Decisão Arbitral
I - RELATÓRIO
I.1. Em 29 de Agosto de 2013, A..., Lda., pessoa colectiva com o n.º …, com sede na Rua, … Porto (de ora em diante a “Requerente”), requereu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
I.2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e, em 30 de Agosto de 2013, foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”).
I.3. A Requerente não procedeu à designação de árbitro. Assim, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, proferida ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, o signatário foi designado como árbitro para integrar o presente tribunal arbitral singular, tendo comunicado a aceitação no prazo legalmente previsto.
I.4. O Tribunal ficou constituído em 29 de Outubro de 2013, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, que se encontra junta aos autos.
I.5. No dia 9 de Janeiro de 2014, decorreu na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada acta da mesma, que se encontra junta aos autos.
I.6. Nessa reunião, o Tribunal decidiu que conheceria da excepção de incompetência do tribunal arbitral deduzida pela Requerida na Decisão final e notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, começando o prazo para a Requerida a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente.
I.7. Também na referida reunião, o prazo para a prolação da decisão final foi fixado até 11 de Março de 2014, tendo sido posteriormente prorrogado pelo Tribunal ao abrigo do disposto no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT.
I.8. A Requerente peticiona:
a) A declaração de ilegalidade - e consequente anulação - da liquidação de Imposto do Selo com o n.º 2012 ..., de 7 de Novembro de 2012, referente ao ano de 2011, no montante de € 13.411,40, efectuada ao abrigo da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A, de 29 de Outubro;
b) A condenação da Requerida a devolver à Requerente o imposto pago;
c) A condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
I.9. Na sua Resposta, a AT:
a) Invoca a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral, requerendo, consequentemente, a absolvição da instância;
b) Se assim não se entender, requer que o pedido seja considerado totalmente improcedente, mantendo-se consequentemente na ordem jurídica o acto de liquidação impugnado.
I.10. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
I.10.1. A Requerente é legítima proprietária do prédio urbano sito na Avenida …, em propriedade total, sem andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o n.º ....
I.10.2. Tal prédio resulta do emparcelamento de dois prédios, no âmbito da operação de loteamento licenciada em 3 de Dezembro de 2008 (Proc. n.º …), e titulada pelo alvará de loteamento n.º …, de 7 de Julho.
I.10.3. E não se encontra - nem nunca se encontrou - apto para a habitação.
I.10.4. De acordo com a descrição constante da caderneta predial, estamos perante um prédio em propriedade total, que, não obstante ter cinco pisos, não tem andares nem divisões, pois resulta de uma operação de emparcelamento / loteamento, depois de um incêndio. Não tem andares, nem telhado, só paredes.
I.10.5. Foi emitida pela Câmara Municipal de Lisboa alvará de licença de construção de um hotel de 4 estrelas.
I.10.6. O qual neste momento está a ser edificado (obras iniciadas em 2012), tendo, inclusive, sido objecto de atribuição de utilidade turística.
I.10.7. Ora, um hotel é classificado no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), como prédio afecto a serviços, que aquela verba 28.1 não tributa. Pelo que a presente situação não cai na norma de incidência.
I.10.8. Ao liquidar imposto do selo à reclamante, a administração tributária origina uma nova regra de incidência, em flagrante violação do princípio da legalidade das normas fiscais, constitucionalmente consagrado.
I.10.9. O entendimento da AT enferma do vício de erro sobre os pressupostos de direito por violação do artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, que aditou a verba 28.1. da TGIS.
I.10.10. Acrescenta ainda a Requerente que, tendo a lei em causa sido aprovada apenas no final do ano, projecta um efeito retroactivo a todo o ano de 2012, não permitido por lei, o que é reforçado pelo facto de, sendo um imposto imediato, incidir sobre o valor patrimonial tributário do prédio com referência a Dezembro de 2011 e não à data da cobrança.
I.10.11. Como o imposto liquidado foi pago, e resultando tal liquidação de um erro imputável aos serviços, são devidos juros indemnizatórios, nos termos legais.
