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Sumário
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O Tribunal Arbitral é competente para apreciar pretensões de ilegalidade de atos tributários, independentemente de a via contenciosa ter sido precedida por meio de reação administrativa (Reclamação Graciosa e/ou Recurso Hierárquico) e do teor da decisão que recaiu sobre o ato de segundo ou terceiro grau, seja esta formal, nomeadamente de intempestividade, ou de mérito.
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Concluindo-se que a Reclamação Graciosa deduzida contra o ato tributário foi extemporânea, o reflexo dessa intempestividade não é a caducidade do direito de ação, que só se verifica se o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT não for respeitado, o que não sucedeu in casu. O que se passa é que a extemporaneidade da Reclamação Graciosa impede o Tribunal Arbitral de conhecer do mérito da questão por haver “caso decidido ou caso resolvido”, consolidando-se o ato na ordem jurídica.
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Assim, face à intempestividade da Reclamação Graciosa, verifica-se a exceção de inimpugnabilidade do ato tributário, com a consequente absolvição da Requerida da instância.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (presidente), Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira e Dr. Gonçalo Marquês de Menezes Estanque, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22-02-2022, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
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A..., LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua..., ..., ...-... ... (adiante designada por “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista:
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A declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º 2020 ..., correspondente ao mês de outubro de 2019, no montante global de € 172.099,81 (cento e setenta e dois mil noventa e nove euros e oitenta e um cêntimos);
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A extinção da execução fiscal que corre termos com o número de processo ...2020..., pendente no Serviço de Finanças de ...;
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O levantamento das penhoras efetuadas e, ainda, a restituição de todos os valores indevidamente cobrados além do valor devido e já liquidado de € 6.913,17; e
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O pagamento de juros indemnizatórios.
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A Requerente entende que a Autoridade Tributária e Aduaneira devia ter liquidado IVA de acordo com o regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores (regime da margem) previsto nos artigos 69.º a 75.º do Código deste imposto e não por aplicação do regime geral.
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).
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Em 21-12-2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
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Em 03-02-2022, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
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Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 22-02-2022.
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A AT apresentou resposta em que defendeu a procedência das exceções de caducidade do direito de ação, de impropriedade do meio, de incompetência do tribunal e de falta de objeto. Isto porque entende que:
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Caducidade do direito de ação
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A Requerente peticiona apenas a anulação do ato tributário e não a anulação da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico e da Reclamação Graciosa, contando-se o prazo de caducidade da data limite para pagamento voluntário, e não da decisão de indeferimento do Recurso, pelo que o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) foi apresentado quando tal prazo estava largamente ultrapassado;
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A Requerente apresentou Reclamação Graciosa fora do prazo previsto para tal, a qual foi indeferida por extemporaneidade (v. artigo 70.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário - CPPT), que a própria Requerente reconheceu em sede de audição prévia. Assim, o direito de ação também caducou;
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Impropriedade do meio (erro na forma de processo)
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A Requerida recusou a convolação da Reclamação Graciosa em Pedido de Revisão Oficiosa (“PRO”), porque esta serve para quando o meio empregue não seja o próprio, o que no caso não se verificou. Sendo a convolação a pretensão da Requerente, o processo de impugnação não é o meio próprio;
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Incompetência
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Pela mesma razão, o Tribunal Arbitral é incompetente, pois a questão não reside em apreciar a liquidação de imposto, mas a obrigação de convolação da Reclamação Graciosa em PRO;
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Falta de Objeto
– A pretensão da Requerente de que se aprecie a liquidação implica a existência de um PRO e do seu indeferimento que não existem.
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A Requerida defende-se também por impugnação, sustentando que a revisão oficiosa fora do prazo da Reclamação Graciosa depende da verificação de erro imputável aos serviços, não bastando “qualquer ilegalidade”. No caso, a AT não dispunha de elementos concretos que lhe permitissem aplicar o valor tributável para efeitos do regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores e a Requerente não os facultou, nem apresentou a declaração periódica em falta, incumprindo o dever de colaboração (v. 59.º da LGT). Assim, a AT procedeu à liquidação ao abrigo do disposto no artigo 88.º, n.º 1 do Código do IVA, não incorrendo em qualquer erro.
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Sobre a revisão com fundamento em injustiça grave e notória prevista no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, a Requerida sustenta tratar-se de um mecanismo excecional que exige que não exista comportamento negligente do contribuinte na formação do erro na liquidação, o que não sucedeu na situação vertente.
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Por fim, em relação à revisão por duplicação de coleta prevista no n.º 6 do artigo 78.º da LGT, a mesma não se verifica pois o valor da liquidação oficiosa a ser pago pela Requerente em excesso ser-lhe-á creditado na sua conta-corrente.
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Por despacho de 04-04-2022, foi a Requerente notificada para se pronunciar quanto ao teor das exceções invocadas pela AT. A Requerente não apresentou resposta às exceções.
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A Requerida procedeu à junção do processo administrativo em 11-05-2022.
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Por despacho de 24-06-2022, este Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificou as Partes para a produção de alegações escritas por prazo, simultâneo, de 10 dias.
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A Requerente apresentou as suas alegações escritas em 05-07-2022 nas quais, a propósito da matéria de exceção, veio referir que:
“1. O sujeito passivo apresentou reclamação graciosa n.º ...2020... que veio a ser indeferida.
