos Aditamentos.

 

- Donde, o acto de liquidação de Imposto do Selo, proveniente daquele Aditamento configurava uma tributação cumulativa sobre parcelas do mesmo crédito, o que consubstancia uma manifesta duplicação de coleta, quando a realidade fáctica que estaria subjacente à pluralidade de liquidações seria a mesma, isto é, a utilização inicial do empréstimo no montante de € 75 000 000,00.

 

- Mais: refere que de acordo com a doutrina da administração fiscal, serão consideradas novas operações de crédito para efeitos da incidência de Imposto do Selo as alterações ao prazo de reembolso das importâncias mutuadas ou creditadas que sejam convencionadas após o vencimento das obrigações do devedor.

 

6. Em 06.04.2022, a Requerida apresentou a sua Resposta, contestando a posição defendida pela Requrente, por impugnação, nos seguintes termos:

 (,,,) A questão substancial a dirimir na presente acção arbitral, prende-se com saber se o Aditamento n.º 12 consubstanciava uma nova concessão de crédito, donde veio a ser liquidado Imposto de Selo da Verba 17.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), no montante global de € 205.725,65, (referentes aos períodos de 2020-10), porquanto no entendimento do B..., estar-se-ia somente perante uma alteração do prazo e não perante uma prorrogação do mesmo, logo sujeita a Imposto do Selo.(…)

 

7. A Requerida prossegue, afirmando que:

  1.  

A este respeito vejamos as sábias palavras de João de Matos Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Volume II, 2.ª Reimpressão da 7.ª Edição de 1997, 2006, Almedina, Coimbra, pág, 43):

“O prazo convencional tanto pode ser originário (contemporâneo da obrigação), como subsequente. Tanto o prazo originário, como o subsequente, podem ser substituídos por outro, que amplie ou reduza (caso pouco frequente) o prazo anterior. Quando o novo prazo constitui um aditamento ao anterior, começando a contar-se só após o termo deste (ex nunc), diz-se corretamente que houve uma prorrogação de prazo: o prazo deveria findar em 6 de Janeiro; é prorrogado por 6 meses, o que significa que a obrigação só se vencerá apenas em 6 de Julho.

Devendo o novo prazo contar-se ab initio ou ex tunc, teremos antes a substituição do prazo inicial por um prazo diferente”

Assim, considerou-se que o elemento distintivo das cláusulas de alteração e prorrogação é o efeito "ex tunc" das cláusulas de alteração e "ex nunc" das cláusulas de prorrogação.

  1.  

Conforme resulta da Informação Vinculativa n.º 516, com despacho concordante, de 2010-04-30, da Subdiretora-geral dos Impostos da Área do Património, não é suficiente para que qualquer cláusula contratual seja considerada de alteração e não de prorrogação a mera declaração de vontades nesse sentido.

  1.  

Para que consubstancie uma alteração do prazo do contrato com efeitos "ex tunc", é necessário, cumulativamente, que:

a) Haja lugar a uma manifestação documental autónoma da vontade das partes de que resulte a ampliação do prazo originário;

b) Seja expressamente alterada a cláusula que, no contrato, refira o prazo da amortização, através da substituição do anterior prazo pelo novo prazo contado da data do contrato de concessão de crédito. Caso contrário, estar-se-á perante uma mera moratória, que, caso o contrato de concessão de crédito ainda se mantenha em vigor, constitui o aditamento de um novo prazo ao prazo originário do contrato e é passível de imposto do selo, por, nos termos da referida verba 17.1 da Tabela Geral, constituir nova concessão de crédito;

c) Seja expressamente alterada a cláusula que, no contrato, prevê o número das prestações, atualizando-o de acordo com o que resultar da alteração do prazo;

d) O novo plano de amortizações entre juridicamente em vigor e comece a ser objeto de

cumprimento efetivo antes do termo do prazo originário do contrato, caso em que a alteração a realizar produziria efeitos apenas "ex nunc", ou seja, para além da data em que deveria ter sido concretizado o reembolso do crédito concedido. Também nesse caso, deverá ser considerada a existência de uma nova operação de crédito para efeitos da incidência do imposto do selo;

e) Caso não se verifiquem cumulativamente os requisitos referidos, está-se perante uma mera prorrogação do prazo do contrato, que é uma nova operação tributável em imposto do selo.

(Informação Vinculativa proferida no processo n.º 2015001291 – IVE n.º 8848, com despacho concordante de 2015-07-30, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira).

 

  1.  

Esse é, também, o entendimento vertido na Circular n.º 4/2005, de 10 de fevereiro –“Prorrogação do prazo inicial de um contrato do de concessão de crédito à habitação. Alteração do prazo inicial (substituição do plano inicial de amortizações do crédito concedido)” –, que se passa a transcrever:

“(…)3. Serão igualmente consideradas novas operações de crédito, para aqueles efeitos as alterações ao prazo de reembolso das importâncias mutuadas ou creditadas que, embora efectuadas antes do vencimento das obrigações do devedor, tenham efeitos apenas para o futuro, não implicando a substituição do plano de amortizações a que o devedor inicialmente se obrigou.

(…)

4. Não serão consideradas novas operações de crédito as alterações ao prazo inicial do contrato compatíveis com a lei e com texto originário do contrato, que retroajam à data do contrato. Para estes efeitos, tais alterações devem ser expressamente convencionadas em documento de alteração do negócio originário de concessão de crédito, onde as partes procedam à substituição do anterior plano por um novo plano de amortizações do crédito concedido. Este novo plano deverá entrar em vigor antes do termo do prazo originário de concessão do crédito.”

 

  1.  

