Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 71/2022-T
Data da decisão: 2022-10-19  IMT  
Valor do pedido: € 2.228.466,66
Tema: IMT - Aplicação de isenção de IMT nas aquisições de imóveis a fundos de investimento imobiliário
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SUMÁRIO:

 

  1. “Erro imputável aos serviços” não significa culpa dos serviços, abarcado o conceito o “erro em sentido estrito”, resultante de uma deficiência técnica dos próprios serviços de liquidação, ou a um “erro em sentido lato”, resultante de vício da lei.
  2. No caso do IMT, o momento temporal relevante para determinar qual o regime fiscal em vigor (nomeadamente o regime isentivo), deverá reportar-se à data do facto translativo.
  3. A isenção prevista no artigo 49.º do EBF na redação em vigor à data dos factos opera relativamente à aquisição de imóveis a fundos (nomeadamente abertos) que operem de acordo com a legislação nacional.
  4. O facto de ter sido solicitada a aplicação da isenção relativa à compra de imóveis para revenda prevista no artigo 7.º do Código do IMT, não obsta à aplicação da isenção prevista, à data da transmissão do imóvel, no artigo 49.º do EBF, em caso de caducidade daquela.
  5. A isenção prevista no artigo 49.º do EBF deve aplicar-se, mesmo não tendo sido requerida a sua aplicação através da entrega da Modelo 1, desde que os seus requisitos estejam verificados.
  6. O termo inicial do direito a juros indemnizatórios reporta-se a um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. No dia 10 de fevereiro de 2022, a A..., S.A., com o número de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...–..., ..., ...-... Lisboa (doravante a “Requerente”), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”), em 24 de agosto de 2021, requereu ao Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), em que é Requerida a AT, com vista à anulação parcial do ato tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) n.º ..., emitido a 8 de fevereiro de 2019, no montante de €4.456.933,33. A Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT ao reembolso do montante pago, bem como de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor.
  2. Em 14 de fevereiro de 2022, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado, na mesma data, à AT.
  3. Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foram designados árbitros os signatários, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao CAAD a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
  4. O Tribunal Arbitral foi constituído em 20 de abril de 2022.
  5. No essencial, a Requerente defendeu que:
    1. O Tribunal é competente nos termos da alínea a) do n.º 1, do artigo 2.º, do RJAT.
    2. Não se conforma com o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado no dia 24 de agosto de 2021, tacitamente presumido e, por conseguinte, com o ato de demonstração de liquidação de IMT.
    3. Para além de ser pacífico o entendimento de que um ato de indeferimento expresso da uma revisão oficiosa – que se tenha pronunciado sobre a legalidade do tributo que o consubstancia – é um ato passível de apreciação pelo Tribunal Arbitral, foi também já colocada (e reiteradamente esclarecida, em sentido afirmativo) a questão de saber em que medida o indeferimento tácito daquele pedido pode também ser apreciado no âmbito de um processo arbitral. Acrescentou ainda, neste contexto, que decorre da alínea a) do n.º 1, do artigo 10.º, do RJAT que estão abrangidos no âmbito da jurisdição do Tribunal Arbitral todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através de impugnação judicial, desde que tenham por objeto o previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), sendo que, em concreto, prevê a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT a possibilidade de apresentação de impugnação judicial no prazo de três meses contados a partir da “Formação da presunção de indeferimento tácito”.
    4. Tem como objeto social a compra e venda de imóveis e, no âmbito da sua atividade, celebrou, em 31 de dezembro de 2015, um contrato de compra e venda com o B...– Fundo de Investimento Imobiliário Aberto (doravante abreviadamente designado de “B...” ou “Fundo”).
    5. O fundo B... era, à data da aquisição dos bens imóveis, um fundo de investimento imobiliário aberto (tipologia que continua a manter atualmente).
    6. No âmbito do referido contrato de compra e venda, adquiriu os seguintes prédios urbanos localizados em território português:

 

 