I.11. Na sua Resposta a AT, invocou, em síntese, o seguinte:
I.11.1. O fundamento do pedido de impugnação do acto de liquidação de imposto do selo em causa é o facto de que o prédio objecto de tributação em não estar a habitação mas sim a serviços
I.11.2. Assim sendo, a procedência da pretensão da Requerente implicaria, necessariamente, a prática, por parte deste Tribunal Arbitral de um acto inserido no âmbito do poder administrativo da administração tributária, porquanto, a pronúncia pela ilegalidade da liquidação controvertida com fundamento no facto de que o prédio em questão não é de afectação habitacional mas de afectação a serviços pressupõe a introdução de uma alteração na matriz predial urbana do prédio em causa e mais, com efeitos retroactivos, pelo menos, a 2011 e a 2012.
I.11.3. Acto que extravasa a competência deste Tribunal Arbitral e que, a ocorrer, consubstanciará uma flagrante violação do princípio de separação de poderes, conforme previsto no n.º 1 do artigo 111.º da Constituição da República Portuguesa.
I.11.4. Pelo que deve considerar-se procedente a excepção de incompetência do tribunal invocada e absolver-se a entidade pública demandada da instância, ao abrigo dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
I.11.5. A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, veio alterar o artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), e aditar à TGIS a verba 28. Com esta alteração legislativa, o imposto do selo passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
I.11.2. Analisando a caderneta predial do prédio em causa, verifica-se: (i) o prédio tem como artigo matricial o n.º ... P do distrito de Lisboa, concelho de Lisboa, freguesia de ...; (ii) a sua localização é na …, Lisboa; (iii) é um prédio em propriedade total sem andares, nem divisões susceptíveis de utilização independente; (iv) com afectação habitacional, com ano de inscrição na matriz de 2009 e valor patrimonial actual de €2.683.280,00, determinado em 2008, mediante aplicação do coeficiente de habitação.
I.11.3. Verifica-se, pois, manifestamente, da leitura da matriz, que o prédio em causa tem afectação habitacional, e nessa medida, cai no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS, estando, por conseguinte, sujeito a tributação em sede de imposto de selo.
I.11.4. Desde logo, quanto à primeira alegação, diga-se que o facto de um prédio se encontrar em propriedade total sem divisões susceptíveis de utilização, independente, não o torna, por si só, de modo algum, inapto para a habitação. Inúmeros prédios de habitação existem, em regime de propriedade total, a par de outros em regime de propriedade horizontal, sem que de tais regimes dependa qualquer aptidão ou inaptidão para habitação.
I.11.5. Por outro lado, quanto à segunda alteração, o facto de o prédio em causa possuir um alvará de licença para construção de um hotel de 4 estrelas, não constitui fundamento legal para que à luz do CIMI seja classificado como afecto a serviços.
I.11.6. Com efeito, dos documentos juntos pela Requerente aos presentes autos extrai-se que relativamente ao prédio em causa, foi emitido um alvará de loteamento (Doc. 5 junto ao pedido de pronúncia arbitral), foi emitida uma notificação dando conhecimento da aprovação de um projecto de arquitectura com vista à realização de uma obra de edificação (Doc.6 junto ao pedido de pronúncia arbitral), um alvará de obras de alteração (também identificado como Doc. 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral) e de um Despacho de atribuição condicional de utilidade urbanística (Doc. 7 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
I.11.7. Quanto ao Doc. 5, este apenas atesta a aprovação de um alvará de loteamento incidente sobre os prédios descritos sob o n.º ... e o n.º ..., os quais foram objecto de uma anexação num prédio único, descrito na 9.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...-P da freguesia de .... Este documento faz ainda a descrição da operação de loteamento, descriminando aquilo em que irá consistir, bem como as condições a que ficará subordinada, não contendo uma única informação acerca da natureza, destino ou finalidade das obras a efectuar no prédio.
I.11.8. Quanto ao Doc. 6, este procede à aprovação de um projecto de arquitectura com vista à realização de uma obra de edificação, deixando, no entanto, a aprovação em causa subordinada à aprovação, em simultâneo dos projectos de especialidades, no prazo de 6 meses, sob pena de caducidade da deliberação que aprovou o projecto de arquitectura e do arquivamento oficioso do processo, bem como, à verificação de um conjunto de condições constantes do seu último parágrafo.
