Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 81/2022-T
Data da decisão: 2022-08-30  Selo  
Valor do pedido: € 52.536,79
Tema: Imposto do Selo - Revisão oficiosa - Indeferimento expresso sem apreciação da legalidade do acto de liquidação.
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Sumário: I - O recurso à impugnação judicial, de que o processo arbitral tributário constitui um meio alternativo, ou à acção administrativa especial depende de o conteúdo do acto impugnado, respectivamente, comportar ou não a apreciação da legalidade do acto de liquidação. II - Estando em causa a autoliquidação de Imposto do Selo e tendo o pedido de revisão oficiosa sido expressamente indeferido por intempestividade e sem comportar a apreciação da legalidade da autoliquidação, o meio idóneo é a acção administrativa especial e, consequentemente, o tribunal arbitral é materialmente incompetente para apreciar o mérito do pedido.

DECISÃO ARBITRAL

 

I - Objecto do pedido e tramitação processual

A...- SOCIEDADE CAPITAL DE RISCO, SA, com número de identificação de pessoa colectiva ... e sede social na Av. ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa (doravante designada como Requerente), apresentou pedido de pronúncia arbitral, requerendo:

  1. A anulação do indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa que apresentou em 22 de Dezembro de 2021 dos actos de autiliquidação de Imposto do Selo n.º..., n.º ... e n.º ...; e
  2. Consequente restituição de imposto no valor de € 52.536,79 e pagamento de juros indemnizatórios.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Requerida” ou por “AT”).

 

Por decisão do Conselho Deontológico foi designado como árbitro único o signatário.

O tribunal arbitral singular foi constituído em 27 de Abril de 2022.

 

Em 6 de Junho de 2022, a Requerida, após ter sido notificada para o efeito, remeteu o processo administrativo e apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação e por excepção.

Notificada para o exercício do direito ao contraditório sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida, a Requerente não se pronunciou no prazo disponibilizado para o efeito.

Por despacho de 8 de Julho, foi dispensada tanto a reunião prevista no artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) como a apresentação de alegações finais.

As partes gozam de capacidade e legitimidade jurídicas.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

 

II - MATÉRIA DE FACTO   

Factos considerados provados em face da documentação

Com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo remetido pela AT, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente é uma sociedade de capital de risco (doravante “SCR”), regularmente constituída em Portugal, tendo como actividade principal a gestão de fundos de capital de risco (doravante “FCR”);
  2. No âmbito dessa sua actividade operacional, a Requerente cobra semestralmente uma comissão de gestão, sobre a qual tem vindo a auto liquidar Imposto do Selo à taxa de 4%, nos termos da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo;
  3. Foi autoliquidado Imposto do Selo no valor total de € 52.536,79, referente a comissões de gestão dos meses de Abril a Dezembro de 2018;
  4. O imposto foi pago através das guias de pagamento n.º ... (20 de Junho de 2018), n.º ... (17 de Outubro de 2018) e n.º ... (17 de Janeiro de 2019);
  5. Em 22 de Dezembro de 2021 a Requerente submeteu um pedido de revisão oficiosa dos referidos actos de autoliquidação de Imposto do Selo, nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), solicitando a anulação dos mesmos e consequente restituição do imposto indevidamente autoliquidado na importância global de € 52.536,79;
  6. Em 6 de Janeiro de 2022 a Requerente foi notificada da decisão final de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa, com fundamento na correspondente intempestividade. Acresce que a decisão da AT não comportou, directa ou reflexamente, qualquer apreciação da legalidade das autoliquidações subjacentes;
  7. Em 16 de Fevereiro de 2022 a Requerente submeteu o pedido de pronúncia arbitral controvertido.

 

Factos não provados

Com relevo para a apreciação do mérito, inexistem factos não provados.