No caso em apreço, face aos elementos apresentados e ao entendimento aceite pela AT, não é possível aferir se a cláusula é mera alteração de prazo ou prorrogação, na medida em que apenas é junto o 12.º Aditamento e versão consolidada do contrato, não sendo possível fazer o iter das cláusulas contratuais em causa.

 

  1.  

No caso em apreço, o n.º 2 da Cláusula 1.ª do “Décimo Segundo Aditamento Ao Contrato de Mútuo e de Abertura de Crédito com Garantia celebrado no dia 20 de dezembro de 2007 com redação que lhe foi dada pelos Aditamentos de 15 de julho de 2008, 12 de março de 2010, 22 de dezembro de 2010, 20 de março de 2012, 30 de dezembro de 2014, 30 de março de 2016, 17 de novembro de 2016, 10 de maio de 2018, 4 de dezembro de 2018, 12 de fevereiro de 2019 e 2 de dezembro de 2019” estabelece que:

“2. A alteração inclui, sem limitar, uma substituição integral do prazo inicial de reembolso final pelo novo prazo estabelecido na Cláusula 11.ª com efeitos ex tunc, que retroage à data do contrato.”

  1.  

Contudo, não é suficiente a mera expressão de vontades das partes para que qualquer cláusula contratual seja considerada de alteração e não de prorrogação.

  1.  

Conforme resulta supra, designadamente dos pressupostos da al. b) e da al. c), deve ser, expressamente, alterada a cláusula de prazo de amortização “através da substituição do anterior prazo pelo novo prazo contado da data do contrato de concessão de crédito”, assim como deve ser, expressamente, alterada a cláusula que preveja o número das prestações, atualizando-o de acordo com o que resultar da alteração do prazo.

  1.  

Ora, analisada a Cláusula 11.ª, cuja epígrafe é “Reembolso de Capital”, com a redação doDécimo Segundo Aditamento, outorgado em 2020-10-26, verifica-se que a data da primeira prestação está prevista para 31 de outubro de 2020, não retroagindo o planeamento de reembolso de capital à data de início da execução do contrato de concessão de crédito, cujo contrato originário data a 2007-12-20, e que, segundo resulta do contrato e dos diversos aditamentos, tem vindo a ser reembolsado.

  1.  

Verifica-se, ainda, que a cláusula que prevê o reembolso de capital e, consequentemente, o plano prestacional não foi atualizada de acordo com a alteração de prazo, e, por isso, consubstancia um aditamento de um novo prazo ao prazo originário do contrato e, consequentemente, sujeito à Verba 17.1 da TGIS.

  1.  

Assim, face aos documentos apresentados e ao entendimento da administração fiscal constante na informação vinculativa supra transcrita, não cumprindo os requisitos cumulativos da al. b) e c) supra transcritos, afigura-se que a alteração à Cláusula 11.ª (Reembolso de Capital) se qualifica como prorrogação ao prazo inicial, na medida em que a contagem do novo prazo não considera o momento de produção de efeitos determinado aquando da outorga do Contrato de Mútuo e de Abertura de Crédito com Garantia, nem há atualização do plano de reembolso de capital de acordo com a alteração de prazo.

  1.  

Em face do exposto, o acto de liquidação aqui posto em crise, por legal, deve manter-se. (…)”

 

8. As partes apresentaram alegações em que, no essencial, mantiveram as posições assumidas e desenvolvidas nos articulados.

 

 

II. SANEAMENTO

 

9. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, ambos do RJAT.

 10.As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 11.O processo não enferma de nulidades.

 12.O processo é o próprio. Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo

 

III. DO MÉRITO

 

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

 

III. 1.1. Factos provados

  

13. Atentos os documentos juntos pela Requerente e os documentos constantes do processo administrativo, para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

 

- Em 20.02.2007, a Sociedade A... S A, NIF ..., doravante Requerente, celebrou com o  C... e o D..., um Contrato de Mútuo e de Abertura de Crédito com garantia, assumindo um mútuo, no valor de € 75.000.000,00, com data de vencimento a 2015-03-31, cfr. doc junto com a reclamação.

 

- Tal contrato foi objecto de 12 sucessivos aditamentos, nos termos dos quais foram alteradas diversas cláusulas contratuais, a saber:

 

a) No âmbito do 5.º aditamento celebrado, em 2014-12-30, quando o montante em dívida era de € 54.512.608,10, foi substituída a data de maturidade de parcelas de empréstimo, passando a data limite para 2016-03-31:

 

 

 

b) No âmbito do 6.º aditamento celebrado, em 2016-03-30, foi substituída a data de maturidade de parcelas de empréstimo, passando a data-limite para 2021-03-31;

 

 

c) No âmbito do 7.º aditamento celebrado, em 2016-11-17, foi substituída a data de maturidade de parcelas de empréstimo, para um capital em dívida de € 51.037.608,10, passando a data limite para 2021-10-31:

 

d) No âmbito do 8.º aditamento celebrado, em 2018-05-10, foi substituída a data de maturidade de parcelas de empréstimo, mantendo-se a data-limite para 2021-30-31;

 

e) No âmbito do 12.º aditamento celebrado, em 2020-10-26, foi substituída a data de maturidade de parcelas de empréstimo, mantendo-se a data limite para 2028-30-31, para um capital em dívida de € 34.287.608,10.

 

                      

 

 

- Paralelamente, face ao elevado número de Aditamentos, as partes resolveram consagrar num único texto os termos e condições do Contrato (Doc. 2, anexo à Reclamação Graciosa), como resulta do Considerando G, que se transcreve:

 

- Cláusula 1.ª do Contrato, incluindo uma substituição integral do prazo inicial do reembolso final pelo novo prazo, com efeitos ex tunc, como se reproduz:

 

 

- Na versão consolidada do contrato inicial, é expressamente referido que, à data, o capital em dívida ao abrigo da Tranche Principal é de € 34 287 608,10, como se reproduz:

 

 

 

 

 

- O B... considerou que este Aditamento consubstanciava uma nova concessão de crédito, e nessa sequência, liquidou Imposto de Selo da Verba 17.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), no montante global de € 205.725,65, referentes aos períodos de 2020-10.

