SUMÁRIO:
Na interpretação do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, é intempestivo o pedido de revisão dos atos tributários elaborado passados mais de 4 anos sobre liquidação adicional de IVA, com pagamento através de compensação (redução de créditos do contribuinte), no âmbito da mecânica do crédito de imposto e dentro dos limites do exercício do direito à dedução, uma vez que estamos perante uma forma de pagamento e esta interpretação é a mais conforme com a segurança jurídica e estabilidade da relação tributária.
Os árbitros Guilherme W. d’Oliveira Martins (presidente), Tomás Cantista Tavares e Hélder Faustino, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 17 de maio de 2022, acordam no seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
A..., S.A., doravante designado por “Requerente”, pessoa coletiva número..., com sede no ..., ... n.º ..., Km ..., ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e do artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), na redação vigente.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
A Requerente pretende a anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) relativa ao exercício de 2012, n.º..., no valor de € 205.946,94, por ilegalidade, por erro imputável aos serviços, por vicio de violação de lei, por violação do direito à dedução do IVA.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 8 de março de 2022 e, de seguida, notificado à AT.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 17 de maio de 2022.
Em 22 de junho de 2022, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por exceção e por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”). Pugna pelas exceções de “caso julgado” e “insindicabilidade do ato de liquidação”, pela improcedência do pedido arbitral e absolvição de todos os pedidos.
Por despacho de 24 de junho de 2022, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, tendo as Partes sido convidadas a apresentar alegações escritas.
Em 6 de julho de 2022, a Requerente apresentou as suas alegações, pronunciando-se sobre as exceções suscitadas pela Requerida. A Requerida não apresentou alegações.
Posição da Requerente
Relativamente à intempestividade do pedido de revisão oficiosa suscitada pela Requerida, por entender que o mesmo só poderia ter sido apresentado no prazo de 4 anos após a liquidação e não a todo o tempo, não porque se verifique o pressuposto legal do erro imputável aos serviços, mas sim com o fundamento de “não ter sido liquidado qualquer imposto”, com base numa instrução interna, entende a Requerente que as instruções internas da AT apenas vinculam os seus funcionários, não constituem fonte de direito tributário e não vinculam os contribuintes, nem os tribunais.
Entende, ainda, a Requerente que não é verdade que “não tenha sido liquidado qualquer imposto”, na medida em que o pedido foi deduzido para revisão oficiosa do ato tributário de liquidação oficiosa do ato tributário de liquidação adicional de IVA, relativa ao exercício de 2012, n.º ..., no valor de € 205.946,94. Pelo que também não é verdadeira que a afirmação de que daquela liquidação não tivesse resultado qualquer imposto.
Por outro lado, defende a Requerente que aquela instrução interna não é, sequer, aplicável ao caso em apreço. Na verdade, não só houve liquidação de imposto, no valor de € 205.946,94, como este valor não foi pago pelo contribuinte. Com efeito, em vez de notificar o sujeito passivo para pagamento voluntário do imposto liquidado, a AT decidiu proceder à sua compensação no valor de crédito de IVA pendente a favor do contribuinte. Ora, pagamento e compensação são formas distintas de extinção das prestações tributárias (cfr. artigo 40.º, n.º 2, da LGT), pelo que as exceções suscitadas pela Requerida de “caso julgado” e “insindicabilidade do ato de liquidação” devem improceder por não provadas.
Relativamente ao direito à dedução do IVA suportado a montante pelo sujeito passivo, sustenta a Requerente que a compra e venda de aeronaves, e também o seu aluguer a terceiros são atividades que integram o objeto social da Requerente pelo que é manifesto que (todos) os custos relacionados com aquela atividade empresarial, ou com todos os seus ativos, nomeadamente os custos suportados com as aeronaves, constituem operações que contribuem para obter ou garantir os proveitos sujeitos a IRC.
Para a Requerente está demonstrado e foi, posteriormente, aceite pela Direção de Serviços de IRC, relativamente ao exercício de 2014, que os encargos em apreço, tratando-se de custos reais e efetivamente suportados pela Requerente, respeitantes à atividade por si exercida e aos seus ativos, no âmbito do seu objeto social e estando devidamente documentados, são gastos fiscalmente dedutíveis (cfr. artigo 23.º, n.º 1 e n.º 2, alínea l) do Código do IRC).
Quanto à liquidação do IRC do mesmo exercício de 2014, efetuada com base no mesmo relatório de inspeção tributaria, foi requerida a constituição do Tribunal Arbitral (Processo n.º 607/2019-T, do CAAD), no decurso do qual a própria AT veio proceder à revisão oficiosa da liquidação, aceitando a dedutibilidade fiscal dos custos suportados pela Requerente no exercício de 2014, anulando, nessa medida, a liquidação do correspondente IRC, nos termos do artigo 78.º, n.º 1 da LGT, ou seja, reconhecendo tratar-se de um erro imputável aos serviços, e bem assim, a justiça e o mérito da impugnação arbitral deduzida pela Requerente.
Coerentemente, deverá a AT retirar agora a mesma consequência tributária, nomeadamente quanto à liquidação do IVA do exercício de 2012, resultante do mesmo relatório de inspeção e suportada nos mesmos fundamentos. Até porque o IVA que está em causa respeita às mesmas operações tributáveis, aquisições de bens e prestações de serviços.
Pelo que, com os mesmos fundamentos, não pode a AT deixar de adotar quanto ao IVA, o mesmo entendimento que seguiu quanto ao exercício da atividade da empresa em 2014, e determinar, igualmente, a mesma revisão oficiosa da liquidação do IVA de 2012, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, reconhecendo a justiça e o mérito do pedido de revisão oficiosa.
Conclui a Requerente que contrariamente ao entendimento do relatório de inspeção que fundamentou a liquidação impugnada, o IVA que a Requerente deduziu e que incidiu sobre os bens ou serviços adquiridos em 2012, por se destinarem à realização de prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, não pode deixar de ser dedutível, pelo que a respetiva liquidação adicional é ilegal, por violação do direito à dedução.
Posição da Requerida
Segundo a AT, na origem da instauração do procedimento de revisão oficiosa, esteve o processo arbitral n.º 178/2020-T, do CAAD, no qual se discutiu a legalidade das liquidações de IVA efetuadas pelos serviços de inspeção tributária para o ano de 2014, tendo o Tribunal Arbitral julgado as mesmas ilegais e determinado a sua anulação.
Relativamente à tempestividade da apresentação do presente ppa., na sequência de não ter sido proferida decisão no procedimento de revisão oficiosa interposto em 1 de setembro de 2021, importa determinar se o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa é suscetível de ser impugnado através da interposição de pedido de pronúncia arbitral, tal como defende a Requerente.
Entende a AT que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado a 1 de setembro de 2021, a presunção de indeferimento tácito formou-se em 1 de janeiro de 2022 (cfr. artigo 57.º, n.º 1 e n.º 5 da LGT), pelo que o ppa. apresentado em 4 de março de 2022, respeita o prazo de 90 dias.
Não obstante, o pedido de revisão oficiosa é manifestamente intempestivo, porque não pode colher a tese defendida pela Requerente, no sentido de que o prazo para interpor o pedido de revisão oficiosa da liquidação de IVA, por iniciativa da AT ou do sujeito passivo pode ser efetuado a todo tempo, com fundamento em erro imputável aos serviços.
Segundo a AT, o prazo de interposição de procedimento de revisão oficiosa de atos de liquidação quando, em razão destes, não tenha sido liquidado qualquer imposto, não tendo ocorrido, assim, a sua cobrança indevida (voluntária ou coerciva), é de 4 anos, pelo que a liquidação adicional de IVA (liquidação n.º ...), relativa ao exercício de 2012 consolidou-se na ordem jurídica, verificando-se o caso julgado e a inimpugnabilidade do referido ato tributário, pela caducidade do direito de ação.
O caso julgado constitui uma exceção dilatória (artigo 577.º, alínea i) do CPC), a qual determina a absolvição da instância (artigo 278.º, alínea e) do CPC).
Já a caducidade do direito de ação /intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e do ato constitui também uma exceção dilatória (artigo 577.º, alínea i) do CPC), a qual determina a absolvição da instância (artigo 278.º, alínea e) do CPC).
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação adicional de IVA, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT.
Foram invocadas as exceções de caso julgado e de insindicabilidade do ato de liquidação adicional de IVA que obstam ao conhecimento do mérito.
III. Fundamentação de Facto
1. Matéria de Facto Provada
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto social “a compra, venda, revenda e aluguer de aeronaves, adestramento e treino de pilotos, manutenção de aeronaves, nomeadamente de mecânica, chaparia e eletricidade”.
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A 25 de junho de 2015 foi sujeita a uma ação inspetiva, promovida pelos Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) da Direção de Finanças de ..., através da Ordem de Serviço Externa n.º OI2015..., de âmbito parcial, em sede de IVA e IRC, tendo por extensão o exercício de 2012.
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De acordo com os SIT, “o sujeito passivo não exerce qualquer tipo de atividade comercial, industrial ou agrícola, ou seja, Prestação de serviços de transporte aéreo” e “Verifica-se que é feita uma utilização particular/privada das aeronaves” – cf. fls. 5 e 6 do Relatório de Inspeção Tributária constante do PA (“RIT”).
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No que respeita à estrutura de gastos do exercício e à estrutura empresarial da sociedade concluíram os SIT que o sujeito passivo não tem qualquer tipo de instalações próprias ou arrendadas, que possui 6 aeronaves, 1 trator Aero-Tow e 1 viatura automóvel, que não tem funcionários, que do total de gastos do exercício no montante de € 930.024,63, apenas 12% dos mesmos são gastos gerados pela utilização das aeronaves e 84% dos gastos são gastos da posse de aeronaves independentemente da utilização ou não, tais como depreciações e juros de leasing.
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Concluíram os SIT que o sujeito passivo não terá exercício qualquer atividade no ano de 2012, tendo considerado não ser fiscalmente dedutível nenhum dos gatos/custos suportados pelo sujeito passivo no exercício.
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Estas conclusões foram vertidas no projeto de RIT, datado de 1 de dezembro de 2015 e notificado ao sujeito passivo para, querendo, exercer o direito de audição.
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Não tendo exercido o direito de audição, o projeto de RIT foi convertido em definitivo e notificado ao sujeito passivo, através de Ofício n.º..., datado de 12 de fevereiro de 2016.
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Inconformada com o ato tributário, a Requerente apresentou requerimento de procedimento de pedido de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação adicional de IVA em 1 de setembro de 2021, ao qual foi atribuído o número de processo ...2021... .
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Não tendo sido dada respeita ao pedido de revisão oficiosa, a Requerente apresentou no CAAD, em 4 de março de 2022 o presente ppa. invocando a presunção de indeferimento tácito do procedimento de revisão oficiosa e solicitando, a final, a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IVA.
2. Motivação da Decisão da Matéria de Facto e Factos não Provados
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal Arbitral que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos que, de um modo geral, é consensual.
Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.
IV. Do Direito
1. Questões a Decidir
Importa apreciar e decidir na presente ação as seguintes questões:
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Da convolação na ordem jurídica da liquidação adicional de IVA (liquidação n.º...);
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Da inimpugnabilidade da liquidação adicional de IVA (liquidação n.º ...);
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Do direito à dedução do IVA suportado.
2. Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa do ato tributário apresentado pela Requerente
A questão controvertida decorre da interpretação do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual: “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços” [sublinhado nosso].
Concretamente, no segmento legal onde se prescreve que a revisão oficiosa pode (deve) ser efetuada pela AT a todo o tempo, se, havendo liquidação, o tributo ainda não tiver sido pago.
Ora, a Requerente indica, em síntese, que não houve pagamento do tributo, no sentido de pagamento com meios monetários perante liquidação adicional de imposto; a letra da lei refere “se o tributo ainda não tiver sido pago” – detém-se, pois, no elemento literal; e no caso não houve pagamento, mas antes compensação; e explana argumentos sistemáticos, essencialmente, por comparação com o pagamento e manutenção da lide em caso de oposição à execução.
Já a Requerida (na respetiva resposta) explana vários argumentos, sendo que o mais relevante é o indicado na argumentação do Acórdão do STA, de 13 de março de 2013, Processo n.º 00183/12, nos termos do qual:
“II - Se, com o pedido de revisão, o recorrente visava a alteração da matéria tributável, não tendo sido anteriormente sido liquidado tributo por se terem apurado prejuízos, mas tendo havido lugar a reembolso, esta situação tem de equiparar-se à de haver lugar a imposto pago.
III - Com efeito, o limite temporal estabelecido para o pedido de revisão no caso de imposto pago tem a ver com a necessidade de segurança jurídica e de evitar as perturbações que resultariam para os cofres do estado de terem de devolver a todo o tempo qualquer imposto pago indevidamente. Ora, no caso dos autos, a vencer a pretensão do recorrente haveria também lugar a mais reembolso, situação que é equiparável à de devolução de imposto pago, pelo que o pedido de revisão deveria ter observado o prazo de 4 anos do artº 78º, nº 1 da LGT.”
Vejamos então,
Em geral, os direitos têm um prazo para serem exercidos, sob pena de preclusão. O direito (a dimensão das garantias dos contribuintes) apenas exige que esse prazo seja razoável, no sentido de que os cidadãos possuem um tempo para ponderaram e exercerem os seus direitos.
No caso concreto, na ótica da AT, em relação ao IVA de 12/1012, sendo liquidado adicionalmente em dezembro de 2015 (ou janeiro de 2016), o sujeito passivo teria 4 anos para intentar a revisão oficiosa, até janeiro de 2020 – o que é um prazo de tempo razoável e digno.
Passando então à análise do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, no segmento que agora interessa: a revisão oficiosa pode (deve) ser efetuada pela AT a todo o tempo, se, havendo liquidação, o tributo ainda não tiver sido pago.
Ora, o elemento literal acomoda as duas posições (da Requerente e da Requerida):
a) Se “ainda não tiver sido pago” se interpretar como não objeto de pagamento (em dinheiro) pelo contribuinte – então a Requerente tem razão;
b) Se “ainda não tiver sido pago” signifique exista ainda um processo de execução fiscal pendente – então a requerida tem razão, porque o imposto foi pago por compensação e não existe processo de execução fiscal.
Com efeito, o referido Acórdão do STA dá relevância a um elemento teleológico, num ditame de segurança jurídica; evitar as perturbações que resultariam para os cofres do Estado de terem de devolver a todo o tempo qualquer imposto pago indevidamente. E nesse caso, haveria mais reembolso de imposto, “situação que é equiparável à de devolução de imposto pago”.
Ora, a proceder a tese do sujeito passivo, o valor do crédito a seu favor é incrementado em cerca de € 203.000,00 – e tal vai repercutir-se depois, em todos os períodos tributários subsequentes com o recálculo dos créditos do Estado e valores a devolver e a pagar, eventualmente.
Se o crédito de IVA da Requerente de dezembro de 2012 fosse agora incrementado em € 203.000,00 – tal significa que todos os meses (anos) subsequentes, a AT teria de recalcular o valor do crédito em face das declarações dos períodos seguintes, com eventual devolução de imposto em períodos em que passaria agora a existir crédito quando antes já se teria de pagar imposto.
Ou seja: implicaria o recálculo de todos esses valores.
Ademais, teremos de ter em conta que o Código do IVA estabelece o prazo limite de 4 anos para exercer o direito à dedução, contados a partir do momento em que o imposto dedutível se torna exigível, como forma de garantia da estabilidade no modelo de reembolso.
Por isso, é defensável a linha divisória quando se interprete o segmento de que o pedido de revisão não tem prazo quando o imposto ainda não esteja pago (por qualquer forma) e exista um processo de execução fiscal. Aí, a solução é simples em caso de procedência do pedido de revisão: (i) não há quaisquer pagamentos do Estado (devoluções e reembolsos); (ii) e tudo é simples pois passará apenas pela extinção do processo de execução fiscal (algo burocrático sem envolver liquidez).
A proceder a tese da Requerente, tal envolveria a complexidade da AT refazer as declarações de muitos períodos subsequentes e com eventual necessidade da AT devolver dinheiro de imposto, desses períodos subsequentes, por aumento do crédito do sujeito passivo contra o Estado (por efeito do deferimento da revisão oficiosa).
E mesmo que se pudesse aventar a hipótese de não haver pagamento ao Estado, o que no caso concreto parece remota pelos motivos explanados, a verificação do segundo requisito exigido pelo n.º 1, in fine, do artigo 78.º da LGT – o fundamento em erro imputável aos serviços – estaria sempre em crise, uma vez que o reembolso do imposto, sendo equiparável à devolução de imposto pago em sede de IVA, é vinculado à lei e dele consequentemente não resultam erros que possam ser imputáveis aos serviços.
Em suma, pelo exposto entende o Tribunal Arbitral absolver da instância a Requerida, procedendo a exceção da intempestividade do pedido arbitral, com base na extemporaneidade do pedido de revisão, nos seguintes termos: foi apresentado em setembro de 2021 quando o prazo terminava o mais tardar no primeiro trimestre de 2020, 4 anos após a notificação da liquidação adicional [de compensação] de IVA relativa ao período de dezembro de 2012).
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal Arbitral, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (artigo 608.º do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
V. Decisão
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em absolver da instância a Requerida, procedendo a exceção da intempestividade do pedido arbitral com base na extemporaneidade do pedido de revisão, tudo com as legais consequências.
VI. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 205.946,94, indicado pela Requerente, respeitante ao montante da liquidação de IVA cuja anulação pretende, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VII. Custas
Custas no montante de € 4.284,00 (quatro mil, duzentos e oitenta e quatro euros), a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 19 de outubro de 2022
Os árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins - Presidente)
(Tomas Cantista Tavares)
(Hélder Faustino, Relator)