2. Nessa sequência, foi apresentado recurso hierárquico com o número ...2021..., o qual veio também a ser indeferido.
3. Assim, sendo este um caso de reclamação obrigatória prévia à impugnação, o prazo para a mesma conta-se a partir da notificação do indeferimento do recurso hierárquico.
4. Não restando qualquer dúvida acerca da tempestividade da presente ação.
5. A reclamação graciosa, o recurso hierárquico e o presente pedido de pronúncia arbitral ocorrem na sequência da liquidação oficiosa emitida pela Administração Tributária, em 11.02.2020, com o n.º 2020 ..., no valor de € 172.099,81.
6. É este o ato tributário que se impugna, uma vez que o mesmo é ilegal por violação de lei, nomeadamente, por não ter sido aplicado pela Administração Tributária regime do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (doravante IVA) pela margem previsto nos artigos 69.º a 75.º CIVA”.
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A AT optou por não apresentar alegações.
II. MATÉRIA DE FACTO
1. Factos provados
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Consideram-se provados, com relevo para a presente decisão, os seguintes factos:
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A Requerente não apresentou a declaração periódica de IVA referente ao período de outubro de 2019 dentro do prazo previsto para o efeito (fls. 11 do processo administrativo junto pela AT, cujo teor se dá por reproduzido).
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Através de Ofício datado de 26-12-2019, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia sobre a falta de entrega da declaração periódica de IVA referente ao período de outubro de 2019, não o tendo feito (fls. 11 do processo administrativo junto pela AT, cujo teor se dá por reproduzido e provado por acordo).
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Por não ter procedido à entrega da Declaração Periódica, em 11-02-2020 foi emitida a liquidação oficiosa de IVA n.º 2020 ..., na qual se apurou, nos termos do artigo 88.º do Código do IVA, o montante de imposto de € 172.099,81, tendo por base o volume de negócios da Requerente. Nos termos da referida notificação de liquidação oficiosa a mesma ficaria sem efeito se, até à data limite de pagamento, fixada em 22-06-2020, fosse apresentada declaração periódica de IVA de substituição (Doc. n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral e fls. 13 do processo administrativo junto pela AT, cujos teores se dão por reproduzidos).
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A Requerente foi, igualmente, notificada da liquidação de juros compensatórios (n.º de documento 2020...) no montante de € 1.273,89 de (fls. 16 do processo administrativo junto pela AT, cujo teor se dá por reproduzido).
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Em 23-06-2020, um dia depois do prazo limite referido no ponto antecedente, a Requerente apresentou declaração periódica de IVA de substituição (Doc. n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral e fls. 23 a 26 do processo administrativo junto pela AT, cujo teor se dá por reproduzido).
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Em 17-11-2020 a Requerente, através do seu Contabilista Certificado, apresentou Reclamação Graciosa da liquidação oficiosa de IVA n.º 2020..., por entender que a mesma não reflete a real atividade da empresa, tendo em consideração que uma parte considerável da venda dos combustíveis não gera IVA, mas só a margem deste imposto. O procedimento de reclamação foi autuado sob o número ...2020... (fls. 2 do processo administrativo junto pela AT, cujo teor se dá como reproduzido).
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A Reclamação Graciosa foi rejeitada com fundamento em intempestividade, por despacho concordante da Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, de 23-04-2021, que recaiu sobre a Informação produzida no procedimento de reclamação, incluindo o parecer do Chefe de Equipa. De acordo com este parecer “a reclamante vem requerer a anulação do n.º ...2020...”, a que corresponde o processo de execução fiscal, consubstanciado no ato de liquidação oficiosa de IVA n.º 2020 ... no valor de € 172.099,81 e correspondentes liquidações de juros compensatórios (Liquidação n.º 2020 ...) e de mora (Liquidação n.º 2020 ...), no valor global de € 1.273,89, com referência ao período de 2019-10, alegando que a liquidação oficiosa não reflete a real atividade da empresa, tendo em consideração que uma parte considerável da venda de combustíveis gera IVA, mas só a margem gera este imposto. Analisados os elementos constantes dos autos e de acordo com o informado, infra, verifica-se que a interposição da presente reclamação foi efetuada muito para além do prazo previsto na lei, mostrando-se por isso intempestiva, o que obsta à apreciação da matéria. Face ao exposto propõe-se a REJEIÇÃO do pedido nos termos e com os fundamentos da presente informação […]” (fls. 28 e ss. do processo administrativo junto pela AT, cujo teor se dá por reproduzido).
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A referida Informação propunha o indeferimento da Reclamação Graciosa porquanto:
“V.1. O n.º 1 do art.º 70.º do CPPT determina que “A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º”.
V.2. Por sua vez, a al. a) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT prevê que “A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes: (…) a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”.
V.3. Posto isto, da conjugação das aludidas normas, resulta que a reclamante, dispunha de um prazo de 120 dias, contados do termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações para deduzir reclamação graciosa.
V.4. Considerando que a data limite de pagamento voluntário das liquidações reclamadas ocorreu em 2020-06-22, aquando da apresentação da presente reclamação (2020-11-17) o prazo de 120 dias já se mostrava esgotado.