 

- O Imposto foi pago através da Guia n.º... .

 

- Por não concordar, a Requerente deduziu uma reclamação graciosa (cf. Processo n.º ...2021...), na qual pugnou pela não sujeição e aplicação da parte final da verba 17 .1 da TGIS, porquanto no seu entendimento, estar-se-ia somente perante uma alteração do prazo e não perante uma prorrogação do mesmo, como o B... considerou.

 

- Esta foi indeferida, pelo facto de o planeamento do reembolso de capital não retroagir “ao início da execução do contrato de concessão de crédito” e, porque o “plano prestacional não foi atualizado de acordo com a alteração de prazo”, como se reproduz:

 

 

                                                      

III.1.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

14. Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Não existem factos dados como não provados, entendendo o presente Tribunal Arbitral que todos os factos dados como provados são os bastantes e relevantes para a apreciação do pedido. Com efeito, além de a questão ser essencialmente de direito, a prova documental consta dos autos, não assistindo razão à Requerida quando afirma faltar a versão inicial do contrato de concessão de crédito. Conforme resulta dos autos, tal documento foi junto pelo SP com a reclamação. Acresce que se o ónus de prova impende inicialmente sobre o SP, não é menos verdade que, ante o esforço do SP em reproduzir todas as alterações relevantes introduzidas ao contrato inicial, incluindo as cláusulas essenciais destes, se para a Requerida fosse ainda necessária a apresentação do contrato inicial, cabia-lhe em nome do princípio do inquisitório e da verdade material solicitá-lo, se fosse esse o caso. O mesmo seria imposto, indiretamente, pelos princípios da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva.

 

 

IV. DA QUESTÃO DECIDENDA

 

15. A questão de fundo a apreciar e a decidir no presente processo prende-se com saber se o Aditamento n.º 12 consubstanciava uma nova concessão de crédito, donde veio a ser liquidado Imposto de Selo da Verba 17.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), no montante global de € 205.725,65, (referentes aos períodos de 2020-10), ou somente uma alteração do prazo.

 

Mais: a Requerente considera, como na Petição Inicial, que:

  1. No controvertido caso, estamos perante uma mera alteração de prazo, com efeitos retroativos (ex tunc), como decorre expressamente do contrato e de acordo com os critérios divulgados por Circular da administração fiscal;
  2. A parte final da verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo não consubstancia uma norma de incidência que permita a tributação das prorrogações de prazo, por lhe faltar a definição de aspetos essenciais do elemento objetivo do pressuposto de imposto, configurando-se como uma norma anti abuso;
  3. A referida norma é inconstitucional quando interpretada no sentido de que qualquer prorrogação de prazo determina o nascimento de nova obrigação de imposto, por violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva.

 

            15. Para a AT, A Verba 17 da TGIS incide sobre operações financeiras “pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título exceto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato”, sobre o valor do financiamento, em função do prazo.

 

- O facto gerador do imposto nasce no momento da sua realização, nos termos da 1.ª parte da al. g) do artigo 5.º do CIS, pelo que conjugado com a parte final da Verba 17.1 da TGIS, considera-se a prorrogação do prazo do contrato como se fosse um novo contrato e, consequentemente, o surgimento de um novo facto gerador do imposto, apoiando-se na (Informação Vinculativa proferida no processo n.º 2015001291 – IVE n.º 8848, com despacho concordante de 2015-07-30, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira), atrás mencionada, bem como no entendimento vertido na Circular n.º 4/2005, de 10 de fevereiro.

 

16. Conclui que a “mera expressão de vontades das partes para que qualquer cláusula contratual seja considerada de alteração e não de prorrogação.”

 

17.  Com efeito, considera que (…), designadamente dos pressupostos da al. b) e da al. c), deve ser, expressamente, alterada a cláusula de prazo de amortização “através da substituição do anterior prazo pelo novo prazo contado da data do contrato de concessão de crédito”, assim como deve ser, expressamente, alterada a cláusula que preveja o número das prestações, atualizando-o de acordo com o que resultar da alteração do prazo. (…)  Ora, analisada a Cláusula 11.ª, cuja epígrafe é “Reembolso de Capital”, com a redação do Décimo Segundo Aditamento, outorgado em 2020-10-26, verifica-se que a data da primeira prestação está prevista para 31 de outubro de 2020, não retroagindo o planeamento de reembolso de capital à data de início da execução do contrato de concessão de crédito, cujo contrato originário data a 2007-12-20, e que, segundo resulta do contrato e dos diversos aditamentos, tem vindo a ser reembolsado. Verifica-se, ainda, que a cláusula que prevê o reembolso de capital e, consequentemente, o plano prestacional não foi atualizada de acordo com a alteração de prazo, e, por isso, consubstancia um aditamento de um novo prazo ao prazo originário do contrato e, consequentemente, sujeito à Verba 17.1 da TGIS.

 

18. Por conseguinte, face aos documentos apresentados e ao entendimento da administração fiscal vertido na informação vinculativa supra transcrita, não cumprindo os requisitos cumulativos da al. b) e c) supra transcritos, a alteração à Cláusula 11.ª (Reembolso de Capital) equivale à prorrogação do prazo inicial, na medida em que a contagem do novo prazo não considera o momento de produção de efeitos determinado aquando da outorga do Contrato de Mútuo e de Abertura de Crédito com Garantia, nem há atualização do plano de reembolso de capital de acordo com a alteração de prazo.