I.11.9. Quanto ao Doc. 7, este consiste num despacho do Senhor Secretário de Estado do Turismo que atribui utilidade turística prévia a um Hotel, condicionada ao cumprimento de um conjunto de condicionalismos. Sendo que, há data do empreendimento em questão, este não estava ainda em funcionamento, nem tão pouco tinham tido início as obras, porquanto, a provarem-se as alegações da Requerente, estas só se iniciaram em 2012.
I.11.10. Ou seja, dos documentos juntos aos autos não resulta sequer que se tenham iniciado quaisquer obras no prédio em questão, e mesmo que estas se tenham iniciado em 2012, conforme alega a Requerente, não há conhecimento algum acerca do seu evoluir, nem de que se encontrem já concluídas.
I.11.11. Ora, no caso dos presentes autos, não se verificou nenhuma das situações que determina a conclusão das obras e que, consequentemente, habilitaria a alteração da inscrição matricial no sentido da modificação da classificação do prédio em causa, de afecto a habitação para afecto a serviços.
I.11.12. Como tal, ao contrário do que pretende a Requerente, a realidade material do prédio não é ainda definitiva, não podendo de todo concluir-se que tem afectação a serviços, à luz do CIMI, um prédio que se encontra em processo de reabilitação, sem que se possa prever quando haverá conclusão das obras (ou até se haverá, dado que poderão ocorrer um sem número de vicissitudes ao longo de todo o processo), e sem que se saiba, quando haverá e se haverá emissão da respectiva licença de utilização para entrada em funcionamento do prédio para serviços. E assim sendo, à data do facto tributário, o prédio em causa detinha, à luz da respectiva matriz predial urbana, uma afectação habitacional.
I.11.13. Em 23/10/2008, a anterior proprietária … – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, com o NIPC …, apresentou a declaração modelo 1 de IMI para inscrição do prédio urbano na matriz, resultante de emparcelamento de dois anteriores artigos, o ….º da mesma freguesia e concelho (cfr. processo administrativo junto aos autos).
I.11.14. E na referida declaração modelo 1 declarou expressamente a afectação do imóvel a “habitação”, dando lugar à consequente avaliação do prédio, com um valor patrimonial tributário de 2.682.280,00 euros, o qual aplicou o coeficiente de 1, tendo em consideração a afectação do imóvel a “habitação”.
I.11.15. Ora, para além, do Fundo ora proprietário se ter conformado com a avaliação efectuada, não tendo apresentado qualquer pedido da 2.ª avaliação, também não foi por este apresentada, até à presente data, qualquer reclamação da matriz, nos termos do artigo 13.º do CIMI, solicitando a alteração da afectação do imóvel (a qual iria consequentemente, dar origem ao apuramento de um VPT superior).
I.11.16. Sendo que, da sua caderneta predial urbana, o prédio em causa continua a constar como prédio com afectação de habitação, com 5 pisos e 11 divisões.
I.11.17. Pelo que se conclui pela correcta aplicação do artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba 28.1 da TGIS.
I.12. Sobre as alegações escritas
I.12.1. Na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, realizada, como já vimos, em 9 de Janeiro de 2014, o Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerida começaria a contar da notificação da junção das alegações da Requerente.
I.12.2. O prazo para a Requerente apresentar as alegações terminava assim no dia 24 de Janeiro de 2014, sendo que as mesmas só foram juntas no dia 28 de Janeiro de 2014. Tem assim razão a Requerida quando invoca intempestividade da sua junção. O Tribunal não irá assim considerar o seu conteúdo na formação do seu processo decisório, não vendo, no entanto, necessidade de ordenar o seu desentranhamento, como requer a Requerida.
I.12.3. Por seu turno, as alegações da Requerida, muito embora só tenham sido juntas aos autos em 24 de Março de 2014 (dia 22 foi dia não útil), são tempestivas, pois, por lapso, a junção das alegações da Requerente só foi notificada à requerida em 7 de Março de 2014. No essencial, a Requerida reitera nas alegações os argumentos invocados na Resposta.
II. SANEAMENTO
II.1. Conforme se descreveu acima, a Requerida deduziu a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral, por entender que, dos termos delineados no pedido arbitral, a pronúncia do Tribunal Arbitral implica a prática de um acto inserido no âmbito do poder administrativo da administração tributária, a saber: uma alteração na matriz predial urbana do prédio em causa, consistente na alteração da afectação do prédio. O que, ademais, consistiria uma flagrante violação do princípio da separação de poderes.
