Sumário:
I - É admissível a cumulação de pedidos relativos a diferentes impostos na medida em que o RJAT não exige uma identidade absoluta entre os mesmos; por razões de economia e celeridade processual; materializadas no princípio pro actione, enquanto corolário do princípio da tutela jurisdicional efetiva.
II – Não são dedutíveis as despesas de ajudas de custo que não cumpram os requisitos documentais acrescidos do art. 23.ºA, n.º 1, al. h), do CIRC e a requerente não as consegue comprovar de forma efetiva, por outros meios.
III – Não são dedutíveis, nos termos do art. 23.º do CIRC, as despesas suportadas pela requerente que apenas beneficiam as outras sociedades do grupo – mas que não possuem qualquer interesse ou caráter empresarial para a própria requerente.
IV – Não são dedutíveis, nos termos do art. 23.º do CIRC, os serviços faturados por empresa do grupo, mas que tenham caráter insólito ou inusual – e a requerente não prove, de forma efetiva, o motivo da sua efetivação e que a tenham beneficiado ou se liguem com a sua atividade.
V – Não se pode deduzir o IVA (nos termos do art. 20.º do CIVA) em relação a despesas registadas pela requerente, mas que não se prove o mínimo de adesão com a sua atividade e interesse empresarial, mas que foram registadas apenas para o interesse do grupo ou de outras sociedades do grupo.
Decisão arbitral
O árbitro Tomás Cantista Tavares, designado pelo CAAD para formar o Tribunal arbitral singular, constituído em 4/5/2022, acorda no seguinte:
1. Relatório
A..., SA, NIPC..., com sede no ..., lojas .../.... Odivelas (doravante A... ou Requerente), apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n,º 1, al. a), e 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), com vista à declaração de ilegalidade dos seguintes atos tributários em IRC (2017 e 2018) e IVA (2018) - doc. 1 a 4 do Requerimento Inicial, doravante RI:
ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2021..., quanto ao ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2021... e quanto à demonstração de acerto de contas de IRC n.º 2021... .
ato de liquidação adicional de IRC n.º 2021..., quanto aos atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2021 ... e 2021 ... e quanto à demonstração de acerto de contas de IRC n.º 2021 ...,
atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º 2021 ..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., quanto às demonstrações de acerto de contas de IVA n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., quanto aos correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021... e n.º 2021... e ainda quanto às respetivas demonstrações de acerto de contas de IVA n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021..., n.º 2021... e n.º 2021... e quanto aos ato de correção de liquidação de IVA n.º... .
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT. O árbitro comunicou a sua aceitação no prazo aplicável. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro.
O tribunal arbitral singular foi constituído em 4/5/2022.
A AT respondeu por exceção e impugnação, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente – como se analisará adiante. A Requerente efetuou resposta escrita relativamente à questão da exceção, em respeito do contraditório.
Em 12/7/2022 foi realizada a reunião do art. 18.º do RJAT, seguida da inquirição das testemunhas. Na pendência da inquirição, revelou-se útil a junção de documentos, por parte da requerente, tendo sido dado prazo de vista à requerida.
As alegações finais foram orais e realizadas no dia 14/9/2022 – a as partes reproduziram e sistematizaram, no essencial, os argumentos esgrimidos nas suas peças escritas.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Perante os argumentos das partes, há dois tipos de questões que importa analisar e decidir:
a) Questão prévia: (i)legal cumulação de pedidos (de IRC e IVA na mesma ação arbitral), absolvendo-se (ou não) a Requerida da instância quanto à totalidade do pedido, ou subsidiariamente, quanto à parte do pedido que não pode prosseguir para apreciação do Tribunal.
b) Questões de fundo: em relação ao IRC, são as seguintes, por anos, como melhor se verá adiante (valores de correção à matéria coletável).
Não existem discrepâncias quantitativas entre as partes, mas apenas de qualificação dessas despesas como fiscalmente dedutíveis ou não ao IRC da requerente.
Em relação ao IVA (2018), as correções cingem-se à situação de que, para a AT, o IVA suportado com os serviços de terceiros não poderia ser deduzido pela requerente, nos termos
do art. 20.º do CIVA, pois não teriam sido suportados para a realização de atividades sujeitos e não isentas de IVA – com correções no valor total de 21.559,37€.
2. Exceção de ilegal cumulação dos pedidos
Na resposta, a AT invoca exceção, por ilegal cumulação de pedidos (dois tributos diferentes [IRC e IVA] na mesma ação arbitral), que se traduz, na sua ótica em exceção dilatória que conduz à absolvição da Requerida da instância quanto à totalidade do pedido, ou subsidiariamente, quanto à parte do pedido que não pode prosseguir para apreciação do Tribunal.
A requerente deduziu ação arbitral contra liquidações adicionais de IRC (2017 e 2018) e várias liquidações adicionais de IVA (2018). Sustentam-se, todas elas, no mesmo relatório inspetivo; e as liquidações de IVA reportam-se, todas elas, aos factos relativos aos serviços prestados a B...– que, na ótica da AT, não seriam dedutíveis em sede de IRC (pelo art. 23.º do CIRC) nem o IVA poderia ser deduzido (nos termos do art.20.º do CIVA) – onde apesar de identidade dos factos e divergência jurídica, se indica, no relatório inspetivo, que se situam “na mesma linha de pensamento”.
Segundo a AT, o RJAT (art. 3.º do RJAT) não contempla a possibilidade de apreciação de impostos diversos: IVA e IRC; ainda que decorram do mesmo relatório inspetivo, porque ao cumularem-se pedidos de impostos diferentes não se efetua a interpretação e aplicação dos mesmos pedidos e regras de direito, ainda que a factualidade seja parecida, mas nunca é a mesma, mesmo que em relação a idêntica mancha factual – de um lado temos o art. 23.º do CIRC e do outro o art. 20.º do CIVA. Logo, só é possível cumular pedidos caso o tribunal seja chamado a pronunciar-se sobre a ilegalidade de liquidações relativas ao mesmo imposto. Mais invoca que esta tese tem sustento nas decisões arbitrais dos processos 258/2019-T e 586/2019-T.
A requerente respondeu pugnando pela improcedência desta exceção: não existe ilegal cumulação de pedidos, com base, em síntese, nos seguintes argumentos:
O art. 3.º, n.º 1, do RJAT não faz referência à identidade de tributos: tal significa que pode haver uma ação arbitral em que seja solicitada, por exemplo, a declaração de ilegalidade de liquidação de IRC e IVA, desde que tenham a mesma factualidade, no mesmo relatório inspetivo. Para tal, louva-se na posição de Jorge Lopes de Sousa, em Comentário ao Regime da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira (coordenação), Almedina, 2013, p. 145-148. E conclui, dizendo que para que
a cumulação de pedidos seja admissível não se exige uma identidade absoluta das situações fácticas; basta que seja essencialmente idêntica a questão jurídico-fiscal a apreciar e que a situação fáctica seja semelhante nos pontos que relevem para a decisão. Os factos serão essencialmente os mesmos quando forem comuns às pretensões dos autos, de forma a que se possa concluir que, se se provarem os alegados relativamente a um ato, existirá o suporte fáctico total ou parcialmente necessário para a procedência das pretensões de todos os pedidos. A requerida nada refere sobre a redução proporcional do pedido. E invoca ainda jurisprudência arbitral em favor da sua tese: Sentenças dos processos 333/2019-T, 350/2020-T, 243/2021-T, 324/2016-T e 209/2015-T.
