Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 164/2022-T
Data da decisão: 2022-10-06  IRC  
Valor do pedido: € 1.520.074,08
Tema: IRC. Deduções à coleta. RFAI. Portaria de regulamentação. Inconstitucionalidade. Compatibilidade com o Direito da União Europeia.
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SUMÁRIO:

I – A indústria transformadora enquadra-se no artigo 2.º, n.º 2 do Código Fiscal de Investimento e não se está perante «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», para efeitos do artigo 22.º, n.º 1, do CFI.

II – A Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, não pode validamente afastar a aplicação de benefícios previstos em diplomas de natureza legislativa.

III – Sendo patente que a intenção legislativa subjacente ao RFAI, na versão do Código Fiscal do Investimento, foi a de «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional», enunciada na alínea c) do n.º 3 do artigo da Lei de autorização legislativa n.º 44/2014, de 11 de Julho, a Portaria, como instrumento de execução dessas regras, sempre teria de ser interpretada de forma a concretizá-las e não a afastá-las, em face da supremacia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues (árbitro-presidente), Dr. Francisco Melo e Dr. João Taborda da Gama (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 24-05-2022, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ..., ...-... ..., doravante designada por “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro; do artigo 95.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”); do artigo 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”); e do artigo 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), na redação vigente, tendo em vista a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) emitidos sob os n.ºs 2021 ... e 2021 ..., e correspondentes liquidações adicionais de juros compensatórios, que resultaram no valor global a pagar de € 1.520.074,08.

A Requerente requer ao Tribunal Arbitral que:

  1. Determine a anulação das correções ao lucro tributável de IRC, relativas aos exercícios de 2017 e 2018, bem como das consequentes liquidações de imposto e juros compensatórios acima melhor identificadas, nos termos do artigo 163.º do CPA;
  2. Na medida da procedência do pedido anterior, determine a restituição à Requerente do valor indevidamente pago no total de EUR 1.520.074,08, e reconheça o erro dos Serviços da Administração Tributária na prolação das liquidações impugnadas, condenando aquela no pagamento de juros indemnizatórios sobre aquela quantia, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT;
  3. Finalmente, na medida da procedência dos pedidos anteriores, condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também identificada por “AT”.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 16-03-2022 e, de seguida, notificado à AT.

Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 5.º, na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

Em 05-05- 2022, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 24-05- 2022.

Em 28-06-2022, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defendeu por impugnação, concluindo pela improcedência da ação, com as legais consequências, tendo junto o processo administrativo (“PA”).

Por despacho de 07-07-2022, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas por ambas as Partes. O Tribunal informou as Partes do prazo de dois meses como data previsível para a prolação da decisão arbitral. Foi advertida a Requerente da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente até essa data.

Em 11-07-2022, a Requerente apresentou, ao abrigo do princípio do contraditório, requerimento sobre matéria constante da Resposta.

Em despacho da mesma data, o Tribunal Arbitral notificou a Requerida para, ao abrigo do princípio do contraditório, querendo, e no prazo de cinco dias, pronunciar-se sobre o requerimento da Requerente, não tendo a Requerida exercido tal faculdade.

Em 15-07-2022, a Requerente remeteu, ao abrigo do princípio da cooperação, cópias de decisões judiciais, arbitrais e administrativas relevantes, no seu entender, para a boa decisão da causa.

Em despacho da mesma data, o Tribunal Arbitral notificou a Requerida para, ao abrigo do princípio do contraditório, querendo, e no prazo de cinco dias, pronunciar-se sobre o requerimento da Requerente, não tendo a Requerida exercido tal faculdade.

Por despacho de 28-09-2022, o Tribunal Arbitral determinou como nova data limite para proferir a decisão final, e no respeito pelo disposto no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, o dia 28 de outubro de 2022.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Matéria de Facto

 

  1. Factos Provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente é uma sociedade que exerce como atividade principal a produção de vinhos comuns e licorosos – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), junto pela Requerente como Documento 3.
  2. A Requerente encontra-se enquadrada no regime geral de IRC – cf. RIT.
  3. Nos exercícios de 2017 e 2018, a Requerente procedeu à dedução à coleta no campo “355-Benefícios Fiscais” do quadro “10-Cálculo do imposto” das correspondentes Declarações de Rendimentos Modelo 22 de IRC, do montante de € 597.630,49 e de € 1.061.127,97, respetivamente.

De acordo com o Anexo D – Benefícios Fiscais das declarações de rendimentos desses exercícios, a dedução efetuada em cada período respeita a benefícios fiscais concedidos ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE II).

Os investimentos realizados destinaram-se à atividade principal da empresa e consistiram essencialmente no reforço das suas instalações para vinificação e armazenagem do vinho a granel e engarrafado – cf. RIT.

  1. Através das Ordens de Serviço n.ºs OI2019... e OI2019..., foi a atividade da Requerente objeto de um procedimento de inspeção tributária, com vista ao controlo das deduções à coleta relativas a benefícios fiscais, que incidiu sobre os exercícios de 2017 e 2018 – cf. RIT.
  2. Nessa inspeção, a Autoridade Tributária entendeu que as deduções à coleta, relativas ao benefício fiscal do RFAI declaradas pela Requerente, se mostravam indevidas, pelo que efetuou uma correção no montante de € 597.630,49 e de € 772.377,97 para efeitos do apuramento do imposto a pagar nos exercícios de 2017 e de 2018, respetivamente – cf. RIT.
  3. Nessa inspeção foi elaborado o projeto de Relatório da Inspeção Tributária – que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

O sujeito passivo foi notificado do teor do Ofício n.º ..., de 28-07-2021, para apresentar diversos elementos/esclarecimentos para efeitos de validação dos valores declarados no campo “355 – Benefícios Fiscais” do quadro “10 – Cálculo do imposto” das Declarações de Rendimentos Modelo 22 de IRC referentes aos exercícios de 2017 e 2018. Os elementos foram recebidos por e-mail em 11-08-2021. Foram solicitados elementos adicionais através de e-mail enviado em 10-09-2021, que foram recebidos pela mesma via em 16-09-2021. Todos estes elementos encontram-se arquivados junto do processo administrativo.

Da análise efetuada no âmbito do procedimento de inspeção, com a profundidade que se considerou adequada, e considerando os esclarecimentos prestados, foram detetadas as situações irregulares que neste capítulo se descrevem e fundamentam e das quais resultam as correções que devidamente se quantificam.

III.1. IRC - Correções ao imposto

III.1.1. Dedução indevida à coleta relativa a benefícios fiscais ao abrigo do RFAI

III.1.1.1. Nos exercícios de 2017 e de 2018, a A... procedeu à dedução à coleta no campo "355 - Benefícios Fiscais" do quadro "10 – Cálculo do imposto" das correspondentes Declarações de Rendimentos Modelo 22 de IRC, do montante de € 597.630,49 e de € 1.061.127,97, respetivamente, a que se refere a alínea c) do número 2 do artigo 90º do Código do IRC.

De acordo com o Anexo D - Benefícios Fiscais das declarações de rendimentos desses exercícios, a dedução efetuada em cada período respeita a benefícios fiscais concedidos ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE II), conforme se resume no quadro seguinte:

 

O apuramento dos valores deduzidos em 2017 e 2018 ao abrigo do RFAI, considerando os esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo, resume-se nos quadros seguintes. De referir que (i) o sujeito passivo retroagiu a explicação ao exercício de 2015, em resultado do “reporte” dos benefícios; (ii) no exercício de 2015, o sujeito passivo considerou que o limite máximo de dedução dos dois benefícios fiscais seria de 70% da coleta (limite máximo do CFEI) e (iii) o sujeito passivo deduziu os benefícios fiscais por ordem cronológica.