 

 

V. APRECIAÇÃO DA QUESTÃO

 

Vejamos,

 

19.  No caso sub judice, ao contrário do que defende a Requerida ao considerar que os sucessivos aditamentos ao contrato inicial consubstanciam  uma “prorrogação ao prazo inicial”, sujeito à verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, entendendo que a clausula 11.ª do Aditamento não cumpre os requisitos cumulativos das alíneas b) e c) da Informação Vinculativa n.º 8848, a Requerente considera que não houve uma modificação da natureza do contrato de concessão inicialmente outorgado, pois estamos perante a mesma realidade contratual[1].

 

-  As partes apenas acordaram em dar uma redação diferente às clausulas contratuais.

 

- Nas suas alegações escritas, a Requerente refere que (…)  “Para isso, considera que não foi expressamente alterada a clausula do prazo de amortização “através da substituição do anterior prazo pelo novo prazo contado da data do contrato de concessão de crédito” e que não foi “expressamente, alterada a clausula que preveja o número de prestações atualizando-o de acordo com o que resultar da alteração do prazo”:

(…)

  1. Ora, como se sabe o prazo de vencimento de uma obrigação pode ser expresso em dias, meses, semanas ou anos, contados a partir de uma data inicial, ou pode, simplesmente, corresponder a um determinado dia de calendário.

 

  1. Para a administração fiscal, de acordo com a sua fundamentação, o prazo tem necessariamente de ser fixado a partir da data do contrato de concessão de crédito e expresso através de um identificado número de prestações, sendo que esse número de prestações, inicialmente previsto, tem de ser substituído pelo que resultar da alteração do prazo.

 

  1. Portanto, para um contrato de empréstimo de € 10 000,00, celebrado em 31 de dezembro de 2010, por um prazo de 5 anos, vencendo-se em 5 prestações anuais iguais, e que em novembro de 2015, tenha sido alterado o prazo de vencimento para mais 1 ano, continuando as prestações a vencer-se anualmente, é necessário que a clausula correspondente ao prazo de amortização passe a referir expressamente que “o empréstimo é concedido por 6 anos, vencendo-se a última prestação em 31.12.2016”.

 

  1. Para a AT, se a referida frase não existir, estamos perante um novo contrato.

 

  1. Ora, para além da liberdade contratual, as partes têm, por maioria de razão, autonomia para redigir as clausulas contratuais e, normalmente, o prazo de reembolso é definido através de um plano, sem qualquer referência expressa ao número de prestações.

 

  1. Com efeito, relativamente ao hipotético caso, o contrato poderia prever que:

 

  1. “Clausula X
    1. O reembolso do capital será efetuado nas datas e pelos montantes previstos no quadro seguinte:

 

  1. Data
  1. Valor
  1. 31.12.2011
  1. 2 000
  1. 31.12.2012
  1. 2 000
  1. 31.12.2013
  1. 2 000
  1. 31.12.2014
  1. 2 000
  1. 31.12.2015
  1. 2 000

 

  1. E, na sequência da acordada alteração do contrato, a clausula poderia ficar com a seguinte redação:

 

  1. “Clausula X
    1. O reembolso do capital será efetuado nas datas e pelos montantes previstos no quadro seguinte:
  1. Data
  1. Valor
  1. 31.12.2011
  1. 2 000
  1. 31.12.2012
  1. 2 000
  1. 31.12.2013
  1. 2 000
  1. 31.12.2014
  1. 2 000
  1. 31.12.2015
  1. 1 000
  1. 31.12.2016
  1. 1 000

 

  1. E, concluiríamos que estamos perante a mesma realidade contratual[2], mas com diferente redação das clausulas contratuais. No primeiro exemplo, o prazo de vencimento foi determinado através da fixação do número de prestações, contadas a partir da celebração do contrato (estando subentendida cada uma das datas de vencimento das prestações). No segundo exemplo, as datas de vencimento foram expressamente fixadas através da indicação da correspondente data de calendário, sem qualquer alusão ao número de prestações (estando o seu número subentendido).

 

  1. Com efeito, tal não significa que, no segundo exemplo não tenha sido fixado o número de prestações…basta contar as diferentes datas de vencimento, pelo que o número de prestações está implícito na clausula contratual.

 

  1. Portanto, não será pela utilização de uma ou outra das formulações da clausula contratual que a realidade fática se altera.

 

  1. Ora, no caso sub judice, o reembolso do capital foi fixado através de um plano de amortização que indicava as datas e o valor de cada amortização de capital, sem qualquer referência expressa ao número de prestações, utilizando uma redação que é normal neste tipo de contratos.

 

  1. Aliás, a identificação de uma data de calendário para o cumprimento de uma obrigação é a fórmula normal de determinação da sua data de vencimento[3].

 

  1. Portanto, e concluindo, não é pelo facto de o plano de amortização fixar datas de calendário para o vencimento de cada prestação e não conter expressamente o número de prestações (…basta, todavia, contá-las) que estamos perante uma prorrogação de contrato e não perante uma mera alteração.

 

  1. Nestes termos, ao contrário do que a Requerida afirma, estão preenchidas as condições previstas nas alíneas b) e c) da Informação Vinculativa n.º 8848, e, tratando-se de uma mera alteração de contrato, está ferida de ilegalidade a contestada liquidação de imposto do selo.

 

20. Passaremos a analisar a legislação aplicável ao caso vertente, bem como ao direito circulatório evocado pela Requerida.

 

- A Tabela 17.1 do TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 12-A/2010 de 30 de Junho, aplica-se ás operações que resultem da utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e ás operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo.

 

21. Sobre a incidência do Imposto do Selo nas concessões de crédito, tanto a jurisprudência como a doutrina, consideram que o imposto do Selo incide sobre a efetiva utilização do crédito e não sobre o contrato que lhe é subjacente.