Analisadas as posições das partes, importa decidir:
De acordo com o art. 3.º, n.º 1 do RJAT – “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
Como é bom de ver, este preceito não exige, expressis verbis, que a ação arbitral diga respeito apenas a um mesmo tributo. Segue-se assim, por adesão, à jurisprudência dos tribunais arbitrais que em interpretação desta norma, declara que é possível a cumulação de pedidos relativos a impostos de diferente natureza (cfr. por todos, o proc. 333/2019 e 350/2020-T) – e nesse sentido não exige uma identidade absoluta de facto e de direito entre os pedidos, até porque a matéria de direito será naturalmente distinta quando estiverem em causa impostos diferentes. Basta, com efeito, que seja essencialmente idêntica a questão de facto nos pontos que relevam para a decisão e existe certa similitude na questão de direito, ainda que reportada a impostos diferentes.
É isso o que sucede no caso dos autos: o tema das correções de IVA reporta-se à mesma factualidade de parte das correções em IRC (constantes aliás do mesmo relatório inspetivo): as mesmas relações de prestação de serviços com B..., Lda.; com desconsideração em sede de IRC e “na mesma linha de pensamento” com a não aceitação da dedução do IVA. Logo, existe identidade para efeitos do art. 3.º do RJAT.
Acresce que a solução a preconizar tem de ser aquela que melhor se adequa a razões de simplicidade e economia processual. E essa é a que permite a cumulação de pedidos de IRC e IVA como no caso dos autos, para evitar multiplicação de ações arbitrais, com burocracia e duplicação e sem qualquer ganho associado; bem ao invés, com a possibilidade de diversa constatação de factos provados (idênticos para ambos os processos), com riscos processuais desnecessários.
Por fim, perante posições divergentes em questões processuais e de competência dos tribunais, sufraga-se sempre a posição com apoio legal que penda para a apreciação do fundo da causa, como corolário do princípio pro atione, em emanação da tutela judicial efetiva.
Assim, julga-se improcedente a exceção invocada pela requerida, admitindo-se a cumulação de pedidos efetuada pela requerente. E não existem outras exceções ou nulidades que obstem ao conhecimento do pedido.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
a) A Requerente possui vários salões de cabeleireiro, onde presta os mais variados serviços associados a esta atividade e afins.
b) A requerente insere-se no grupo C..., cuja cúpula (D... SGPS) detém o capital social da requerente e de outras sociedades que exploram outros cabeleireiros e atividades de serviços partilhados de logística e de recursos humanos – mas não são tributadas todas elas em IRC, ao abrigo do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS).
c) A requerente foi alvo de inspeção tributaria ao IRC e IVA – e após emissão e notificação de relatório inspetivo com correções, foi alvo de liquidações de IRC (2017 e 2018) e IVA (vários períodos de 2018).
d) Inconformada, deduziu reclamação graciosa contra as liquidações de IRC e IVA e presumindo o seu indeferimento tácito – apresentou a presente ação arbitral.
e) A requerente efetuou pagamentos de ajudas de custo aos seus funcionários (para deslocações, em geral, para outros estabelecimentos de cabeleireiros da requerente), mas os mapas de ajudas de custo não individualizam de forma concreta a atomística, o tempo de permanência e os objetivos da deslocação.
g) A requerente efetuou pagamentos de ajudas de custo aos seus funcionários para deslocações, em geral, para outras empresas do grupo C...; e não faturou esses valores a essas empresas, com margem.
h) A requerente efetuou pagamentos de abonos de Kms aos seus aos seus funcionários (para deslocações, em geral, para outros estabelecimentos de cabeleireiros da requerente), mas os mapas de kms não individualizam de forma concreta a atomística, as matrículas e propriedade da viatura em causa.
i) As funcionárias emitiram declaração sobre os valores recebidos por Kms percorridos em deslocações para outros estabelecimentos da requerente, mas não se identificam as matrículas e propriedade dos veículos em causa (doc. 18 do requerimento inicial).
j) A requerente efetuou pagamentos de kms aos seus funcionários (para deslocações, em geral, para outras empresas do grupo C...); e não faturou esses valores a essas empresas.
k) Em março de 2018, a sociedade B... Lda emite fatura com descrição “serviços efetuados em 2017” (em que a contraparte é a requerente).
l) Esses serviços dizem respeito aos serviços de logística, manutenção e deslocações correspondentes ao trabalho desenvolvido pelo funcionário E..., relativos à parte imputável à Requerente (referente ao vencimento, encargos sociais, ajudas de custo e à compensação de kms do aludido funcionário).
m) Esse colaborador foi funcionário de “F..., Lda” até Setembro de 2017; e depois passou a ser funcionário de B..., Lda.
n) G... e H... são acionistas e gerentes da sociedade B..., Lda.
o) A B..., Lda dedicava-se à atividade imobiliária e não fazia parte do grupo C...– não estava “por baixo” da D..., SGPS mas era detida por dois sócios da D... SGPS, os referidos H... e G... .
p) A B..., Lda emitiu várias faturas à requerente de prestação de serviços de gestão e administração, de julho de 2017 a dezembro de 2018, mensais, no valor mensal de 5.316,89€ (as de 2017 foram emitidas em 2018).
q) Em 2017 e 2018, a G... e H... não receberam qualquer remuneração por parte da Requerente – como administradores dessa empresa.
r) A requerente não sabe qual o critério subjacente ao valor mensal da prestação do serviço de gestão.
s) A intervenção da B... na definição de um fee mensal de gestão fica-se a dever ao bloqueio legal entre os acionistas do grupo C... . Antes desse conflito não havia qualquer prestação desse serviço e após a extinção desse conflito (início da resolução) cessou esse fee de gestão.
t) G... e H... são administradores da requerente.
u) A Empresa B... debitou gastos incorridos pelos seus administradores (deslocações), sem se aferir os motivos concretos dessas despesas (se próprias da requerente ou em benefício de todo o grupo), cujo quantitativo foi apurado com base numa grelha de repartição com base no volume de negócios de cada empresa do grupo (repartição) acrescida de uma margem de 30%, no valor total de 2.965.9€ em 2018 para a requerente.
v) A B... adquiriu material diverso: ferramentas, utensílios, material de escritório e de informática e telemóvel Iphone, no montante total de € 11.076,22 que majorado em 30% (lucro), perfaz o valor de € 14.399,09, que foi imputado a cada uma das sociedades do grupo C...– cabendo o montante de 2.551,95€ à requerente (com base na proporção dos volumes de negócios).
u) A requerente contabilizou como gastos as despesas inerentes à compensação por deslocação em viatura própria ao serviço da entidade patronal, de funcionário de lojas (diversas lojas do grupo C...), para se deslocarem ao armazém para ir “buscar produtos” (Alcabideche), para as lojas, resultantes das faturas emitidas por B... Lda, inerentes à deslocação do funcionário E..., para a realização de serviços de manutenção e aprovisionamento.
v) A intervenção da B..., Lda em todos estes serviços fica-se a dever ao bloqueio legal do grupo C... (e suas sociedades) motivado por fortes conflitos entre os acionistas (pessoas singulares) da D... SGPS – que criaram inúmeros constrangimentos na atividade operacional e financeira das sociedades detidas pela D... SGPS – e a intervenção da B... permitia que essas sociedades continuassem a laborar, com a emissão de faturas de prestação de serviços, a maior parte das vezes acrescidas de margem, para assim libertar fluxos financeiros para o funcionamento do grupo C... .
x) Em final de 2021, a requerente emitiu várias faturas (às outras sociedades do grupo de cabeleireiros) relativas a prestação de serviços de cabeleireiro de 2017 e 2018 (doc. 14 e 15 juntos com o requerimento inicial).