 

 

Junta-se em Anexo 1, a listagem das aplicações relevantes de suporte aos benefícios fiscais acima referidos (RFAI 2015, RFAI 2016, RFAI 2017 e RFAI 2018).

As aplicações relevantes de suporte ao RFAI 2015 correspondem essencialmente aos investimentos realizados com a construção da Adega de ... e a aquisição das antigas instalações da (i) Adega Cooperativa ..., (ii) do B... a e (iii) do C..., na região de Alenquer.

As aplicações relevantes de suporte ao RFAI 2016 correspondem essencialmente aos investimentos realizados com a reabilitação das antigas instalações da (i) Adega Cooperativa ..., (ii) do B... e (iii) do C...  e com a aquisição de máquinas para a montagem de uma linha de engarrafamento do vinho.

As aplicações relevantes de suporte ao RFAI 2017 correspondem essencialmente aos investimentos realizados com a reabilitação das antigas instalações da construção da (i) Adega Cooperativa ..., (ii) do B... e (iii) do C..., com o equipamento para as referidas adegas, com a construção de um edifício para linhas de engarrafamento e armazenagem e com a expansão da adega de ... .

As aplicações relevantes de suporte ao RFAI 2017 correspondem essencialmente aos investimentos realizados com a construção de um edifício para linhas de engarrafamento e armazenagem e com a aquisição e montagem de máquina de enchimento de vinho embalado (“bag-in-box”).

Os investimentos realizados antes referidos destinaram-se sinto e consistiram essencialmente no reforço das suas instalações para vinificação e armazenagem do vinho a granel e engarrafado, fruto do elevado crescimento das vendas de vinho.

III.1.1.2. O RFAI encontra-se previsto nos artigos 22º a 26º do Código Fiscal do Investimento (CFI), é aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014 e encontra-se regulamentado na Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.

O número 2 do artigo 1º do CFI esclarece que o RFAI constitui um regime de auxílio com finalidade regional, aprovado nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107º e 108º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC).

Neste sentido, o âmbito de aplicação do RFAI tem de ser analisado não só à luz do CFI (e da regulamentação constante das portarias referentes ao RFAI), como também do Regulamento ao abrigo do qual o regime foi criado.

De acordo com o número 1 do artigo 22º do CFI, "O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no número 2 do artigo 2º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no número 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's e do RGIC." (negrito nosso).

A portaria para a qual remete o número 1 do artigo 22º do CFI é a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que definiu os códigos da Classificação Portuguesa das Atividades Económicas (CAE-Rev.3) relativos aos setores de atividade elegíveis para a concessão de benefícios fiscais e, por força desta remissão é, também, aplicável ao RFAI.

No preâmbulo da referida Portaria, vem referido que “Atendendo à necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos Auxílios estatais com finalidade Regional para 2014-2020 e o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, são também definidos na presente portaria os setores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais.” (negrito nosso)

O artigo 1º da referida Portaria determina que, em conformidade com as OAR e o RGIC, não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores (entre outros) da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo l do Tratado.

Embora a alínea b) do artigo 2º da mesma Portaria refira que as atividades económicas correspondentes a indústrias transformadoras com o código CAE compreendido nas divisões 10 a 33 podem beneficiar do RFAI, o corpo do artigo é bem explícito quando refere "Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior'' (sublinhado nosso).

No entanto, a legislação nacional não define “transformação de produtos agrícolas” e “produto agrícola”.

O número 1 do artigo 2º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, que regulamenta o RFAI, refere que "Para efeitos da determinação do âmbito setorial estabelecido na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do Código Fiscal do Investimento, aplicam-se as definições relativas a atividades económicas estabelecidas no artigo 2º do RGIC" (sublinhado nosso).

O conceito de “transformação de produtos agrícolas” e de “produto agrícola” encontram-se definidos nos pontos 10 e 11) do artigo 2º do RGIC, respetivamente:

"Transformação de produtos agrícolas [é] qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda".

"Produto agrícola [é] um produto enumerado no anexo l do Tratado, (...)".

Assim, de acordo com a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do CFI, não podem beneficiar do RFAI, os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado.

A Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro é um diploma regulamentar que determina a elegibilidade dos projetos de investimento para efeitos de RFAI.

Por outro lado, o próprio número 1 do artigo 22º do CFI, na parte final, exceciona do âmbito de aplicação do RFAI, as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC.

A exceção do âmbito de aplicação do RFAI que é feita pelo número 1 do artigo 22º do CFI é cumulativa, isto é, não podem beneficiar do RFAI as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR, nem as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação do RGIC.

Verificamos no preâmbulo do RGIC, respetivamente nos considerandos (10) e (11), que:

“O presente regulamento deve aplicar-se, em princípio, à maioria dos setores económicos. No entanto, em alguns setores, como a pesca e a aquicultura e a produção agrícola primária, o âmbito de aplicação deve ser limitado à luz das regras especiais aplicáveis.”

"O presente regulamento deve aplicar-se à transformação e comercialização de produtos agrícolas, desde que se encontrem reunidas determinadas condições.”

Dispõe a alínea c) do número 3 do artigo 1º do RGIC, que este regulamento não é aplicável aos auxílios concedidos ao setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos:

i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou

ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários.

Dispõe a alínea b) do artigo 13º do RGIC, sobre o âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional, no caso concreto dos auxílios regionais ao investimento e funcionamento, que os auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica se encontram excluídos do âmbito de aplicação do RGIC.

No entanto, acrescenta que a transformação e comercialização de produtos agrícolas, entre outros setores, não são considerados orientados para setores específicos da atividade económica.

Resulta destas disposições do RGIC, que a concessão de auxílios estatais com finalidade regional às atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado estão fora do seu âmbito de aplicação, nas situações identificadas nas subalíneas i) e ii) da alínea c) do número 3 do artigo 1º do regulamento.

No que respeita às OAR, o ponto 10., sobre o “Âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional”, estabelece o seguinte:

“A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica, com exceção da pesca e da aquicultura, da agricultura e dos transportes, que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações.

A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. As presentes orientações aplicam-se a medidas de auxílio em apoio de atividades fora do âmbito do artigo 42.º do Tratado, mas abrangidas pelo regulamento relativo ao desenvolvimento rural, e cofinanciadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural ou concedidas como um financiamento nacional em suplemento dessas medidas cofinanciadas, salvo previsão em contrário das regras setoriais.” (negrito nosso)

Verifica-se que a Comissão refere expressamente que aplicará as orientações relativas aos auxílios com finalidade regional “à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas”.

Daqui se retira, “a contrario”, que as referidas OAR não são aplicáveis à transformação de produtos agrícolas da qual resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, ou seja, um produto enumerado no Anexo 1 do Tratado.

Face ao exposto nos pontos anteriores, a atividade de "transformação de produtos agrícolas" em que o produto dela resultante continua a ser um produto agrícola, enumerado no Anexo I do Tratado, encontra-se excluída do âmbito de aplicação das OAR e, consequentemente, do âmbito de aplicação do RFAI, nos termos do próprio número 1 do artigo 22º do CFI, pela cumulatividade dessa exclusão.