 

- Desta forma e conforme consagrado no artigo 5.º n.º 1 alínea g), do CIS, o imposto nos contratos com prazo determinado é instantâneo, ocorrendo no momento em que o crédito é efetivamente realizado e incide sobre o valor de cada utilização.

 

Nesse sentido, veja-se Acórdão do STA processo 0800/17 de 14-03-2018, que decidiu:

(…) A  concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva utilização do crédito. O facto tributário sujeito  a imposto do Selo é, sempre, a concessão de crédito - prestação de valores monetários de uma parte a outra obrigando-se esta última a restituir aquele montante (em singelo ou acrescido de valor convencionado), no futuro. A mera celebração do contrato de concessão de crédito nem sempre gera facto tributário do imposto. Quando a utilização do crédito for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que coincide com a data de celebração do contrato de concessão de crédito. (…) Quando a utilização do crédito não for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que não coincide com a data de celebração do contrato concessão de crédito.”

 

  1. A distinção entre as cláusulas de alteração e prorrogação reside no o efeito "ex tunc" das cláusulas de alteração e "ex nunc" das cláusulas de prorrogação.

 

- A Requerida remete para o teor da Informação Vinculativa n.º 516, com despacho concordante, de 2010-04-30, da Subdiretora-geral dos Impostos da Área do Património, segundo o qual, “não é suficiente para que qualquer cláusula contratual seja considerada de alteração e não de prorrogação a mera declaração de vontades nesse sentido”

- Para que consubstancie uma alteração do prazo do contrato com efeitos "ex tunc", é necessário, cumulativamente, que:

a) Haja lugar a uma manifestação documental autónoma da vontade das partes de que resulte a ampliação do prazo originário;

b) Seja expressamente alterada a cláusula que, no contrato, refira o prazo da amortização, através da substituição do anterior prazo pelo novo prazo contado da data do contrato de concessão de crédito. Caso contrário, estar-se-á perante uma mera moratória, que, caso o contrato de concessão de crédito ainda se mantenha em vigor, constitui o aditamento de um novo prazo ao prazo originário do contrato e é passível de imposto do selo, por, nos termos da referida verba 17.1 da Tabela Geral, constituir nova concessão de crédito;

c) Seja expressamente alterada a cláusula que, no contrato, prevê o número das prestações, atualizando-o de acordo com o que resultar da alteração do prazo;

d) O novo plano de amortizações entre juridicamente em vigor e comece a ser objeto de

cumprimento efetivo antes do termo do prazo originário do contrato, caso em que a alteração a realizar produziria efeitos apenas "ex nunc", ou seja, para além da data em que deveria ter sido concretizado o reembolso do crédito concedido. Também nesse caso, deverá ser considerada a existência de uma nova operação de crédito para efeitos da incidência do imposto do selo;

e) Caso não se verifiquem cumulativamente os requisitos referidos, está-se perante uma mera prorrogação do prazo do contrato, que é uma nova operação tributável em imposto do selo.

(Informação Vinculativa proferida no processo n.º 2015001291 – IVE n.º 8848, com despacho concordante de 2015-07-30, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira).

 

- Esse é, também, o entendimento vertido na Circular n.º 4/2005, de 10 de fevereiro:

“Prorrogação do prazo inicial de um contrato do de concessão de crédito à habitação. Alteração do prazo inicial (substituição do plano inicial de amortizações do crédito concedido)” –, que se passa a transcrever:

“(…)3. Serão igualmente consideradas novas operações de crédito, para aqueles efeitos as alterações ao prazo de reembolso das importâncias mutuadas ou creditadas que, embora efectuadas antes do vencimento das obrigações do devedor, tenham efeitos apenas para o futuro, não implicando a substituição do plano de amortizações a que o devedor inicialmente se obrigou.

(…)

4. Não serão consideradas novas operações de crédito as alterações ao prazo inicial do contrato compatíveis com a lei e com texto originário do contrato, que retroajam à data do contrato. Para estes efeitos, tais alterações devem ser expressamente convencionadas em documento de alteração do negócio originário de concessão de crédito, onde as partes procedam à substituição do anterior plano por um novo plano de amortizações do crédito concedido. Este novo plano deverá entrar em vigor antes do termo do prazo originário de concessão do crédito.”

 

-  Significará na ótica da Requerida que para se verificar uma mera alteração do contrato e não uma nova concessão de crédito, é necessário verificar-se, designadamente dos pressupostos da al. b) e da al. c), deve ser, expressamente, alterada a cláusula de prazo de amortização “através da substituição do anterior prazo pelo novo prazo contado da data do contrato de concessão de crédito”, assim como deve ser, expressamente, alterada a cláusula que preveja o número das prestações, atualizando-o de acordo com o que resultar da alteração do prazo.

 

23.      Entendemos que assiste razão à Requerente.

 

  1. Com efeito, por um lado e, conforme já aludido, a haver um caso de prorrogação de prazo, só por si, não determina a incidência de imposto do selo neste tipo de operações financeiras, pois o que determina a sujeição é precisamente a utilização dos fundos.

 

  1. Ainda que da norma resultasse uma equiparação a uma nova utilização de crédito, que faz parte dos factos tributáveis constantes da Tabela, faltar-lhe-ia a definição do aspeto quantitativo e do aspeto temporal relevante para aplicação da taxa ao alegado novo contrato.

 

26. A distinção entre prorrogação e alteração do prazo, nomeadamente para efeitos da concessão de crédito, pode revelar-se uma operação complexa.