V.5. Assim, não se mostrando verificado o pressuposto procedimental da tempestividade, não poderá o mérito da presente reclamação ser objeto de apreciação”.
(fls. 28 e ss. do processo administrativo junto pela AT, cujo teor se dá por reproduzido).
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A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia relativo à proposta de rejeição da Reclamação Graciosa, confirmando que “de facto, a reclamação graciosa foi apresentada de forma intempestiva (...)”, realçando, contudo, que a liquidação excede o valor real que devia ser pago em relação ao período, sendo o imposto liquidado oficiosamente "desajustado ao valor do efetivamente liquidado atendendo a que a empresa (...) adota o regime da margem em relação aos combustíveis” e “vai inviabilizar completamente a atividade da empresa” (fls. 38 e ss. do processo administrativo junto pela AT, cujo teor se dá por reproduzido).
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Através do Ofício n.o ... foi comunicada à Requerente a rejeição da Reclamação Graciosa, por despacho de 18-05-2021, nos moldes supra transcritos (fls. 41, e ss. do processo administrativo junto pela AT, cujo teor se dá por reproduzido).
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A Requerente apresentou Recurso Hierárquico em 17-06-2021, sobre o qual recaiu despacho de indeferimento do Subdiretor-Geral, da Direção de Serviços de Justiça Tributária, de 02-08-2021, com base nos seguintes fundamentos:
“(...) a aqui recorrente lançou mão do procedimento de reclamação graciosa, como reação a liquidação oficiosa, sendo este um meio idóneo, todavia, fê-lo fora de prazo.
29. Sendo a reclamação graciosa o meio próprio para o efeito pretendido da aqui recorrente (cf. artigo 68.º e seguintes do CPPT não há possibilidade de convolação no meio adequado, por inexistência de erro na forma de procedimento aqui apresentado pela recorrente, atento o estatuído no artigo 52.º do CPPT (...). Com efeito, a apresentação fora de prazo da reclamação torna a reclamação graciosa intempestiva, mas não a torna imprópria.
30. Da obrigação - poder-dever - cometido à Autoridade Fiscal, de convolar para a forma administrativa/procedimental adequada os pedidos dos contribuintes, inseridos no procedimento tributário, em conformidade com o previsto no artigo 52.º do CPPT, não resulta que possa ou lhe caiba ordenar a convolação, como forma subsidiária e suplementar, para uma forma de procedimento tributário que lhe seja mais adequada, com o fundamento de que o meio procedimental que apresentou/utilizou para exercer o seu direito de atacar um ato de liquidação é intempestivo.
31. Sem embargo da apontada inviabilidade de convolação prevista no artigo 52.º do CPPT porque, como demonstrado, a reclamação graciosa, ainda que intempestiva, configura meio adequado, nada impede que a contribuinte possa renovar a sindicância do ato tributário em questão apresentando pedido de revisão de ato tributário, nos termos do artigo 78.º da LGT”.
(Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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Na decisão de indeferimento do recurso hierárquico refere a AT que “deste despacho pode interpor impugnação de atos administrativos no prazo de três meses, nos termos do art.º 50.º e da al. b) do n.º 1 do art.º 58.º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)”.
(Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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O despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico foi remetido à Requerente por via postal, por ofício datado de 11-08-2021, com entrega pelos CTT em 21-09-2021 (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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Inconformada com a decisão do Recurso Hierárquico e com a liquidação oficiosa de IVA acima identificadas, a Requerente apresentou, em 20 de dezembro de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD.
2. Factos não provados
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Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a decisão da causa.
3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
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Não existe um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes. O Tribunal Arbitral tem sim o dever de selecionar a matéria de facto que releva para a decisão e decidir se a considera provada ou não provada, conforme resulta do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT.
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Os factos foram dados como provados com base na análise crítica dos documentos juntos pela Requerente, bem como no processo administrativo apresentado pela AT.
III. QUESTÕES PRÉVIAS
1. Da incompetência material do Tribunal Arbitral
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A competência material dos tribunais é de ordem pública[1] e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que se impõe a sua apreciação previamente à verificação dos demais pressupostos processuais, conforme resulta do cotejo dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT[2].
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Para resolver esta questão prévia, importa ter presente o âmbito de competência dos tribunais arbitrais, que é delimitado pelo disposto no artigo 2.º do RJAT e pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, compreendendo, exclusivamente, a apreciação das pretensões relacionadas com a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável que não deem origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
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Acrescenta o artigo 4.º do RJAT que a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais depende de Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça. E aqueles serviços e organismos vincularam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais nos casos que tenham por objeto a apreciação das acima identificadas pretensões, de valor não superior a € 10 000 000, relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida[3], o que abrange de forma inequívoca o IVA.
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Impõe-se, de seguida, determinar se as pretensões deduzidas pela Requerente são suscetíveis de se enquadrar no âmbito da apreciação da (i)legalidade de atos de liquidação de tributos.
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Resulta claro que a extinção de processos de execução fiscal e, bem assim, o levantamento de penhoras constituem pedidos que não se enquadram nas pretensões que o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT delimita como passíveis de apreciação pelo Tribunal Arbitral e que se prendem unicamente com a declaração de ilegalidade de atos tributários e de fixação da matéria tributável, pelo que este Tribunal é incompetente e não pode dos mesmos conhecer.