Y) os valores das correções de IRC são os seguintes (correções à matéria coletável):
Z) As correções de IVA (2018) cingem-se à situação de que, para a AT, o IVA suportado com os serviços de terceiros não poderia ser deduzido pela requerente, nos termos do art. 20.º do CIVA, pois não teriam sido suportados para a realização de atividades sujeitos e não isentas de IVA – com correções no valor total de 21.559,37€.
3.2. Factos não provados
Os seguintes factos não se consideram provados:
a) Não se provou um qualquer interesse próprio, “egoístico” e específico e mensurado da requerente para auxiliar as outras empresas do grupo C...– suportando ajudas de custo e kms dos seus funcionários para em geral se deslocarem a esses outros cabeleireiros (para aí trabalharem).
b) Não se provou que a fatura de março de 2018 passada por B..., Lda relativa aos serviços efetuados em 2017 por E... digam respeito ao momento e trabalhos deste colaborador enquanto funcionário da B..., já que o mesmo foi funcionário de outra empresa até setembro de 2017.
c) Não se provaram as motivações ou interesse empresarial próprio da Requerente para incorrer em gastos de viagens no valor imputado de 2.965,96€
d) Não se provou que os gastos de material diversos pagos pela C... e imputado em parte à requerente estejam conexos com a atividade do sujeito passivo; e que a requerente tenha beneficiado com essas aquisições na sua atividade empresarial.
e) Não se provou o motivo pelo qual a sociedade B... Lda, faturou à Requerente a utilização de suas viaturas ou, se de facto, a Requerente utilizou realmente as referidas viaturas – ou se a sua utilização foi no seu benefício próprio.
f) Não se provou que as despesas com os serviços de gestão tituladas pelas faturas emitidas pela B..., se enquadrem e tenham conexão com a atividade da A... .
g) não se provou que as faturas emitidas pela requerente em 2021 (doc. 14 e 15 do Requerimento inicial) digam exatamente respeito aos valores liquidados à requerente por kms e ajudas de custo a funcionárias que prestaram serviços nas outras empresas do grupo – por discrepância entre os valores objeto da liquidação de imposto e os referidos nas faturas, mesmo aceitando uma margem.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada (art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 607.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. a) e e) do RJAT).
Os factos provados baseiam-se em documentos juntos aos autos, cujo conteúdo é aceite pelas partes e num conjunto de factos gerais descritos pela requerente sobre a sua atividade e também em parte na prova testemunhal, como se verá a seguir.
Os factos não provados sustentam-se na ponderação da prova produzida como um todo, nas alegações e suspeições fundadas da requerida, e nos elementos de prova oferecidos pela requerente, documentais e testemunhais, que não foram de modo a convencer o tribunal da prova desses factos.
Quanto aos depoimentos da parte e testemunhas importa esclarecer:
O depoimento de parte de G... foi analisado e valorado como depoimento de parte: explicou o bloqueio acionista de forma convincente e coerente, mas não soube explicar matérias tributárias relevantes, nomeadamente a forma de cálculo do fee de gestão e o porquê da sua existência, para lá de motivado pelo bloqueio acionista. E falou ainda sobre as seguintes matérias: explicou que antes das desavenças acionistas, o grupo C..., era constituído por uma SGPS que dominava as sociedade operacionais de cabeleireiros (entre as quais a requerente) e duas sociedades de serviços partilhados, a F... de logística e outra dedicada à gestão dos recursos humanos; depois dois sócios entraram em desavença consigo e com H... (seu pai e irmão) com guerras entre sócios que passaram por bloqueio de contas bancárias e as empresas só podiam efetuar a gestão corrente; e então a G... e o H... utilizaram a B..., até então uma sociedade imobiliária, com pequena estrutura, para toda a atividade operacional e de serviços partilhados passar por lá; desconhece a forma de cálculo dos fees de gestão da B...; e tudo o possível passava pela B... para conseguir ter liquidez para honrar os compromissos (porque os outros sócios não faziam parte da B...). Em 2019, ganharam um processo judicial e os riscos acionistas diminuíram;
O depoimento de I... foi livre e espontâneo – e revelou isenção e conhecimento da matéria: explicou o bloqueio acionista e a criação (utilização) da B... para poder servir de base à gestão; e que a intervenção dessa empresa foi fundamental para gerir as guerras entre os sócios – e preservar o negócio operacional; passando essa empresa a fazer a central de compras, gestão de recursos humanos e manutenção e limpeza (mas não conseguiu precisar exatamente as datas).
O depoimento de J... não mereceu credibilidade: falou sem convicção e não sabia sequer quem era a sua entidade patronal. Apenas referiu, de relevante, que pedia por vezes a colaboração de funcionárias de empresas de outro grupo e que se fazia essa cedência depois da aprovação de G... .
O depoimento de E... foi considerado isento e relevante, apesar de desconhecer pormenores importantes, o que se justifica pela passagem do tempo: explicou que era funcionário da F... e que depois, algures em 2017 (sem precisar) passou a ser funcionário da B..., a pedido da G... (porque a F... não lhe conseguia pagar o salário), e depois, em 2020, passa a ser funcionário de outra empresa do grupo. Fez sempre o mesmo trabalho, qualquer que fosse a exata entidade patronal; apoio logístico a cabeleireiros. Mas nada referiu como funcionava o seu trabalho concreto sobre cada empresa do grupo e como calculava o trabalho sobre cada empresa operacional.
Por fim, o depoimento de K... foi valorado com base no facto de que apenas começou a trabalhar no grupo C... em 2021 – e só então conhece os factos e esses factos desde então (inspeção tributária). Fez o acompanhamento da inspeção; aceitou que não havia faturação entre as empresas do grupo pela cedência de trabalhadores em 2017 e 2018; e fez isso aquando da reclamação graciosa, com faturação em 2021, mas referida aos anos de 2017 e 2018, com uma margem – mas não detalhou a exatidão e uniformidade dos valores entre essas faturas e os valores liquidados pela AT.
4. Matéria de direito
São várias as questões a decidir. Por facilidade autonomizar-se-á cada uma delas num subcapítulo próprio; iniciar-se-á com o resumo das questões a decidir e dos argumentos das partes em cada uma dessas questões (4.1), seguida da análise de dois temas que perpassam toda a argumentação da requerente, relativa a hipotéticos vícios de fundamentação e com a circunscrição do exato ónus da prova em relação aos temas do art. 23.º do CIRC e do art. 23.ºA do CIRC (4.2).
4.1. Questões a decidir e argumentos das partes
O quadro indicado nos factos provados resume os temas de IRC em causa nos autos – e os valores de correção à matéria tributável, por ano.
Os temas “ajudas de custo” e “abonos de Kms” reportam-se, respetivamente, às despesas suportadas pela requerente com ajudas de custo a colaboradores e com kms por eles percorridos, a pedido da entidade patronal, seja para outros estabelecimentos da requerente, seja para estabelecimentos de outras empresas do grupo C... . A AT não aceira a dedução fiscal dessas despesas; aquelas, nos termos do art. 23.ºA, n.º 1, al. h), do CIRC, na medida em que da falta de documentação adequada – os mapas não identificam os tempos de permanência e objeto da viagem; e a folha de kms não identifica a viatura automóvel e seu proprietário. Em relação às despesas suportadas com os colaboradores para trabalharem noutras empresas do grupo C..., a AT não aceita essa dedução, por entender que as mesmas não estão relacionadas com o interesse e atividade da requerente, mas apenas do grupo C... e das outras empresas do grupo, por falta de explicação das mesmas em termos empresariais e porque não são faturadas com margem às outras empresas do grupo.