Assim, quando está em causa a atividade de “transformação de produtos agrícolas”, apenas pode beneficiar do RFAI, a transformação destes produtos desde que o produto final dela resultante não seja um produto agrícola de acordo com a definição prevista no artigo 38º do Tratado e, como tal, não integre a lista constante do Anexo I do Tratado.

A lista dos produtos agrícolas constante do Anexo l do Tratado está organizada por capítulos de acordo com os Números da Nomenclatura de Bruxelas.

III.1.1.3. De acordo com as notas explicativas do documento sobre a Classificação Portuguesa das Atividades Económicas - Rev.3, editado pelo INE em 2007, a atividade de produção de vinhos comuns e licorosos, com o código CAE 11021, que integra a Secção C - Indústrias transformadoras, "Compreende a produção de vinhos de mesa e vinhos (independentemente do teor alcoólico) com denominação de origem (v.p.q.r.d.) a partir de uvas, de vinhos licorosos (abafados, moscatel, etc.) e licorosos com denominação de origem ou puros (Porto, Madeira, etc.). Inclui mistura, purificação e engarrafamento de vinhos." Não inclui o engarrafamento e acondicionamento sem transformação, associados ao comércio (CAE 46341) nem a embalagem de vinhos por terceiros (CAE 82922).

O Anexo l do Tratado inclui na sua lista de produtos as seguintes posições do Capítulo 22 da Nomenclatura de Bruxelas, respeitante a "Bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres":

  1. Posição 22.04 - Mosto de uvas parcialmente fermentado, mesmo amuado, exceto com álcool
  2. Posição 22.05 - Vinhos de uvas frescas; mosto de uvas frescas e amuados com álcool
  3. Posição 22.07 - Sidra, perada, hidromel e outras bebidas fermentadas
  4. Posições 22.08 e 22.09 - Álcool etílico, desnaturado ou não, de qualquer teor alcoólico obtido a partir de produtos agrícolas constantes do Anexo l, com exceção das aguardentes, licores e outras bebidas espirituosas, preparados alcoólicos compostos (designados por extratos concentrados) para o fabrico de bebidas (sublinhado nosso).
  5. Posição 22.10 - Vinagres e seus sucedâneos, para usos alimentares.

Na Nomenclatura de Bruxelas em vigor no período em análise, a posição 2204 engloba "Vinhos de uvas frescas, incluindo os vinhos enriquecidos com álcool; mostos de uvas, excluindo os da posição 2009", sendo que o "Mosto de uvas parcialmente fermentado, mesmo amuado, exceto com álcool integra a subposição 2204.30.10 - Outros mostos de uvas.

Face ao âmbito da CAE 11021 e às várias posições do Capítulo 22 da Nomenclatura de Bruxelas que integram o Anexo l do Tratado, conclui-se que os vinhos comuns constam da posição 2204 da NC em vigor no período em análise (em resultado da fusão das posições 22.04 e 22.05 a que se refere o Anexo l do Tratado).

Incluem-se, também, na posição 2204 da NC, os vinhos licorosos.

Por sua vez, as posições 22.08 e 22.09 que figuram no Anexo l do Tratado correspondem agora às posições 2207 e 2208 da NC.

Concluiu-se, assim, que os produtos resultantes da atividade de produção de vinhos comuns e licorosos estão incluídos no Capítulo 22 da Nomenclatura de Bruxelas (atual posição 2204) a que se refere o Anexo l do Tratado, pelo que a atividade exercida pela empresa integra o conceito de "transformação de produtos agrícolas", em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado.

III.1.1.4. A transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado, como se verifica no caso em concreto da atividade desenvolvida pela A..., encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do CFI.

Por outro lado, o próprio número 1 do artigo 22º deste diploma, na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC, exceção que é cumulativa, como antes referimos.

Segundo o RGIC, a concessão de auxílios estatais com finalidade regional às atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado estão fora do seu âmbito de aplicação, nas situações identificadas nas subalíneas i) e ii) da alínea c) do número 3 do artigo 1º do regulamento. Como o RFAI é um benefício fiscal ao investimento, cujo montante não é fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa, nem se encontra subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários, parece não se encontrar excluído do âmbito de aplicação setorial do RGIC.

No entanto, as OAR não são aplicáveis à transformação de produtos agrícolas da qual resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, ou seja, um produto enumerado no Anexo 1 do Tratado, como resulta do ponto 10. das referidas orientações.

Não existindo cumulatividade nessa exclusão, conclui-se que a atividade de transformação de produtos agrícolas está fora do âmbito de aplicação do RFAI, nos termos da parte final do próprio número 1 do artigo 22º do CFI.

De referir que, no decorrer dos atos inspetivos, verificámos que a A... recebeu diversos subsídios a fundo perdido, sobre as mesmas aplicações relevantes elegíveis para efeitos do RFAI, concedidos pelo PDR 2020 – Programa de Desenvolvimento Rural de Portugal 2014-2020, os quais constituíram auxílios aos investimentos relacionados com a transformação e comercialização de produtos agrícolas, enquadrados no âmbito de aplicação das Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola.

A aprovação desses auxílios pelo PDR 2020 constitui, em si mesma, um “indício” da exclusão da atividade desenvolvida pela A... do âmbito de aplicação setorial das OAR, isto é, se a A... foi beneficiária de um programa de desenvolvimento rural é porque transforma e comercializa produtos agrícolas.

III.1.1.5. Tendo os investimentos realizados, como referimos anteriormente, sido destinados à atividade principal da empresa - a produção de vinhos comuns e licorosos -, pelo exposto nos pontos anteriores, não são elegíveis para usufruição do RFAI.

Ainda que, entre os investimentos realizados, uma parte possa ter sido destinado: (i) à atividade de produção de vinhos espumantes e espumosos (CAE 11022), estes vinhos também estão incluídos no Capítulo 22 da Nomenclatura de Bruxelas (atual posição 2204) a que se refere o Anexo l do Tratado, pelo que são considerados produtos agrícolas e como tal não são elegíveis para usufruição do RFAI; (ii) à atividade de viticultura (CAE 1210), a cultura de uvas para vinho é uma atividade agrícola e como vimos a produção agrícola primária é uma atividade excluída do âmbito setorial do RFAI; (iii) à atividade de comércio por grosso de bebidas alcoólicas (CAE 46341) e outras atividades de embalagem (CAE 82922), estes setores de atividade não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, nos termos do artigo 2º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, para a qual remete o número 1 do artigo 22º do CFI, pelo que tais atividades não são elegíveis para usufruição do RFAI.

Consequentemente, as deduções à coleta relativas a benefícios fiscais ao abrigo do RFAI efetuadas nos exercícios em análise mostram-se indevidas, pelo que se propõe uma correção no montante de € 597.630,49 e de € 772.377,97 para efeitos do apuramento do imposto a pagar nos exercícios de 2017 e de 2018, respetivamente.

Resumem-se no quadro seguinte, as correções ao Apuramento do Imposto em falta no período em análise:

 

  1. Na sequência do exercício do direito de audição, a Autoridade Tributária manteve o entendimento constante do projeto, aditando, além do mais, o seguinte (cf. documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

IX.3.4. O sujeito passivo vem referir em direito de audição prévia que sua atividade é enquadrável no âmbito de aplicação do RFAI nos termos dos artigos 22º, número 1 e 2º, número 2, alínea d), ambos do CFI e nos termos das OAR.

Como já referimos no Projeto de Relatório, a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado, como se verifica no caso em concreto da atividade desenvolvida pela A..., encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do CFI.

Por outro lado, o próprio número 1 do artigo 22º deste diploma, na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC, exceção que é cumulativa, como antes referimos.