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No que se refere à declaração de ilegalidade do ato de liquidação oficiosa de IVA aqui impugnado (e do pedido dependente de juros indemnizatórios), tal pretensão tem cabimento na jurisdição arbitral.
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É certo que o indeferimento expresso da Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico que foram deduzidos do ato tributário não chegaram a pronunciar-se sobre a legalidade do mesmo, rejeitando a apreciação dessa legalidade com o único fundamento da intempestividade do meio procedimental utilizado. Não obstante, a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo[4] pronuncia-se no sentido, que aqui se acompanha, de que, sendo o pedido do contribuinte dirigido à anulação por ilegalidade do ato tributário, está em causa a apreciação dessa mesma ilegalidade, independentemente da razão ou vício que conduziu à rejeição ou indeferimento dessa pretensão, nos moldes que se transcrevem:
“A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação).
Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
Assim, se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa.
Daí que se tenha vindo a afirmar que nestas situações, em que o meio gracioso precede o contencioso, a impugnação judicial tem um objeto imediato (a decisão administrativa) e um mediato (a legalidade da liquidação).
[…]
Importa dizer que sobre esta matéria a posição deste Tribunal tem também sido uniforme no sentido de adotar, na interpretação do pedido formulado, um critério flexível com vista a alcançar uma justiça efetiva e não meramente formal, pois só assim é garantida uma tutela jurisdicional efetiva.” – v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de janeiro de 2021, processo n.º 0129/18.9BEAVR.
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Deste modo, o facto de a AT ter considerado intempestiva a Reclamação Graciosa apresentada em 17-11-2020, ao abrigo dos artigos 70.º e 102.º do CPPT (aplicáveis ex vi artigo 97.º, n.º 1 do Código do IVA), o que, de resto, foi reconhecido pela Requerente em sede administrativa (cfr. fls. 28 a 41 do processo administrativo junto pela AT), e de essa decisão ter sido mantida em sede de Recurso Hierárquico, não impede ou compromete a apreciação do objeto mediato da presente ação, identificado no petitório pela Requerente, a saber: a ilegalidade do ato tributário de liquidação [oficiosa] de IVA referente ao mês de Outubro de 2019.
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No essencial, tudo se resume à seguinte questão: o ato ora em crise é passível de ser contestado através de impugnação judicial? Se sim, o Tribunal Arbitral é competente. Em caso de resposta negativa, a conclusão é a oposta.
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Ora, a Requerente erigiu em pedido principal a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IVA. Conformado, nestes moldes, o objeto da ação arbitral, nos termos da jurisprudência citada é indiferente o teor (formal ou material) da decisão dos atos administrativos (em matéria tributária) de segundo ou terceiro grau. Se é pedida pronúncia sobre a legalidade do ato de liquidação, estamos no domínio do meio processual da impugnação judicial, e, portanto, por identidade de razões, da ação arbitral, cujo objeto também é a apreciação da legalidade do ato tributário.
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O mesmo se diga quanto ao facto de, segundo a Requerida, estar em discussão a obrigação de convolação da Reclamação Graciosa em PRO, o que, no entender daquela, não caberia nas matérias passíveis de apreciação no processo de impugnação e, portanto, também na ação arbitral. Relembrando o declarado pelo Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que foi indicada a legalidade do ato de liquidação como objeto da ação, o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa (vícios que não respeitam ao ato de liquidação propriamente dito).
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Em síntese, tendo em conta que:
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A ação arbitral foi conformada pelo legislador como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, como ressalta dos artigos 2.º e 10.º do RJAT e do artigo 124.º, n.º 2 da Lei n.º 3‐B/2010, de 28 de abril (Lei do Orçamento do Estado para 2011), que consagrou uma autorização legislativa ao Governo para a introdução da arbitragem tributária;
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A Requerida se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida pelo artigo 2.º do RJAT, nos termos do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, previsão que abrange o IVA; e que
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O objeto da ação é a apreciação da legalidade de um ato de liquidação oficiosa de IVA,
estamos perante tarefa que cabe a este Tribunal Arbitral, pelo que improcede a exceção de incompetência material suscitada pela Requerida.
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Conclusão distinta se alcança, porém, relativamente aos pedidos de extinção da execução fiscal e de levantamento das penhoras, pois quanto a estes não está em causa a apreciação da (i)legalidade dos atos tributários mencionados no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, verificando-se a exceção da incompetência material (parcial), que obsta à apreciação destas pretensões e justifica a absolvição da AT da instância quanto às mesmas (v. artigos 16.º, n.º 1, do CPPT e 278.º, n.º 1, alínea a) e 576.º, n.º 2 do CPC, subsidiariamente aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT).
2. Caducidade do direito de ação
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A Requerida arguiu a exceção de intempestividade da ação suportada em dois argumentos distintos.
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O primeiro resulta do entendimento de que a contagem do prazo para a propositura da ação teria de iniciar-se com referência à data limite de pagamento voluntário da liquidação (22 de junho de 2020), nos termos do disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, tendo em conta que a Requerente deduziu a pretensão anulatória do ato de liquidação, mas não da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico e da Reclamação Graciosa. Deste modo, na perspetiva da AT, infere-se que para a Requerente poder beneficiar da contagem do prazo nos moldes previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT (por remissão do artigo 10.º, n.º 1 do RJAT), ou seja, a partir da notificação da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico ocorrida em 21 de setembro de 2021, em vez da alínea a), teria de deduzir um específico pedido de anulação dos atos de segundo e terceiro grau que visaram a (re)apreciação do ato tributário impugnado.