A Requerente advoga, em síntese, que a presunção de veracidade da contabilidade (art. 75.º da LGT) e a liberdade de gestão (que impele à não ingerência da AT nas livres opções da requerente) fazem com que a AT não se possa ingerir na sua liberdade de gestão, e que o ónus da prova seria da AT que não o comprovou; e que efetuou a prova das despesas dos colaboradores para outros estabelecimentos do mesmo requerente, cumprindo assim a prova (gestão da maior procura de certos salões e necessárias movimentação do seu pessoal); e que em relação a estes dois tipos de despesas com outras empresas do grupo, que efetuou faturação às empresas do grupo, em final de 2021, dos valores em causa nos autos – e também por isso, as despesas devem ser fiscalmente dedutíveis.
A AT, na sua resposta, sustenta o que foi alegado na fundamentação – e acrescenta que a emissão de faturas em 2021 não cumpre o desiderato indicado pela autora, quer porque é posterior aos factos, quer por especialização de exercícios (a fatura é de 2021, mas o tema é de 2017 e 20018) e também porque os valores dessas faturas não batem certo com os valores objeto de correção pela AT, ainda que com margem.
Os demais temas (gestão e administração, logística e manutenção, imputação de outros gastos – deslocação e material e utilização de viaturas) assentam na mesma base: faturas passadas pela Sociedade B..., Lda., por alegados serviços prestados à requerente por essa empresa, relativos aos temas descritos no tema de cada um desses temas e que levou a gasto fiscal nos termos do art. 23.º do CIRC. A AT recusa a dedução fiscal desses gastos, com base no mesmo preceito, por entender que sendo os mesmos insólitos e inusuais, a requerente não comprovou a sua existência e sobretudo a sua relação com o interesse e benefício da requerente. Os gastos de gestão e administração, porque os gestores da requerente e da B... são os mesmos e esta sociedade não tem estrutura para os prestar também. No fundo, onde começa a prestação de serviços da B... e onde termina o trabalho dos gestores da requerente, por total identidade. E a requerente não comprova o trabalho efetivo dessa empresa, na gestão e administração da requerente. Na logística e manutenção, porque se trata de uma fatura relativa a todo o ano de 2017 de um colaborador que apenas passou a trabalhar na B... a partir de Setembro de 2017 – e não se prova que se reporta apenas a esse trabalho, nem qual o trabalho efetivo a favor da requerente que está em causa. Na imputação de outros gastos (deslocação e material) e utilização de viatura estamos a falar de situações inusuais em que a requerente suportou parte de gastos de B... com essas designações, e que não se comprova, de forma concreta e efetiva, se e em que medida beneficiaram efetivamente a requerente.
A requerente contesta, em síntese, com vários argumentos: por um lado, que a presunção de veracidade da contabilidade e liberdade de gestão impedem que a AT censure gastos contabilísticos ou que teria o ónus da prova da não empresarialidade, o que não teria logrado fazer. E que a intervenção da B... se explica no contexto de bloqueio legal das empresas do grupo C... por forte conflito entre acionistas e que a intervenção da B... se explica como a forma de conseguir libertar fundos do Grupo C... para assegurar a gestão das empresas do grupo. E que não haveria qualquer problema em existir serviços que são suportados por uma empresa e que depois são repartidos pelos vários interessados, na medida do volume de negócios proporcional, com margem.
A AT segue na resposta o que havia explicitado na fundamentação do ato, e colocando o acento tónico que a questão não é a existência de gastos partilhados, ou de serviços prestados a outra entidade; a questão arranca tão só do caráter insólito de algumas situações (serviços de gestão) e da falta de prova em todas elas se e em que medida esses serviços beneficiaram concretamente a requerente, pela sua natureza e explicação, ou se foram apenas um meio para libertar fundos para debelar o bloqueio legal do grupo C..., e que não se relacionam com o interesse e benefício da requerente, nos serviços identificados – e não há prova concreta da efetivação desses mesmos serviços.
Em relação ao tema do IVA: a requerente deduziu o IVA nas faturas indicadas supra de B..., em que a AT não aceita a dedução em sede de IRC, por força do art. 23.º do CIRC. E segundo a AT (na fundamentação e resposta) também não se pode deduzir o IVA dessas faturas, pois não foi possível estabelecer qualquer conexão entre o IVA deduzido nas faturas e as prestações de serviços realizadas pelo sujeito passivo e sujeitas a imposto.
A requerente contra-argumenta no sentido da dedução do IVA em causa, nos termos do art. 20.º do CIVA: porque a AT se sustenta em dúvidas meramente especulativas sobre a falta de conexão dos gastos em causa com a atividade empresarial da requerente; e que o direito à dedução faz parte do sistema fulcral desse imposto e que em princípio não pode ser retirado esse direito – e que sendo tais serviços essenciais e necessários ao normal desenvolvimento da atividade da requerente, o mesmo deve subsistir – e a requerente teria direito à dedução do IVA sobre as prestações de serviços em causa prestadas por B..., Lda.
4.2. Vícios de fundamentação e ónus da prova
A requerente alega de forma transversal a existência de vícios de falta de fundamentação nos vários pontos de correção indicados no relatório inspetivo.
A AT efetuou uma inspeção ao IRC e IVA da requerente, em vários pontos e temas, que levou ao relatório inspetivo final e posteriormente condensados nas várias liquidações objeto desta ação arbitral.
A fundamentação da AT (constante desse relatório) é correta, suficiente e legal: um destinatário normal compreende o iter cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato; e o destinatário pode conhecer as razões que levaram o autor a decidir daquela forma e não de outra, com os argumentos factuais e jurídicos que sustentam as correções.
Assim aconteceu nos presentes autos: a requerente compreende os motivos fatuais e jurídicos das correções (pode discordar, mas compreende as razões de facto e direito que sustentam as correções). Prova disso é o extenso requerimento inicial em que a requerente tenta desmontar todos os argumentos factuais e jurídicos expostos pela AT – sinal inequívoco que a fundamentação da AT cumpriu o standard exigido para a sua legalidade. Não, há, pois, quaisquer vícios de falta de fundamentação.
Por outro lado, a requerente alega igualmente de forma transversal que o ónus da prova de todas as situações é sempre da AT, nos casos do art. 23.º do CIRC, art. 23.ºA, do CIRC – ancorando-se no art. 75.º da LGT (presunção de veracidade da contabilidade) e, em geral, no princípio de liberdade de gestão e não ingerência da AT nas livres opções económicas do sujeito passivo.
Mas as coisas não são exatamente assim. Em relação ao art. 23.º, n.º 1, do CIRC importa separar dois tipos de situações:
a) Por um lado, quando estamos perante um gasto direto incorrido pelo sujeito passivo no exercício da sua atividade corrente – nestes casos, é claro que existe esta presunção de veracidade da contabilidade e a não aceitação fiscal em IRC e IVA pressupõe que o ónus da prova é da AT, tendo de abalar a presunção de veracidade da contabilidade.
b) No outro caso, quando os gastos contabilísticos assumem contornos mais indiretos e menos usuais – como sucede nos casos dos autos: pagamento de fee de gestão a sociedade sem estrutura significativa e com os mesmos gerentes da requerente; débito de serviços à requerente, prestados por sociedades do grupo, com margem e sem explicação; ou ajudas de custo e abonos de kms que não seguem o standard de documentação exigível na lei ou que não são origem a proveitos decorrentes. Ora, é normal, nestes casos, que a AT, expondo e provando a estranheza factual e jurídica dessa situações (abalando a presunção de veracidade da contabilidade), solicite então que o contribuinte efetue cabal e concreta explicação de tais situações e que na falta de prova não aceite o efeito fiscal pretendido em sede de IRC e IVA; não se vislumbra apenas qualquer interesse para a sociedade requerente em a suportar – e qual a sua ligação empresarial, atento justamente o seu caráter insólito e inusual. É isto o que Gustavo Courinha designa por business purpose test: comprovar que o interesse é ainda da sociedade (requerente) e não apenas de terceiros ou dos sócios – Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2019, p. 114 e 115.