II.2. Ora, a verdade é que o que está em causa é a apreciação da legalidade de um acto de liquidação do imposto do selo praticado pela administração tributária. Com efeito, o pedido formulado consiste na declaração de ilegalidade, e consequente anulação, da liquidação em causa, matéria que é inequivocamente da competência do Tribunal Arbitral, nos termos do artigo. 2º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. A decisão a proferir pelo Tribunal Arbitral não implica verdadeiramente nenhuma decisão sobre a manutenção ou alteração da matriz predial, mas sim a apreciação do pedido de declaração de ilegalidade do acto impugnado à luz do direito aplicável e da prova produzida.
II.3. Assim sendo, não procede a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida.
II.4. O Tribunal é, pois, competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
III. MATÉRIA DE FACTO
III.1. Factos provados
III.1.1. A Requerente é legítima proprietária do prédio urbano sito na …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob os n.ºs ... e ….
III.1.2. Em 7 de Novembro de 2012, a AT liquidou à Requerente imposto do selo no valor de € 13.411,40 – liquidação n.º 2012 ... – efectuada ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
III.1.3. O imposto liquidado foi pago pela Requerente.
III.1.4. A Requerente deduziu a reclamação graciosa n.º … contra tal acto de liquidação, a qual foi indeferida em 17 de Julho de 2013 por Despacho do Chefe da Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto.
III.1.5. O prédio em causa é um prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente com afectação de habitação, inscrito na matriz em 2009 mas também com inscrição antes de 1951, com o valor patrimonial de € 2.682.280,00, determinado em 2008.
III.1.6. Em 23 de Outubro de 2008 foi entregue modelo 1 do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e a ficha de avaliação n.º …, avaliada em 20 de Dezembro de 2008.
III.1.7. A Câmara Municipal de Lisboa emitiu, em 7 de Julho de 2009, o Alvará de Loteamento n.º …, referente ao processo municipal n.º …, em nome de …– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., na qualidade de gestora do …- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, que incidiu sobre os prédio urbanos inscritos na matriz sob os artigos números …da freguesia de ..., concelho de Lisboa, que foram objecto de anexação num prédio único inscrito na matriz sob o artigo ..., e que é o prédio a que respeita a liquidação em causa no presente processo, tendo a operação de loteamento sido aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa, em 3 Dezembro de 2008, através da deliberação n.º … .
III.1.8. Foi também aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa licenciamento de obra de edificação respeitante ao imóvel resultante do emparcelamento.
III.1.9. Foi concedida utilidade turística a título prévio ao hotel a edificar no imóvel em causa, através do Despacho n.º …do Secretário de Estado do Turismo, datado de 26 de Outubro de 2010, publicado no Diário da República, ….
III.1.10. Através do alvará de obras de alteração n.º … elaborado em 22.05.2012, foram aprovadas obras de alteração relativamente ao mesmo imóvel pela Câmara Municipal de Lisboa.
III.2. Motivação da matéria de facto considerada provada
Os factos dados como provados resultam de matéria não contestada e demonstrada pelos documentos juntos aos autos, bem como dos elementos do processo administrativo junto pela Requerida.
III.3. Factos alegados não provados e sua motivação
III.3.1. O prédio resultante do emparcelamento não se encontra, nem nunca se encontrou, apto para habitação (seja por prova documental, seja por prova testemunhal – que, de resto, não foi requerida -, não há evidência inequívoca nesse sentido, sendo que o mesmo é contestado pela Requerida no artigo 26.º da sua Resposta e 37.º das suas alegações);
III.3.2. O prédio apenas tem paredes, não tendo andares nem telhado (as fotocópias de fotografias juntas como documento n.º 4 anexo ao pedido de pronúncia arbitral ou mesmo as constantes do processo administrativo não são consideradas idóneas por este Tribunal para uma prova cabal do alegado, nada mais havendo para além desse elemento).
III.3.3. No ano de 2012 iniciaram-se obras de edificação no imóvel (a Requerente não juntou nenhum documento comprovativo deste facto e o mesmo não é aceite pela Requerida – artigo 44.º das alegações).
