Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 660/2021-T
Data da decisão: 2022-10-26  IMI  
Valor do pedido: € 23.654,68
Tema: IMI – Valor Patrimonial Tributário – Terrenos para Construção
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SUMÁRIO:

 

I. O artigo 78.º, n.º 1 da LGT, em conjugação com o artigo 115.º do Código do IMI, permite a revisão oficiosa de ato de liquidação de IMI no prazo de quatro anos, com base em erro na fixação de VPT que seja imputável aos serviços da AT;

 

II. O artigo 45.º do Código do IMI, na redação anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, não previa a aplicação dos coeficientes de afetação, de localização e/ou de qualidade e conforto, previstos no artigo 38.º do Código do IMI, na determinação do VPT dos terrenos para construção.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra Adelaide Moura, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar Tribunal Arbitral singular, profere a seguinte decisão arbitral:

 

  1. Relatório

 

No dia 15-10-2021, A… – Investimentos Imobiliários, S.A., pessoa coletiva n.º  …, com sede no … Porto Salvo, Requerente, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária).

 

Após indeferimento do pedido de revisão oficiosa submetido pela Requerente, e que incidia sobre as liquidações de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) n.ºs 2016 …, 2016 …e 2016 …, com referência ao ano de 2016, n.ºs 2017 …, 2017 … e 2017 …, com referência ao ano de 2017, n.ºs 2018 …, 2018 … e 2018 …, com referência ao ano de 2018, e nºs 2019 …, 2019 … e 2019 …, com referência ao ano de 2019, no montante global de € 55.927,94, a Requerente, discordando, apresentou pedido de pronúncia arbitral contra tal decisão de indeferimento e atos tributários emitidos pela Autoridade Tributária, aqui  AT ou Requerida.

 

O pedido de constituição do Tribunal foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 18-10-2021 e notificado à Requerida em 21-10-2021.

 

A Requerente não procedeu expressamente à nomeação de árbitro.

 

Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, foi designada, em                   18-11-2021, pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a árbitra Dra. Adelaide Moura, que comunicou ao Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa a aceitação do respetivo encargo no prazo legalmente estipulado.

 

As partes foram notificadas da designação, não tendo, qualquer delas, manifestado vontade de a recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 27-12-2021, de harmonia com as disposições contidas no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

 

Em 29-12-2021 foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

Em 01-02-2022 foi apresentada a respetiva resposta pela Requerida, vindo o Tribunal em        10-03-2022 a proferir despacho para a Requerente se pronunciar, querendo, sobre a matéria de exceção suscitada, no prazo de 10 dias. A Requerente pronunciou-se em 15-03-2022.

 

Ouvidas as partes, após ter sido exercido o contraditório quanto à matéria de exceção, a apreciar a final, e dado que as questões são essencialmente materiais ou podem ser documentalmente provadas, e dado que não foi requerida qualquer prova testemunhal ou diligências probatórias adicionais, foi dispensada a reunião do artigo 18.º do RJAT.

 

As partes prescindiram da possibilidade de apresentar alegações escritas, dando por reproduzidas as respetivas posições densificadas nos articulados submetidos nos autos.

 

Em 27-06-2022 foi proferido despacho arbitral a prorrogar, por 2 meses, o prazo para ser proferida a decisão arbitral, o que se mostrou necessário devido a acumulação de serviço.

 

Por fim, em 26-08-2022, foi proferido novo despacho arbitral para prorrogação, por 2 meses, do prazo para decisão arbitral.

 

  1. Das posições das Partes

 

  1. Da posição da Requerente

 

  1. A Requerente alega que os atos tributários de liquidação de IMI que impugna são ilegais, devendo ser parcialmente anulados, assim como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa relativamente a esses atos tributários.

 

  1. Por oposição aos atos tributários em causa, a Requerente entende que os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, para efeitos de apuramento do tributo devido, devem resultar da exclusiva aplicação da fórmula prevista no artigo 45.º do Código do IMI, sob a epígrafe “Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção”, na redação aplicável à data dos factos.

 

  1. Resulta de jurisprudência dos Tribunais superiores que, para efeitos de cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não releva a fórmula prevista no artigo 38.º do Código do IMI, pelo que a aplicação de coeficientes na avaliação dos terrenos para construção é desprovida de fundamento legal.

 

  1. A aplicação de tais coeficientes, como sejam o de afetação, qualidade e conforto, por exemplo, constitui uma prática ilegal e violadora do princípio da legalidade tributária a que a AT está sujeita na sua atuação.