Perante isso, o contribuinte tem de provar a empresarialidade do gasto (de forma concreta e detalhada), por quaisquer meios de prova ao seu alcance – dada a sua natureza menos comum e contornos factuais mais insólitos. Se o contribuinte provar concretamente a sua empresarialidade, com todos os meios de prova ao seu alcance, então obterá o efeito fiscal pretendido em sede de IRC; mas se não fizer essa prova, então o gasto não pode ser aceite em termos fiscais.
Em relação ao art. 23.ºA, n.º 1, al. h) do CIRC, o tema é o seguinte: para certo tipo e natureza de despesas (com dificuldade de cisão entre a esfera empresarial e pessoal), a lei exige requisitos documentais acrescidos, para se comprovar a empresarialidade da mesma: se não existe essa prova acrescida, o gasto não é aceite em termos fiscais – podendo sempre o contribuinte efetuar essa prova exata e concreta, por quaisquer meios ao seu alcance.
Esta é a configuração dos factos e do direito (art. 23.º e 23.ºA do CIRC).
4.3. Ajudas de custo (deslocações entre estabelecimentos da requerente e deslocações para outros estabelecimentos do mesmo grupo)
A requerente pagou ajudas de custo aos seus funcionários/funcionárias – quer quando se deslocaram a outros estabelecimentos de cabeleireiros da requerente, quer quando se deslocaram a estabelecimentos de cabeleireiro de outras sociedades do grupo C... .
A AT não aceita a dedução fiscal dessas despesas:
As primeiras (outros estabelecimentos da requerente), nos termos do art. 23.ºA, n.º 1, al. h), do CIRC – porque os mapas não continham todas as informações necessárias, nomeadamente locais de deslocação e tempo de permanência (data do início e regresso de cada deslocação concreta);
As segundas, nos termos do art. 23.º, n.º 1, do CIRC, por falta de interesse da requerente efetuar essa despesa, quando o salão não é seu (mas de outra empresa do grupo), e não se ter provado qualquer interesse próprio, e nem sequer faturou essas quantias com margem às outras empresas do grupo.
A dedução das despesas empresariais está sujeita às regras gerais de documentação. Mas no caso das ajudas de custo, essa exigência documental é acrescida, como consta do art. 23.ºA, n.º 1, al. h), do CIRC, atenta a sua especial natureza. É certo que a sociedade pode exigir que os seus funcionários se desloquem no exercício da sua profissão – e a sociedade tem de lhes pagar tais deslocações empresariais, sendo isso um gasto contabilístico e fiscal. Mas a lei faz depender a aceitação de gasto fiscal de exigência documental acrescida, mapas com informações factuais exaustivas das deslocações, para comprovar a empresarialidade dessa despesa – e que não é efetuada a título pessoal, como remuneração encapotada e que não é tributada em IRS.
Ora, no caso dos autos, a requerente não tem esses mapas corretamente organizados. Falta-lhes os locais de deslocação e tempo de permanência e objeto da deslocação – e de todas e cada uma dessas viagens em concreto.
A requerente riposta, no sentido de que provou, por testemunhas e congruência, que se tratam de deslocações dos funcionários aos vários salões da requerente, sempre que tal é necessário para assegurar o serviço – um dos cabeleireiros está com muitos clientes e os funcionários do outro salão deslocam-se para o que tem mais clientes. E que isso faz sentido na estrutura e modo de funcionamento da requerente.
Ora, perante uma falta de prova documental (mapa de ajudas de custo), a requerente tenta fazer prova, por testemunhas e congruência: mas a prova produzida (testemunhal ou documental) não é detalhada e concreta, como era mister – provando viagem a viagem os elementos documentais em falta. E essa prova não foi efetuada pela requerente.
Aliás, é assim que se reparte o ónus da prova. A lei indica uma exigência documental acrescida a cargo do sujeito passivo; a AT constata que ela não foi cumprida e não aceita a despesa; e teria de ser então o sujeito passivo a tentar provar os elementos em falta, com quaisquer meios ao seu dispor, mas de forma exata e concreta e não apenas vaga e por coerência.
Donde, não se anulam as liquidações de IRC, neste segmento – que são válidas e legais.
Em relação às ajudas de custo por deslocações de funcionários da requerente a estabelecimentos comerciais de outras sociedades do grupo C... .
Uma sociedade (a requerente) só pode deduzir as despesas por si suportadas se estiverem ligadas à obtenção ou garantia de rendimentos, nos termos do art. 23.º do CIRC. Não se exige, como é óbvio, uma relação sinalagmática direta entre as componentes positivas e negativas do rendimento; intima-se apenas que as despesas suportadas tenham uma relação causal com o interesse da sociedade, com a sua atividade concreta e escopo lucrativo, ainda que mediato.
No caso dos autos, temos que a requerente suporta despesas, mas cujo benefício é apenas de outras sociedades do grupo (e nunca da requerente, nem sequer parcialmente), de acordo com a análise da AT e contra-argumentação da requerente.
Os funcionários da requerente descolam-se a salões de outras empresas do grupo C... para aí trabalharem, quando há excesso de trabalho nesses salões – sendo remunerados pela requerente em ajudas de custo por isso.
Ora, a aceitação fiscal dessa despesa não se pode justificar se o interesse é apenas do grupo (e da outra empresa) e não existe qualquer interesse ou vantagem para a requerente, mediata ou imediata. Perante esta constatação, caberia à requerente a prova de que tem um interesse egoístico e próprio na contração dessas despesas – ou porque as faturaria com margem às outras empresas (mas isso não aconteceu), ou por ser algo casual e invulgar (muito poucas vezes) – mas não foi assim; ou se acaso provasse um regime de reciprocidade, solidariedade e entre ajuda com correções e faturação entre empresas apenas no final do ano (mas isso não foi provado), ou qualquer outra razão atendível e correta (mas nada foi explicado devidamente e provado).
A reciprocidade foi invocada – e em geral é tema atendível: mas tal implicaria que houvesse um controlo concreto e exaustivo das deslocações anuais dos funcionários entre todas as sociedades do grupo, e no final, após compensação parcial, ter-se-ia de faturar sempre a diferença. Não é crível que os valores sejam iguais no final do ano entre todos as sociedades (quando tais deslocações eram frequentes) no sentido que cedeu a outra o mesmo número exato de funcionários que recebeu da outra empresa do grupo, com o mesmo número de horas e funções… Quer dizer: a requerente não prova qualquer interesse próprio e egoístico na contração dessas despesas, de forma exata e concreta, mas apenas vaga e genérica; e alega sobretudo um interesse do grupo. Mas a dedução fiscal do art. 23.º do CIRC pressupõe que exista um interesse próprio da sociedade que a contrai, devidamente comprovado e quantificado – o que não se verifica neste tema em causa.