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Não se pode, contudo, acompanhar esta posição da Requerida.
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Resulta, com efeito, do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT, que o prazo para impugnar, nas situações em que houve Reclamação Graciosa ou Recurso Hierárquico seguidos de decisão expressa, se conta da notificação desta última decisão e não do termo do prazo de pagamento voluntário da liquidação.
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É, pois, da data da notificação do ato decisório de segundo ou terceiro grau – in casu do despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico – que, de acordo com a lei, se conta o prazo para a propositura da ação arbitral. Solução idêntica é afirmada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31.05.2017, processo n.º 01609/13, em relação ao processo de impugnação judicial, no qual se suscita a mesma questão. Conclui este aresto que “Sempre que o contribuinte opte por deduzir reclamação graciosa contra o ato de liquidação, o prazo para o impugnar judicialmente deixa de se contar da data limite para pagamento voluntário do tributo, passando a relevar a data do indeferimento EXPRESSO ou silente dessa reclamação.”
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Tendo em conta que a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico foi notificada em 21.09.2021 e que o pedido de constituição do tribunal e de pronúncia arbitral foi apresentado em 20.12.2021, não foi ultrapassado o prazo de 90 dias previsto no mencionado artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, pelo que a ação arbitral é tempestiva.
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Como fundamenta a decisão arbitral no processo do CAAD n.º 336/2018-T, de 25.06.2019, que decidiu no sentido aqui preconizado idêntica questão, o objeto do ato de segundo (ou, no nosso caso, de terceiro) grau reporta-se à liquidação impugnada. Assim, a reação à decisão de indeferimento da reclamação ou recurso toma esta decisão por objeto imediato, mas o objeto mediato é, necessariamente, a própria liquidação.
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Assim, sem prejuízo de poderem ser expressamente impugnados, em simultâneo, ambos os atos, o de liquidação (mediatamente) e o de indeferimento do Recurso Hierárquico (imediatamente), não se afigura que tal seja devido.
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Na verdade, de acordo com o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, a jurisdição arbitral só tem competência material para apreciar a ilegalidade da liquidação, não os vícios do indeferimento de reclamações e recursos.
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Neste sentido, Carla Castelo Trindade explica que “não são arbitráveis os vícios próprios dos atos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do ato tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Por outras palavras, esses atos de indeferimento só poderão ser «trazidos» para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do ato tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efetivamente, pretende impugnar pela via arbitral.” Ou seja, “O objeto do pedido de pronúncia arbitral será, então, a (i)legalidade do ato tributário de primeiro grau, independentemente de o sujeito passivo apontar como objeto da sua ação arbitral este (o ato de primeiro grau), ou o de segundo, isto sempre, desde que o de segundo aprecie a (i)legalidade do ato de primeiro grau.»” – in Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Almedina, 2014, p. 70.
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São múltiplas as decisões arbitrais dos tribunais constituídos no CAAD que adotam este entendimento. Sem preocupações de exaustividade podem ver-se as proferidas nos seguintes processos: 282/2013-T, 272/2014-T, 419/2014-T, 664/2014-T, 124/2015-T, 161/2015-T, 652/2015-T, 117/2016-T, 140/2016-T, 592/2016-T, 713/2016-T, 57/2017-T, 336-2018-T e 359/2018-T.
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Neste enquadramento, ao apreciar o indeferimento de um ato de segundo ou de terceiro grau que manteve uma liquidação cuja legalidade se contesta, o que materialmente se aprecia são os vícios da liquidação cuja anulação foi indeferida. Por isso, mesmo a reação a um ato de segundo ou de terceiro grau implica que é o ato primário que se pretende impugnar ainda (decisão arbitral n.º 336/2018-T).
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E, inversamente, a reação ao ato primário, na sequência de um ato de segundo ou de terceiro grau, implica que estes são igualmente visados e devem ser removidos da ordem jurídica porque os vícios do ato primário, por eles confirmado, os “contamina” - mesmo quando isso não seja porventura explicitado naquela reação (v. decisão arbitral n.º 336/2018-T).
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Que a ação impugnatória tem por objeto o ato de liquidação tem sido, aliás, afirmado de forma reiterada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como resulta, a título de exemplo, do recente Acórdão de 03.07.2019, no processo n.º 02957/16.0BELRS 070/18, segundo o qual “o objeto real da impugnação é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação graciosa, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise”.
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Entendimento que é de transpor para a ação arbitral, criada como alternativa ao processo de impugnação judicial, conforme manifestado ab initio na lei de autorização legislativa do regime da arbitragem em matéria tributária e concretizado na delimitação do seu domínio de competência material pelo artigo 2.º, n.º 1 do RJAT.