Na redacção original da verba 17.1 da TGIS, estabeleceu-se então como segue:

17.1 - Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente, ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a segunda prorrogação do prazo do contrato ou a prorrogação não automática do seu prazo efectuada após o 30º dia anterior ao termo do seu prazo - sobre o respectivo valor, em função do prazo:

Este redacção gerou grandes dificuldades interpretativas, que se tentaram ultrapassar por via administrativa, v.g. através das disposições da Circular 15/2000. A Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, alterou a parte final da norma como segue: (...) considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato.

Por virtude da mera alteração legislativa o problema não ficou contudo sanado. Efectivamente, conforme desenvolvido por João Espanha e Marta Gaudêncio in Revista do Instituto Superior de Gestão, artigo de 2011 “SOBRE O IMPOSTO DO SELO: ALGUMAS ESPECIFICIDADES DO CRÉDITO AO CONSUMO”:  Com efeito, em muitas circunstâncias, o prazo do empréstimo/crédito revela-se insuficiente, seja por uma incorrecta avaliação da necessidade financeira, seja por um qualquer evento inesperado relativo ao mutuário/creditado. Isto pode suceder quer a particulares quer a empresas, com impactos distintos mas que, em muitos casos, podem ser severos. Pensemos, por exemplo, em financiamentos de grande volume – onde o Imposto pode atingir valores elevadíssimos, ou em financiamentos ao consumo de particulares, em particular no crédito à habitação, onde dificuldades pessoais de um ou mais membros do agregado familiar podem aconselhar, quando não exigir, um prolongamento do prazo do empréstimo e consequente redução do valor das prestações mensais a suportar. Foi justamente o acumular destes casos de dificuldades com créditos à habitação que terá dado origem à emissão da Circular n.º 4/2005, de 10 de Fevereiro, a qual avança uma interessantíssima solução que, a nosso ver, possui plena cobertura na letra e no espírito da lei e que, salvo melhor opinião, é obviamente aplicável a qualquer financiamento, de qualquer objecto e natureza, que caiba na incidência do ponto 17.1 da TGIS. De acordo com a mencionada Circular, em particular com os seus n.ºs 4 e 5, que citamos: 4. Não serão consideradas novas operações de crédito as alterações ao prazo inicial do contrato compatíveis com a lei e com texto originário do contrato, que retroajam à data do contrato. Para estes efeitos, tais alterações devem ser expressamente convencionadas em documento de alteração do negócio originário de concessão de crédito, onde as partes procedam à substituição do anterior plano por um novo plano de amortizações do crédito concedido. Este novo plano deverá entrar em vigor antes do termo do prazo originário de concessão do crédito. 5. Quando nas situações referidas no ponto anterior ao novo prazo corresponder uma taxa superior à taxa correspondente ao prazo originário, haverá que liquidar o imposto devido pela diferença de taxas.

…………….. Com efeito, o que se traduz nesta Circular é a ideia de que não constitui uma prorrogação do prazo do contrato – ou seja, uma continuação do contrato para além do prazo inicialmente pactuado, uma alteração do prazo do contrato que seja acordada entre as partes dentro do prazo originalmente pactuado, de tal forma que (i) o contrato permaneça o mesmo e (ii) a alteração retroaja os seus efeitos ao início do contrato. Dir-se-á que, do ponto de vista económico, não há diferença entre prolongar o contrato (aumentar o seu prazo no decurso do mesmo) e prorrogá-lo (pactuar ex novo ou automaticamente a continuação no tempo do contrato para além do prazo contratado), pelo que não haveria razão para tratar de forma diferente estas duas situações. Mas não é assim. Desde logo, porque a letra da lei nos fala em prorrogação do contrato, e não em prolongamento ou alteração do prazo em geral, pelo que pode o intérprete (neste caso, um intérprete de peso) densificar aquele conceito. E o que se vem dizer – bem – é que nem toda a alteração do prazo de um contrato de crédito é uma prorrogação do mesmo. Prorrogação será o prolongamento, para o futuro, dos seus efeitos; uma alteração contratual é mais do que isso: afecta a estrutura do negócio, afectando-o desde o seu início. É mais do que uma mera manifestação de prolongamento do prazo, realizada a jusante do seu cumprimento; é um novo acordo de vontades que substitui o primeiro, mas que toma integralmente o seu lugar na ordem jurídica, em termos tais que não se pode falar da constituição de uma nova relação jurídico-tributária, mas apenas de uma alteração (eventual) desta. Por outras palavras, não se trata de uma nova operação, ou da mesma operação apenas “esticada” no tempo após o seu termo; é a mesma operação, alterada nas suas condições com efeitos ex tunc e antes do seu termo. Ou ainda, de forma mais prosaica e porventura excessivamente simplista: qual será a diferença entre, chegados ao final do contrato de crédito, prorrogá-lo, renová-lo, ou celebrá-lo de novo? Obviamente, nenhuma – pelo que se forma uma nova relação jurídico-tributária e o imposto é devido. Não de novo. É outro imposto, sobre uma nova realidade. Mas se no decurso do contrato o mesmo for renegociado e tal renegociação retroagir os seus efeitos ao seu início, a operação é a mesma, é a mesma relação jurídico-tributária – pelo que não se concebe uma nova incidência de imposto. Contudo, a incidência pode já não possuir os contornos originais – se, por exemplo, um maior volume de crédito é utilizado, ou se, em qualquer caso, por virtude da alteração do prazo do contrato se deva aplicar uma taxa de imposto distinta. Assim, poderá haver lugar a correcção do imposto a pagar atendendo à alteração do plano de incidência, da matéria colectável ou da taxa, mas não a nova liquidação. É o mesmo imposto, sobre a mesma realidade, pelo que apenas se pode admitir uma correcção à liquidação, e isto sem qualquer sanção associada, posto que a correcção não visa sanar qualquer vício da liquidação original, mas adequar o imposto à realidade conforme alterada