A requerente invoca que procedeu a posteriori à faturação destas despesas, com margem de 10%, em finais de 2021. A AT não aceita isso, por força da especialização dos exercícios (fá-lo em 2021 e não em 2017 e 2018) e por não compreensão exata e quantitativa dos valores. Este comportamento do contribuinte não impõe a anulação das liquidações de IRC em causa; quanto muito será relevado em execução de sentença: porque é efetuada após a emissão das liquidações (e as ilegalidades são aí consumadas, com irrelevância de comportamentos a posteriori como este que, por si, não extinguem as ilegalidades dos atos), quer por força da violação da especialização de exercícios, quer por falta de identidade valorimétrica como indicado pela AT. Havia, aliás, uma forma idónea e simples de resolver o tema, que não foi efetuada: se queria regularizar a situação, estabeleceria com a AT a forma legal e idónea de o fazer – via declarações de substituição da modelo 22 dos anos 2017 e 2018 – e nem sequer contestava este ponto. Era este o procedimento que teria de empregar, ou pelo menos provar que a AT não cooperou nesse sentido – mas nada é provado nesse sentido.
Donde, não se anulam as liquidações de IRC, neste segmento – que são válidas e legais.
4.4. Abono de kms (deslocações entre estabelecimentos da requerente e deslocações para outros estabelecimentos do mesmo grupo)
Este tema é muito semelhante ao anterior, apenas com a especificidade que se tratam já não de ajudas de custo, mas da compensação por Kms percorridos por viaturas dos funcionários para outros estabelecimentos da requerente ou para estabelecimentos de sociedade do grupo (sem que a requerente tenha qualquer interesse ou compensação).
Em relação aos Kms percorridos por funcionários para deslocações para outros estabelecimentos da requerente, as liquidações de IRC sustentam-se no art. 23.ºA, n.º 1 al. h), do CIRC: em concreto, no facto de os mapas não evidenciarem a matrícula da viatura dos funcionários.
Em relação aos Kms percorridos por funcionários para deslocações para outros estabelecimentos do grupo, as liquidações de IRC sustentam-se no art. 23.º, n.º 1 do CIRC: em concreto, na falta de interesse ou ligação empresarial para a requerente na assunção dessas despesas – porque o interesse é apenas do grupo e não também sequer da própria requerente.
Vejamos:
A aceitação fiscal dos Kms percorridos por funcionário está dependente de requisitos documentais acrescidos, descritos no art. 23.ºA, n.º 1, al. h), do CIRC por forma a comprovar-se se essa despesa é empresarial ou afinal pessoal (encapotada de aparente vertente societária): em concreto, exige-se a identificação da viatura e do respetivo proprietário, em termos exatos e precisos por cada deslocação – exceto se isso for tributado na esfera dos funcionários em IRS. A razão é compreensiva: estamos em presença de despesas que pela sua natureza podem ter uma vertente pessoal ou empresarial – e para evitar esse eventual abuso, a lei fiscal vai exigir um dever documental acrescido para assim aceitar a dedução fiscal em IRC e poder controlar melhor e adequadamente essa empresarialidade. Quer dizer: não se trata de uma exigência documental meramente formal ou burocrática, mas tem atrás de si um objetivo material de se aferir a sua dimensão empresarial e não pessoal (não sendo além disso, tributada em IRS do colaborador).
A argumentação da requerente não procede. O ónus da prova está corretamente distribuído. Perante uma falha documental da requerente, a AT não aceita a despesas e é a requerente que as terá de provar de forma concreta e detalhada – juntando outras provas relativas à exata identificação da viatura e proprietário em cada uma das deslocações. Essa prova não foi efetuada: não basta alegar a conveniência geral de funcionários se deslocarem em viatura própria para outros estabelecimentos do grupo, quando tal é necessário para melhor gestão da empresa. É necessário efetuar prova concreta e individual, o que não foi feito. Nem sequer com as declarações de funcionárias, efetuadas a posteriori face às liquidações de que os kms se destinavam a si, por deslocações ao serviço da entidade patronal (doc. 18 do requerimento inicial); é que tais documentos não identificam as matrículas das viaturas e por consequência a sua propriedade – e não se cumpre assim o disposto no art. 23.ºA, n.º 1, al. h), do CIRC – e assim sendo, as liquidações de IRC não são anuláveis, neste segmento.
Em relação às despesas pagas aos funcionários da requerente por kms em deslocações a estabelecimentos comerciais de outras sociedades do grupo C... – vale, nesta sede o que se referiu supra em relação ao caso homólogo das ajudas de custo em idêntica factualidade.
Uma sociedade (a requerente) só pode deduzir as despesas por si suportadas se estiverem ligadas à obtenção ou garantia de rendimentos, nos termos do art. 23.º do CIRC. Não se exige, como é óbvio, uma relação sinalagmática direta entre as componentes positivas e negativas do rendimento; exige-se apenas que as despesas suportadas tenham uma relação causal com o interesse da sociedade, com a sua atividade concreta e escopo lucrativo, ainda que mediato.
No caso dos autos, temos que a requerente suporta despesas (kms percorridos por seus funcionários), mas cujo benefício é apenas de outras sociedades do grupo (e nunca da requerente, nem sequer parcialmente), de acordo com a análise da AT e contra-argumentação da requerente.
Os funcionários da requerente descolam-se a salões de outras empresas do grupo C... para aí trabalharem, quando há excesso de trabalho nesses salões – sendo remunerados em ajudas de custo por isso.
Ora, a aceitação fiscal dessa despesa não se pode justificar se o interesse é apenas do grupo (da outra empresa) e não existe qualquer interesse ou vantagem para a requerente, mediata ou imediata. Perante esta constatação, caberia à AT a prova de que a requerente tem um interesse egoístico e próprio na contração dessas despesas – ou porque as faturaria com margem às outras empresas (mas isso não aconteceu), ou por ser algo casual e invulgar (muito poucas vezes) – mas não foi assim; ou se acaso provasse um qualquer regime de reciprocidade e solidariedade com correções e faturação entre empresas apenas no final do ano (mas isso não foi invocado e provado); ou por quaisquer outros motivos empresariais próprios, mas nada disso foi efetuado e provado.
Quer dizer: a requerente não prova qualquer interesse próprio e egoístico na contração dessas despesas; mas apenas um interesse do grupo. Mas a dedução fiscal pressupõe que exista um interesse próprio da sociedade que a contrai.
A requerente invoca que procedeu a posteriori à faturação destas despesas em finais de 2021. A AT não aceita isso, por força da especialização dos exercícios (fá-lo em 2021 e não em 2017 e 2018) e por não compreensão exata e quantitativa dos valores. Este comportamento não impele à anulação das liquidações de IRC em causa, quanto muito será relevado em execução de sentença: porque é efetuada após a emissão das liquidações (e as ilegalidades são aí consumadas, com irrelevância de comportamentos como este que, por si, não extinguem as ilegalidades dos atos), quer por força da violação da especialização de exercícios, quer por força da falta de cooperação do sujeito passivo com a AT: se queria regularizar a situação, estabeleceria com a AT a forma legal e idónea do e o fazer e nem sequer contestava este ponto. Era este o procedimento que teria de empregar, ou pelo menos provar que a AT não cooperou nesse sentido – mas nada é provado nesse sentido.
Donde, não se anulam as liquidações de IRC, neste segmento – que são válidas e legais.
4.5. Gestão e administração (correções referentes a pagamentos a B...)
As despesas com a gestão da sociedade são fiscalmente dedutíveis – como, por exemplo, os salários pagos aos seus administradores. No caso dos autos, não foi isso o que sucedeu; os administradores não recebem salário; e a requerente alega que os serviços da sua gestão foram prestados pela sociedade B..., que cobrou um fee mensal por esse alegado serviço – sendo que os seus gerentes são os administradores da requerente e a sociedade não tem estrutura de pessoal de apoio para auxiliar na prestação desses serviços.