IV. MATÉRIA DE DIREITO
IV.1. A jurisprudência que tem vindo a ser proferida pelo CAAD a respeito da questão da verba 28 da TGIS, pode agrupar-se em dois tipos fundamentais de questões: (i) a que diz respeito a situações de prédios não constituídos em propriedade horizontal, mas em propriedade total com divisões susceptíveis de utilização independente e (ii) a que diz respeito a situações de prédios classificados na matriz como terrenos para construção e relativamente aos quais, o CAAD tem vindo a pronunciar-se reiteradamente no sentido de que tais prédios não estão sujeitos a tributação em imposto de selo, por força da verba 28 da TGIS.
IV.2. Ora, sendo assim, tem razão a Requerida quando afirma que não é nenhuma dessas questões que está em causa nos presentes autos. Com efeito, a questão essencial submetida a este Tribunal no âmbito deste processo consiste em saber se o prédio urbano em causa nos autos, não obstante estar inscrito na respectiva matriz como habitacional (afectação: habitação), deve ser considerado afecto a serviços em virtude de um conjunto de factos que a Requerente alega, não lhe sendo, por via disso, aplicável o disposto na verba 28 da TGIS[1].
IV.3. Diga-se, antes de mais, que concordamos inteiramente com o entendimento de que as matrizes prediais não têm força probatória plena. Quanto a este aspecto, remete-se para a fundamentação, designadamente doutrinária, constante da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 205/2013-T.
IV.4. No entender deste Tribunal, os diversos documentos juntos pela Requerente – alvará de loteamento, licenciamento de obra de edificação, alvará de obras, despacho do Secretário de Estado do Turismo atribuindo utilidade turística a título prévio – não consubstanciam uma realidade material do prédio definitiva, não podendo, pois, concluir-se, como pretende a Requerente que o imóvel já se deve considerar afecto a serviços e que a subsistência da menção constante da matriz é um mero lapso fruto de desactualização.
IV.5. De facto, como bem anota a Requerida, não se sabe, neste momento, quando haverá e se haverá emissão da respectiva licença de utilização para funcionamento do prédio como afecto a serviços. Assim sendo, não se põe sequer qualquer hipotética questão da prevalência da verdade material sobre a verdade formal, ao contrário do que alude a Requerente no n.º 6 do pedido de pronúncia arbitral.
IV.6. Para o direito, a realidade que existe à data do facto tributável é a de um prédio em propriedade total sem andares, nem divisões susceptíveis de utilização independente, com
afectação habitacional, com ano de inscrição na matriz de 2009 e valor patrimonial actual de €2.683.280,00, determinado em 2008, mediante aplicação do coeficiente de habitação.
IV.7. A isto acresce que o artigo 10.º do CIMI, aqui aplicável ex vi 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, conferia (e confere) a possibilidade ao Requerente de requerer a alteração da matriz predial em conformidade com o que se lhe afigura correcto – ou seja, modificar a afectação do prédio de habitacional para serviços -, tendo em conta os parâmetros que aí são definidos, o que não fez.
IV.8. Uma nota final: o artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, contém um conjunto de disposições transitórias. Aí se estatuí que o facto tributário se verifica no dia 31 de Outubro e que o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011. Tal, a nosso ver, não implica a introdução de qualquer dimensão de retroactividade no imposto, como sustenta a Requerente no n.º 18 do pedido de pronúncia arbitral.
V. DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa exposto, decide-se:
a) Julgar improcedente a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral deduzida pela Requerida;
b) Julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido da Requerente, mantendo-se, assim, na ordem jurídica o acto de liquidação de Imposto do Selo impugnado.
VII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 13.411,40, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VIII. Taxa de arbitragem
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerente, uma vez que o pedido foi julgado totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de Novembro de 2014
O Árbitro,
Luís Máximo dos Santos
A redacção da presente Decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Note-se, no entanto, que no processo n.º 205/2013-T, com Decisão Arbitral proferida em 7 de Março de 2014, esteve em causa matéria de facto e de direito idêntica à de este processo, muito embora, como se verá, não acompanhemos o sentido da Decisão.