 

A própria Autoridade Tributária se pronunciou numa informação prestada no quadro de um pedido de informação vinculativa - Processo: 2012002451 - IVE n.º 3801, nos seguintes termos:

10.Quando o contrato tem termo ou prazo de duração, diz-se que se prorroga quando persiste para além do termo inicialmente fixado. 11.Nas obrigações a prazo, o prazo convencional tanto pode ser originário (contemporâneo da obrigação) como subsequente. Tanto o prazo originário como o subsequente podem ser substituídos por outro que amplie ou reduza o prazo anterior. 12. Assim, quando o novo prazo constitui um aditamento ao anterior, começando a contar-se só após o termo deste (ex nunc), estamos perante uma prorrogação do prazo, ou seja, se o prazo que deveria findar, por exemplo, em 6 de Janeiro for prorrogado por mais 6 meses, isso significa que a obrigação se vencerá apenas em 6 de Julho. 13.Pelo contrário, devendo o novo prazo contar-se “ab initio” ou “ex tunc”, teremos antes a substituição do prazo inicial por um prazo diferente, ou seja, se o prazo de um ano for substituído pelo prazo de dois anos. 14.Este tem sido também o entendimento perfilhado pela Autoridade Tributária. 15.Com efeito, no âmbito do Parecer n.º 53/2005, sancionado por S. Exa. o Director-Geral, em 05.05.2005, e que esteve na origem da supra mencionada Circular 4/2005, de 10 de Fevereiro da DGCI, a Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e do Contencioso (DSCJC) considerou que o elemento distintivo das cláusulas de alteração e prorrogação é o efeito “ex tunc” do primeiro tipo de cláusulas e “ex nunc” do segundo tipo. 16.Ora, para que se possa falar de uma verdadeira alteração do prazo do contrato com efeitos “ex tunc”, é necessário, cumulativamente, que: Ø Haja lugar a uma manifestação documental autónoma da vontade das partes de que resulte a ampliação do prazo originário. Não cabem, assim, como é óbvio, no conceito de alteração do prazo de contrato as chamadas prorrogações automáticas, que, aliás, estão geralmente associadas às aberturas de crédito em conta corrente e não às simples aberturas de crédito. Ø Seja expressamente alterada a cláusula que, no contrato, refira o prazo da amortização, através da substituição do anterior prazo pelo novo prazo contado da data do contrato de concessão de crédito. Caso contrário, estar-se-ia perante uma mera moratória, que, caso o contrato de concessão de crédito ainda se mantenha em vigor, constitui o aditamento de um novo prazo ao prazo originário do contrato e é passível de Imposto do Selo, por, nos termos da referida verba 17.1 da Tabela Geral, constituir nova concessão de crédito. Ø Seja expressamente alterada a cláusula que, no contrato, prevê o número das prestações, actualizando-o de acordo com o que resultar da alteração do prazo. Ø O novo plano de amortizações entre juridicamente em vigor e comece a ser objecto de cumprimento efectivo antes do termo do prazo originário do contrato, caso em que a alteração a realizar produziria efeitos apenas “ex nunc”, ou seja, para além da data em que deveria ter sido concretizado o reembolso do crédito concedido. Também nesse caso deverá ser considerada a existência de uma nova operação de crédito para efeitos da incidência do Imposto do Selo. 17.Caso não se verifiquem cumulativamente os requisitos referidos, está-se perante uma mera prorrogação do prazo do contrato, que é uma nova operação tributável em Imposto do Selo. 18.Advém que, é, igualmente, este o entendimento difundido na Circular n.º 4/2005, de 10 de Fevereiro, da DGCI, que veio esclarecer as dúvidas suscitadas quanto à interpretação da parte final da verba 17.1 da TGIS, no que se refere à prorrogação do prazo de um contrato de concessão de crédito à habitação. 19.Ora, na situação em concreto e analisando a documentação apresentada pela requerente, constata-se que não se encontram preenchidos, cumulativamente, os requisitos aí mencionados. 20.Com efeito, o documento de alteração ao contrato de financiamento, no seu ponto 4. Produção de Efeitos, prevê expressamente que “a presente alteração ao contrato produzirá os seus efeitos a partir do início do trimestre em que tem lugar a assinatura do presente aditamento pelas partes”. 21.Assim sendo, da referida cláusula resulta que, não obstante o facto de ser efectuada antes do vencimento das obrigações da devedora, esta alteração só produz efeitos para o futuro, não implicando a substituição do plano de reembolso do crédito a que esta inicialmente se obrigou. 22.De facto, para que a alteração ao contrato não constituísse uma nova operação de crédito, teria que retroagir à data do contrato, procedendo à substituição do anterior plano por um novo plano de reembolso do crédito do crédito concedido, o que não sucede neste caso.

 

         27.  A Requerida menciona a Circular 6/2020.

 

- Esta foi emitida num âmbito muito específico de abranger créditos e financiamentos que sofram diferimentos durante a crise pandémica SARS COV 2.

 

- Ao apresentar a justificação para a necessidade da citada Circular, a AT escreve no preâmbulo um (primeiro parágrafo da 2ª página da Circular):

 

“Considerando que, à luz do mesmo entendimento, esta situação diferencia-se das situações em que ocorre uma substituição do prazo inicial por um prazo diferente, ou seja, em que ocorre uma verdadeira alteração do prazo do contrato com efeitos retroativos (efeitos “ex tunc”), caso em que apenas será devido Imposto do Selo quando ao novo prazo corresponder uma taxa superior à taxa correspondente ao prazo originário, sendo o imposto liquidado sobre o valor (inicial) mutuado tendo apenas em conta o diferencial de taxas (se existir).