 

  1. Pese embora a Requerida tenha corrigido, recentemente, a fórmula de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção anteriormente detidos pela Requerente, não procedeu à revisão das liquidações de IMI anteriores a essa correção, apesar de ter conhecimento de ter procedido à errónea fixação dos valores patrimoniais tributários dos referidos imóveis.

 

  1. Os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção detidos pela Requerente nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 ainda consideravam a indevida aplicação dos coeficientes de localização, de afetação e/ou de qualidade e conforto, o que origina um erro na determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos e na liquidação do correspondente tributo.

 

  1. Erro esse da responsabilidade exclusiva da AT, que levou ao aumento considerável do IMI devido (e pago) pela Requerente nos anos em apreço.

 

  1. Devido ao erro da AT, foram efetuadas liquidações (e pagamentos) em excesso de IMI, conforme abaixo detalhado:

 

a)      Com referência ao ano 2016, foi liquidado, em excesso, o montante total de € 6.006,16;

b)      Com referência ao ano 2017, foi liquidado, em excesso, o montante total de € 5.824,15;

c)      Com referência ao ano 2018, foi liquidado, em excesso, o montante total de € 5.824,15.

d)      Com referência ao ano 2019, foi liquidado, em excesso, o montante total de € 6.000,21.

 

  1. Sendo determinados valores patrimoniais tributários em montante superior àquele que resultaria da correta aplicação das normas legais vigentes, e, subsequentemente, liquidado IMI em montante superior àquele que seria legalmente devido, os atos de liquidação impugnados devem ser anulados na parte correspondente ao IMI liquidado em excesso pela Requerida.

 

  1. Não deveria a Requerente ter sido adstrita ao pagamento de IMI liquidado em excesso, sendo que os atos tributários de liquidação em crise padecem de manifesta ilegalidade, por interpretação e aplicação erróneas do Direito pela Requerida, devendo os mesmos ser parcialmente anulados, conforme peticionado.

 

  1. A Requerente entende, assim, que os atos tributários de liquidação de IMI em apreço devem ser declarados parcialmente ilegais, impondo-se, em consequência, a devolução dos montantes de imposto indevidamente pagos, o que ascende a € 23.654,68, acrescido de juros indemnizatórios, com todos os efeitos legais daí decorrentes.

 

  1. Da posição da Requerida

 

  1. A Requerida invoca que os atos tributários de liquidação foram emitidos com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios da Requerente, os quais foram avaliados no ano de 2013.

 

  1. Por força do decurso do tempo, tais valores fixados já não podem ser atualmente objeto de anulação administrativa, sendo que, no mínimo, o pedido de revisão oficiosa das liquidações referentes ao ano de 2016 sempre deverá ser considerado intempestivo, não sendo, por conseguinte, apreciável.

 

  1. Independentemente, a Requerida entende que o procedimento avaliativo dos terrenos constitui um ato autónomo e destacável, para efeitos de impugnação.

 

  1. Se os valores patrimoniais tributários não foram impugnados nos termos e prazos fixados legalmente, os mesmos consolidaram-se na ordem jurídica portuguesa.

 

  1. Não tendo a Requerente colocado em causa os valores patrimoniais obtidos em primeira avaliação, não tendo requerido uma segunda avaliação, ou sequer reagindo contra tais atos de fixação da matéria tributável, os mesmos cristalizaram-se, não sendo possível conhecer, em posteriores liquidações, eventuais erros ou vícios cometidos nessas avaliações.

 

  1. A qualificação e quantificação de valores patrimoniais tributários pode apenas ser conhecida em sede de impugnação da avaliação dos terrenos, e não em atos de liquidação posteriores.

 

  1. Dado que os valores patrimoniais tributários se encontram consolidados na ordem jurídica, os atos tributários de liquidação em crise não podem sequer ser apreciados com base em alegadas ilegalidades relativas à fixação daqueles valores patrimoniais.

 

  1. Inexiste qualquer erro imputável aos serviços da AT.

 

  1. A pretensão da Requerente não está sustentada na lei, nem no direito constituído, devendo ser julgada improcedente.

 

  1. Saneamento

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, 5.º, n.º 2, 6.º, 10.º e 11.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

  1. As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos legais aplicáveis.

 

  1. O processo não enferma de qualquer nulidade.

 

  1. Quanto às invocadas exceções de incompetência do Tribunal Arbitral, de ilegalidade do pedido e de inimpugnabilidade dos atos tributários de liquidação com base em vícios da fixação de valores patrimoniais tributários.