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Em síntese, o artigo 10.º do RJAT não confere aos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD a competência para apreciação direta dos atos de segundo ou de terceiro grau; é uma norma que, referindo embora esses atos, respeita exclusivamente ao termo inicial do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral. A tempestividade afere-se, portanto, em relação a esses atos (de segundo ou de terceiro grau), mas a materialidade do litígio reporta-se a uma liquidação que aqueles atos se limitaram a confirmar, não consubstanciando pedidos distintos ou causas de pedir diferenciadas. Logo, em bom rigor, e como acima referido, a Requerente não tem de impugnar separadamente o indeferimento do Recurso Hierárquico para que o prazo se conte do momento da sua notificação, até porque, como mero ato confirmativo, ele é irrecorrível (v. decisão arbitral n.º 336/2018-T).
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Acresce referir que este entendimento é o que melhor se coordena com princípio constitucional da plenitude da tutela judicial efetiva, subjacente ao artigo 7.º do CPTA, que privilegia uma interpretação favorável ao acesso ao Direito – pro actione – e postula a condução da lide processual em ordem à obtenção de uma pronúncia sobre o mérito das questões, não enredada em formalismos procedimentais e processuais (artigo 268.º, n.º 4 da CRP), como declarado pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de janeiro de 2014, no processo n.º 01233/13.
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À face do exposto, impõe-se a conclusão de que este primeiro argumento de caducidade é improcedente.
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O segundo argumento invocado pela Requerida como alicerce da exceção de intempestividade da ação reside no facto de aquela considerar que a Reclamação Graciosa contra o ato de liquidação de IVA foi deduzida fora de prazo, tendo sido rejeitada por extemporaneidade, pelo que, em consequência, também teria caducado o direito de ação.
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Uma vez que não estamos perante uma autoliquidação, antes, face a imposto liquidado pela AT, é aplicável o prazo de 120 dias previsto no artigo 70.º do CPPT[5], de onde deriva a conclusão de que a Reclamação Graciosa foi, de facto, intempestiva. Todavia, a questão que se suscita é a de saber se seria “legalmente possível e viável convolar esse procedimento de reclamação em procedimento de revisão previsto no art.º 78º da LGT”, o que, in casu, depende do preenchimento de dois pressupostos cumulativos previstos na citada norma [artigo 78.º da LGT, em concreto o seu n.º 1[6]]: (i) ter sido invocado o fundamento de erro imputável aos serviços[7] e (ii) não ter decorrido o prazo de 4 anos após a liquidação.
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Neste sentido, compulsa-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17-01-2018, processo n.º 01377/14, que declara o seguinte:
“[…] constitui jurisprudência pacífica e reiterada desta Secção do STA que a Administração Tributária tem o poder-dever, à luz do disposto no art.º 52º do CPPT, de proceder à convolação do procedimento de reclamação em procedimento de revisão do acto de liquidação sempre que na data em que aquela é apresentada ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão oficiosa podia ser pedida e ordenada. E a tal dever não obsta a intempestividade da reclamação, pois que, para o efeito, apenas é relevante a tempestividade do meio procedimental adequado - cfr. acórdãos de 6/10/2005, no proc. nº 0653/05, de 7/10/2009, nos procs. nº 0474/09, 0475/09 e 0476/09, de 02/11/2011, no proc. nº 0329/11, e de 14/12/2011, no proc. nº 0366/11.
No mesmo sentido se pronuncia JORGE LOPES DE SOUSA ("Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado", 6ª ed. vol. I, p. 463.), salientando que em face do princípio da colaboração recíproca da administração tributária e dos contribuintes, de onde emerge, como corolário mínimo, que estes não percam direitos substantivos por meras razões formais, «será de efectuar a convolação quando o contribuinte utiliza um meio procedimental que, em princípio, é adequado, mas a utilização ocorre fora do prazo legal e há outro meio procedimental - com prazo mais longo, que ainda possa ser utilizado para, mesmo de forma menos intensa, dar alguma satisfação à pretensão do contribuinte. Embora numa situação deste tipo não se esteja perante um absoluto «erro na forma de procedimento», parece que, por mera interpretação declarativa (e, seguramente, se pode enquadrar a situação neste conceito, já que se está perante uma situação em que o meio escolhido não é, no momento em que foi utilizado, o que o contribuinte deveria utilizar, havendo, consequentemente um erro na forma de procedimento que deveria ter sido utilizada. Assim, por exemplo, se o contribuinte apresenta contra um acto de liquidação uma reclamação graciosa fora do prazo legal de 120 dias previsto no art.º 70º, nº 1, do CPPT, mas ainda está em tempo para pedir a revisão oficiosa prevista no art.º 78º da LGT, em vez de uma decisão de indeferimento da reclamação graciosa deverá ser, depois de constatada a intempestividade, efectuada a convolação do requerimento em que é pedido a reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa».
Perante a violação de um tal poder vinculado para a administração tributária, impõe-se anular o acto que constitui o objecto imediato desta impugnação (acto de indeferimento, por extemporaneidade, da reclamação), o qual deve ser substituído, no procedimento, por acto que proceda à convolação em pedido de revisão oficiosa, tendo em conta que na data em que a reclamação foi apresentada ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão podia ser pedida e ordenada.”