  1. À data da celebração do contrato de compra e venda não foi liquidado IMT, dado ter sido aplicada a isenção de imposto consagrada no artigo 7.º do Código do IMT – i.e., a isenção para a aquisição de imóveis para revenda.
  2. Uma vez que, decorrido o prazo de três anos consagrado na antedita norma, os imóveis em causa não foram efetivamente revendidos, foi emitido o ato de liquidação de IMT aqui controvertido, em 8 de fevereiro de 2019, no montante global de € 4.456.933,33.
  3. Sem prejuízo de ter efetuado o pagamento, integral e atempado, da liquidação de IMT, considera que tal ato tributário padeceu de vício de ilegalidade por violação do artigo 49.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) na redação em vigor à data de aquisição dos imóveis – i.e. no dia 31 de dezembro de 2015 – que previa uma redução para metade da taxa de IMT devida nas aquisições de bens imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública.
  4. Deste modo, apresentou pedido de revisão oficiosa contra o supra mencionado ato de liquidação, que se presumiu tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses, previsto no n.º 1, do artigo 57.º da LGT.
  5. A regulamentação jurídica dos Fundos de Investimento Imobiliário foi objeto de diversas alterações legislativas ao longo do tempo, nomeadamente no que se refere aos benefícios fiscais conferidos em sede de tributação do património imobiliário, tendo o legislador ordinário instituído, há muito, um regime de isenção, em sede de tributação do património imobiliário, aplicável aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário.
  6. O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, determinou que, até 31 de dezembro de 2018, estavam “isentas de sisa as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora”.
  7. O Decreto-Lei n.º 189/90, de 8 de junho, que aditou o artigo 56.º ao EBF, previa um regime de isenção, em matéria de contribuição autárquica, aplicável a fundos de investimento imobiliário. Em concreto, nos termos da redação primitiva do referido artigo 56.º do EBF estavam “isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário”. Este artigo foi, entretanto, alvo de alterações e com a revisão global do EBF por via da publicação do Decreto-Lei n.º 198/01, de 3 de julho, o artigo 56.º passou a artigo 46.º do EBF.
  8. Nos termos da redação do artigo 46.º do EBF (redação dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro – Lei do Orçamento do Estado para 2003), estavam “isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário e equiparáveis, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.
  9. No contexto da reforma da tributação do património, operada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro – diploma que revogou o Código da Contribuição Autárquica e o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, aprovou o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) e o Código do IMT –, o n.º 1, do artigo 46.º do EBF passou a prever, na redação conferida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, que ficam “isentos de imposto municipal sobre imóveis (IMI) e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.
  10. Deste modo, a referida norma passou a prever expressamente a isenção de IMT para prédios integrados no património de fundos de investimento imobiliário.
  11. Entretanto, o EBF foi objeto de republicação através do Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, tendo, na sequência da renumeração efetuada a este diploma legal, o artigo 46.º passado a artigo 49.º, mantendo-se a respetiva redação inalterada.
  12. Não obstante, com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2010 (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), o legislador, para efeitos de concessão do benefício fiscal em análise, restringiu o leque de organismos passíveis de figurar como entidades alienantes no âmbito de operações de transmissão de imóveis, por si detidos.
  13. Em face da alteração legislativa conferida pela Lei n.º 3-B/2010, o artigo 49.º do EBF passou a isentar de IMT (e de IMI) as aquisições de “prédios integrados em”: (a) “fundos de investimento imobiliário abertos”; (b) “fundos de pensões”; (c) “fundos de poupança-reforma”; que se constituam e operem ao abrigo da legislação nacional.
  14. Por sua vez, através da Lei do Orçamento do Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro), o legislador alargou o âmbito subjetivo da isenção contida no normativo sub judice, passando a incluir na sua redação os “fundos de investimento imobiliário (…) fechados de subscrição pública”.
  15. O referido enquadramento fiscal foi mantido em vigor até ao final do ano 2013, tendo sido substancialmente alterado com a publicação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2014. Nos termos desta última alteração promovida, que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2014, o artigo 49.º do EBF deixou de contemplar a aplicação de uma isenção integral às operações aí abrangidas, passando a prever que seriam “reduzidas para metade as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.
  16. Para efeitos da operação de aquisição dos bens imóveis efetuada pela Requerente ao Fundo no dia 31 de dezembro de 2015, deverá ser considerada a redação do artigo 49.º do EBF vigente à data dos factos, i.e. a redação desta disposição normativa conferida pela Lei n.º 83‑C/2013, de 31 de dezembro –, que previa, à data, que a transmissão de imóveis integrados no património de fundos de investimento imobiliário abertos (e restantes entidades ali identificadas) beneficiava da redução para metade da taxa de IMT.
  17. Em data posterior à do facto tributário sub judice, a disposição normativa em apreço foi, por fim, revogada através da alínea g) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2016, extinguindo-se, assim, definitivamente os mencionados benefícios fiscais.
  18. “[A] incidência de IMT regula-se pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária”, ou seja, no momento em que ocorrer a transmissão (cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º do Código do IMT).
  19. No que se refere à aplicação no tempo das normas sobre os benefícios fiscais, determina o artigo 12.º do EBF que “[o] direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos (…)”. Conforme já supra referido, nos termos previamente expendidos à data das transmissões dos imóveis sob apreciação – 31 de dezembro de 2015 – vigorava o artigo 49.º do EBF na redação introduzida pela Lei n.º 83‑C/2013, de 31 de dezembro, que previa, no que aqui importa destacar, que “[s]ão reduzidas para metade as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.
  20. É à luz da transcrita norma legal, e em função do seu específico recorte, que a questão sub judice deveria ter sido considerada pela AT quando procedeu à emissão do ato tributário de liquidação de IMT em 8 de fevereiro de 2019, e que deveria ter sido apreciada na Revisão Oficiosa por si peticionada.
  21. O teor literal do enunciado linguístico contido no artigo 49.º do EBF, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, é absolutamente claro quanto ao respetivo âmbito de aplicação: a referida isenção parcial de IMT, correspondente à redução para metade de taxa de imposto relevante aplica-se às transmissões onerosas de prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
  22. O direito à isenção de IMT pressupõe que o imóvel objeto da transmissão se encontre integrado no património de fundo de investimento imobiliário aberto, constituído e a operar de acordo com a legislação portuguesa.
  23. O sintagma adjetival — integrados — inserido na referida norma legal tem um sentido especificativo através do qual se pretende identificar algo (prédio) que se encontra incluído em — ou que faz parte de — um determinado património (fundo de investimento imobiliário aberto).
  24. De acordo com uma interpretação cingida à letra da lei, pode-se afirmar, desde logo, e sem margem para maiores dúvidas, que beneficiam da isenção consagrada na identificada norma legal os adquirentes de imóveis alienados por fundos de investimento imobiliário abertos, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa.
  25. Face ao exposto, resulta claro que o benefício fiscal em apreço (isenção parcial de IMT correspondente à redução para metade da taxa deste imposto) era aplicável a operações de aquisição de imóveis integrados / incluídos no património predial de fundos de investimento imobiliário abertos.
  26. Os imóveis adquiridos pela Requerente encontravam-se integrados no património de organismo de investimento coletivo que configurava, à data do facto tributário, um fundo de investimento imobiliário aberto, pelo que as aquisições em análise deveriam ter beneficiado da mencionada isenção parcial de IMT – o que não sucedeu in casu.
  27. Estava em causa um benefício de carácter automático, que resultava direta e imediatamente da lei, não pressupondo qualquer ato de reconhecimento.
  28. A AT liquidou incorretamente o IMT no ato tributário de liquidação deste imposto aqui controvertido, na medida em que não foi promovida a aplicação da isenção de IMT prevista no artigo 49.º do EBF, na redação vigente à data do facto tributário em apreço, o que implicou o pagamento indevido do imposto, na sua totalidade, no valor global de € 4.456.933,33.
  29. Nas aquisições de bens imóveis efetuadas ao Fundo e concretizadas pela escritura pública de compra e venda de 31 de dezembro de 2015, a taxa de IMT aplicável (6,5%) deveria ter sido reduzida para metade (para 3,25%) nos termos do artigo 49.º do EBF.
  30. O ato tributário de liquidação de IMT em apreço enferma de erro manifesto, por interpretação e aplicação erradas do Direito aplicável, devendo o mesmo ser parcialmente anulado, no montante global de € 2.228.466,67.
  31. Sendo o ato tributário de liquidação de IMT em apreço parcialmente ilegal, impõe-se, em consequência, a devolução do imposto indevidamente pago, que ascende a € 2.228.466,67, com todos os efeitos legais daí decorrentes.
  32. Para além do reembolso do imposto indevidamente liquidado, devem ser pagos, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, ambos da LGT, os respetivos juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária, desde a data do pagamento efetuado, devendo ser calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução, à taxa legal em vigor, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º, e do n.º 10 do artigo 35.º, ambos da LGT, do artigo 61.º do CPPT e do artigo 559.º do Código Civil e, ainda, da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