 

  1. Genericamente, a Requerida considera que o pedido de pronúncia arbitral não é sustentado, nem fundamentado em qualquer vício próprio dos atos de liquidação ou da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

  1. A Requerida entende, em especial, que os atos tributários em crise não são suscetíveis de ser impugnados com base em ilegalidades invocadas relativamente à fixação dos valores patrimoniais tributários dos respetivos terrenos.

 

  1. A Requerida alega, assim, que o presente Tribunal Arbitral é incompetente para apreciar, no âmbito das liquidações de IMI em causa, específicos vícios referentes a atos de fixação de valores patrimoniais, os quais são destacáveis e autonomamente impugnáveis, e que, não tendo estes sido sujeitos a qualquer prévia reação por parte da Requerente, se encontram atualmente consolidados na ordem jurídica.

 

  1. Ora, afirme-se, desde já, que, como decorre da lei e jurisprudência, os atos tributários e o indeferimento de pedido de revisão oficiosa são suscetíveis de impugnação.

 

  1. A apreciação dessa impugnação insere-se na competência dos tribunais arbitrais tributários, que se encontra limitada às matérias enunciadas no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, englobando a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, e a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais, não estando excluída a apreciação da legalidade de atos de segundo ou de terceiro graus.

 

  1. Portanto, abstratamente, tendo a Requerente impugnado atos de liquidação de IMI, bem como a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido, afigura-se que os referidos atos tributários são impugnáveis, sendo o presente Tribunal Arbitral competente, nos termos legalmente aplicáveis.

 

  1. Querendo a Requerente a apreciação da legalidade das liquidações em causa, o meio de tutela adequado é a impugnação, de onde resulta a competência, em razão da matéria, deste Tribunal Arbitral.

 

  1. Assim sendo, não deverá julgar-se verificada a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, como acima explanado.

 

  1. Relativamente à exceção inominada de inimpugnabilidade dos atos com base em vícios da fixação dos valores patrimoniais tributários, considere-se o disposto na decisão arbitral de 02-07-2021, proferida no âmbito do processo n.º 760/2020-T (acessível em www.caad.pt):

 

A nosso ver, a questão não é a de saber se a lei configura a fixação do VPT como um ato destacável, prevendo a sua impugnação judicial autónoma – o que é um facto –, mas sim saber se existem razões que obstem a que tal ato, quando surja como instrumental relativamente a um ato de liquidação, possa, também, ser objeto de apreciação em processo dirigido à impugnação desta.

Há, pois, que ponderar sobre a ratio das normas que preveem a impugnabilidade judicial autónoma de atos administrativos que constituem pressuposto de outros atos administrativos.

Estas razões serão, essencialmente, três:

(i) O ato ser imediatamente lesivo, produzir diretamente efeitos negativos na esfera do particular, o que não é o caso, pois a ablação do património pela via do imposto só acontece após a prática de um ato de liquidação.

(ii) A sindicância judicial imediata oferecer maiores garantias ao particular: é o caso, desde logo porquanto o decidido em tal recurso produzirá efeitos de caso julgado relativamente a todas as liquidações que tiverem por base o VPT impugnado.

Está, pois, presente uma intencionalidade garantística (consagração de meio de garantia mais abrangente) e não um intuito de restrição dos normais meios de garantia, como resultaria do acolhimento do pensamento sufragado pela Requerida)

(iii) Previsão legal de um “filtro” pré-judicial que possa contribuir para reduzir o número de casos que os tribunais sejam chamados a apreciar, quando a decisão dependa essencialmente de conhecimentos técnicos próprios de outras áreas do saber, que não a jurídica (o “filtro” aqui existe - a segunda avaliação dos prédios urbanos).

Porém, atenta a razão de ser destes sistemas, há que entender que a previsão da impugnabilidade direta e imediata, em processo a tal diretamente dirigido, do «resultado das segundas avaliações», como diz a lei, só se mostra «indispensável» quando esteja em causa o resultado da aplicação da lei (das normas que regulam o procedimento de avaliação) num caso concreto, pois é em tal aplicação que poderão estar envolvidos conhecimentos técnicos, não jurídicos, e não, como acontece no presente caso, quando esteja em causa a determinação da lei aplicável à avaliação. Esta é uma questão exclusivamente jurídica, para a qual, por definição, um tribunal é mais qualificado para a precisar que uma comissão de peritos avaliadores.

Em resumo, entendemos que a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê.

Assim, tal previsão legal não deve ser entendida – salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso – como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação). Num quadro interpretativo da lei que procura dar relevância à sua conformidade com os princípios constitucionais, não podemos subscrever, como constituindo uma regra sem exceções, o pensamento do distinto Autor em que a Requerida, no essencial, se louva.

Como referido no citado acórdão do TCA, há que não esquecer que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de um tributo, que foi exigido à Requerente.”