 

 

III - Síntese dos fundamentos de direito invocados pelas Partes

O entendimento da Requerente

  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, tendo sido apresentado no prazo de 90 dias contado a partir da data de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa;
  2. Na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a Requerida alega que «(…) a situação não preenche os pressupostos contidos na 2.ª parte e 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT» e que «nem preenche os pressupostos do n.º 4 e 5 do art.º 78.º da LGT, ao qual consagra que o dirigente máximo do serviço pode autorizar excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». Alega ainda inexistir erro imputável aos serviços, razão pela qual o pedido de revisão oficiosa teria de ser submetido no prazo da reclamação graciosa, à luz do preceituado na primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, ademais quando, consabido, o n.º 2 do art.º 78.º da LGT se encontra revogado;
  3. Sucede que, de acordo com o n.º 1 do artigo 78.º da LGT, «a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços»;
  4. A jurisprudência do STA determina que o sujeito passivo pode solicitar à AT a revisão oficiosa da liquidação no prazo de quatro anos e que a AT, por força do disposto no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 9.º do Código do Procedimento Administrativo tem o dever de decidir esse pedido, conforme, entre outros, os Acórdãos do STA de 20/03/2002 (processo n.º 16/06), de 17/05/2006 (processo n.º 16/06), de 21/01/2009 (processo n.º 0771/08) e de 14/03/2012 (processo n.º 01007/11);
  5. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do STA, processo n.º 02683/14.5BELRS 0181/18, datado de 03.02.2021, o qual refere que «para além do pedido de revisão a deduzir no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do acto, dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efectuar, previstos no artigo 78.º da LGT».

Mais refere o aresto que «deve o aplicador do Direito relevar o elemento sistemático de interpretação, dado que o legislador fiscal, quanto a uma situação de autoliquidação e de cômputo do respectivo prazo, utilizou como termo inicial a data de entrega da declaração (cfr. artigo 131.º do CPPT), não se vislumbrando qualquer obstáculo a que se utilize o mesmo critério na interpretação do artigo 78.º n.º 1 da LGT, para situações de autoliquidação, nas quais o termo inicial do prazo de quatro anos deve coincidir com a data de entrega da declaração que consubstancia a mesma autoliquidação, enquanto acto de liquidação que quantifica a obrigação tributária»;