 

- Ora, neste parágrafo a AT expressa a sua opinião sobre o assunto, independentemente do facto de haver ou não pandemia, considerando que nas situações de alteração do prazo do contrato com efeitos retroativos, apenas é devido Imposto do Selo, pelo diferencial, se o imposto apurado for superior aquele que foi liquidado.

No controvertido caso, não estamos perante uma mera moratória ou um aditamento ao prazo inicial do contrato, mas sim perante uma substituição do prazo inicial por um novo prazo.

De facto, o aditamento em causa é substancialmente similar aos anteriores aditamentos ao contrato, que terão sempre preenchido o requisito de “alteração ao contrato” e não o requisito de “prorrogação do prazo” pelo que não estiveram sujeitos a liquidações adicionais de Imposto de Selo.

Através do 12.º aditamento, celebrado, em 2020-10-26, foi substituída a data de maturidade de parcelas de empréstimo, mantendo-se a data limite para 2028-30-31, para um capital em dívida de € 34.287.608,10.

 

 

Á semelhança dos anteriores aditamentos ao contrato estamos também neste caso perante uma mera alteração de prazo, com efeitos retroativos (ex tunc), como decorre expressamente do contrato e de acordo com os critérios divulgados por Circular da administração fiscal

 

28.Nestes termos, não assiste razão à Requerida, sendo que no caso sub judice o imposto do Selo foi indevidamente cobrado, pois não é possível subsumir as várias alterações ao contrato inicial à prorrogação de contrato de concessão suscetível de configurar uma nova concessão de crédito, sujeita a tributação, sob pena de violação dos princípios de legalidade, da igualdade e da capacidade contributiva.

 

29. O tribunal tem o dever de se pronunciar sobre todas as questões, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada, fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão incluída no pedido de pronúncia arbitral.

 

 

VI. OS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

30. Deste modo, afigurando-se manifestamente ilegal o indeferimento da reclamação graciosa por parte da AT, nos termos acima expostos, deve a Requerente ser integralmente ressarcida do valor do imposto do selo indevidamente pago e receber os respectivo juros indemnizatórios.

Ora, o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que dispõe: “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte: “1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.

Os juros indemnizatórios são devidos quando se determine, em impugnação judicial ou na acção arbitral, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento de dívida tributária em montante superior ao devido.

Para que haja direito a juros indemnizatórios, é necessário, antes de mais, que se verifique a ocorrência de um erro-vício e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a «falta do próprio serviço, globalmente considerado»[4].

A ratio subjacente a esta previsão consubstancia-se na imputabilidade do erro aos serviços, como reflexo da não atuação em conformidade com a lei, ao arrepio, desde logo, do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 266.º da CRP e, no mesmo sentido, no art.º 55.º da LGT[5].

 

Tem, pois, direito a Requerente a ver a liquidação anulada e a ser indemnizada pelo pagamento indevido do montante de imposto através da determinação de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

VII. DECISÃO

            De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Colectivo:

  1. Julgar procedente o pedido arbitral formulado, declarando a ilegalidade do despacho de indeferimento proferido na reclamação graciosa com o n.º, relativa à liquidação de imposto do selo levada a efeito pela entidade bancário concedente do crédito, que, por isso, deve ser anulada;
  2. Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir o montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, face ao decidido em a).
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

 

VIII. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2 e 306º-2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 205 725,65 (duzentos e cinco mil euros setecentos e vinte cinco, sessenta e cinco cêntimos), indicado pela Requerente.

            

 

IX. CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00   nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida conforme decisão supra.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de Outubro de 2022                                  

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

(Fernanda Maçãs)

 

 

 

(Maria da Graça Martins- relatora)

 

 

 

(Ana Teixeira de Sousa)

 

 



[1] Também estaríamos perante a mesma realidade contratual se o plano de amortização fosse substituído por um que refletisse apenas as prestações vincendas. Aliás, em situação alguma é elaborado novo plano de amortização que implique reembolso de capital aos clientes, como bem reconhecem Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins, em Imposto do Selo, Operações financeiras e de garantia, Almedina, a páginas 48: “Temos algumas dúvidas quanto à aplicação prática desta condição, pois, tal como é apresentada, fica a ideia de que a aplicação retroativa do novo prazo implicaria a elaboração de um novo plano de amortização desde o início do contrato e, em teoria, tal situação poderia implicar um reembolso ao cliente de montantes já pagos nas prestações”.  

[2] Também estaríamos perante a mesma realidade contratual se o plano de amortização fosse substituído por um que refletisse apenas as prestações vincendas. Aliás, em situação alguma é elaborado novo plano de amortização que implique reembolso de capital aos clientes, como bem reconhecem Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins, em Imposto do Selo, Operações financeiras e de garantia, Almedina, a páginas 48: “Temos algumas dúvidas quanto à aplicação prática desta condição, pois, tal como é apresentada, fica a ideia de que a aplicação retroativa do novo prazo implicaria a elaboração de um novo plano de amortização desde o início do contrato e, em teoria, tal situação poderia implicar um reembolso ao cliente de montantes já pagos nas prestações”.  

[3] É o que acontece, por exemplo, com o prazo de entrega da Declaração Modelo 22, que está fixado em 31 de maio, e, quando o SEAAF altera o prazo, fixando, por exemplo, o dia 31 de julho, não é referido que é prorrogado por mais 2 meses que acrescem aos 5 iniciais, totalizando 7 meses (e, curiosamente também ninguém considera que estejamos perante o cumprimento de uma nova obrigação).

[4] Neste sentido veja-se Jorge Lopes de Sousa, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário», 6.ª Edição, 2011, Áreas Editora, Volume I, p. 539.

[5] Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.11.2009, proferido no processo n.º 0681/09.