 

  1. Para mais, dispõe o referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31-10-2019, proferido no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS (acessível em www.dgsi.pt):

 

De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado (…). Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir”, sendo que “A errada fixação do VPT (…) pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação.”

 

  1. Com interesse para os presentes autos, atente-se, também, ao disposto no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-03-2017, proferido no âmbito do processo n.º 0312/15 (acessível em www.dgsi.pt):

 

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a esclarecer que a susceptibilidade de impugnação autónoma decorre da lesividade do acto e que caso o contribuinte não tenha contra ele reagido no momento em que ele surgiu e se tornou lesivo pode ainda vir a atacar esse mesmo acto quando ele se insira num procedimento de liquidação e venha a determinar um acto posterior de liquidação. (…) se o bem foi avaliado e lhe foi atribuído um valor, pode impugnar esse acto de avaliação e impugnar o tributo que venha a ser liquidado com base nessa avaliação. (…) Não há (…) qualquer obstáculo processual que impeça que na impugnação do acto de liquidação de IMI se questione a questão prévia (…)”

 

  1. Coincidente, teoricamente, com a orientação jurisprudencial que se alude acima, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-01-2022, proferido no processo n.º 2197/15.6 BEALM (acessível em www.dgsi.pt):

 

Os vícios relativos (…) à ilegalidade do regime jurídico aplicado na avaliação não estão abrangidos pela necessidade de impugnação graciosa e contenciosa dos actos avaliativos. Os mesmos podem ser invocados na impugnação da liquidação.”

 

  1. Já no âmbito da jurisprudência arbitral tributária, destaca-se a decisão arbitral de 11-12-2021, proferida no âmbito do processo n.º 405/2021-T (acessível em www.caad.pt):

 

Efectivamente, as liquidações em questão foram emitidas (…), tendo o contribuinte, nos termos do art. 99º, a) CPPT, o direito de as impugnar com fundamento em qualquer ilegalidade, designadamente a errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários. Não nos parece assim, em conformidade com o princípio da tutela judicial efectiva, que o contribuinte fique impedido de invocar a ilegalidade das liquidações, com fundamento no facto de ter ocorrido previamente uma fixação do valor patrimonial.”

 

  1. Igualmente, a decisão arbitral de 05-05-2022, proferida no âmbito do processo n.º 835/2021-T (acessível em www.caad.pt) defende que:

 

a legalidade dos atos de liquidação de Adicional ao IMI pode ser apreciada em processo de impugnação judicial com base em vícios imputáveis aos atos de fixação do valor patrimonial tributário”.

 

  1. Concordando-se com tudo o vertido acima, e cujos excertos se reproduziram para celeridade e economia processual, consideramos, também, improcedente a exceção de inimpugnabilidade das liquidações em causa nos presentes autos arbitrais.

 

  1. O facto de a Requerente não ter contestado o resultado de avaliações concretizadas pela Requerida relativamente aos terrenos para construção não tem como consequência necessária a alegada preclusão do direito de impugnar posteriores liquidações emitidas por referência a valores patrimoniais tributários legal ou ilegalmente fixados.

 

  1. Posto isto, a Requerida ainda invoca a ilegalidade do pedido da Requerente, por entender que a pretensão desta é a de que o Tribunal Arbitral profira despacho de deferimento do pedido de revisão oficiosa submetido pela Requerente junto da AT.

 

  1. Sem mais delongas, clarifique-se que, a título principal, a Requerente “requer que: a) Sejam parcialmente anulados os actos tributários (…); b) Seja a AT condenada a reembolsar a Requerente do valor do IMI pago em excesso, no montante global de € 23.654,68, relativamente às liquidações sub judice, e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido”, conforme respetivo articulado.

 

  1. Sendo este o pedido relevante expresso, a final, pela Requerente, conclui-se que não foi formulado pedido contrário ao permitido pela legislação aplicável, não sendo, assim, colocado em causa qualquer princípio de legalidade, tipicidade e separação de poderes.

 

  1. Desta forma, improcede, igualmente, esta exceção inominada invocada pela Requerida, sendo que outras eventuais exceções serão apreciadas de seguida.

 

  1. Não há assim qualquer obstáculo à apreciação da causa. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

 

  1. Matéria de facto

 

  1. Factos provados

 

  1. No âmbito da sua atividade comercial, a Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.

 

  1. Durante os anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações de IMI, no valor global de € 55.927,94 :

 

  1. Liquidação n.º 2016 …, de 03-03-2017, relativa ao ano de imposto de 2016, no valor de € 4.991,41, cujo prazo de pagamento terminou em abril de 2017;

 

  1. Liquidação n.º 2016 …, de 03-03-2017, relativa ao ano de imposto de 2016, no valor de € 4.991,41, cujo prazo de pagamento terminou em julho de 2017;

 

  1. Liquidação n.º 2016 …, de 03-03-2017, relativa ao ano de imposto de 2016, no valor de € 4.991,39, cujo prazo de pagamento terminou em novembro de 2017;   

 

  1. Liquidação n.º 2017 …, de 08-03-2018, relativa ao ano de imposto de 2017, no valor de € 4.840,16, cujo prazo de pagamento terminou em abril de 2018;  

 

  1. Liquidação n.º 2017 …, de 08-03-2018, relativa ao ano de imposto de 2017, no valor de € 4.840,14, cujo prazo de pagamento terminou em julho de 2018;

 

  1. Liquidação n.º 2017 …, de 08-03-2018, relativa ao ano de imposto de 2017, no valor de € 4.840,14, cujo prazo de pagamento terminou em novembro de 2018; 

 

  1. Liquidação n.º 2018 …, de 06-04-2019, relativa ao ano de imposto de 2018, no valor de € 4.840,16, cujo prazo de pagamento terminou em maio de 2019;  

 

  1. Liquidação n.º 2018 …, de 17-07-2019, relativa ao ano de imposto de 2018, no valor de € 4.840,14, cujo prazo de pagamento terminou em agosto de 2019;  

 

  1. Liquidação n.º 2018 …, de 23-03-2019, relativa ao ano de imposto de 2018, no valor de € 4.840,14, cujo prazo de pagamento terminou em novembro de 2019;  

 

  1. Liquidação n.º 2019 …, de 21-04-2020, relativa ao ano de imposto de 2019, no valor de € 3.970,95, cujo prazo de pagamento terminou em maio de 2020;  

 

  1. Liquidação n.º 2019 …, de 23-07-2020, relativa ao ano de imposto de 2019, no valor de € 3.970,95, cujo prazo de pagamento terminou em agosto de 2020;

 

  1. Liquidação n.º 2019 …, de 23-07-2020, relativa ao ano de imposto de 2019, no valor de € 3.970,95, cujo prazo de pagamento terminou em novembro de 2020.

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento integral dos tributos apurados no âmbito das liquidações em causa.

 

  1. A Requerida, na determinação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção identificados nas referidas liquidações, aplicou, por referência aos anos de imposto de 2016, 2017, 2018 e 2019, um coeficiente de localização de 1,80, um coeficiente de afetação de 1,10, e um coeficiente de qualidade e conforto de 1,00.

 

  1. Os terrenos para construção foram avaliados em 2013, sendo que os respetivos valores patrimoniais tributários foram determinados em 2016.

 

  1. Em 05-11-2020, a Requerente foi notificada pela AT relativamente à reavaliação dos terrenos para construção, sem aplicação de qualquer coeficiente.

 

  1. Em 27-04-2021, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa relativamente aos atos tributários referentes ao IMI liquidado quanto aos anos de imposto de 2016 a 2019.

 

  1. A Requerente foi notificada do projeto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, para efeitos de exercício do direito de audição.

 

  1. Após período de audição prévia, a Requerente foi notificada pela AT da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos atos tributários, por meio de notificação postal datada de 20-07-2021.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

  1. Factos não provados

 

Não se verificaram factos não provados com relevância para a decisão da causa.

 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto provada e não provada

 

Os factos pertinentes para julgamento da causa foram apurados em função da sua relevância jurídica, sendo que a convicção do Tribunal Arbitral deriva da análise crítica dos documentos juntos aos autos pelas partes – não foi apresentado o correspondente processo administrativo –, bem como no acordo das partes, expresso ou por falta de impugnação, quanto aos respetivos factos alegados.

 

  1. Matéria de direito

 

  1. Objeto e âmbito do processo

 

As questões essenciais em crise no presente processo são saber se a fórmula de apuramento dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção foi corretamente aplicada ou não pela AT, atendendo à redação da lei aplicável, e se o alegado vício da fórmula é ou não vício relevante quanto aos atos impugnados, que poderão ou não ser parcialmente anulados.

 

  1. Do Direito

 

  1. Da alegada ilegalidade das liquidações de IMI

 

A Requerente alega que a Requerida, estando sujeita ao cumprimento do princípio da legalidade tributária, violou a lei fiscal ao liquidar imposto, em sede de IMI, com base em valores patrimoniais tributários de terrenos para construção apurados com recurso a fórmula incorreta.

 

Para enquadramento prévio do tributo em causa nos presentes autos arbitrais, clarifique-se que são sujeitos passivos de IMI, designadamente, as pessoas, singulares ou coletivas, que sejam proprietárias de prédios situados no território português, em 31 de dezembro do ano a que respeitar, sendo que a tributação incide sobre os valores patrimoniais tributários dos referidos prédios, nos termos dos artigos 1.º e 8.º do Código do IMI.

 

O IMI é liquidado anualmente, pela AT, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios, ao abrigo do artigo 113.º do CIMI. Por sua vez, o pagamento do imposto liquidado é efetuado em prestações, consoante os casos, nos termos do artigo 120.º do CIMI.

 

No caso concreto, para efeitos de cálculo do IMI a pagar pela Requerente, a AT teve por base os apurados valores patrimoniais tributários dos terrenos em causa, os quais resultaram de avaliações ocorridas em 2013.

 

Ora, nesse mesmo ano, e até ao início de 2021, a fixação do valor patrimonial de terrenos para construção obedecia ao artigo 45.º do Código do IMI, com a seguinte redação:

 

Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

 

1 – O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 – O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 – Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 – O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º

5 – Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.”

 

Sendo que terrenos para construção são aqueles “situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”, como prescrito pelo artigo 6.º, n.º 3 do Código do IMI.

 

O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do Código do IMI, sendo o artigo 45.º do Código do IMI a disposição legal especialmente aplicável aos terrenos para construção. Com efeito, apenas a fórmula de cálculo consagrada no artigo 45.º do referido Código deve ser considerada pela AT, nos exercícios em que for aplicável, ou seja, até 31 de dezembro de 2020. Vejamos.

 

Conforme decorre de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), designadamente o Acórdão do STA de 21-09-2016, acessível em www.dgsi.pt, “o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45.º do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação, bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no n.º 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no n.º 2 do artigo 45.º do C.I.M.I., mas não outras características ou coeficientes”, sendo que “não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados”.

 

Também o Acórdão do STA de 28-06-2017, acessível em www.dgsi.pt, defende que “O artigo 45.º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção”, concretizando que “Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI (…), não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto”, pelo que “Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no n.º 3 do art. 45.º do CIMI.”

 

Atente-se, ainda, ao Acórdão do STA de 12-03-2014, acessível em www.dgsi.pt, que evidencia que “Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos”.

 

Este entendimento foi adotado em diversa jurisprudência dos Tribunais superiores, com fundamento na redação do artigo 45.º em vigor antes da alteração do Código do IMI introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2021).

 

A aplicação dos coeficientes previstos no artigo 38.º do CIMI tem sido sistematicamente afastada. Aliás, como anteriormente mencionado na decisão arbitral de 07-09-2022, proferida no âmbito do processo n.º 544/2021-T (acessível em www.caad.pt), os fatores multiplicadores contidos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI não podem ser considerados na avaliação de terrenos para construção, relevando apenas na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação, para efeitos do n.º 3 do artigo 45.º do mesmo Código.

 

Leia-se, igualmente, o seguinte excerto da decisão arbitral de 11-12-2021, proferida no âmbito do processo n.º 405/2021-T (acessível em www.caad.pt):

 

É manifesto que esta norma não prevê a aplicação dos coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto aos terrenos para construção, os quais estão apenas previstos no art. 38.º CIMI, como aplicáveis aos prédios urbanos. Assim sendo, a utilização destes coeficientes corresponde a uma aplicação analógica de uma norma de incidência, a qual é vedada pelo princípio da tipicidade fiscal.”

 

Concordamos, naturalmente, que a fórmula de avaliação dos terrenos para construção prevista no artigo 45.º do CIMI, na redação vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, não incluía a aplicação dos coeficientes enquadrados pelos artigos 41.º e 42.º do CIMI (vide decisão arbitral de 05-05-2022, proc. n.º 532/2021-T, acessível em www.caad.pt).

 

Como, aliás, a própria AT parece reconhecer, foi aplicada incorreta fórmula na fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, tendo sido, por conseguinte, liquidado imposto em montante diferente do que seria efetivamente devido pela Requerente.

 

  1. Da revisão oficiosa das liquidações

 

O artigo 115.º do CIMI prevê que “Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas: (…) c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido”.

 

O artigo 78.º, n.º 1 da LGT dispõe que “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

E o artigo 78.º, n.º 4 da LGT determina, ainda, que “O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”, sendo que “apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade”.

 

Desde já se afirme que a revisão oficiosa é um efetivo poder-dever da AT. A administração tributária está a vinculada a rever oficiosamente atos tributários emitidos, como sejam as liquidações de tributos, quando padecem de ilegalidades, ou se baseiam em erro, incluindo na matéria tributável apurada, mesmo na ausência de impulso próprio do particular.

 

Atente-se ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15-04-2021, acessível em www.dgsi.pt, que defende, expressamente, que “A revisão oficiosa é um poder-dever da Administração fiscal, atento o princípio da legalidade”. Também o Supremo Tribunal Administrativo configura a natureza vinculada da revisão oficiosa ao exprimir que “os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Fazenda Pública tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2 da C.R.P., art. 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei” (cf. Acórdão do STA de 03-02-2021, acessível em www.dgsi.pt).

 

Ademais, como já decidido em Acórdão do STA de 17-02-2021 (acessível em www.dgsi.pt), nem a dita excecionalidade da revisão oficiosa prevista no artigo 78.º, n.º 4 da LGT, quando aplicável, afasta o “poder-dever, que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos”.

 

Considere-se, por fim, a título de exemplo, o teor da decisão arbitral de 05-05-2022, proferida no âmbito do processo n.º 532/2020-T, acessível em www.caad.pt, que “no prazo de três anos após o ano em que foi lançado o acto tributário da liquidação do imposto, pode (poder-dever), ao abrigo do disposto no artigo 78.º, números 4 e 5, da LGT, ser autorizada a revisão da matéria tributável que lhe serviu de base, desde que verificada injustiça grave ou notória, não devendo a revisão ser recusada se se verificar que a manutenção do referido acto configura esse tipo de injustiça.”

 

Sem prejuízo, nos presentes autos, a Requerida alega, desde logo, que o pedido de revisão oficiosa submetido pela Requerente é intempestivo relativamente ao IMI liquidado por referência ao ano de 2016, dado que o referido pedido terá sido apresentado após o indicado prazo máximo de 3 anos.

 

A Requerente, não obstante, apresentando pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação, com fundamento em erróneo cálculo dos valores patrimoniais tributários subjacentes ao apuramento do tributo – o que é admissível, conforme apreciado acima –, efetivamente, não prosseguiu específica reação impugnatória contra atos de fixação de matéria tributável, mas sim contra atos tributários de liquidação do correspondente imposto.

 

Com efeito, e sob o prisma da jurisprudência que acolhe a possibilidade de impugnação de ato de liquidação de IMI com fundamento relacionado com os VPT fixados, o presente Tribunal Arbitral considera aplicável o prazo de 4 anos para tempestiva submissão de pedido de revisão oficiosa, conforme disposto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT.

 

Pondere-se, novamente, o teor do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31-10-2019, proferido no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS (acessível em www.dgsi.pt):

 

da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços. O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas. Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável. O que reforça o entendimento de que o direito que a recorrida reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal.”

 

Em sentido coincidente, a decisão arbitral de 09-08-2022, proferida no âmbito do processo n.º 11/2022-T (acessível em www.caad.pt): “O artigo 78.º, n.º 1, da LGT permite a revisão oficiosa do acto de liquidação de IMI no prazo de quatro anos com base em erro na fixação do VPT que seja imputável aos serviços”.

 

Conclui-se, assim, que, relativamente ao IMI do ano de imposto de 2016, o pedido de revisão oficiosa é tempestivo, dado que o respetivo prazo de quatro anos terminaria apenas em 31 de dezembro de 2021. No que respeita aos anos de imposto posteriores, a tempestividade do pedido de revisão oficiosa não se afigura controversa entre as partes.

 

Todavia, a Requerida invoca, adicionalmente, que as avaliações efetuadas há mais de cinco anos, em que tenham sido considerados coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, já não podem ser objeto de anulação administrativa, por força do artigo 168.º, n.º 1 do CPA.

 

À semelhança do disposto na decisão arbitral de 07-09-2022, proferida no âmbito do processo n.º 544/2021-T (acessível em www.caad.pt), consideramos que a apreciação de erros e ilegalidades dos atos de liquidação, incluindo no que respeita à fixação da matéria tributável, obedece apenas ao artigo 78.º da LGT, e não ao disposto no artigo 168.º do CPA, de forma que a revisão oficiosa não fique, embora tempestiva, materialmente impossibilitada ou desprovida de efeitos tendentes à efetiva correção da conduta da AT. A LGT prevalece sobre o CPA, que, por sua vez, goza de mera aplicação supletiva às relações jurídico-tributárias.

 

Neste ponto, o presente Tribunal Arbitral replica, fundamentalmente, a decisão arbitral de 14-03-2022, proferida no âmbito do processo n.º 541/2021-T (acessível em www.caad.pt): “A aplicação subsidiária de normas de outros ordenamentos supõe, para além da constatação de uma lacuna no ordenamento em causa (tributário), a identidade de valores, ou seja, que a norma em causa se “ajuste” ao ordenamento onde que se pretende aplicar. Ora, uma das caraterísticas fundamentais que distinguem o Direito Fiscal do Direito Administrativo é a especial dimensão garantística do primeiro. Pelo que, em geral, não serão de aplicar subsidiariamente no âmbito fiscal normas de direito administrativo que se mostrem desnecessariamente restritivas dos direitos dos contribuintes (que impossibilitem o cumprimento do princípio da legalidade dos impostos, o qual, no possível, não deve resultar afastada por normas de cariz procedimental ou processual). Pelo que a alegada aplicação subsidiária do artº 168º do CPA sempre seria de recusar no caso concreto.”

 

Confirmando-se, assim, a aplicação incorreta da fórmula de cálculo dos valores patrimoniais tributários, independentemente de se tratar de atos destacáveis e autonomamente impugnáveis, e estando cumpridos os demais pressupostos e requisitos legais, cabe a anulação dos atos impugnados pela Requerente.

 

Por fim, e como mero exercício complementar, afigura-se de manifesta gravidade a injustiça gerada com as erradas avaliações dos terrenos para construção em causa, pois, compulsados os autos, constata-se que a liquidação de IMI quanto a esses prédios foi, por esse concreto motivo, e em pura lógica aritmética, bastante agravada. Os valores patrimoniais tributários fixados encontram-se sobrevalorizados, verificando-se uma diferença próxima de 50%. Essa sobrevalorização reflete-se numa coleta de IMI superior ao que seria devido pelas Requerentes caso a lei fiscal vigente à época tivesse sido devidamente aplicada pela Requerida. Refira-se, ainda, que a injustiça é notória, já que a AT deve aplicar corretamente a lei, cumprindo, do mesmo modo, a adequada interpretação jurisprudencial da lei fiscal.

 

Por referência aos atos de liquidação impugnados, a matéria tributável subjacente a estes foi exclusivamente fixada pela Requerida, com base em aplicação de fórmula errónea, sendo que não foi demonstrado que a Requerente tenha facultado ou instruído a AT com qualquer informação errada relativamente aos prédios. Por isso, o erro resultante do apuramento do imposto, por aplicação de fórmula incorreta na avaliação dos VPT, nem poderia ser considerado imputável a conduta negligente da Requerente. Na verdade, o erro é exclusivamente imputável à AT, que fixou valores patrimoniais tributários por fórmula não coincidente com o prescrito na lei.

 

  1. Do reembolso e juros indemnizatórios

 

Com a desconsideração dos coeficientes, a Requerente calculou e quantificou em € 23.654,68 o quantitativo parcial de IMI que pagou indevidamente, sendo que esta operação aritmética não foi expressamente contestada pela Requerida.

 

A Requerente tem direito a ser reembolsada, na parte que lhe cabe, tendo requerido, também, o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, que prevê expressamente que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

Ora, a Requerida aplicou errónea e ilegalmente coeficientes nos valores patrimoniais tributários dos prédios da Requerente, não tendo interpretado e aplicou como deveria as normas jurídico-fiscais vigentes, sem qualquer intervenção relevante da Requerente, o que constitui um erro imputável aos serviços da Requerida, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

Ao abrigo do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT, verificado o erro imputável aos serviços da AT, e resultando daí o pagamento de tributo em montante superior ao legalmente exigível, o presente Tribunal Arbitral entende que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, desde o pagamento do imposto em excesso até à sua integral e efetiva restituição.

 

  1. Decisão

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral em:

– Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral da Requerente, julgando improcedentes as exceções invocadas pela Requerida;

– Anular a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente;

– Anular parcialmente as liquidações de IMI n.ºs 2016 …, 2016 … e 2016 …, com referência ao ano de 2016, n.ºs 2017 …, 2017 … e 2017 …, com referência ao ano de 2017, n.ºs 2018 …, 2018 … e 2018 …, com referência ao ano de 2018, e nºs 2019 …, 2019 … e 2019 …, quanto aos valores liquidados em excesso;

– Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas em excesso pela Requerente e condenar a AT a efetuar o respetivo reembolso;

– Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Requerida a proceder ao respetivo pagamento à Requerente, à taxa legal, desde o pagamento do imposto em excesso até à sua integral e efetiva restituição.

 

  1. Valor

 

Fixa-se o valor do processo em € 23.654,68, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4 do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4 do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de outubro de 2022

 

A árbitra

 

 

 

 

(Adelaide Moura)