  1. As declarações de autoliquidação dos presentes autos foram entregues em Junho e Outubro de 2018 e Janeiro de 2019, pelo que o prazo legal de quatro anos para requerer a revisão oficiosa terminará a Junho e Outubro de 2022 e Janeiro de 2023, razão pela qual o pedido é tempestivo;
  2. A Autoridade Tributária conclui, erroneamente, que inexiste erro imputável aos serviços, e, como tal, não se encontra reunido esse pressuposto processual de que depende o pedido de revisão oficiosa;
  3. No entanto, e dado que o objecto do pedido de revisão oficiosa versa sobre liquidações de Imposto do Selo, importa, a título exemplificativo, atentar nas informações vinculativas n.º 1795, 17743 e 17644, que pregoam o entendimento da AT. No sentido da sujeição a Imposto do Selo às comissões cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos por si geridos;
  4. Todavia, tem vindo a jurisprudência a considerar que, ao contrário do que tem sido defendido pela AT, tais comissões de gestão não são sujeitas a Imposto do Selo;
  5. O erro imputável aos serviços compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito. Sendo que a verificação deste último está patente nas liquidações controvertidas de Imposto do Selo. Sendo esse erro imputado à AT, por ser esse o entendimento preconizado pela própria, perante os contribuintes e sujeitos passivo do Imposto do Selo;
  6. Considerando que o pedido de revisão teve por objeto um acto de liquidação ilegal - por ter sido emitido ao abrigo de uma errada interpretação da AT sobre o Direito aplicável - nada impede que o contribuinte possa solicitar à AT que reveja oficiosamente esse acto, ficando com isso investido de um direito a uma decisão sobre o pedido formulado;
  7. O erro em questão é imputável aos serviços, dado que o n.º 2 do artigo 266.° da Constituição e ainda o artigo 55.° da LGT estabelecem a obrigação genérica da AT atuar em plena conformidade com a lei, razão pela qual qualquer a ilegalidade da liquidação será imputável à própria AT. Veja-se ainda nesse sentido, a jurisprudência do STA, no Acórdão de 21 de janeiro de 2009, proferido no processo n.º 0771/08;
  8. Considerando que a AT tem disponível toda a informação necessária da Requerente e da sua actividade, não poderá argumentar que não conhecia os factos aqui alegados. A revisão dos actos tributários constitui uma concretização do dever jurídico de revogação de actos ilegais, que à AT cabe assegurar nas situações em que ocorra erro nas liquidações, de que resulte um valor de imposto superior ao legalmente devido;
  9. Vem ainda a AT referir que existe necessidade de reclamação graciosa prévia, o que não aconteceu e por tal não pode ser aceite o pedido de revisão oficiosa. Sucede que a jurisprudência é unânime ao considerar que o pedido de revisão oficiosa pode ser comparado ao pedido de reclamação graciosa, por serem ambos processos administrativos, para efeitos do n.º 1 do artigo 131.º do CPPT;
  10. No caso em concreto não se aplica, sequer, a obrigatoriedade de reclamação graciosa prévia, pois a Requerente está a colocar em causa matéria de direito e as autoliquidações foram efetuadas de acordo com orientações genéricas da própria AT.
  11. A sujeição a Imposto do Selo está dependente da condição essencial de se tratar de comissões ou contraprestações cobradas por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras, conforme estabelece o corpo da verba 17.3 da TGIS, nas quais a Requerente não se enquadra;
  12. A sujeição a Imposto do Selo das comissões cobradas por SCR aos FCR sob sua gestão já foi apreciada nas decisões arbitrais n.º 226/2018-T, 399/2019-T e 791/2019-T, tendo todas concluído pela não verificação dos pressupostos da norma de incidência;
  13. Com efeito, nos termos da verba 17.3.4 da TGIS estão sujeitas a Imposto do Selo, à taxa de 4%, as «outras comissões e contraprestações por serviços financeiros» (norma de incidência objetiva). Esta verba da TGIS encontra-se inserida na verba geral 17.3, a qual apenas abrange «operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras» (norma de incidência subjectiva);
  14. Verifica-se, assim, que a incidência subjectiva se encontra restringida a instituições de crédito, sociedades financeiras, outras entidades legalmente equiparadas a sociedades financeiras e quaisquer outras instituições financeiras;
  15. Importando saber se a Requerente se insere nessa qualificação, e inexistindo na legislação fiscal qualquer explicação desses conceitos de instituição de crédito e de sociedade ou instituição financeira, deverá atender-se ao disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT e, como tal, recorrer-se ao ramo do direito do qual sejam provenientes aqueles conceitos;
  16. Neste contexto, deveremos recorrer ao direito bancário e financeiro sendo aplicável o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) publicado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, não se vislumbrando outro ramo do direito que deva ser atendido para esta finalidade;
  17. A versão inicial do artigo 6.º do RGICSF previa expressamente na alínea h) do n.º 1, que as SCR eram qualificadas como sociedades financeiras, previsão expressa que perdurou até ao final de 2002 (ou seja, 2 décadas). No entanto, a citada norma foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro, pelo que as SCR perderam, inequivocamente, a qualificação jurídica de sociedade financeira, deixando, consequentemente, de se enquadrar no conceito de instituição financeira;
  18. É, ainda, de destacar a menção feita no preâmbulo do diploma revogatório, no sentido de o fim desta qualificação se ter devido ao facto de as SCR terem deixado de estar autorizadas a praticar actividades exclusivas das instituições de crédito e sociedades financeiras, situação que levou também a que a respectiva supervisão passasse do Banco de Portugal para a esfera da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;
  19. As alterações de cariz estrutural introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro, não podem dissociar-se das alterações de âmbito fiscal introduzidas, logo de seguida, pela Lei do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro). Concretamente, a alteração introduzida à alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo (atual artigo 7.º), no sentido de acrescentar as SCR à isenção de imposto no mesmo prevista;
  20. À data, o referido artigo passou a ter a seguinte redação para efeitos de aplicação da isenção de Imposto do Selo: «Os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária»;
  21. No ano seguinte, através da Lei do Orçamento do Estado para 2004 (Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro), este artigo foi novamente alterado, passando a ter a redação que vigora atualmente: «Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária»;
  22. Foi intenção expressa do legislador, afastar as SCR do conceito de «instituição de crédito», “sociedade financeira” e “instituição financeira”. Caso contrário, não existiria motivo para adicionar SCR à actual alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS, pois já estariam abrangidas pela sua qualificação naquelas tipologias de entidade. E não se verificando a norma de incidência subjectiva, conclui-se que o Imposto do Selo autoliquidado nas comissões de gestão cobradas pela Requerente ao FCR não era legalmente devido. Nesse sentido, veja-se as supra referidas decisões arbitrais;
  23. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 45.º do Regime Jurídico de Capital de Risco, do Empreendedorismo Social e do Investimento Especializado (RJCRESIE), as sociedades gestoras de FCR têm como objetivo principal «a gestão de organismos de investimento em capital de risco e de organismos de investimento alternativo especializado sujeitos ao regime previsto no capítulo IV do presente título e a gestão dos fundos previstos em legislação da União Europeia cujo investimento abranja os activos elegíveis para organismos de investimento em capital de risco»;
  24. Portanto, a actividade desenvolvida pelas sociedades gestoras de FCR em nada é semelhante à actividade (i) das instituições de crédito, (ii) das sociedades financeiras, (iii) de outras entidades legalmente equiparadas a sociedades financeiras, e (iv) quaisquer outras instituições financeiras e, como tal, não estão abrangidas pela verba 17.3 da TGIS;
  25. Por fim, a anulação de um acto de liquidação implica a anulação de todos os seus efeitos à luz do princípio da reconstituição natural. Pelo que a devolução do imposto autoliquidado deve ser acompanhada do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT, contados desde a data do correspondente pagamento da autoliquidação do imposto do Selo até à efetiva restituição do tributo.

 

O entendimento da Requerida

  1. O artigo 10.º do RJAT estabelece, para os actos de liquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para o preceituado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT;
  2. Pelo que, tendo o termo dos prazos para o pagamento voluntário das prestações advindas das autoliquidações de Imposto do Selo supra referenciadas, e que constituem o objeto mediato dos presentes autos, findado em 2018-06-20, 2018-10-20 e 2019-01-20, respectivamente, e dado que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 15-02-2022, facilmente se conclui que o prazo de 90 dias para a impugnação das autoliquidações referenciadas já se encontra há muito ultrapassado;
  3. Sendo o pedido de pronúncia arbitral intempestivo, o tribunal não pode dele conhecer (cfr. decisões arbitrais n.º 38/2015-T, n.º 62/2012-T, n.º 188/2013-T, n.º 244/2013-T, n.º 261/2015-T, n.º 38/2015-T, n.º 195/2015-T, n.º 196/2015- T, n.º 211/2015-T e n.º 346/2015-T);
  4. Estando os poderes de cognição do Tribunal limitados pelo pedido, e não os podendo, como é óbvio exceder, fica o Tribunal impedido de apreciar e declarar relativamente ao pedido concretizado - a ilegalidade das autoliquidações de imposto do selo sobre as comissões de gestão cobradas pela Requerente, bem como o pedido de restituição do valor de imposto do selo indevidamente liquidado, sobre as comissões de gestão, no montante de € 52.536,79, acrescido de juros indemnizatórios - por o mesmo ser intempestivo;
  5. Sem prescindir, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (objecto imediato) foi motivada pelo entendimento de que não seria aplicável o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Efetivamente da decisão de indeferimento consta que:

«E considerando o início da contagem dos prazos legais, a data da Guia de autoliquidação do imposto do selo, forçosamente se terá de trazer à colação a intempestividade do presente pedido, visto que:

  • O pedido sob exame comporta igualmente uma questão de direito e não um mero erro material, a qual, nos termos por nós dirimidos, não cabe, para efeitos da norma, no conceito de "erro imputável ao serviço", ademais quando estamos diante de uma “autoliquidação”;
  • O n.º 1 do art.º 78.º da LGT prevê que o pedido de revisão oficiosa seja efetuado por iniciativa do contribuinte respeitando, claro está, o prazo de interposição de reclamação administrativa de um ato de liquidação - i.e. a reclamação graciosa;
  • O prazo de reclamação administrativa, no caso de "autoliquidação", fixa-se, in casu, consabido, no limite temporal em 2 (dois) anos, por remissão para o n.º 1 do art.º 131.° do CPPT, ex vi do art.º 49.º n.º 1 do CIS;
  • O prazo de revisão oficiosa por iniciativa da administração tributária tem de ser igualmente condicionado ao decurso ou não do prazo de caducidade, visto que, antes de mais, o dies ad quo do pedido de revisão corresponde ao momento da prática do ato de liquidação e não ao da verificação do facto tributário; e
  • Por último, isto não se esquecendo que as razões que, por sua vez, sublinhando esta nossa posição, subjazam ao disposto no n.º 3 do já mencionado art.° 131.° do CPPT, ao admitir a impugnabilidade direta nos casos de “autoliquidação” por referência a fundamentos exclusivamente de direito.

Face a todo a exposto, a nossa conclusão não pode ser outra que não aquela que comporta a rejeição liminar do pedido de revisão ora formulado nos autos pela Contribuinte, ora requerente, uma vez que a mesmo se encontra insindicável, por se encontrar esgotado o prazo vertido no art.º 78.° da LGT para o efeito. E verificada a falta do pressuposto processual da tempestividade do pedido, propõe-se a sua rejeição liminar por intempestividade, e consequente arquivamento do mesmo”.

  1. Concluindo-se: “Em conformidade com o exposto e compulsados todos os elementos dos autos e as peças processuais carreadas pelo Requerente, somos de propor a rejeição liminar do pedido e o consequente arquivamento dos autos, em conformidade com o teor do ”quadro-síntese" mencionado no introito desta nossa informação, com todas as consequências legais»;
  2. O que de resto veio ocorrer, conforme Despacho do Chefe de Divisão da UGC, por subdelegação de competência, datado de 30 de dezembro de 2021, nos seguintes termos:

«Concordando com o informado, determino a REJEIÇÃO LIMINAR e consequente ARQUIVAMENTO do pedido formulado nos autos, com todas as consequências legais, disso se notificando a Requerente para os termos e efeitos do disposto nos art.ºs 35.º a 41.º do CPPT».

  1. Assim se verificando que, no âmbito do procedimento de revisão em questão, não foi apreciada a legalidade de qualquer acto tributário de liquidação;
  2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento da revisão oficiosa, não tendo como objeto mediato qualquer acto tributário de liquidação, uma vez que no procedimento de revisão oficiosa não foi apreciada a legalidade de qualquer acto de liquidação;
  3. Termos em que é de concluir que estamos perante um acto administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do acto de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
  4. O processo arbitral tributário encontra-se estabelecido por referência e com objecto em tudo semelhante ao processo de impugnação judicial, em relação à qual «deve constituir um meio processual alternativo». Pelo que a sindicância do acto em questão está fora do âmbito das matérias suscetíveis de apreciação em sede arbitral, conforme resulta do artigo 2.º do RJAT, e como, de resto, tem sido sufragado em vasta jurisprudência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD perante situações idênticas.
  5. Veja-se, a título exemplificativo, a decisão arbitral n.º 403/2019-T):

«Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (a que se reportam as referências recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação.

À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes actos de autoliquidação. Se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa para o impugnar. Trata-se de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais de duvidosa justificação, mas o certo é que é o que resulta do teor das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e tem vindo a ser uniformemente adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo.

  1. E restringindo- se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos autoliquidação que comportem a apreciação da legalidade destes actos;
  2. Pelo que o tribunal arbitral não dispõe de competência material para apreciar o pedido de pronúncia arbitral. Trata-se de uma exceção dilatória, nos termos da alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil (CPC), impeditiva do conhecimento do mérito da causa, implicando a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 99.º e n.º 2 do artigo 576.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT;
  3. Ainda sem prescindir, tratando-se de um tributo autoliquidado pelo sujeito passivo, como é o caso do Imposto do Selo previsto na verba 17 da TGIS, a impugnação, de que a pronúncia arbitral constitui uma alternativa, será sempre precedida de reclamação graciosa apresentada no prazo de dois anos após a apresentação da declaração, nos termos do disposto no artigo 131.º do CPPT;
  4. Dado que os actos tributários de autoliquidação de Imposto do Selo foram praticados em Maio, Setembro e Dezembro de 2018, e o pedido de revisão oficiosa só foi apresentado em 22-12-2021, fica afastado o recurso ao meio de defesa previsto no artigo 131.º do CPPT, restando apenas o recurso ao mecanismo previsto no artigo 78.º da LGT;
  5. Sucede que inexiste imputabilidade do erro aos serviços, porquanto as autoliquidações resultaram de uma correta aplicação da lei feita à data pela Requerente, sem qualquer intervenção da AT. Tratando-se de um “erro imputável” ao sujeito passivo, a AT só teria o poder/dever de promover a sua revisão se o sujeito passivo tivesse tomado a iniciativa nesse sentido «no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade». Ultrapassado esse prazo, a AT está desobrigada de promover a revisão oficiosa da autoliquidação, o que justificou a rejeição liminar do pedido;
  6. Sem conceder, o investimento em capital de risco encontra-se plasmado no Anexo ao Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado (RJCRESIE), Lei n.º 18/2015, de 4 de Março, nos termos do qual «as sociedades de investimento em capital de risco e os fundos de capital de risco são organismos de investimento alternativo fechados que em conjunto se designam organismos de investimento em capital de risco»;
  7. As instituições de capital de risco são um subtipo de organismos de investimento coletivo, neste caso, alternativo, tomando, assim, também como referência, o quadro regulatório que decorre do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro e da Diretiva n.º 2011/61/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2011, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos (Diretiva 2011/61/UE);
  8. No que toca especificamente à gestão, o n.º 2 do artigo 17.º do RJCRESIE estabelece que os FCR podem ser geridos, inter alia, por SCR;
  9. Constituem encargos do fundo os custos associados à respectiva gestão, designadamente, a remuneração da entidade gestora e os custos de natureza fiscal (alíneas a) e g) do artigo 32. º e 33.º do RJCRESIE). As SCR encontram-se sujeitas à regulação e supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), com colaboração e reporte à Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados;
  10. Não contendo o Código do Imposto do Selo uma definição do conceito de “instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”, é necessário integrar esses conceitos recorrendo aos ramos do direito que regulam a actividade financeira (artigo 11.º da LGT);
  11. Contudo, não basta o recurso ao RGICSF para defender que a verba 17.3.4 da TGIS não se aplica às comissões cobradas pelas SCR, pelo facto de alegadamente não se tratar de uma instituição financeira. Há ainda que ter em conta o quadro regulatório que emana do direito da União Europeia, que modela todo o sistema financeiro europeu e que complementa e se entrecruza com o nacional;
  12. A revogação da alínea h) do n.º 1 do artigo 6.º, operada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro, que até então qualificava as SCR como “sociedades financeiras”, não teve a virtude de as desqualificar como “instituições financeiras” para efeitos de aplicação da norma de incidência. O referido diploma apenas atribuiu à CMVM a competência para a supervisão prudencial das instituições de capital de risco, retirando-as da esfera do Banco de Portugal, na medida que estas deixaram de estar autorizadas a praticar actividades exclusivas de instituições de crédito e sociedades financeiras, e não as desqualificar como “instituições financeiras”. Assim se alinhando o regime português de capital de risco com o regime vigente noutros estados da União Europeia;
  13. Contrariamente ao que a Requerente afirma, o RGICSF não esgota nem é o único diploma existente no ordenamento jurídico português que elenca as entidades que se enquadram na categoria de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras, sendo de relevante utilidade os Regulamentos n.º 1092/2010, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010 n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, enquanto instrumentos jurídicos  directamente aplicáveis em todos os Estados-Membros, ao abrigo dos quais as sociedades gestoras de FCR são qualificadas como “instituições financeiras”;
  14. Pelo que a Requerente se subsume numa das entidades financeiras presentes na verba 17.3 da TGIS para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo, na categoria de “quaisquer outras instituições financeiras”;
  15. Por conseguinte, as decisões do CAAD trazidas à colação pela Requerente, malgrado tenham concluído pela não sujeição a Imposto do Selo das comissões cobradas por SCR, devem ser rejeitadas, porquanto ignoram toda a legislação comunitária;
  16. Sem prejuízo do exposto, e não obstante a revogação da alínea h) do n.º 1 do artigo 6.º do RGICSF, as SCR continuam, ao abrigo deste diploma, a poder qualificar-se como “instituições financeiras” e “sociedades financeiras”. Com efeito, a subalínea ii) da alínea z) do artigo 2.º - A do RGICSF dispõe que «são instituições financeiras, com excepção das instituições de crédito e as empresas de investimento, as sociedades cuja atividade principal consista no exercício de uma ou mais das atividades enumeradas nos pontos 2 a 12 e 15 da lista constante do anexo I à Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013».
  17. Mais à frente, a alínea kk) do mesmo preceito define como «Sociedades financeiras, as empresas, com excepção das instituições de crédito, cuja atividade principal consista em exercer pelo menos uma das atividades permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos ou outros fundos reembolsáveis do público, incluindo as empresas de investimento e as instituições financeiras referidas na subalínea ii) da alínea z)»;
  18. Este dispositivo deve ser articulado com a alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do RGICSF, que vem dizer que são “sociedades financeiras” as «instituições financeiras referidas nas subalíneas ii) e [iv)] da alínea z) do artigo 2.ºA, nas quais se incluem (...)». Pelo que o próprio RGISCF continua a incorporar na sua definição de “sociedade financeira”, o conceito legal de “instituição financeira” resultante daqueles diplomas comunitários;
  19. Por fim, não se verificam os requisitos de que depende a atribuição de juros indemnizatórios, dado que estes visam compensar o contribuinte pelos prejuízos causados pelo pagamento indevido de uma prestação tributária - quer esta seja efetuada no âmbito da cobrança coerciva, quer seja efetuada de forma voluntária - ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos por parte da AT;
  20. O artigo 43.º da LGT exige que se determine em sede de reclamação graciosa ou impugnação judicial, que um acto de liquidação de um tributo se encontra ferido de erro (sobre os pressupostos de facto ou de direito), sendo o mesmo imputável aos serviços e, bem assim, que daí resulte o pagamento de divida tributária em montante superior ao legalmente devido;
  21. No caso em apreço, inexiste tal erro, dado que as autoliquidações de Imposto do Selo se subsumem à verba 17.3.4. da TGIS, pelo que, e como ficou devidamente explicitado nos pontos antecedentes, as mesmas estão de acordo com as normas de direito interno e comunitário que regulam a matéria em análise;

 

IV -   Do direito

A Requerida defendeu-se por impugnação e por excepção.

E de entre as excepções alegadas, haverá forçosamente que priorizar a apreciação da excepção dilatória de incompetência do tribunal arbitral, com fundamento no facto de o pedido de pronúncia arbitral ter por objecto imediato a decisão de indeferimento da revisão oficiosa, na qual não terá sido apreciada a legalidade do acto de (auto)liquidação que lhe subjaz e que constitui o objecto mediato do pedido.

O artigo 2.º do RJAT estende a competência dos tribunais arbitrais à «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», bem como à «declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais».

A jurisprudência arbitral e judicial é clara na consideração de que a jurisdição dos tribunais arbitrais abarca todos os actos susceptíveis de serem impugnados através de impugnação judicial, contanto que a impugnação judicial tenha por objecto a tipologia de actos elencados no referido artigo 2.º do RJAT.

Assim, para a aferição da (in)competência do tribunal arbitral para a apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral, é necessário determinar se este é passível de ser decidido num tribunal judicial em sede processo de impugnação judicial.

O acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa constitui um acto administrativo em matéria tributária, conforme disposto no artigo 120.º do Código do Procedimento Administrativo. Primeiro, por configurar a decisão tomada por um órgão da Administração que, ao abrigo de normas de direito público, visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Segundo, na medida em que essa decisão se funda na aplicação de normas de direito tributário.

Seguindo de perto a decisão tomada no processo arbitral n.º 403/2019-T, «das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação».

Pelo que, «à face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes actos de autoliquidação. Se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa especial. Trata-se de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais de duvidosa justificação, mas o certo é que é o que resulta do teor das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e tem vindo a ser uniformemente adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo».

 

Retomando a competência dos tribunais arbitrais, e sabendo que a mesma se restringe aos processos de impugnação judicial, não oferece dúvidas que essa competência abarcará os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação de Imposto do Selo se e quando comportarem a apreciação da legalidade destes.

Dito de outra forma, será o conteúdo do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que ditará a competência deste tribunal arbitral para apreciar o mérito do pedido. O que sucederá no caso de a decisão de indeferimento comportar, ainda que reflexamente, a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação.

 

Como bem salienta a Requerida, no caso controvertido está documentalmente provado que a  decisão da AT no pedido de revisão oficiosa não encerra qualquer análise ou consideração sobre a legalidade dos actos de autoliquidação do Imposto do Selo.

Com efeito, os fundamentos convocados pela AT para a rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa fundam-se, exclusivamente, na intempestividade do mesmo. Concretamente, na inexistência de erro imputável à AT e consequente encurtamento do prazo de apresentação do pedido de revisão oficiosa, na medida em que o mesmo, quando impulsado pelo sujeito passivo, é equiparado ao período para interposição de reclamação graciosa.

Acresce que o conteúdo do acto administrativo tributário não contém qualquer expressão ou alusão, por mínima ou reflexa que seja, à legalidade que subjaz aos actos de autoliquidação.

Toda a evidência documental (mormente o processo administrativo remetido pela AT) permite concluir que o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não comportou a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação do Imposto do Selo. Com efeito, não há qualquer juízo sobre o enquadramento aplicável em sede de Imposto do Selo às comissões cobradas pela Requerente ao FCR sob sua gestão. Ou sobre a qualificação das SCR. Ou sequer quanto ao entendimento, histórico ou actual, da AT no que respeita à verificação dos requisitos objectivo e subjectivo de que depende a incidência do Imposto do Selo.

Conforme bem resume a decisão vertida no processo arbitral n.º 263/2018-T, «o objecto imediato do pedido de pronúncia arbitral é a ilegalidade dos actos  de indeferimentos dos pedidos de revisão oficiosa (…) sendo a ilegalidade dos actos de autoliquidação meramente objecto mediato do pedido de pronúncia arbitral, o que tem como consequência que a ilegalidade destes actos apenas pode ser apreciada através da apreciação da ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (…), que enfermariam de ilegalidade se, apreciando a legalidade de actos de autoliquidação ilegais, indeferissem a sua revisão por os considerar legais».

 

Estamos perante jurisprudência, judicial e arbitral, clara e inequívoca, não existindo qualquer motivo ou fundamento susceptível de a contrariar, a que acresce o dever de promover a unidade de sentido do Direito (conforme o n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil).

 

Face ao exposto, resta concluir pela verificação da excepção invocada pela Requerida, sendo este tribunal arbitral materialmente incompetente para conhecer e apreciar o mérito do pedido de pronúncia arbitral, na medida em que este tem por objecto o indeferimento expresso de um pedido de revisão oficiosa que não comporta a apreciação da legalidade de actos de autoliquidação.

Ficando assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela Partes.

 

V -    Decisão

Termos em que, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar procedente a excepção de incompetência material do tribunal arbitral; e
  2. Absolver da instância a Requerida.

 

Valor da causa

Nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, fixa-se o valor da causa em € 52.536,79, por corresponder ao montante total dos actos de autoliquidação de Imposto do Selo cuja anulação constitui o objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

Custas

Ao abrigo dos artigos 12.º n.º 2, e 22.º n.º 4, ambos do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, que ficam a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 30 de Agosto de 2022

 

O árbitro do Tribunal Arbitral Singular

 

 

José Luís Ferreira