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Sem prejuízo do que antecede, não resulta dos autos que a Reclamação Graciosa tenha sido apresentada pela Requerente com fundamento, explícito ou implícito, em erro imputável aos serviços, o que constitui condição necessária de acesso ao regime de revisão oficiosa no prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT. Sem a satisfação desse requisito não se impunha à Requerida a convolação do ato tributário. Aliás, essa convolação está-lhe, nessas circunstâncias, vedada.
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Efetivamente, a revisão com fundamento em ilegalidade, quando desacompanhada de “erro imputável aos serviços”, está, por força da lei, restrita à iniciativa do contribuinte a concretizar dentro do “prazo de reclamação administrativa”. Além desse prazo (até ao limite de 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago), a revisão depende da verificação de um erro imputável aos serviços. Erro esse que o adquirido processual não demonstrou ter sido fundamento do procedimento administrativo de Reclamação Graciosa encetado pela Requerente, inviabilizando a convolação que, noutras circunstâncias, constituiria um poder-dever da Requerida.
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Naturalmente que a invocação a posteriori, em fase contenciosa, de erro imputável aos serviços não tem a virtualidade de retroagir essa alegação, por forma a produzir efeitos no procedimento administrativo.
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À face do exposto, não se pode concluir que na situação concreta o pedido de revisão oficiosa fosse o meio procedimental adequado, pois não se demonstrou que a Requerente tivesse invocado, em fase de reclamação, ilegalidades materiais da liquidação oficiosa de IVA constitutivas de erro imputável aos serviços. Por essa razão, não podia a revisão ser pedida e ordenada no prazo mais alargado de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT. Por outro lado, estando esgotado o prazo de reclamação administrativa, a revisão com fundamento em qualquer ilegalidade já não era admissível. Assim, conclui-se que andou bem a Requerida ao rejeitar a Reclamação Graciosa por extemporaneidade.
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O reflexo da intempestividade da Reclamação Graciosa, confirmada pelo Recurso Hierárquico, não é, porém, a subsequente intempestividade desta ação, que só se verifica se o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir dos factos elencados no artigo 102.º do CPPT [no caso, a notificação do indeferimento do Recurso Hierárquico], não for respeitado, o que não sucedeu no presente caso (em que a ação foi deduzida no decurso dos 90 dias). O que sucede é que a extemporaneidade da Reclamação Graciosa impede o Tribunal Arbitral de conhecer do mérito da questão por haver “caso decidido ou caso resolvido”. Veja-se, a respeito da impugnação judicial, em que se coloca questão idêntica, o entendimento sufragado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de outubro de 2020, processo n.º 0937/02.2BTLRS 0318/15, que se pronuncia nos seguintes termos:
“Se a reclamação graciosa[8] é intempestiva tudo se passa como se não tivesse sido apresentada, e o ato tributário (a liquidação) consolida-se na ordem jurídica.
Logo, a concluir-se pela extemporaneidade da reclamação graciosa, a posterior impugnação judicial terá de improceder por inimpugnabilidade do ato e não por caducidade do direito de deduzir impugnação judicial (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31/05/2017, recurso 01609/13).”
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Sendo procedente o argumento de que a Reclamação Graciosa foi deduzida fora de prazo e não sendo devida a convolação em pedido de revisão oficiosa, o ato de liquidação de IVA consolidou-se na ordem jurídica, verificando-se a exceção de inimpugnabilidade do ato tributário, enquadrada na categoria das exceções dilatórias, nos termos do artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea i) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), e dos artigos 278.º, n.º 1 e 608.º do CPC, aplicáveis ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT.
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Nestes termos, a exceção invocada pela Requerida é procedente, mas não configura a caducidade do direito de ação, antes deve ser qualificada como questão prévia de inimpugnabilidade do ato tributário, que, de todo o modo, impede que este Tribunal Arbitral conheça da questão de fundo e que importa a absolvição da Requerida da instância.
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De harmonia com o exposto, julga-se procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato tributário que coloca termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão da Requerente. Dada a procedência desta exceção, fica prejudicado o conhecimento das demais exceções suscitadas.
IV. DECISÃO
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De harmonia com o acima exposto, decide este Tribunal Arbitral:
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Julgar parcialmente procedente a exceção de incompetência material em relação aos pedidos de extinção da execução fiscal e de levantamento das penhoras;
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No mais, julgar procedente a exceção de caso decidido, geradora de inimpugnabilidade do ato tributário de liquidação oficiosa de IVA supra identificado, relativo ao período 201910,
com as legais consequências, nomeadamente a absolvição da Requerida da instância e a condenação da Requerente nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
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De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 172.099,81, atribuído pela Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.
VI. CUSTAS
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Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, totalmente a cargo da Requerente.
Lisboa, 15-09-2022
Os Árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Luís Ricardo Farinha Sequeira
Gonçalo Marquês de Menezes Estanque
(com declaração de voto que se anexa)
Declaração de Voto
Concordo com a absolvição da Requerida da instância mas não acompanho a fundamentação da presente decisão arbitral pois entendo que o tribunal arbitral, no presente processo, não é desde logo materialmente competente e como tal, o conhecimento das demais questões fica prejudicado.
Apesar de considerar que a solução proposta na presente decisão arbitral coaduna-se com o princípio da tutela jurisdicional efetiva e de concordar com a citada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA)[9], não me parece que a mesma possa ser integralmente transposta para os tribunais arbitrais.
O legislador limitou a competência dos tribunais arbitrais (art. 2.º do RJAT) à: (a) “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e (b) “declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais” [10] [11].
Desta formulação resultam importantes limitações à competência do tribunal arbitral. A principal limitação - e também a mais relevante para o presente processo - é o facto de não serem “(...) arbitráveis os vícios próprios dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Por outras palavras, esses actos de indeferimento só poderão ser “trazidos” para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do acto tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efetivamente, pretende impugnar pela via arbitral (...) Compreenda-se a questão por referência a um exemplo prático:
O sujeito passivo, notificado de liquidação adicional de IRC, reclama graciosamente por entender ter existido errónea quantificação dos lucros da empresa. A Administração indefere a reclamação graciosa, sem contudo fundamentar o acto de indeferimento. Neste caso coexistem, por um lado, um vício de errónea quantificação dos lucros do acto tributário de liquidação e, por outro, um vício de falta de fundamentação do acto de indeferimento da reclamação graciosa. O primeiro é arbitrável, o segundo não. O sujeito passivo pode então recorrer à via arbitral para ver apreciada a (i)legalidade da liquidação adicional de IRC por errónea quantificação do lucro da empresa, não sendo, porém arbitrável a falta de fundamentação do acto de reclamação graciosa, que não fará parte do objecto do processo arbitral” [12].
Ora, a jurisprudência do STA invocada na presente decisão arbitral impõe, antes de mais, “(...) a necessidade de o tribunal de 1.ª instância conhecer e decidir, do objeto imediato desta impugnação judicial, isto é, tem de versar, nos quadrantes factuais e jurídicos, em primeiro lugar, a legalidade da decisão (...) de indeferir o pedido de revisão do ato de liquidação”[13] e, em segundo lugar, passar para a decisão sobre a (i)legalidade do ato tributário.
Ou seja, a apreciação da (i)legalidade do ato tributário depende, em primeiro lugar, da apreciação da (i)legalidade da decisão administrativa[14]. Sucede, porém, que, na minha opinião, e face ao que acima se referiu quanto ao artigo 2.º do RJAT[15], o tribunal arbitral não é, in casu, competente para apreciar a (i)legalidade das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e de recurso hierárquico, porquanto tais decisões não apreciaram a legalidade do ato tributário e, in casu, a apreciação da (i)legalidade do ato tributário obriga invariavelmente este tribunal a apreciar e decidir sobre (i)legalidade da decisão administrativa, decisão para a qual o tribunal arbitral não é materialmente competente.
Gonçalo Marquês de Menezes Estanque
[1] I.e., deve ser aferida independentemente de ser suscitada pela Requerida. Note-se que no processo administrativo todas as exceções dilatórias são de conhecimento oficioso – v. artigo 89.º, n.º 2 do CPTA. Também o é a incompetência absoluta em razão da matéria no processo civil – v. artigos 97.º, n.º 1 e 578.º do CPC.
[2] Neste sentido, veja-se a Decisão arbitral proferida no âmbito do Proc. n.º 384/2018-T. De igual modo, o Código de Processo Civil (“CPC”) considera a incompetência absoluta, na qual se inscreve a incompetência em razão da matéria, como primeira causa de absolvição da instância – v. artigo 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC.
[3] Com exceção das pretensões expressamente identificadas nas alíneas a) a d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, sem cabimento na situação dos autos.
[4] E, bem assim, do Tribunal Central Administrativo (“TCA”). A título ilustrativo, veja-se a decisão do TCA Norte, de 27 de Outubro de 2021, processo n.º 00175/21.5BECBR.
[5] E não o prazo de dois anos constante do artigo 131.º do CPPT.
[6] O artigo 78.º, n.º 1 da LGT dispõe nos seguintes termos:
“1 - A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.” (sublinhado nosso)
[7] Não é relevante, para este efeito, de tempestividade, saber se efetivamente ocorreu tal erro dos serviços, questão que respeita à apreciação do mérito. Para aferir da tempestividade, é suficiente que seja invocado esse erro, que, caso não se verifique, conduz à improcedência do pedido de anulação do ato e não a um julgamento de extemporaneidade do procedimento.
[8] No nosso caso, trata-se de um pedido de revisão em que estava esgotado o prazo de reclamação graciosa (artigo 70.º do CPPT), sendo o próprio pedido de revisão também extemporâneo em conformidade com o artigo 78.º da LGT.
[9] Acórdão proferido no âmbito do Proc. n.º 0608/13.4BEALM 0245/18 (18/11/2020).
[10] Art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT.
[11] Sendo esta competência igualmente limitada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (ex vi Art. 4.º do RJAT), conforme se refere - e bem - na presente decisão.
[12] Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Almedina, 2014, pág. 70 e ss.
[13] Vide, por exemplo, o Acórdão proferido pelo STA no âmbito do Proc. n.º 0608/13.4BEALM 0245/18 (18/11/2020).
[14] Recorde-se que, in casu, as decisões de indeferimento fundaram-se exclusivamente em razões formais (intempestividade).
[15] Considerando-se que não são arbitráveis (por estarem fora do âmbito material da arbitragem tributária) vícios próprios dos atos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do ato tributário, por maioria de razão, vícios formais (e.g. intempestividade do procedimento) não são também arbitráveis.
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