 

  1. Em 26 de maio de 2022, a Requerida apresentou resposta, na qual, para além, de se defender por impugnação, suscitou a caducidade do direito de ação, alegando, em síntese que:
    1. A liquidação de IMT identificada pelo DUC n.º..., incidiu sobre a aquisição, em 31-12-2015, dos prédios abaixo identificados, através de um contrato de compra e venda com B... .
    2. No momento da aquisição, a Requerente apresentou Declaração Modelo 1 de IMT, no âmbito da qual declarou tratar-se de prédios destinados a revenda e beneficiou de isenção nos termos do artigo 7.º do Código do IMT, tendo pedido, posteriormente, a liquidação do IMT na medida em que não revendeu os prédios no prazo de 3 anos.
    3. Quando foi solicitada a liquidação do imposto não foi requerida qualquer isenção, nomeadamente, aquela cujo direito a Requerente agora vem reclamar.
    4. Em 24-08-2021 (RH ... PT), a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa do referido ato de liquidação de IMT, com fundamento de que os mesmos padecem de vício de ilegalidade, por violação do artigo 49.º do EBF.

 

Da caducidade do direito de ação:

 

  1. A revisão dos atos tributários é permitida em prazos e com fundamentos diversos, consoante a iniciativa seja do sujeito passivo, no prazo da reclamação administrativa, com fundamento em qualquer ilegalidade, ou por iniciativa da AT, com fundamento em erro imputável aos serviços, no prazo de “…4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago”, considerando-se “erro imputável aos serviços o erro na autoliquidação” (Cfr. artigo 78.º da LGT).
  2. No caso em presença, é incontestável que o prazo para deduzir reclamação previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 70.º e no n.º 1 do artigo 102.º ambos do CPPT é de 120 dias contados do termo do prazo para pagamento voluntário, prazo que estava há muito ultrapassado, à data do pedido de revisão.
  3. A possibilidade de revisão nos moldes constantes da parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pressupõe a existência de um erro dos serviços, isto é, que não decorra de informação prestada pelo contribuinte.
  4. No caso, a liquidação de IMT foi emitida com base na declaração do contribuinte, no âmbito da sua obrigação declarativa, não tendo a Requerente indicado que pretendia usufruir de qualquer benefício fiscal.
  5. É evidente que não ocorreu qualquer erro dos serviços, nem sequer a Requerente demonstrou a existência de qualquer erro imputável aos serviços na emissão da liquidação impugnada.
  6. As liquidações de IMT objeto dos autos foram praticadas a partir da entrega das declarações modelo 1, isto é, com base na própria declaração do contribuinte, razão pela qual, não se preenche o requisito essencial à revisão, que o erro seja imputável aos serviços.
  7. Os pedidos de revisão oficiosa são, assim, intempestivos e, consequentemente, já se encontrava esgotado, em 06.07.2017, data da apresentação do presente pedido, o prazo para recurso à via arbitral em relação às liquidações em causa, gerando a exceção perentória da extemporaneidade e a consequente absolvição do pedido, nos termos do artigo 576.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, ficam, assim, prejudicadas as questões do direito ao reembolso e da condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Por Impugnação:

  1. Alega a Requerente que pelo facto de ter adquirido, em 31-12-2015, os imóveis em causa a um fundo de investimento imobiliário aberto, constituído e a operar de acordo com a legislação nacional, tem direito à isenção parcial de IMT, prevista no artigo 49.º do EBF, na redação vigente à data dos factos, conforme resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º do Código do IMT e do artigo 12.º do EBF. E continua defendendo que, consubstanciando aquela isenção, um benefício fiscal de carácter automático, na aceção do n.º 1, do artigo 5.º do EBF, os efeitos desse direito surgem imediatamente e sem mais na esfera do sujeito passivo, não pressupondo um pedido prévio por parte do sujeito passivo, nem a prática de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT.
  2. No que se refere à isenção contida no artigo 49.º do EBF, estabelece este artigo na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (OE/2014), que entrou em vigor em 2014-01-01 que “[s]ão reduzidas para metade as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.
  3. O n.º 1 do artigo 7.º do Código do IMT que prevê que “[s]ão isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do CIRS ou na alínea a) do n.º1 do artigo 109.º (atual117.º) do CIRC, consoante o caso, relativa ao exercício da atividade de comprador de prédios para revenda”.
  4. Em termos gerais, as condições para usufruir de uma isenção de IMT têm de ser aferidas no momento em que ocorre o facto gerador de imposto, que a isenção visa impedir.
  5. Como se lê no n.º 2 do artigo 5.º do Código do IMT, a obrigação tributária em sede de IMT constitui-se no momento em que ocorre a transmissão. É certo que, usufruir de uma isenção no momento em que ocorre a obrigação tributária traduz-se na verificação de um facto impeditivo da tributação e invalida (por inutilidade) a aplicação de uma outra isenção.
  6. No caso concreto, verifica-se que a ora Requerente optou por declarar na modelo 1 de IMT prévia ao ato translativo do prédio, uma outra isenção de IMT para impedir a tributação, que não a agora invocada, ao abrigo do artigo 49.º do EBF.
  7. É de referir que o ato de concessão de um benefício fiscal está legalmente vinculado e os pressupostos e procedimento de atribuição resultam diretamente da lei. Tendo sido a isenção, prevista no artigo 7.º do CIMT, requerida e usufruída pelo contribuinte no ato de aquisição, não existe possibilidade de atribuição posterior de outra isenção, por a lei não prever a sucessão ou acumulação destas isenções.
  8. O benefício fiscal do artigo 49.º do EBF, ao contrário do alegado, não é automático, mas sim de reconhecimento automático pelo Serviço de Finanças, carecendo sempre da entrega da declaração Modelo 1 de IMT, com a indicação em campo próprio do código da isenção requerida e da sua verificação e declaração pelo Serviço de Finanças (cfr. al. d) do n.º 8, do artigo 10.º e n.º 3 do artigo 19.º, ambos do Código do IMT).
  9. Com efeito, a isenção em causa, não se configura como sendo automática (como por exemplo é o caso da isenção de Imposto do Selo consagrada no artigo 6.º do Código do Imposto do Selo que funciona ope legis, nos termos do artigo 8.º do Código do IS) mas sim de reconhecimento automático, nos termos da segunda parte do referido n.º 1 do artigo 5.º do EBF.
  10. Depois da caducidade da isenção do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IMT, anteriormente concedida, por força do n.º 5, do artigo 11.º e al. d), n.º 8, do artigo 10.º e também do artigo 34.º do Código do IMT, o Sujeito Passivo, tem sempre que solicitar a emissão de liquidação através do modelo oficial, pelo que está sempre dependente de um procedimento de reconhecimento onde é invocada e culmina na emissão de um documento de liquidação, com ou sem reconhecimento implícito da isenção, gerando-se um ato (administrativo), nos termos da primeira parte do n.º 2 do artigo 5.º do EBF, caso a liquidação reflita o reconhecimento do benefício fiscal.
  11. Na presente situação, é facto provado, que a declaração apresentada (junta no PA) após a caducidade da isenção, para emissão de liquidação, não tinha assinalada a opção por qualquer isenção, razão pela qual, não procede o argumento da Requerente no seu artigo 71.º do pedido de pronúncia arbitral, quando diz: «De facto, estava em causa um benefício de carácter automático, que resultava direta e imediatamente da lei, não pressupondo qualquer ato de reconhecimento
  12. É que ainda assim, esta isenção, caso fosse possível ser atribuída, sempre dependeria de um pedido através da declaração Modelo 1 de IMT prévia à emissão da liquidação, conforme previsto na al. d) do n.º 8, artigo 10.º e também do artigo 34.º do Código do IMT. O que não fez. Recorde-se que, na data do ato translativo dos imóveis, também a Requerente, optou pela isenção prevista no artigo 7.º do Código do IMT, em detrimento de qualquer outra. Ora, não tendo optado por exercer o direito subjetivo à isenção prevista no artigo 49.º do EBF à data do ato translativo do imóvel, o exercício deste direito ficou precludido e deixou de existir na esfera jurídica da empresa adquirente.
  13. Na presente situação, tendo decorrido os 3 anos para a revenda e, por conseguinte, a caducidade da isenção de que a Requerente beneficiou ao abrigo do artigo 7.º do Código do IMT, depois da Requerente solicitar a sua emissão, a Entidade Requerida procedeu, em 2019, à liquidação do IMT ora em apreço.
  14. No referido procedimento de liquidação observou-se o disposto no n.º 2 do artigo 18.º do Código do IMT, já em vigor à data da aquisição (em 2015), que constitui norma especial quanto às taxas e valor tributável, a aplicar nestes casos, que determina que “(…) se ocorrer a caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação.”, razão pela qual, não tendo o imóvel sido revendido no prazo de três anos caducou a isenção e, por conseguinte, foi somente nessa altura que ocorreu a exigibilidade do imposto (cfr. artigo 34.º do Código do IMT). Assim, é com referência a esse momento que se devem apurar o VPT e a taxa a considerar na liquidação, incluindo eventuais reduções de taxa (cfr. n.º 2 do artigo 18.º do Código IMT), e que se inicia a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação (cfr. n.º 1 do artigo 35.º do Código do IMT).
  15. À data da exigibilidade deste imposto já não vigorava o artigo 49.º do EBF (o qual foi revogado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março), pelo que, também por este motivo, já não podia aplicar-se na liquidação ora contestada, sob pena de flagrante violação do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do Código do IMT.
  16. A liquidação do IMT ora controvertida mostra-se ter sido devida e legalmente emitida, não padecendo a mesma de quaisquer erros, tão pouco se verifica existir qualquer erro imputável aos serviços.
  17. A liquidação de IMT em crise assenta numa interpretação correta das normas de isenção fiscal e que nenhuma censura merece, devendo manter‑se por não padecer de qualquer ilegalidade.
  18. No caso em apreço não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços”, uma vez que, à data dos factos, a AT fez a aplicação da lei, vinculadamente pois como órgão executivo está adstrita constitucionalmente.
  19. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 55.º da LGT).
  20. Se o pedido de pagamento de juros fosse julgado procedente, o que por mera hipótese se concede, o mesmo seria enquadrável na al. c) do n.º 3, alínea c) do artigo 43.º da LGT, o qual determina que nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.

 

  1. A Requerente respondeu à exceção, em suma, nos termos seguintes:
    1. O n.º 1 do artigo 78.º da LGT estabelece que “[a] revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.
    2. Determinam os n.ºs 1 e 2, do artigo 41.º do Código do IMT que “os sujeitos passivos podem socorrer-se dos meios de garantia previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, sendo competente “o serviço de finanças que tenha efectuado a liquidação”, prevendo o artigo 42.º deste mesmo diploma legal que “[à] revisão oficiosa da liquidação [de IMT] aplica-se o disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária”.
    3. É entendimento unânime que o procedimento de revisão oficiosa constitui “(…) um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação)” (STA proc. n.º 0402/06, de 12 de julho de 2006).
    4. Não obstante a AT entender que o procedimento de revisão dos atos tributários por iniciativa do sujeito passivo ali previsto não é mais do que uma reclamação graciosa, pelo que o prazo e fundamentos daquele são coincidentes com os desta e, nessa medida, o limite temporal para a revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo é correspondente ao prazo geral de 120 dias consagrado para reclamação graciosa no âmbito do n.º 1 do artigo 70.º do CPPT, o STA tem vindo a decidir que o contribuinte, no prazo da revisão oficiosa, pode convidar a AT a despoletar essa mesma revisão.
    5. Sob pena de violação dos princípios constitucionais da legalidade, justiça e igualdade, a revisão oficiosa apresentada pela Requerente terá, forçosamente, de ser considerada um meio processual adequado à impugnação dos atos tributários de liquidação de tributos aqui em análise.
    6. Por motivo de erro (dos Serviços) procedeu ao pagamento de imposto que não era por si devido, pelo que a liquidação em apreço enferma de erro de direito. Erro que é imputável aos serviços, nos termos da parte inicial do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, na medida em que o IMT em apreço foi liquidado pela AT.
    7. Não só as instruções de preenchimento da declaração não contêm qualquer referência ao código identificativo do benefício fiscal que está em causa, como a aplicação do benefício não dependia de outros dados factuais que apenas pudessem ser conhecidos do declarante para além daqueles que já constavam da declaração, mormente a menção de que o titular do imóvel transmitido era, no caso, um fundo de investimento imobiliário.
    8. O que está em causa, por conseguinte, face aos termos em que a questão vem colocada no pedido arbitral, é uma errada aplicação do regime jurídico resultante da referida disposição do n.º 1 do artigo 49.º, do EBF, que não pode ser atribuída a uma qualquer deficiência ou omissão imputável ao próprio declarante.
    9. Não se verifica, nestes termos, a alegada caducidade do direito de ação, visto que, tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 24 de Agosto de 2021 e ocorrido a presunção de indeferimento tácito quatro meses depois, à data da apresentação do pedido arbitral, em 10 de Fevereiro de 2022, ainda não tinha decorrido o prazo de 90 dias a que se refere o artigo 10.º, n.º 1, do RJAT.
  2. Em 23 de junho de 2022, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos na alínea c) do artigo 16.º, no artigo 19.º e no n.º 2 do artigo 29.º, todos do RJAT, já que não existem factos controvertidos que convocassem a necessidade de produção de prova testemunhal.
  3. A Requerente apresentou alegações escritas em 12 de julho de 2022, tendo, no essencial, reiterado os argumentos antes apresentados.

 

  1.  SANEAMENTO

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 2.º, artigo 5.º e n.º 2 do artigo 6.º do RJAT.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. O processo não enferma de nulidades.
  4. A apreciação da tempestividade do pedido será feita no âmbito da matéria de direito.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO
    1. Factos dados como provados
      1. A Requerente procedeu à aquisição ao B... dos seguintes prédios no dia 31 de dezembro de 2015:

 

 

  1. O B... era, à data da aquisição dos bens imóveis, um fundo de investimento imobiliário aberto.
  2. À data da celebração do contrato de compra e venda não foi liquidado IMT dado ter sido aplicada a isenção de imposto consagrada no artigo 7.º do Código do IMT, contudo, decorrido o prazo de três anos sem que os imóveis em causa tenham sido efetivamente revendidos, caducou a referida isenção.
  3. Após a referida caducidade da isenção a Requerente apresentou declaração Modelo 1 de IMT na qual não mencionou que era aplicável o benefício fiscal previsto no artigo 49.º do EBF.
  4. O ato de liquidação de IMT aqui controvertido foi emitido em 8 de fevereiro de 2019, no montante global de € 4.456.933,33, que foi pago integral e pontualmente pela Requerente.
  5. Em 24 de agosto de 2021, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa do mencionado ato de liquidação de IMT, com vista à sua anulação parcial no valor de € 2.228.466,67.
  6. Em 10 de Fevereiro de 2022, a Requerente apresentou o presente pedido arbitral.

 

  1. Factos dados como não provados

 

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados. O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base nos documentos juntos ao pedido arbitral.

 

  1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
    1. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2, do artigo 123.º do CPPT, n.º 3, do artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º, do CPPT,
    2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. atual artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi al. e) do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT).
    3. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
    4. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

  1. DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

  1. No essencial, existem seis questões que devem ser abordadas na decisão do presente Acórdão e que se relacionam com:
  1. A tempestividade do PPA;
  2. O momento temporal relevante para determinar qual o regime fiscal em vigor (nomeadamente o regime isentivo), i.e., a data do facto translativo, ou a data da caducidade da isenção de IMT aplicável à compra de imóveis para revenda;
  3. Caso se venha a considerar que o momento relevante é a data do facto translativo, qual o regime fiscal aplicável, i.e., se a aquisição de imóveis a um fundo de investimento imobiliário aberto beneficiaria de uma isenção parcial de IMT;
  4. Se o benefício de uma isenção obsta à aplicação de outra isenção em caso de caducidade da primeira e, em caso afirmativo;
  5. Se a Requerente pode beneficiar da isenção então prevista no artigo 49.º do EBF, sem que tenha efetuado o pedido em tempo (i.e., se existe efetivamente uma diferença entre isenções automáticas e isenções de reconhecimento automático); e
  6. Caso se venha a concluir que a Requerente tem direito à isenção de IMT cuja aplicação vem reclamar no presente processo, se tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto.
  1. Relativamente ao ponto (1), a tempestividade do PPA, considera este Tribunal, em linha com o que tem sido a jurisprudência constante do STA, que o conceito de erro imputável aos serviços deve ser interpretado no sentido de abranger qualquer ilegalidade, excecionando-se apenas do seu escopo os vícios procedimentais (Cfr. inter alia, Acórdão do STA proferido em 05.06.2002, proc. n.º 392/02).
  2. Com efeito, erro imputável aos serviços não significa culpa dos serviços, abarcando o conceito o “erro em sentido estrito”, resultante de uma deficiência técnica dos próprios serviços de liquidação, ou a um “erro em sentido lato”, resultante de vício da lei (Cfr. inter alia, Acórdão do STA proferido em 05.06.2002, proc. n.º 392/02).
  3. Por outro lado, quanto aos termos em que deve ser interpretada a imputabilidade do erro, referiu recentemente o STA que “o termo «imputável» vale, aqui, em primeira linha, com o significado, comum, de «suscetível de ser imputado; atribuível», o qual, conformado com a, necessária, compatibilização aos interesses em jogo (no art. 78.º da LGT), quer dizer, erro, no sentido de ilegalidade, não resultante de, provocada por, atribuída a, uma informação/declaração/intervenção do contribuinte ou obrigado tributário” (Acórdão do STA proferido em 07.04.2022, proc. n.º 02031/16.0BEBRG).
  4. Portanto, o erro não pode ser imputável ao sujeito passivo por conduta negligente, mas à administração tributária, conforme evidencia Paulo Marques, A revisão do ato tributário. Do mea culpa à reposição da legalidade, Cadernos IDEFF, n.º 19, 2.ª edição revista e atualizada, Almedina, 2017, p. 218.
  5. Tendo isto presente, considera este Tribunal que a existir efetivamente um erro, conclusão que apenas pode ser alcançada após a apreciação do mérito da causa, este erro é suscetível de ser imputado/atribuível à AT, já que a eventual ilegalidade resultante da não aplicação do benefício fiscal então previsto no artigo 49.º do EBF não resultou de uma informação/declaração/intervenção da Requerente que possa ter induzido a AT em erro. Pelo menos, e no limite, não resultou exclusiva ou primordialmente de uma atuação da Requerente.
  6. Na verdade, e conforme se desenvolve abaixo, o artigo 49.º do EBF consagra um benefício fiscal automático que, consequentemente, não pressupunha um ato posterior de reconhecimento, pelo que deveria ter sido aplicado pela AT no momento da liquidação do imposto. 
  7. Compreendendo-se a argumentação da AT relativamente à falta de iniciativa do particular na obtenção da referida isenção, a AT poderia e devia, como garante da aplicação da lei (incluindo das normas de desagravamento), apreciar e validar a legalidade da declaração de imposto, pelo que a existir ilegalidade, esta é imputável aos serviços.
  8. Mais do que isso, não o tendo feito, não pode a AT alhear-se deste facto, como se a falta de um requerimento por parte da Requerente fosse preclusivo do benefício de um direito a um regime que resulta diretamente da lei, invocando que a não aplicação de um benefício fiscal que é automático e que, consequentemente, inquina a liquidação de IMT, não lhe é “imputável”.
  9. Em face do exposto, considera este Tribunal que, julgando-se ilegal a liquidação de IMT contestada, será necessariamente improcedente a exceção de caducidade do direito de ação, já que uma tal ilegalidade é subsumível ao conceito de “erro imputável aos serviços”, sindicável através do mecanismo da revisão oficiosa, previsto no n.º 1, 2.ª parte, do artigo 78.º da LGT.
  10. No que respeita ao ponto (2), ou seja, o momento temporal relevante para determinar qual o regime fiscal em vigor (nomeadamente o regime isentivo), as duas teses em confronto, apontam para dois momentos potencialmente relevantes: (a) a data do facto translativo, como defende a Requerente, e (b) a data da caducidade da isenção relativa à compra de imóveis para revenda, tese defendida pela Requerida.
  11. Ora, a respeito, considera este Tribunal que o momento relevante deverá ser a data do facto translativo.
  12. Por um lado, resulta diretamente do Código do IMT que a incidência deste imposto se regula pela “legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária”, o que nos remete, nos termos do mesmo código para o “momento em que ocorrer a transmissão” (cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º do Código do IMT).
  13. Ora, a aplicação de uma isenção não afeta nem a incidência objetiva do imposto, nem o momento em que a obrigação tributária nasce. A isenção limita‑se a suspender temporária ou permanentemente a tributação através da subtração de um facto ou sujeito à aplicação do imposto. Trata-se, como refere Alberto Xavier, de um “facto impeditivo” (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal I, Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa, 1974, p. 282).
  14. No fundo, como refere Nuno Sá Gomes, “estamos perante uma tributação sujeita a condição suspensiva isto é, há tributação, que fica suspensa do facto beneficiado. (…) Na verdade, talvez se possa afirmar que, havendo benefício fiscal, de certo modo a tributação está sempre sujeita a condição legal suspensiva, pois logo que se extingam os efeitos do benefício, ressurge, automaticamente, a tributação-regra” (Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (165), Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1991, pp. 78-79).
  15. Assim, caso uma isenção venha a caducar, o facto impeditivo desaparece, reaparecendo simultaneamente a mesma obrigação tributária que, consequentemente, nasceu no momento da transmissão dos imóveis.
  16. Cumpre não esquecer, que o facto tributário isento, ainda cabe na tributação-regra. Quer isto dizer que, sem a isenção, haveria lugar a tributação efetiva. Isto para dizer, que o facto tributário continua a ser a transmissão onerosa dos imóveis à qual, nos termos das regras gerais de aplicação da lei no tempo, se deve aplicar a lei em vigor nesse momento (Cfr., artigo 12.º da LGT).
  17. Por outro lado, ainda, “[o] direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos (…)”, o que também nos aponta para aplicação da lei em vigor no momento da transmissão do imóvel (Cfr., artigo 12.º do EBF).
  18. Mas mais do que isso, sendo a isenção aplicável, conforme se demonstra abaixo, o regime isentivo aplica-se mesmo após a revogação da norma.
  19. Neste sentido, dispõe o n.º 1 do artigo 11.º do EBF que as “normas que alterem benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários, não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal respectivo, em tudo que os prejudique, salvo quando a lei dispuser em contrário”.
  20. Por último, sempre será de referir que o n.º 2 do artigo 18.º do Código de IMT, relativo à caducidade de isenções, apenas manda aplicar “a taxa e o valor” vigentes à data da liquidação. A norma não se refere, nem poderia, pelas razões acima aduzidas, à aplicação, ou não de isenções.
  21. Relativamente à questão (3), i.e., se a aquisição de imóveis a um fundo beneficiaria de uma isenção parcial de IMT, considera este Tribunal que, com a publicação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2014, o artigo 49.º do EBF passou a prever a redução “para metade as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.
  22. Pelo que a referida norma estava em vigor na data da transmissão dos imóveis acima identificados.
  23. A este respeito, cumpre salientar que a isenção de IMT acima descrita tem um teor objetivo, i.e., aplica-se aos imóveis, desde que estes estejam “integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.
  24. Ora, se para a isenção operar, o imóvel tem de estar já integrado no fundo, significa que o sujeito passivo que beneficiará deste desagravamento será o adquirente do imóvel ao fundo. Por outras palavras, a isenção opera na aquisição de imóveis por terceiros a fundos (nomeadamente abertos) que operem de acordo com a legislação nacional.
  25. Entrando no ponto (4), ou seja, se o benefício de uma isenção obsta à aplicação de outra isenção em caso de caducidade da primeira, considera este Tribunal que o facto de ter sido solicitada a aplicação da isenção relativa à compra de imóveis para revenda, não obsta à aplicação da isenção prevista, à data da transmissão do imóvel, no artigo 49.º do EBF.
  26. Defende a AT, neste contexto, que tendo “sido a isenção, prevista no artigo 7.º do CIMT, requerida e usufruída pelo contribuinte no ato de aquisição, não existe possibilidade de atribuição posterior de outra isenção, por a lei não prever a sucessão ou acumulação destas isenções”. Contudo, contrariamente ao que defende a AT, entende este Tribunal que a isenção prevista no artigo 49.º do EBF não é “atribuída”, dado que esta resulta diretamente da lei.
  27. Resultando diretamente da lei, a isenção sempre se aplicou desde o momento da verificação do facto tributário.
  28. O funcionamento de uma isenção não é abstrato, é concreto. Significa isto que a isenção, qualquer isenção, apenas funciona com referência a uma norma de incidência concreta (subjetiva ou objetiva, consoante o âmbito de aplicação da isenção).
  29. Funcionando com referência a uma norma de incidência e a um facto gerador de imposto em concreto, a isenção retroage os seus efeitos ao momento em que estes deveriam produzir efeitos.
  30. Dito de outra forma, ambas as isenções (a do artigo 7.º do Código do IMT e a do artigo 49.º do EBF) retroagem os seus efeitos ao momento em que se verifica o facto gerador de imposto: o momento da transmissão do imóvel.
  31. Tratando-se de uma isenção automática, não devem restar dúvidas que os efeitos impeditivos da tributação se aplicam desde a verificação dos seus pressupostos.
  32. Neste sentido, recupera-se, uma vez mais, o regime relativo à constituição do direito aos benefícios fiscais, previsto no artigo 12.º do EBF, que determina que o “direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo”.
  33. Compreendendo-se a argumentação da AT quando refere que o benefício fiscal previsto no artigo 49.º do EBF “não é automático, mas sim de reconhecimento automático” e não se procurando, aqui, nenhuma censura à atuação da AT, a verdade é que, estando os pressupostos da mesma verificados, a isenção será aplicável não considerando este Tribunal que - nos termos do artigo 12.º do EBF - a não entrega atempada da modelo 1 invocando o direito ao benefício constitua fator preclusivo do seu direito.
  34. A este respeito, e ainda que sobre uma situação não inteiramente coincidente mas pertinente para o que aqui nos importa, veja-se a decisão arbitral proferida em 25.10.2021, no proc. n.º 363/2021-T (na qual foi árbitro singular um dos signatários do presente Acórdão, o Professor Francisco Nicolau Domingos), e na qual se referiu o seguinte: “A questão que agora se coloca é a seguinte: existe algum princípio que impeça a cumulação de benefícios fiscais distintos ou o seu reconhecimento/atribuição em momentos sucessivos da vida de um imposto ou mesmo a «convolação» de isenções?

A resposta à questão é negativa – não existe princípio aplicável que vede em relação a uma determinada situação de facto, a aplicabilidade de diversos benefícios fiscais «concorrentes» entre si. A «convolação» de isenções é, até, admitida por parte da AT na doutrina administrativa – Circular 18, de 11/10/1995 da Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património – do seguinte modo: “[a] convolação da isenção é requerível em qualquer altura, mantendo-se em pleno vigor os restantes condicionalismos e procedimentos evidenciados naquela circular 16/88”.

  1. O direito ao benefício fiscal previsto no artigo 49.º do EBF formou-se na esfera jurídica da Requerente pelo mero preenchimento dos requisitos previstos naquela norma legal, i.e., à data do ato translativo.
  2. No que concerne ao ponto (5), ou seja, se a Requerente pode beneficiar da isenção sem que tenha efetuado o pedido em tempo (i.e., se existe efetivamente uma diferença entre isenções automáticas e isenções de reconhecimento automático), tal como já se referiu acima, entende este Tribunal que, compreendendo-se a argumentação da AT, a isenção deve aplicar-se, ainda assim, retroagindo os seus efeitos à data da verificação dos respetivos pressupostos.
  3. Nestes termos, o erro na liquidação não pode ser imputável a conduta negligente do sujeito passivo, mas antes à administração tributária.
  4. Conforme refere a jurisprudência, no acórdão arbitral n.º 230/2019-T, de 13 de dezembro de 2019, “[u]ma correcta interpretação do art.º 78.º da LGT há-de impor uma leitura valorativamente exigente do que seja ou possa considerar-se para estes efeitos “erro”. Ainda que o contribuinte, aquando da entrega da declaração Mod. 1 não tenha preenchido os campos 49 e 50 referentes a benefícios fiscais, afigura-se não poder a Requerida sustentar que de todo ignorava e não tinha a obrigação de conhecer que o alienante do bem que ia ser transmitido era um fundo de investimento imobiliário aberto e que o n.º 1 do art.º 49.º do EBF concedia benefícios fiscais em transacções imobiliárias em que fossem intervenientes fundos de investimento imobiliário abertos.”.
  5. Assim, o cumprimento defeituoso do dever de colaboração, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, justificou, no referido processo, a subsunção judicial a “erro imputável aos serviços”, pois existiam elementos de facto (designadamente, o conhecimento da natureza do alienante dos prédios) que podia, e devia, ter utilizado na liquidação.
  6. No caso sub iudice, a Autoridade Tributária e Aduaneira não podia ignorar – perante o pedido de liquidação, após a caducidade da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, do CIMT – que os prédios transmitidos eram de um Fundo de Investimento Imobiliário Aberto e, assim, que o artigo 49.º, n.º 1, do EBF concedia um benefício fiscal nas transmissões onerosas de imóveis dos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos.
  7. Em face do exposto, julga-se ilegal a liquidação de IMT contestada, razão pela qual se considera improcedente a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida, já que uma tal ilegalidade é subsumível ao conceito de “erro imputável aos serviços”, sindicável no prazo de 4 anos através do mecanismo da revisão oficiosa previsto no n.º 1, 2.ª parte, do artigo 78.º da LGT.
  8. Finalmente, no que se refere ao ponto (6) relativo à data a partir da qual a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, sempre será de dizer que tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 24 de agosto de 2021, os juros indemnizatórios apenas serão devidos a partir de 24 de agosto de 2022 por força do disposto na al. c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT e não desde a data do pagamento do imposto conforme peticiona a Requerente.
  9. Neste preciso sentido, entendeu o STA no acórdão proferido em 29.6.2022, proc. n.º 093/21.7BALSB, que “[p]edida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr.artº.78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al.c), da L.G.T.”
  10. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular parcialmente a liquidação de IMT n.º ..., emitida a 8 de fevereiro de 2019, no montante de € 2.228.466.66, correspondente a 50% da liquidação original no montante de € 4.456.933,33.
  2. Condenar a Requerida no reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde 24 de agosto de 2022.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 2.228.466.66, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 97.º‑A, do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 29.070,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida.

 

Notifique-se.

 

CAAD, Lisboa, 19 de outubro de 2022

 

A Árbitra-Presidente

Carla Castelo Trindade

                                

O Árbitro-Adjunto e Relator            

Leonardo Marques dos santos

 

O árbitro-Adjunto

Francisco Nicolau Domingos