Segundo o RGIC, a concessão de auxílios estatais com finalidade regional às atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado estão fora do seu âmbito de aplicação, nas situações identificadas nas subalíneas i) e ii) da alínea c) do número 3 do artigo 1º do regulamento. Como o RFAI é um benefício fiscal ao investimento, cujo montante não é fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa, nem se encontra subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários, parece não se encontrar excluído do âmbito de aplicação setorial do RGIC.

No entanto, as OAR não são aplicáveis à transformação de produtos agrícolas da qual resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, ou seja, um produto enumerado no Anexo 1 do Tratado, como resulta do ponto 10. das referidas orientações.

Não existindo cumulatividade nessa exclusão, conclui-se que a atividade de transformação de produtos agrícolas está fora do âmbito de aplicação o RFAI, nos termos da parte final do próprio número 1 do artigo 22º do CFI.

(…)

  1. Na sequência da inspeção a Autoridade Tributária emitiu as liquidações adicionais de IRC n.ºs 2021... e 2021..., respetivamente de 2 e 9 de Dezembro de 2021, referentes aos anos de 2017 e 2018, e correspondentes liquidações adicionais de juros compensatórios, no montante global de € 1.520.074,08 – cf. documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos.
  2. Em 20-01-2022, a Requerente pagou a quantia de € 675.176,93 e, em 27-01-2022, pagou a quantia de € 844,897,15, referentes às liquidações impugnadas – cf. documentos n.ºs 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos.
  3. Em 14-03-2022, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo. 

 

  1. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária.

 

  1. Matéria de direito

 

  1. Posições das Partes

 

A Autoridade Tributária efetuou correções não aceitando a dedução à coleta de IRC efetuada pela Requerente, com base no RFAI, relativamente a investimentos efetuados por aquela, por entender, em síntese, que

– «o artigo 1º da referida Portaria determina que, em conformidade com as OAR e o RGIC, não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores (entre outros) da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo l do Tratado»;

– «a atividade de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto dela resultante continua a ser um produto agrícola, enumerado no Anexo l do Tratado, encontra-se excluída do âmbito de aplicação das OAR e, consequentemente, do âmbito de aplicação do RFAI, nos termos do próprio número 1 do artigo 22º do CFI, pela cumulatividade dessa exclusão»;

- «quando está em causa a atividade de “transformação de produtos agrícolas”, apenas pode beneficiar do RFAI, a transformação destes produtos desde que o produto final dela resultante não seja um produto agrícola de acordo com a definição prevista no artigo 38.º do Tratado e, como tal, não integre a lista constante do Anexo I do Tratado»;

– «os produtos resultantes da atividade de produção de vinhos comuns e licorosos estão incluídos no Capítulo 22 da Nomenclatura de Bruxelas (atual posição 2204) a que se refere o Anexo l do Tratado, pelo que a atividade exercida pela empresa integra o conceito de "transformação de produtos agrícolas", em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado»;

– «A transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado, como se verifica no caso em concreto da atividade desenvolvida pela A..., encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do CFI»;

– «a A... recebeu diversos subsídios a fundo perdido, sobre as mesmas aplicações relevantes elegíveis para efeitos do RFAI, concedidos pelo PDR 2020 – Programa de Desenvolvimento Rural de Portugal 2014-2020 (…) A aprovação desses auxílios pelo PDR 2020 constitui, em si mesma, um “indício” da exclusão da atividade desenvolvida pela A... do âmbito de aplicação setorial das OAR, isto é, se a A... foi beneficiária de um programa de desenvolvimento rural é porque transforma e comercializa produtos agrícolas»;

– «Tendo os investimentos realizados (...) sido destinados à atividade principal da empresa - a produção de vinhos comuns e licorosos – (...), não são elegíveis para usufruição do RFAI»;

– «Ainda que, entre os investimentos realizados, uma parte possa ter sido destinado: (i) à atividade de produção de vinhos espumantes e espumosos (CAE 11022), estes vinhos também estão incluídos no Capítulo 22 da Nomenclatura de Bruxelas (atual posição 2204) a que se refere o Anexo I do Tratado, pelo que são considerados produtos agrícolas e como tal não são elegíveis para usufruição do RFAI; (ii) à atividade de viticultura (CAE 1210), a cultura de uvas para vinho é uma atividade agrícola e como vimos a produção agrícola primária é uma atividade excluída do âmbito setorial do RFAI; (iii) à atividade de comércio por grosso de bebidas alcoólicas (CAE 46341) e outras atividades de embalagem (CAE 82922), estes setores de atividade não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, nos termos do artigo 2º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, para a qual remete o número 1 do artigo 22º do CFI, pelo que tais atividades não são elegíveis para usufruição do RFAI».

 

Por seu turno, a Requerente defende, em síntese, o seguinte:

– «a actividade da Requerente enquadra-se no sector da transformação e comercialização de vinho engarrafado ou embalado com denominação de origem e marcas próprias e não na produção agrícola primária (conforme havia sido erroneamente afirmado pela Administração Tributária no projecto de relatório de inspecção tributária)»;

- «a actividade principal da Requerente reconduz-se à transformação e comercialização de produtos agrícolas (não primários), em concreto, de vinhos comuns e licorosos engarrafados ou embalados, assentando num processo de transformação e comercialização que, em síntese, pode ser dividido nas três fases seguintes:

i) Processo de transformação de uva em vinho: produção de vinho nas diferentes adegas da Requerente a partir de uvas próprias e compradas (sendo a grande maioria das uvas transformadas adquirida a terceiros);

ii) Processo de transformação de vinho a granel em vinho engarrafado ou embalado: engarrafamento ou embalamento de vinho que provém das uvas vinificadas nas adegas da Requerente e de vinho a granel adquirido ao longo do ano, que é integrado em lotes de vinho já existentes, (sendo que o processo de estágio e estabilização física e química dos vinhos, prévio ao engarrafamento ou embalamento exige diferentes tratamentos e adições ao vinho, essenciais para este poder ser comercializado);

iii) Comercialização do vinho com denominação de origem em garrafa e/ou bag-in-box: subsequente certificação dos vinhos nas Comissões Regionais Vitivinícolas onde a Requerente actua e, bem assim, aprovação da imagem do rótulo e marca comercial a utilizar para comercialização do vinho engarrafado ou embalado.;

– «Neste contexto, tendo presente o artigo 2.º e o Anexo ao Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de Novembro, a actividade económica da Requerente enquadra-se na Divisão 11 «indústria de bebidas», no Grupo 110 «fabricação de bebidas alcoólicas destiladas», na Classe 1102 «indústria do vinho» e na subclasse 11021 «produção de vinhos comuns e licorosos», correspondendo, em síntese, ao Código CAE-REV 3 «11021»;

– «a actividade da Requerente no âmbito da qual foram realizados os investimentos relevados como deduções à colecta ao abrigo do RFAI controvertidas nos presentes autos, se enquadra num sector de actividade previsto no artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do CFI, e, bem assim, num dos Códigos CAE previstos no artigo 2.º, alínea b), da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro»;

– «à luz do §10 (e da respectiva nota de rodapé 11) das OAR 2014-2020 e dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, a actividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos não se encontra excluída do âmbito de aplicação sectorial das OAR 2014-2020, sendo, pelo contrário, abrangida por este instrumento»;

– «as OAR 2014-2020 constituem um parâmetro normativo para aferição da compatibilidade dos auxílios de estado concedidos para as actividades no sector da transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos, estando como tal esta actividade abrangida pelo âmbito sectorial desse instrumento»;

– «pretendendo o legislador assegurar que os benefícios fiscais concedidos ao abrigo do RFAI se destinam especificamente aos sectores de actividade abrangidos pelas OAR 2014-2020, não pode a Administração Tributária vedar a aplicação dos mesmos à actividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos»;

– «sublinhe-se ser irrelevante que a referida actividade seja abrangida pelo âmbito sectorial das OAR 2014-2020 por via da remissão operada através dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, sob pena de tal comportar uma interpretação restritiva do verdadeiro alcance do âmbito de aplicação das OAR 2014-2020, intenção essa que de modo algum pode ser tida como pretendida pelo legislador»;

– «a actividade da Requerente no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas enquadra-se no âmbito de aplicação do RFAI, tendo em conta os artigos 22.º, n.º 1 e 2.º, n.os 2 e 3, do CFI, 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, e, bem assim, o âmbito de aplicação sectorial das OAR 2014-2020 e do RGIC»;

– «esta conclusão foi já acolhida pela Decisão Arbitral de 12 de Outubro de 2020, proferida no Processo n.º 220/2020-T, no âmbito de um processo envolvendo também a ora Requerente, em que estavam em causa actos de liquidação adicional de IRC referentes aos exercícios de 2015 e 2016 com fundamento na alegada exclusão da actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas desenvolvida pela Requerente do âmbito de aplicação das OAR»;

– «persistindo dúvidas quanto à inclusão da actividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos no âmbito sectorial das OAR (…) deverá esse Douto Tribunal Arbitral, promover a interpretação por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia do §10, nota de rodapé 11, das OAR 2014-2020, dos §§33 e 168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola»;

– «a Administração Tributária não poderá vedar a aplicação do RFAI à actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas da Requerente com fundamento no disposto no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro»;

– «o benefício fiscal deve por princípio ser interpretado nos seus precisos termos e não de forma restritiva, sendo certo que de todo o modo uma interpretação restritiva apenas se justifica quando o intérprete conclua que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento – acabando por dizer mais do que aquilo que pretendia dizer»;

– «em conformidade com o princípio da legalidade fiscal e a regra da proibição do reenvio normativo, consagrados respectivamente nos artigos 103.º e 165, n.º 1, alínea i) e 112.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), prevendo um Decreto-Lei autorizado – o Decreto-Lei n.º 162/2014 – que um determinado benefício fiscal – o RFAI – é aplicável a sujeitos passivos – como a Requerente – que exerçam a sua atividade num setor específico – a indústria transformadora – não pode a Administração Tributária, com fundamento numa norma regulamentar, deixar de reconhecer a aplicação do referido benefício fiscal a empresas desse setor que cumpram os requisitos de acesso ao benefício»;

– «o artigo 1.º, da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, é inconstitucional por violação do princípio da legalidade fiscal, consagrado nos artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, e da proibição do reenvio normativo, consagrada no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, na interpretação de que a Administração Tributária pode restringir o âmbito de aplicação sectorial do RFAI tal como este se encontra definido pelos artigos 22.º e 2.º do CFI, com fundamento nessa norma regulamentar»;

– «o âmbito de aplicação do regime de benefícios fiscais em análise não pode ser impactado por uma norma infra-legal de natureza regulamentar».

No presente processo, a Autoridade Tributária acompanha a posição vertida no RIT e diz o seguinte, em síntese:

– «ao contrário daquilo que sub-repticiamente a Requerente sugere no artigo 27.º do ppa, os SIT não validaram o preenchimento dos demais requisitos cumulativos de que depende a concessão do benefício fiscal do RFAI.

A análise levada a cabo no quadro do procedimento inspectivo centrou-se unicamente no requisito atinente ao sector de actividade, inexistindo qualquer referência à verificação dos restantes requisitos e condições, que não foram examinados, uma vez concluído que não era cumprido o primeiro requisito de acesso ao benefício fiscal atinente à actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo»;

– «as actividades económicas associadas aos investimentos realizados pela Requerente integram o conceito “transformação de produtos agrícolas em que o produto final continua a ser um produto agrícola”, em conformidade com a lista constante do Anexo I do Tratado, o que não é sequer refutado»;

– «ao contrário do que defende a Requerente, a Portaria n.º 282/2014 nada introduziu de inovador, contendo-se nos limites de um regulamento de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nas OAR, no RGIC e nos art.º 107.º a 109.º do TFUE e demais actos legislativos relevantes do direito europeu»;

– «a Portaria n.º 282/2014 não invade o campo de incidência do benefício fiscal do RFAI, porque as normas habilitantes – os n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 22.º do CFI – são normas de aplicação condicionada, criadas por decreto-lei que executa uma autorização legislativa que não especifica os sectores de atividade elegíveis, nem traça directrizes claras sobre a delimitação dos sectores de actividades a beneficiar tendo em vista os objectivos definidos, subordinando-os apenas à legislação europeia relevante, em matéria de auxílios de Estado (o RGCI e as OAR)»;

– «não tem fundamento a alegação da Requerente sobre a inconstitucionalidade da interpretação da Portaria n.º 282/2014, por violação do princípio da legalidade fiscal, por restringir o âmbito de aplicação sectorial do RFAI tal como este se encontra definido pelos artigos 2.º e 22.º, do CFI, pois, a lista de actividades do n.º 2 deste último normativo tem uma função meramente indicativa, já que está condicionada pelas exclusões sectoriais das OAR e pelo RGIC e pela definição dos códigos de actividade da CAE»;

– «no âmbito da liberdade de conformação do legislador no domínio da definição dos pressupostos do benefício fiscal do RFAI, foram acolheram, por inteiro, as orientações que emanam das OAR, ao estabelecer no artigo 22.º, n.º 1 do CFI e artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, que, em conformidade com as OAR e com o RGIC, são inelegíveis “(...) para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas (...), da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, (...)”»;

– «decisões arbitrais mais recentes – proferidas nos processos n.º 307/2021-T e 321/2021-T – dissociam-se da citada pela Requerente, considerando como não violadora da CRP e do direito europeu relevante a que se encontra subordinado o benefício fiscal do RFAI, a exclusão das actividades económicas enumeradas no Anexo I do TFUE»;

«Apesar de se ter demostrado que a interpretação da AT cumpre escrupulosamente o direito comunitário, inexistindo fundamento, atento às normas constante do RGIC, para considerar que o CAE deva estar consagrado na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, desconhece-se jurisprudência comunitária que se debruce sobre tal matéria, pelo que se requer o reenvio do processo a título prejudicial para o TJUE, ao abrigo do artigo 267º do TFUE».

 

  1. Apreciação das questões

 

No caso em apreço, conforme resulta dos factos dados como provados, a Requerente efetuou investimentos em 2017 – respeitantes à reabilitação das antigas instalações da (i) Adega Cooperativa da ..., do (ii) B... e do (iii) C..., com o equipamento para as referidas adegas, com a construção de um edifício para linhas de engarrafamento e armazenamento de vinho e com a expansão da adega de ..., – e em 2018 – investimentos realizados com a construção de um edifício para linhas de engarrafamento e armazenamento e com a aquisição e montagem de máquina de enchimento de vinho embalado (bag-in-box).

A atividade da Requerente enquadra-se na CAE 11021 «produção de vinhos comuns e licorosos» (cf. RIT e artigo 36.º do pedido de pronúncia arbitral).

A Autoridade Tributária entendeu que os investimentos referidos não podem beneficiar do RFAI porquanto:

– «o artigo 1º da referida Portaria determina que, em conformidade com as OAR e o RGIC, não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores (entre outros) da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo l do Tratado»;

– «a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado, como se verifica no caso em concreto da atividade desenvolvida pela A..., encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do CFI»;

– «os produtos resultantes da atividade de produção de vinhos comuns e licorosos estão incluídos no Capítulo 22 da Nomenclatura de Bruxelas (atual posição 2204) a que se refere o Anexo l do Tratado, pelo que a atividade exercida pela empresa integra o conceito de "transformação de produtos agrícolas", em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado».

 

O fundamento das correções efetuadas pela Autoridade Tributária reside na falta de enquadramento da atividade da Requerente no âmbito sectorial de aplicação do RFAI, por força do preceituado no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, por um lado, e do próprio n.º 1 do artigo 22º do Código Fiscal do Investimento (CFI), que «exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC».

Não é invocada pela Autoridade Tributária a falta de qualquer outro requisito para aplicação do RFAI.

A questão essencial que é objeto do presente processo é, pois, a de saber se a atividade da Requerente no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas (em concreto de vinhos comuns e licorosos) se enquadra no âmbito de aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI).

Trata-se de matéria já anteriormente tratada por jurisprudência do CAAD, em particular na decisão n.º 220/2020-T, que, atenta a similitude dos factos, aqui acolhemos e seguimos de perto.

Em jeito de enquadramento normativo da questão ora em juízo, cumpre começar por salientar que o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, aprovou, no âmbito do novo CFI, um novo RFAI, ao abrigo da autorização legislativa concedida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho, que tinha o seguinte sentido e extensão, definidos no n.º 3 do mesmo artigo 2.º nestes termos:

3 - A autorização prevista na alínea c) do n.º 1 tem como sentido e extensão:

a) Adaptar o regime às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente:

i) Às disposições constantes do Regulamento geral de isenção por categoria, que define as condições sob as quais certas categorias de auxílios podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno;

ii) Às regras previstas no mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;

b) Prorrogar a vigência do regime até 31 de dezembro de 2020;

c) Definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;

d) Definir os limites dos benefícios fiscais a conceder, nomeadamente em função das regiões elegíveis ao abrigo da legislação europeia aplicável, e, no caso de empresas recém-constituídas, permitir uma dedução à coleta até à concorrência da mesma relativamente às aplicações relevantes efetuadas no período de tributação do início de atividade e nos dois períodos de tributação seguintes;

e) Prever que a parte da dedução à coleta que não possa ser deduzida por insuficiência de coleta possa ser deduzida até 10 períodos de tributação posteriores; f) Reforçar os mecanismos de fiscalização e controlo deste regime de benefícios.

As atividades económicas relativamente às quais podem ser concedidos benefícios fiscais no âmbito do RFAI são as indicadas no artigo 2.º do CFI, por remissão do seu artigo 22.º que estabelecem, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 2.º

Âmbito objetivo

1 - Até 31 de dezembro de 2020, podem ser concedidos benefícios fiscais, em regime contratual, com um período de vigência até 10 anos a contar da conclusão do projeto de investimento, aos projetos de investimento, tal como são caracterizados no presente capítulo, cujas aplicações relevantes sejam de montante igual ou superior a (euro) 3 000 000,00.

2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:

a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;

c) Atividades e serviços informáticos e conexos;

d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;

f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;

g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;

h) Atividades de centros de serviços partilhados.

3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.

 

Artigo 22.º

Âmbito de aplicação e definições

1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

 

3.2.1 Questão do afastamento do benefício fiscal com fundamento no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro

 

Como resulta da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º da referida lei de autorização legislativa n.º 44/2014, e do n.º 2 do artigo 2.º do CFI, visou-se «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional», designadamente as atividades económicas que podem beneficiar de tais auxílios.

A portaria para que remete o n.º 3 do artigo 2.º do CFI veio a ser a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que refere no seu Preâmbulo o seguinte:

«Atendendo à necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014, são também definidos na presente portaria os setores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais

 

Concretizando este desígnio, os artigos 1.º e 2.º da referida Portaria estabelecem o seguinte:

 

Artigo 1.º

Enquadramento comunitário

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.

 

Artigo 2.º

Âmbito setorial

Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:

a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;

b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

c) Alojamento - divisão 55;

d) Restauração e similares - divisão 56;

e) Atividades de edição - divisão 58;

f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;

g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;

h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;

i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;

j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;

k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.

Como resulta expressamente do n.º 3 do artigo 2.º do CFI, o que nele se remeteu para a Portaria foi apenas a definição dos «códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior» e não a definição dessas atividades, o que se compreende, por nem ser constitucionalmente admissível a definição do âmbito objectivo de benefícios, uma vez que se trata de matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, só podendo ser regulada por lei formal ou decreto-lei autorizado, como decorre do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1 alínea i), e 198.º, n.º 1, alínea b) da CRP.

Deste modo, tendo presente que, por força do disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos», o n.º 3 do artigo 2.º do CFI não deve ser interpretado como permitindo aos membros do Governo a definição do âmbito de aplicação dos benefícios através de diploma regulamentar.

Assim, o n.º 3 do artigo 2.º do CFI deve ser interpretado com o alcance que é o que resulta do seu teor literal, isto é, de permitir que fossem definidos por portaria os CAE que se reportam às atividades que nele se indicam poderem beneficiar do RFAI, e não que pudessem ser alteradas, para menos, as atividades abrangidas.

Por isso, «o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional» que o Governo foi autorizado a esclarecer foi definido pelos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, e 22.º, n.º 1, do CFI e o que nele se remeteu para Portaria foi apenas a definição dos códigos das atividades que se indicaram incluir-se nesse âmbito.

Sendo assim, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, não encontra norma habilitante no n.º 3 do artigo 3.º do CFI para estabelecer, restringindo o âmbito definido no n.º 2 do mesmo artigo, que «não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas».

Na verdade, o estabelecimento destas inelegibilidades, reportadas a determinadas atividades elencadas no artigo 2.º, n.º 2 do CFI, reconduz-se ao afastamento da aplicabilidade do benefício fiscal a essas atividades, extravasando a competência objetiva que foi atribuída aos membros do Governo pelo n.º 3 do artigo 2.º do CFI, que se restringia à indicação dos Códigos das atividades definidas no n.º 2 do mesmo artigo.

A definição do âmbito dos benefícios é matéria que a lei constitucional portuguesa integra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos citados artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1 alínea i), da CRP.

Doutra perspetiva, como defende a Requerente, sendo a delimitação do âmbito dos benefícios fiscais matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, o artigo 1.º, da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, será «inconstitucional por violação do princípio da legalidade fiscal, consagrado nos artigos 103.° e 165.°, n.º 1, alínea i), da CRP, e da proibição do reenvio normativo, consagrada no artigo 112.°, n.º 5, da CRP, na interpretação de que a Administração Tributária pode restringir o âmbito de aplicação sectorial do RFAI tal como este se encontra definido pelos artigos 22.º e 2.º do CFI, com fundamento nessa norma regulamentar».

Assim, não pode basear-se no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, o afastamento do benefício fiscal, por falta de habilitação legal e validade constitucional para restringir o âmbito do benefício fiscal definido no artigo 2.º, n.º 2, do CFI.

No entanto, do vício de que enferma este artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, não decorre necessariamente a anulação das liquidações impugnadas, pois é invocado também como seu fundamento para exclusão do benefício fiscal «o próprio número 1 do artigo 22º deste diploma que, na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC».

E, como se refere na decisão proferida no processo arbitral 220/2020-T, «quando um ato de tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a sua legalidade, é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-5-2000, processo n.º 039073, publicado em Apêndice ao Diário da República de 09-12-2002, página 4229.

Por isso, é necessário apreciar também este segundo fundamento das liquidações.

 

3.2.2. Questão do afastamento do benefício fiscal com fundamento por se tratar de atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC

 

Como resulta da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho (autorização legislativa), visou-se com o RFAI «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional».

O artigo 2.º do CFI elenca as atividades que podem usufruir de benefícios fiscais, entre as quais inclui a «indústria transformadora» [alínea a) do n.º 2], mas reafirmando o respeito do «âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC».

O artigo 22.º, n.º 1, do CFI estabelece que «o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC».

A Requerente defende que apenas relevou para a aplicação do RFAI investimentos realizados no contexto da sua atividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos engarrafados ou embalados (investimentos com a reabilitação de antigas instalações e equipamento para as mesmas, com a construção de um edifício para linhas de engarrafamento e armazenamento e com a aquisição e montagem de máquina de enchimento de vinho embalado) o que está em sintonia com o afirmado pela Autoridade Tributária, que refere no RIT que «os investimentos realizados antes referidos destinaram-se à atividade principal da empresa e consistiram essencialmente no reforço das suas instalações para vinificação e armazenagem do vinho a granel e engarrafado, fruto do elevado crescimento das vendas de vinho».

A atividade da Requerente, com o código CAE 11021, incluída na Divisão 11, grupo 110, classe 1102 o anexo ao Decreto-Lei n.º 38172007, de 14 de novembro, é uma das indicadas na alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que abrange «Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33». Há também acordo das Partes quanto a este enquadramento.

No entanto, a Autoridade Tributária defende que a atividade da Requerente é excluída do âmbito de aplicação do RFAI, porque «o próprio número 1 do artigo 22º deste diploma, na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC, exceção que é cumulativa».

A questão que se coloca, assim, é a de saber se a atividade da Requerente está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR (Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013) e do RGIC (Regulamento Geral de Isenção por Categoria, aprovado pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014.

 

3.2.2.1. Questão da exclusão do benefício fiscal pela aplicação das OAR

 

Relativamente às OAR, a Autoridade Tributária considerou que não são aplicáveis à transformação de produtos agrícolas da qual resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, ou seja, um produto enumerado no Anexo 1 do Tratado, como resulta do ponto 10. das referidas orientações, em que se estabelece o seguinte:

10. A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (9), com exceção da pesca e da aquicultura (10), da agricultura (11) e dos transportes (12), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. As presentes orientações aplicam-se a medidas de auxílio em apoio de atividades fora do âmbito do artigo 42.º do Tratado, mas abrangidas pelo regulamento relativo ao desenvolvimento rural, e cofinanciadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural ou concedidas como um financiamento nacional em suplemento dessas medidas cofinanciadas, salvo previsão em contrário das regras setoriais.

Na nota de rodapé (11), relativa à agricultura, refere-se o seguinte:

«Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola».

Considerando estas disposições, a Autoridade Tributária concluiu que «quando está em causa a atividade de "transformação de produtos agrícolas", apenas pode beneficiar do RFAI, a transformação destes produtos desde que o produto final dela resultante não seja um produto agrícola de acordo com a definição prevista no artigo 38º do TFUE e, como tal, não integre a lista constante do Anexo l do Tratado».

A Requerente defende, no entanto que aquele ponto 10, ao excluir «agricultura» do âmbito dos sectores de atividade a que se referem estas orientações sobre os auxílios com finalidade regional a económica, faz essa exclusão, porque «estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações» (cf. artigo 40.º do pedido de pronúncia arbitral).

E também, como salienta a Requerente, a referida nota de rodapé (11), esclarece que «os auxílios estatais à (..), transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola» (cf. artigo 40.º do pedido de pronúncia arbitral).

Na fundamentação que consta do RIT não se encontra qualquer referência a estas especiais «Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola», que, como se diz no ponto 10 das OAR, são suscetíveis de derrogar total o parcialmente estas Orientações.

Isto significa, desde logo, que as liquidações enfermam de um erro de direito, quanto à invocação das OAR como obstáculo à aplicação do benefício fiscal, pois era primacialmente com base nas específicas «Orientações para os auxílios estatais no setor agrícolas» que a questão tinha de ser apreciada e só se se concluísse que estas não derrogam, total ou parcialmente, as OAR se poderia concluir pela exclusão do benefício fiscal com base nestas.

Por outro lado, nas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020», publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 204/1, de 01-07-2014, refere-se no ponto 33 o seguinte:

«Em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (27). Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações

Como resulta do teor expresso desta segunda parte do ponto (33), as OAR não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários, mas aplicam-se à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações relativas aos setores agrícola e florestal.

E, na secção 1.1.1.4., ponto (168), das mesmas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014- 2020» estabelece-se que:

(168) Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:

(a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o do Tratado;

(b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014- 2020;

(c) As condições estabelecidas na presente secção.

 

Conclui-se, assim, que a atividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente de vinhos comuns e licorosos, não é uma das «atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014, referido na alínea (a)], ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais.

Assim, como bem diz em síntese a Requerente, «à luz do §10 (e da respectiva nota de rodapé 11) das OAR 2014-2020 e dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, a actividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos não se encontra excluída do âmbito de aplicação sectorial das OAR 2014-2020, sendo, pelo contrário, abrangida por este instrumento» (cf. artigo 46.º do pedido de pronúncia arbitral).

Por isso, não pode, com o fundamento que foi invocado no RIT – de a actividade da Requerente, por ser de "transformação de produtos agrícolas", pretensamente estar excluída do âmbito das OAR’s –, considerar-se que está excluída do benefício fiscal do RFAI.

 

3.2.2.2. Questão da exclusão do benefício fiscal pela aplicação do RGIC

 

A Autoridade Tributária entendeu que atividade da Requerente se integra no conceito de «transformação de produtos agrícolas» e, como o produto final desta atividade é um produto agrícola, porque enumerado no Anexo l do Tratado, esta atividade encontra-se excluída do RGIC, de acordo com o seu Considerando (11).

A Autoridade Tributária ponderou, em suma, que:

O número 1 do artigo 2º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, que regulamenta o RFAI, refere que "Para efeitos da determinação do âmbito setorial estabelecido na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do Código Fiscal do Investimento, aplicam-se as definições relativas a atividades económicas estabelecidas no artigo 2º do RGIC".

O conceito de “transformação de produtos agrícolas” e de “produto agrícola” encontram-se definidos nos pontos 10 e 11) do artigo 2º do RGIC, respetivamente:

"Transformação de produtos agrícolas [é] qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda".

"Produto agrícola [é] um produto enumerado no anexo l do Tratado, (...)".

Por outro lado, o próprio número 1 do artigo 22º do CFI, na parte final, exceciona do âmbito de aplicação do RFAI, as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC.

A exceção do âmbito de aplicação do RFAI que é feita pelo número 1 do artigo 22º do CFI é cumulativa, isto é, não podem beneficiar do RFAI as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR, nem as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação do RGIC.

Dispõe a alínea b) do artigo 13º do RGIC, sobre o âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional, no caso concreto dos auxílios regionais ao investimento e funcionamento, que os auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica se encontram excluídos do âmbito de aplicação do RGIC.

No entanto, acrescenta que a transformação e comercialização de produtos agrícolas, entre outros setores, não são considerados orientados para setores específicos da atividade económica.

Resulta destas disposições do RGIC, que a concessão de auxílios estatais com finalidade regional às atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado estão fora do seu âmbito de aplicação, nas situações identificadas nas subalíneas i) e ii) da alínea c) do número 3 do artigo 1º do regulamento.

A Requerente defende, em suma, que as atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do TFUE não estão excluídas do RGIC.

Por força do preceituado no artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do RGIC, este diploma é aplicável, além do mais, aos auxílios com finalidade regional, como são os previstos no CFI, à face do preceituado no n.º 2 do seu artigo 2.º. Relativamente aos auxílios concedidos no sector de transformação e comercialização de produtos agrícolas, o afastamento da aplicação do RGIC é estabelecido nos seguintes termos:

 

Artigo 1.º

Âmbito de aplicação

(...)

  1. O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:

(...)

c) Auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos:

i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou

ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários;

 

Depreende-se desta limitação dos auxílios excluídos do âmbito de aplicação do RGIC, que este diploma é aplicável aos auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas em todos os outros casos cuja exclusão não está prevista.

No caso em apreço, as Partes estão de acordo em que a atividade da Requerente é de «transformação de produtos agrícolas», que é definida na alínea 10) do artigo 2.º do RGIC]; como «transformação de produtos agrícolas», entende-se, para este efeito, «qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda».

Por outro lado, por «Produto agrícola» entende-se «um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013» [definição 11) que consta do artigo 2.º do RGIC].

Os vinhos de uvas frescas são um dos produtos enumerados no anexo I do TFUE [posição 22.05, a que corresponde a posição 2204 da Nomenclatura Combinada, como se refere no RIT], pelo que, à face das definições referidas, aqueles produtos se consideram «produto agrícola» e as operações a ele respeitantes são de «transformação de produtos agrícolas».

Assim, por força do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea c), do RGIC, só não é permitida a concessão de auxílios estatais à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii), isto é, «sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa» ou «sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários».

Consequentemente, não se verificando qualquer destas situações no caso em apreço, tem de se concluir que a aplicação do benefício fiscal do RFAI também não é afastada pelo RGIC.

O artigo 13.º, alínea b), do RGIC, que define o «âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional», confirma a sua aplicação à atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, ao excluir do seu âmbito de aplicação os «auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica», mas esclarecendo que não é como tal considerada «a transformação de produtos agrícolas», nestes termos:

 

Artigo 13.º

Âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional

A presente secção não é aplicável aos seguintes auxílios:

(...)

b) Auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica; os regimes destinados a atividades turísticas, infraestruturas de banda larga ou comercialização e transformação de produtos agrícolas não são considerados orientados para setores específicos da atividade económica;

(...)

Pelo exposto, conclui-se que a atividade da Requerente se inclui no âmbito de aplicação do RGIC, pelo que a exceção de aplicação do RFAI às atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação do RGIC, que se prevê na parte final do artigo 22.º, não afasta a aplicação do benefício fiscal do RFAI àquela atividade.

 

3.2.2.3. Conclusão

 

Conclui-se, assim, que as liquidações impugnadas enfermam de vício, por erro sobre os pressupostos de direito, ao terem pressuposto o entendimento de que a atividade principal da Requerente de produção de vinhos comuns não era elegível para usufruição do RFAI.

Na verdade, a indústria transformadora enquadra-se no artigo 2.º, n.º 2 do CFI e não se está perante «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», para efeitos do artigo 22.º, n.º 1, do CFI.

Por outro lado, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, não pode validamente afastar a aplicação de benefícios previstos em diplomas de natureza legislativa, pelo que se referiu no ponto 3.2.1..

De qualquer forma, sendo patente que a intenção legislativa subjacente ao RFAI, na versão do CFI, foi a de «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional», enunciada na alínea c) do n.º 3 do artigo da Lei de autorização legislativa n.º 44/2014, de 11 de Julho, a Portaria, como instrumento de execução dessas regras, sempre teria de ser interpretada de forma a concretizá-las e não a afastá-las, em face da supremacia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP.

Pelo exposto, tem de se concluir pela ilegalidade das liquidações impugnadas, por vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.2.2.4. Desnecessidade de reenvio prejudicial

 

A Requerente sugere o reenvio prejudicial para o TJUE quanto à interpretação do §10, nota de rodapé 11, das OAR 2014-2020, dos §§33 e 168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, e dos artigos 1.º, n.ºs 1 e 3, e 13.º, alínea b), do RGIC.

No artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia prevê-se o reenvio prejudicial para o TJUE, que é obrigatório quando uma questão sobre a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara ou quando já haja um precedente na jurisprudência europeia não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.

Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do ato claro) e quando a correta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do ato claro) (idem, n.º 14).

«Compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (acórdãos do TJUE Acórdão de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018 processo C-207/16).

Afigura-se a este Tribunal Arbitral que a interpretação das normas de Direito Europeu que é necessária para apreciação da legalidade das liquidações impugnadas é clara, pelo que não há necessidade de efetuar o reenvio sugerido.

Pelo exposto, entende-se desnecessário efetuar o reenvio prejudicial sugerido.

 

  1. Juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas

 

As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as respetivas liquidações de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afetam estas, justificando-se também a sua anulação.

 

  1. Restituição das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

Em 20-01-2022, a Requerente pagou a quantia de € 675.176,93 e, em 27-01-2022, pagou a quantia de € 844,897,15, referentes às liquidações impugnadas e pede a sua restituição com juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como os juros indemnizatórios dependem da existência de um montante a reembolsar, insere-se também na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD determinar a restituição de quantias indevidamente pagas, como consequência da anulação de actos de liquidação.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios.

 

4.1 Restituição de quantias pagas

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral, as liquidações devem ser anuladas pelo que a restituição das quantias indevidamente pagas é uma consequência da sua eliminação jurídica. Tendo a Requerente pago indevidamente as quantias de € 675.176,93 e € 844,897,15, deve ser-lhe restituída a quantia global de € 1.520.074,08.

 

4.2 Juros indemnizatórios

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Os erros que afetam as liquidações são imputáveis à Administração Tributária, que as efetuou por sua iniciativa.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são calculados à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde 20-01-2022, quanto ao montante de € 675.176,93, e desde 27-01-2022, quanto ao montante de € 844,897,15, até ao integral reembolso.

 

  1. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular as liquidações adicionais de IRC nºs 2021... e 2021..., respetivamente de 2 e 9 de Dezembro de 2021, referentes aos anos de 2017 e 2018, e correspondentes liquidações adicionais de juros compensatórios, no montante global de € 1.520.074,08;
  3. Julgar procedentes os pedidos de restituição das quantias pagas e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o pagamento à Requerente da quantia de € 1.520.074,08;
  4. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente esses juros, calculados à taxa legal supletiva, desde 20-01-2022, quanto ao montante de € 675.176,93, e desde 27-01-2022, quanto ao montante de € 844,897,15, até ao integral reembolso.

 

  1. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.520.074,08.

 

  1. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 20.196,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. Comunicação ao Ministério Público

Notifique-se o Ministério Público, nos termos do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, para efeitos de eventual recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, se for caso disso.

 

Lisboa, 6 de outubro de 2022

Os árbitros,

 

 

Nuno Cunha Rodrigues

 

 

Francisco Melo, Relator

 


João Taborda da Gama