Perante estas circunstâncias invulgares, é normal que a AT desconfie e exija determinados requisitos de prova a cargo do sujeito passivo para se confirmar o alegado. Convenhamos que é estranho que o serviço não seja prestado pelos seus administradores, mas por sociedade terceira, que não faz parte do grupo C..., e cujos administradores são os mesmos da requerente. Fica a dúvida em que medida este trabalho de gestão é feito pela requerente (seus administradores) ou pela B... .
A requerente não conseguiu responder concretamente a estas questões. Explica que a intervenção da B... com o bloqueio legal do grupo – e assim conseguiam-se retirar verbas para a gestão do grupo C...; mas não explica o que foi efetuado concretamente pela B... como gestão da sociedade, e que tal não foi feito através da requerente. E note-se que a B... não tem um conjunto de funcionários que pudessem auxiliar essa prestação de serviços. A prova testemunhal não foi considerada eficaz, porque não concreta; e não existe qualquer contrato escrito sob o qual se justifique estes serviços de gestão; com a sua concreta identificação e alcance e conformação do preço. Quer dizer: essa intervenção pode justificar-se por razões que se prendem com o desbloqueio da tensão acionista – e libertação de verbas para a gestão das empresas; mas não está explicado e provado se e quais os serviços que a B... efetuou e porque os mesmos, em termos reais e fiscais, não foram diretamente prestados pela requerente. O bloqueio legal não é justificação para a aceitação de um gasto que não é provado que tenha conexão com a atividade da A... ou que não tenha sido por ela efetuado.
Por estes motivos, não se anula a liquidação de IRC de 2017 e 2018, neste segmento legal.
4.6. Logística e manutenção
Este tema divide-se em duas questões: a) por um lado, se os dizeres da fatura em causa “serviços prestados em 2017” são suficientes para registar o gasto fiscal; b) por outro lado, admitindo que se reporta a serviços de funcionário E...– não resulta claro e provado que se reportam aos serviços pelo tempo em que ele foi funcionário do emitente da fatura, já que esse colaborador foi funcionário de outra empresa, até setembro de 2017 (a nuanças sensações, Lda.)
Em relação ao ponto a), apesar do sincretismo da fatura e seus dizeres, a verdade é que se provou ao que efetivamente se reporta (serviços de funcionário de logística de outra empresa que beneficia a requerente) – e com isso, com essa prova acrescida, também aceite pela AT, conclui-se pela documentação, neste argumento da fatura em causa.
Mas o mesmo não se pode dizer em relação ao ponto b) supra: não se prova se essa fatura se reporta à atividade desse funcionário enquanto colaborador da B..., Lda (setembro a Dezembro) ou se acaso se refere quando o mesmo era funcionário de outra empresa até setembro de 2017 (ou a ambas as atividades). Os dizeres da fatura não ajudam – porque referem todo o ano de 2017; e a prova efetuada, não permite chegar a essa conclusão. Mais ainda: quando se invocou e provou que a “B..., Lda” permitia libertar verbas que não eram possíveis em relação às empresas do grupo C..., como a F... . Não é dedutível um gasto que é pago e faturado por uma empresa, mas que não está provado que se refere a trabalhos por si efetuados, mas de outra.
A AT coloca a dúvida ponderada acerca desta situação, quer pelos dizeres da fatura, quer pela mudança de entidade patronal desse funcionário na última parte do ano – quer sobretudo, em face das guerras acionistas, e a B... serviu para se conseguir efetuar pagamentos e libertar os funcionários, entre os quais o funcionário em causa.
Ora, a argumentação esgrimida pela requerente – as sociedades do grupo C... estavam ingeríveis por guerras entre acionistas e a B... permitiu remunerar as pessoas e continuar a laboração – não permite a aceitação fiscal de um gasto emitido por fatura de uma entidade, mas que se reporta a serviços praticados por outra entidade, pelo menos durante grande parte do tempo, sendo que não existe qualquer relacionamento contratual entre ambas (F... e B...) e a fatura, pelos seus dizeres (ano s de 2017) não esclarece cabalmente se se refere aos serviços dessa pessoa enquanto funcionário da B... ou da F... – até porque essa pessoa fazia exatamente o mesmo trabalho em ambas as empresas.
Nestes termos, não se anula a liquidação de IRC de 2017, neste segmento.
4.7. Imputação de outros gastos (deslocação)
As sociedades devem registar os gastos por si incorridos associados à obtenção e garantia dos proveitos, numa aceção económica e em que a AT não se pode imiscuir na liberdade de gestão da sociedade.
Todavia, quando os dados factuais não sejam claros – é evidente que a AT tem de perceber a empresarialidade dos gastos, por si e em termos quantitativos. É isso o que sucede neste caso: a requerente deve suportar os gastos empresariais dos seus administradores, no exercício da sua atividade – e que são suportados diretamente pela requerente. Mas não é isso o que sucede nos autos: aqui, os gastos de deslocações foram suportados por outra sociedade (B..., Lda) – cujos gerentes são os mesmos da requerente, e que depois os divide pelas várias entidades do grupo, com margem de 30%. E cujo critério de divisão é baseado no volume de negócios de cada sociedade do grupo C... .
Perante isso, é curial que a AT exija explicações acrescidas para justificar que as despesas foram suportadas no interesse da requerente, por si e em termos quantitativos corretos.
Ora, a requerente não prova convenientemente essas justificações: não explica quais as atividades de interesse comum às várias empresas do grupo que justificam essas despesas; não explica se são de interesse exclusivo da requerente ou não; não explica porque se autonomizam do valor de gestão e administração referido supra; nem explicam o que se refere à margem. Claro que podia haver despesas suportadas com interesse comum a todas as empresas: mas a requerente teria de o provar, com um contrato de partilha e identificação de despesas comuns, e remissão da repartição para esse documento; mas nada disso é feito. Ou por qualquer outra forma de prova convincente, em termos qualitativos e quantitativos.
Alega-se ainda e sempre a existência de um bloqueio legal à atividade por guerra acionista e que esta foi a forma de resolver o tema. Mas isso não prova que a Requerente tenha pago apenas as despesas que efetivamente suportou no exercício da sua atividade.
E por isso não se anula a liquidação de IRC de 2018, neste segmento.
4.8. Imputação de outros gastos (material)
Esta tema é semelhante ao anterior, na base fatual e no direito aplicável.
As sociedades devem registar os gastos por si incorridos associados à obtenção e garantia dos proveitos, numa aceção económica e em que a AT não se pode imiscuir na liberdade de gestão da sociedade.
Todavia, quando os dados factuais não sejam claros – é evidente que a AT tem de perceber a empresarialidade dos gastos, por si e em termos quantitativos. É isso o que sucede neste caso: a requerente deve suportar os gastos de materiais adquiridos para a sua atividade empresarial – e que são faturados diretamente à requerente. Mas não é isso o que sucede nos autos: aqui, os gastos de material diverso foram suportados por outra sociedade (B..., Lda) – cujos gerentes são os mesmos da requerente, e que depois os divide pelas várias entidades do grupo, com margem de 30%. E cujo critério de divisão é baseado no volume de negócios de cada sociedade do grupo C... .
Perante isso, é curial que a AT exija explicações acrescidas para justificar que as despesas foram suportadas no interesse da requerente, por si e em termos quantitativos corretos.
