SUMÁRIO
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A revogação do ato tributário pode ocorrer após a constituição do tribunal arbitral.
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A revogação do ato tributário, expressamente aceite pelo contribuinte, determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, já que o fim visado com a instauração da impugnação foi plenamente atingido por outro meio.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitra Marisa Almeida Araújo, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 26 de outubro de 2021, decide:
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Relatório
A…, Lda., NIPC …, com sede na Estrada …, Gondomar, (adiante apenas “Requerente”) veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de tribunal arbitral.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”).
A Requerente pretende que o Tribunal declare a anulação parcial da liquidação de imposto sobre veículos e decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa e seja a AT condenada a reembolsar o Requerente no montante de € 56.000,41, acrescida de juros indemnizatórios.
A Requente alega, sumariamente, que procedeu à importação intracomunitária de diversos veículos automóveis usados no período compreendido entre 2017 a 2019 que entraram em território nacional.
A Requerente suscita que, sobre a componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de dedução sendo que a norma jurídica que esteve na base da respetiva liquidação – art. 11.º do CISV – viola o art. 110.º do TFUE.
Apesar disso, a Requerente, procedeu ao pagamento da totalidade do ISV.
A Requerente, não se conformando com a liquidação respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, por não ter sido aplicada qualquer percentagem de dedução nos termos legais que entende aplicáveis, requereu em 18 de dezembro de 2020, junto da Alfândega do Freixieiro, a revisão da liquidação do impostos liquidado aos veículos em apreço nos autos, o que foi indeferido e notificado à Requerente em 13 de maio de 2021.
A Requerente considera que a liquidação efetuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2 uma vez que, na sua perspetiva, a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – o art. 11.º do CISV – viola o art. 110.º do TFEU (Tratado de Funcionamento da União Europeia).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 11 de agosto de 2021 tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD a 12 de agosto de 2021 e seguiu a sua normal tramitação.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou a árbitra do Tribunal Arbitral Singular, aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes, notificadas dessa designação em 6 de outubro de 2021, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 26 de outubro de 2021.
Em 28 de novembro de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por exceção e pugna pela improcedência do pedido com a consequente absolvição do pedido quanto às liquidações identificadas no âmbito da matéria de exceção, e juntou o processo administrativo.
A Requerente foi notificada para, querendo, exercer o contraditório a 14 de dezembro de 2021.
Posteriormente a Requerente veio, a 11 de janeiro de 2022, juntar aos autos decisão de revogação parcial dos atos tributários no âmbito do processo n.º 725/2021-T que, segundo a Requerente, se referem aos atos em apreço nos presentes autos.
A 12 de janeiro de 2022 foi a Requerida notificada para se pronunciar em relação ao requerimento que antecedeu.
A 23 de fevereiro de 2022 foi dispensada a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e foram as partes notificadas para, querendo, apresentarem as suas alegações. A 28 de março de 2022 fixou-se o dia 22 de abril de 2022 para a prolação da decisão final que, pelas vicissitudes processuais, acabou por ser prorrogado o prazo.
Notificada para o efeito, a Requerida veio, a 31 de agosto de 2022, juntar aos autos a decisão de revogação parcial proferida no âmbito do processo n.º 725/2021-T e cuja junção aos autos requereu.
Em cumprimento do exercício do contraditório a Requerente, mantendo posição explanada no seu requerimento de 11 de janeiro de 2022, e expressamente requereu a extinção do processo por inutilidade superveniente da lide.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não há nulidades ou matéria de exceção para.
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Fundamentação
III.I. Matéria de facto
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Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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A Requerente procedeu à sua importação e deu entrada com o mesmo em território nacional dos seguintes veículos automóveis, todos usados, e provenientes de diversos Estados Membros.
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A 9 de agosto de 2021 foi apresentado um pedido de constituição do tribunal arbitral que foi cancelado no dia 10 de agosto do mesmo ano.
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No dia 11 de agosto de 2021 foi submetido novo pedido, em relação aos mesmos atos tributários, aceite pelo CAAD a 12 de agosto de 2021, e ao qual foi atribuído o n.º 487/2021-T.
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Acontece que o primeiro pedido referido no ponto 2. supra – ainda que cancelado – acabou por ser também aceite pelo CAAD a 10 de novembro de 2021 tendo-lhe sido atribuído o n.º 725/2021-T.
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No âmbito do processo referido no número anterior, a AT, nos termos do n.º 1 do art. 13.º do RJAT, decidiu-se pela revogação parcial do ato por despacho de 30/11/2021.
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Os atos tributários em apreço em ambos os processos – o que se decide e aquela a que foi atribuído o n.º 725/2021-T – são os mesmos.
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Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.
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Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes, mormente processo administrativo.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.
III.II Matéria de Direito (fundamentação)
Quanto à revogação do ato impugnado por parte da AT há que considerar as vicissitudes concretas pelas quais a tramitação processual passou, mormente tendo em conta que a AT procedeu á revogação parcial do ato tributário, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 13.º do RJAT, por despacho de 30/11/2021 no âmbito do processo n.º 725/2021-T, cujo objeto e causa de pedir coincide com o que está em apreço nos presentes autos. Coincidência esta que se verificou, por lapso e tendo em conta, como refere a Requerente, a toda a logística processual associada às limitações e constrangimentos decorrentes da situação de COVID e por manifesto lapso levou o CAAD a aceitar, também, um processo que já havia sido cancelado.
Desta forma, tanto este processo, como o aludido processo 725/2021-T visam a apreciação do mesmo ato tributário, em relação ao qual a AT já proferiu despacho de revogação parcial.
Tendo em conta as vicissitudes descritas e o lapso verificado haverá que ter em conta e dar relevância à atuação da AT e ao momento em que o faz – ainda que no processo 725/2021-T – sendo que, dessa forma, há que convocar o disposto no artigo 13.º n.º 1 do RJAT, que determina o seguinte:
“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º.”
Desta forma, – e, uma vez mais, tendo como referência aquelas vicissitudes descritas – a AT veio juntar aos autos do processo 725/2021-T a decisão de revogação parcial dos atos por despacho de 30/11/2022.
Tendo em conta os factos descritos pela própria Requerente entende-se que a revogação ocorreu, também para os efeitos consignados para este processo, nos termos do transcrito art. 13.º do RJAT.
Ao que sempre acresceria o facto, que também não se pode olvidar, que a Requerente, notificada para o efeito, expressamente aceitou e não se opondo à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide o que, dessa forma, se conclui que o fim visado pela Requerente com a instauração do processo foi plenamente atingido por outro meio.
Conforme explicam LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO, a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” – cfr. Código de Processo Civil anotado” volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555.
Verifica-se, pois, a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação do ato tributário objeto do presente processo, o que determina a extinção da correspondente instância, ficando assim prejudicado o conhecimento das demais questões elencadas.
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Decisão
Nestes termos, este Tribunal Arbitral Singular decide julgar verificada a inutilidade superveniente da lide, determinando-se, em consequência, a extinção da instância arbitral, nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, com custas a cargo da Requerida.
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Valor do processo
Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 56.000,41.
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Custas
Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em € 2.142,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 7 de outubro de 2022
A Árbitra,
(Marisa Almeida Araújo)