Ora, a requerente não prova convenientemente essas justificações: não explica quais as atividades de interesse comum às várias empresas do grupo que justificam essas despesas; não explica se são de interesse exclusivo da requerente ou não; nem explicam o que se refere à margem. Claro que podia haver despesas de material suportadas com interesse comum a todas as empresas: mas a requerente teria de o provar, com um contrato de partilha e identificação de despesas comuns, e remissão da repartição para esse documento; mas nada disso é feito. Ou por qualquer outra forma de prova convincente, em termos qualitativos e quantitativos.
Alega-se ainda e sempre a existência de um bloqueio legal à atividade por guerra acionista e que esta foi a forma de resolver o tema. Mas isso não prova que a Requerente tenha pago apenas as despesas que efetivamente suportou no exercício da sua atividade,
E por isso não se anula a liquidação de IRC de 2018, neste segmento
4.9. Utilização de viaturas
Esta tema é semelhante aos dois anteriores, na base fatual e no direito aplicável.
As sociedades devem registar os gastos por si incorridos associados à obtenção e garantia dos proveitos, numa aceção económica e em que a AT não se pode imiscuir na liberdade de gestão da sociedade.
Todavia, quando os dados factuais não sejam claros – é evidente que a AT tem de perceber a empresarialidade dos gastos, por si e em termos quantitativos. É isso o que sucede neste caso: a requerente deve suportar os gastos por utilização de viaturas ligados com a sua atividade empresarial – e que sejam faturados diretamente à requerente. Mas não é isso o que sucede nos autos: aqui, os gastos de material diverso foram suportados por outra sociedade (B..., Lda) – cujos gerentes são os mesmos da requerente, e que depois os divide pelas várias entidades do grupo.
Perante isso, é curial que a AT exija explicações acrescidas para justificar que as despesas foram suportadas no interesse da requerente, por si e em termos quantitativos corretos.
Ora, a requerente não prova convenientemente essas justificações: não explica detalhada e concretamente as despesas incorridas em benefício específico da requerente; não explica se são de interesse exclusivo da requerente ou não. Claro que podia haver despesas de utilização de viaturas suportadas com interesse comum a todas as empresas – e que a requerente suportaria no seu interesse específico e benefício concreto: mas a requerente teria de o provar, com um contrato de partilha e identificação de despesas comuns, e remissão da repartição para esse documento; mas nada disso é feito. Ou por qualquer outra forma de prova convincente, em termos qualitativos e quantitativos.
Alega-se ainda e sempre a existência de um bloqueio legal à atividade por guerra acionista e que esta foi a forma de resolver o tema. Mas isso não prova que a Requerente tenha pago apenas as despesas que efetivamente suportou no exercício da sua atividade,
E por isso não se anula a liquidação de IRC, neste segmento.
4.10. IVA na Gestão e administração (correções referentes a gastos com fornecimentos e serviços externos pagos a B...)
Se uma despesa não é aceite em termos de IRC (como o não foram os serviços de B...– logística, manutenção, deslocação, utilização de viaturas e gestão) – tal não implica, como silogismo automático, que se vede a sua dedução de IVA, porque os requisitos do art. 20.º do CIVA são diversos dos do art. 23.º do CIRC.
Tudo dependerá dos concretos fundamentos subjacentes à correção em causa.
O direito à dedução faz parte do sistema nuclear do IVA e em princípio não pode ser coartado, para garantir a neutralidade do imposto no sistema da cadeia empresarial – e ser apenas tributado o consumo. Mas a dedução do IVA exige o preenchimento dos requisitos do art. 20.º do CIVA: só pode deduzir-se o IVA que tenha incidido sobre bens ou serviços utilizados pelo sujeito passivo para a transmissão de bens ou prestação de serviços sujeitos a imposto e dele não isentos.
Ora, nos casos concretos, concluiu-se neste processo que não se provou que os serviços tenham sido prestados a favor da requerente. Que a A... tenha deles beneficiado concretamente; ou seja: não está provado que tenham uma conexão mínima com a atividade da requerente, numa prova concreta e efetiva.
Assim sendo, não estando provado que esses serviços beneficiaram a requerente, por qualquer forma que seja, então os mesmos não estão ligados, porque forma que sejam, aos proveitos sujeitos a imposto – e nessa medida, não se pode aceitar a sua dedução fiscal em sede de IVA.
Por estes motivos, não se anulam as liquidações de IVA de 2018, como havia sido peticionado pela requerente.
5. juros compensatórios e indemnizatórios
A requerente alega a anulação dos juros compensatórios, na medida da anulação das liquidações de imposto – e não sendo as mesmas anuladas, como se viu, subsistem, por essa razão os juros compensatórios.
Mas a requerente alega ainda, ao que se percebe, que mesmo que a liquidação do imposto não seja anulada – as liquidações de juros compensatórios são ilegais, por vícios de fundamentação (a AT não explica porque existem em concreto, os juros compensatórios) e por violação de lei (art. 35.º da LGT), pois a AT não demonstra que o atraso do imposto é imputável ao contribuinte, que agiu com ilicitude e culpa no retardamento da liquidação e pagamento do imposto devido.
A requerente não tem razão: por regra de normalidade, do género presunção natural, se o contribuinte não entrega o imposto no momento devido – verifica-se um retardamento da liquidação e pagamento do imposto que lhe é imputável o erro na não entrega do imposto e por isso são-lhe devidos juros compensatórios.
Daí que a fundamentação não tenha de explicitar a exigência de juros compensatórios; eles estão associados à liquidação do imposto – e aliás figuram no mesmo título. Por outro lado, o seu cálculo é meramente matemático em subsunção de lei imperativa e não exige qualquer explicação para detalhar esse quantitativo.
Mas, por exigência legal, só são devidos juros compensatórios se o retardamento no pagamento do imposto por imputável ao contribuinte: se existir um juízo de censura ético de ilicitude e culpa do agente. Ora, pode acontecer que o imposto seja devido mas que ao contribuinte não lhe seja assacado qualquer juízo de culpa. E nesse casos, ele terá de alegar e explicar e motivar em concreto que assim foi. E feita tal prova, pode anular-se a liquidação de juros compensatórios, mas manter-se a legalidade do imposto. O caso mais paradigmático são os comportamentos ilegais do contribuinte, mas que atuou com base numa interpretação que lhe foi oficiosamente veiculada pela AT ou que efetuou uma interpretação plausível ainda que errada da lei fiscal, e, total boa fé e sem intuito evasivo. Mas para tal, a requerente teria de o provar em concreto, alegando factos e circunstâncias que se reconduzissem a esse iter factual e jurídico. Mas nada disso fez a requerente. Donde, não se anulam e mantêm-se as liquidações adicionais de juros compensatórios que são legais e não anuláveis.
Por outro lado, se não assiste razão à requerente quanto ao imposto e juros compensatórios (que são assim mantidos na ordem jurídica), então não são devidos juros indemnizatórios a favor da requerente, nos termos do art. 43.º da LGT.
6. Decisão
De harmonia com o exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:
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Julgar improcedente a exceção de ilegal cumulação de pedidos, sendo por isso o tribunal competente para a decisão do mérito da causa
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Julgar totalmente improcedentes todos os pedidos da requerente
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Mantendo as liquidações impugnadas de imposto (IRC e IVA) e os respetivos juros compensatórios
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Não condenar a requerida à devolução das quantias pagas nem ao pagamento de juros indemnizatórios
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Condenar a requerente às custas deste processo
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 57.580,83€ – como foi indicado pela requerente e aceite pela requerida.
7. Custas
Nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2.142,00€ (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Notifique-se
Porto, 2 de outubro de 2022
O Árbitro singular
Tomás Cantista Tavares
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131º nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1 alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária)