DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., contribuinte fiscal número..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Vila Nova de Cerveira, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º10/2011, de 20 de Janeiro - Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), visando a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2017..., relativa ao período de tributação de 2011, com valor a pagar de € 5.316,30, que havia sido objeto de reclamação graciosa e recurso hierárquico indeferidos.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
2. Como fundamento do pedido, apresentado em 03-12-2021, a Requerente alega, em síntese, que o ato tributário que constitui o objeto do presente processo se encontra ferido de ilegalidade, porquanto o ato de liquidação ora impugnado que se destinou a executar a decisão proferida no processo do CAAD n.º 760/2015-T, inclui indevidamente juros compensatórios a favor do Estado que extravasam a referida decisão arbitral e inclui na liquidação “deduções à coleta de valor inferior ao que resultava da simulação feita pelo programa específico da AT em 23/05/2012”, com consequentes efeitos nos juros indemnizatórios calculados.
3. Em resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, considerando dever manter-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado e, em conformidade, decidindo-se pela absolvição da entidade requerida.
3.1 Alega, em síntese, que o ato de liquidação impugnado, denominado de corretivo, não consubstancia um ato tributário inovador, por referência à liquidação que fora reclamada ab initio, mas consubstancia a mera execução da decisão de deferimento proferida, no presente caso, em impugnação arbitral.
3.2 Assim sendo, a liquidação não é suscetível de Reclamação Graciosa porquanto:
a) não estamos na presença de um ato tributário ex novo, pois sobre esta parte da liquidação a administração já se pronunciou, indeferindo a pretensão do contribuinte e nessa medida, não tendo sido interposto recurso hierárquico ou apresentada impugnação judicial, verifica-se aceitação tacita da decisão, pelo que deve ser rejeitada com fundamento na ilegitimidade do reclamante, nos termos do artigo 109.º alínea c), conjugado com o artigo 68.º, n.º4, e bem assim na violação do disposto no artigo 191.º, n.º 2, todos do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d) do CPPT;
b) Por outro lado, uma vez que incorpora a matéria já constante da liquidação, mas não contestada na reclamação cuja decisão agora se executa por se encontrarem esgotados os prazos legais para o efeito, atento disposto nos artigos 70.o e 102.o, ambos do CPPT, razão pela qual deve ser objeto de despacho de rejeição com fundamento na alínea d) do artigo 109.º do CPA;
c) Por fim, no que respeita à fração que corporiza o deferimento da pretensão do contribuinte, por não ser o meio próprio para questionar uma eventual execução imperfeita da sentença, motivo pelo qual deve ser rejeitada com esteio no artigo 109.º do CPA.
3.3 Face ao exposto, conclui-se que ocorre a exceção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral para conhecer o pedido arbitral apresentado.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 03-12-2021, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 08-02-2022.
8. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
9. As partes, devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).
10. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal, considerando que a “posição das partes estar plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental juntos”, “ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º2 e 29.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), por despacho de 04-01-2022 decidiu dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do referido Regime, bem como a apresentação de alegações.
11. Foi indicada como data-limite para prolação da decisão arbitral o dia 30-07-2022.
II. Matéria de facto
12. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base no acervo documental junto aos autos, mormente o processo administrativo e documentos que o integram, se consideram provados:
12.1 Em 23-05-2012, a Requerente submeteu a declaração modelo 3 referente ao período de 2011, com enquadramento no regime de contabilidade organizada.
12.2 A AT procedeu à liquidação oficiosa do IRS deste ano (liquidação n.º 2015...), por considerar em falta a declaração, após notificação ao sujeito passivo para entrega de declaração de substituição com enquadramento no regime simplificado.
12.3 A liquidação oficiosa foi anulada por Decisão Arbitral relativa ao Proc. n.º 760/2015-T do CAAD.
12.4 Em 12-05-2017 foi emitida pela AT a liquidação de IRS n.º 2017 ..., relativa à execução da Decisão Arbitral, acompanhada da Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios a favor do Estado, no valor de € 685,36, bem como do reembolso no valor de € 12.818,99.
12.5 Daquela liquidação foi, em 8 de janeiro de 2018, apresentada reclamação graciosa, rejeitada por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., em 05-02-2021.
12.6 Do indeferimento foi apresentado recurso hierárquico, também indeferido no dia 10-09-2021.
13. A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada, designadamente a constante do processo administrativo junto pela Requerida.
14. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.
III. Matéria de direito
1. Da exceção de incompetência material do tribunal arbitral
A título prévio, a Requerida veio invocar a exceção de incompetência material do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar que, ao questionar uma execução alegadamente imperfeita da decisão arbitral proferida no Proc. nº 760/2015-T, o meio adequado é a execução de julgados.
Acrescenta ainda que a liquidação não é suscetível de reclamação graciosa porque:
a) não estamos na presença de um ato tributário ex novo, pois sobre esta parte da liquidação a administração já se pronunciou, indeferindo a pretensão do contribuinte e nessa medida, não tendo sido interposto recurso hierárquico ou apresentada impugnação judicial, verifica-se aceitação tacita da decisão, pelo que deve ser rejeitada com fundamento na ilegitimidade do reclamante, nos termos do artigo 109.º alínea c), conjugado com o artigo 68.º, n.º4, e bem assim na violação do disposto no artigo 191.º, n.º 2, todos do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d) do CPPT;
b) Por outro lado, uma vez que incorpora a matéria já constante da liquidação, mas não contestada na reclamação cuja decisão agora se executa por se encontrarem esgotados os prazos legais para o efeito, atento disposto nos artigos 70.o e 102.o, ambos do CPPT, razão pela qual deve ser objeto de despacho de rejeição com fundamento na alínea d) do artigo 109.º do CPA;
c) Por fim, no que respeita à fração que corporiza o deferimento da pretensão do contribuinte, por não ser o meio próprio para questionar uma eventual execução imperfeita da sentença, motivo pelo qual deve ser rejeitada com esteio no artigo 109.º do CPA.
Em sentido oposto, a Requerente alega que não está em causa uma execução imperfeita da decisão proferida no processo n.º 760/2015-T mas sim o conteúdo inovatório relativo aos juros compensatórios a favor do Estado e o valor das deduções à coleta de montante injustificado, com o consequente efeito no direito aos juros indemnizatórios.
Cabe decidir.
Conforme referido, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, compete aos tribunais arbitrais, no que agora interessa, “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (…)”.
No entanto, conforme se diz na Decisão Arbitral relativa ao Proc. 130/2019-T, “Não existe qualquer disposição legal que afaste a competência dos tribunais arbitrais quanto a actos de liquidação que a Autoridade Tributária e Aduaneira considere (com razão ou sem ela) que são emitidos em execução de julgado.
Por outro lado, mesmo que os actos de liquidação sejam praticados em execução de julgado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo foi-se consolidando no sentido de que, se no âmbito da execução de julgado é praticado um novo acto que, para além dar execução à decisão exequenda, contém um conteúdo inovador, sobre o qual não proferiu decisão o julgado exequendo, os vícios de que possa enfermar o acto nesta parte inovatória não podiam ser apreciados no processo de execução, tendo a sua impugnação de ser efectuada em processo impugnatório autónomo. ( )
Mas, mesmo nos casos em que o novo acto apenas dava execução ao julgado exequendo, o interessado podia optar pela sua impugnação autónoma, o que estava ínsito no n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, que expressamente previa que, nos casos em que era instaurado processo de execução, mas estivesse pendente recurso de anulação ou de declaração de nulidade dos actos de execução, seria feita a sua apensação ao processo de execução.
No regime do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ocorreu um alargamento do âmbito do processo de execução de julgado, passando a admitir-se nele, para além da declaração de nulidade dos actos desconformes com a sentença, também a anulação dos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal (artigo 179.º, n.º 2, do CPTA).
Mas, mesmo depois da entrada em vigor do CPTA, a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal Administrativo continuou a ser no sentido de que «o processo executivo tende a conferir efectividade prática ao respectivo título, a que por inteiro se subordina, não servindo para se obterem pronúncias declarativas sobre questões novas e independentes» e que qualquer vício do acto emitido em execução era «declarável em processo a instaurar para o efeito, mas não configura uma infidelidade ao acórdão exequendo». ( )
A fundamentação desta jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo pode considerar-se duvidosa à face do regime do CPTA, como bem evidenciam, desde logo, os sete votos de vencido que foram emitidos.
Mas, as dúvidas sérias que se podem suscitar relativamente a esta jurisprudência maioritária recaem sobre a decidida inadmissibilidade de utilização do processo de execução de julgados e consequente obrigatoriedade de utilização de meio impugnatório autónomo para sindicar a legalidade dos actos praticados em execução que enfermem de vícios que não apreciados pela decisão exequenda e não sobre a possibilidade de optar pela impugnação autónoma, quando o interessado apenas pretende discutir a legalidade do conteúdo inovador dos actos praticados em execução do julgado, possibilidade esta que sempre foi permitida e resulta do teor literal das normas que prevêem a possibilidade de impugnação contenciosa.
Isto é, a crítica que se pode fazer a esta jurisprudência é por impor impugnação autónoma para apreciar vícios exclusivos do novo acto e não por a proibir, o que manifestamente não faz.
É certo que, no novo regime de execução de julgados, pode aventar-se que haja uma repartição do campo de aplicação do processo de execução de julgado e do processo de impugnação de actos, nos casos em que é praticado um novo acto visando dar execução a um julgado anulatório, como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA nestes termos:
A nova referência aos "actos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal vai mais longe, permitindo ao exequente deduzir também, logo no início ou no decurso do processo de execução, pedido de anulação dos eventuais actos administrativos supervenientes que configurem uma recusa disfarçada de executar, por virem dar uma cobertura formal, mas ilegítima, à situação existente na ausência da execução da sentença.
Até aqui, a jurisprudência entendia que estes actos só podiam ser fiscalizados no âmbito de um processo autónomo de impugnação. Agora, há que distinguir. Quando o exequente alegue que o acto foi praticado com o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, mantendo, sem fundamento válido, a situação ilegal existente, o exequente está a colocar uma questão que ainda é de inexecução da sentença, pelo que, como tal, deve ser apreciada e decidida no processo executivo. Só deverão ser, pelo contrário, objecto de impugnação autónoma os actos aos quais o exequente impute ilegalidades que devam ser subsumidas a tipos diferentes de vícios, próprios desses actos. (negrito nosso)( )
Esta solução tem o alcance de fazer com que, sempre que, no âmbito de um processo dirigido à execução de uma decisão proferida por um tribunal administrativo, o requerente alegue que um acto administrativo superveniente foi praticado com o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, o juiz fique constituído no dever de verificar se assim é, e portanto, se esse acto deve ou não ser qualificado como um acto de inexecução da sentença exequenda, para o efeito de ser anulado no âmbito do próprio processo de execução. Deste modo se consagra, neste particular, um princípio de plenitude do processo de execução, que tem por consequência que, sempre que alegue que o acto administrativo entretanto praticado não passa de uma execução meramente formal ou aparente da sentença, que, na realidade, mantém, em fundamento válido, a situação ilegalmente constituída pelo acto anulado, o interessado coloca uma questão que ainda é de inexecução da sentença e que, como tal, pode e deve ser objecto da dedução de um incidente a apreciar no âmbito do processo executivo. Quando, pelo contrário, o interessado impute ao acto renovatório ilegalidades que já envolvam aspectos novos, a apreciação de tais vícios já não deve ter lugar no processo executivo, só podendo ser suscitada e decidida em processo declarativo autónomo de impugnação. ( )
Desta jurisprudência e doutrina conclui-se que, quer antes quer depois do regime de execução de julgados previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não é vedada aos interessados na anulação de um acto administrativo praticado a título de execução de julgado a possibilidade de o impugnarem autonomamente, quando lhe pretendem imputar vícios próprios que não resultam de desconformidade com o julgado exequendo ou de insuficiência dos actos praticados em execução. Pelo contrário, a jurisprudência e doutrina dominantes até são no sentido de que, quando estão em causa vícios próprios do novo acto e o interessado não lhe imputa o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, o meio adequado é a impugnação autónoma.
Em consequência, não ocorre incompetência do tribunal arbitral, pelo que improcede a exceção suscitada pela AT.
2. Da falta de fundamentação do ato de liquidação
No pedido apresentado, o Requerente alega que a liquidação ora impugnada padece do vício de falta de fundamentação.
Nos termos do artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Ao nível dos atos tributários, o artigo 77.º, da LGT determina que:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
Tal fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão. (Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA de 11/12/2002, no Rec. n.º 01434/02).
Sendo certo que “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido” (Ac. STA de 30.01.2013 – Proc. n.º 0105/12).
Devem, pois, os Requerentes ter acesso a todos os elementos de facto e de direitos que determinaram a decisão de indeferimento. Tal não significa que a AT esteja obrigada a pronunciar-se sobre todas os argumentos apresentados pelos Requerentes, desde que se pronunciem expressamente sobre as questões arguidas.
Importa ter presente que a AT não está vinculada à análise e contestação expressa de todos os argumentos convocados pela mesma, mas a analisar as questões arguidas pelos Requerentes.
In casu, conforme alegado pela Requerente e não contraditado pela Requerida, foi solicitado, em 26 de junho de 2017, junto do Serviço de Finanças a notificação de facto e de direito subjacentes à liquidação ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, sem que tenha sido dada qualquer resposta.
Em sede de reclamação graciosa, a Requerente questionou a liquidação dos juros compensatórios e o valor das deduções à coleta. Em resposta, a AT respondeu que “Estando em causa o apuramento de juros indemnizatórios...”, não se pronunciando sobre o pedido do Requerente quanto às questões principais.
Em resposta ao recurso hierárquico, a Requerida refere, todavia, que a DF de ... procedeu ainda às seguintes considerações sobre o mérito da pretensão da Requerente
“i. Os juros compensatórios são devidos, pois a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS não havia sido atempadamente submetida pelo contribuinte, apurando-se o imposto devido oficiosamente, pelo que a liquidação corretiva apenas apurou juros compensatórios até à data da primeira liquidação oficiosa;
ii. Quanto ao montante das deduções da coleta o mesmo resulta dos valores indicados pelo contribuinte na declaração modelo 3 de IRS entregue, não concretizando o ora Recorrente como chegou ao valor de € 2.885,78;”
Cumprirão estas considerações os requisitos legais relativos ao dever de fundamentação? Citando o Acórdão do TCAS, de 28/01/2021, relativo ao Proc. 2790/10.3BELRS, para aferir o cumprimento do dever de fundamentação há que responder a uma pergunta “muito simples”: “...com os elementos fornecidos pela AT o contribuinte pode efetuar uma opção consciente e esclarecida entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa?
Entendemos que, relativamente aos juros compensatórios, a explicação e fundamentos apresentados pela AT permitem conhecer o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão: a anulação da liquidação objeto de decisão arbitral não influencia, no entender da AT, a liquidação dos juros compensatórios já que o contribuinte não teria entregado a declaração de IRS daquele ano em devido tempo.
O mesmo já não parece resulta da fundamentação relativamente às deduções à coleta. Conforme Doc. 3 apresentado pelo contribuinte, a simulação feita no Portal da AT relativa à declaração entregue em 23/05/2012, apresentava um valor de deduções à coleta de € 2855,78, enquanto na liquidação ora impugnada o valor das deduções à coleta é de € 2,125,78.
Ora, perante a dúvida apresentada pelo contribuinte, competia à AT explicar o processo de apuramento do valor das deduções à coleta apresentadas pelo sujeito passivo, para percebermos se aquele valor traduz a aplicação das regras e limites previstos no CIRS às despesas dedutíveis. Em concreto, bastaria explicar qual o valor da dedução à coleta a que o contribuinte tem direito por cada uma das despesas apresentadas e que resultam da declaração modelo 3 apresentada em 23/05/2012.
Não o tendo feito, deverá ser considerada procedente a arguida preterição de formalidade, decorrente do incumprimento do dever legal de fundamentação, que nos termos do artigo 268.º da CRP e 77.º da LGT impende sobre a Autoridade Tributária.
Em consequência, o ato impugnado padece do vício de falta de fundamentação, pelo que é ilegal e deve ser anulado.
3. Do erro sobre os pressupostos de facto e de direito na cobrança de juros compensatórios
O n.º 1 do artigo 35.º da Lei Geral Tributaria estabelece que “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Ora, a fundamentação apresentada pela Requerida de que o sujeito passivo havia entregue a declaração de IRS fora de prazo, pelo que seriam sempre devidos juros compensatórios, padece de erro sobre os pressupostos de facto.
Com efeito, com resulta da matéria dada como provada, o contribuinte entregou a declaração modelo 3 de IRS em 23-05-2012, dentro do prazo legal. Esta declaração não foi liquidada pela AT por considerar que a declaração entregue não estava correta porque os rendimentos da categoria B foram enquadrados no regime da contabilidade organizada, procedendo à liquidação oficiosa do IRS. Como resulta da decisão arbitral relativa ao Proc. 760/2015-T, esta liquidação oficiosa foi anulada, tendo o tribunal considerado que a declaração, nos termos entregues pelo contribuinte, estava correta.
Não procede, por isso, o entendimento da AT de que são devidos juros compensatórios já que a responsabilidade pelo retardamento da liquidação do IRS foi da exclusiva responsabilidade da AT e não do sujeito passivo.
Padece, por isso, do vicio de ilegalidade a liquidação de juros compensatórios.
4. Questões prejudicadas
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento nos vícios atrás referidos, o que assegura uma efetiva e estável tutela dos direitos do Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados, nomeadamente a preterição do direito de audição prévia.
Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios no artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), a ordem estabelecida na presente decisão corresponde àquela que, dentro de cada grupo, cuja procedência determina a “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”.
5. Direito a juros indemnizatórios
O Requerente faz também o pedido de juros indemnizatórios que devem acrescer à devolução do imposto indevidamente pago. Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Este direito aos juros indemnizatórios não é, todavia, aplicável à parte do ato tributário anulado com fundamento na falta de fundamentação, dado que, neste caso, ainda não se pode afirmar que tenha havido entrega indevida de prestação tributária, mas tão só um vicio de forma no procedimento.
IV. Decisão
Nos termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular o despacho de indeferimento do recurso hierárquico e o ato tributário de liquidação de IRS n.º 2017..., que constitui seu objeto, por vícios de violação do dever de fundamentação e violação de lei por erro nos pressupostos, com as legais consequências, incluindo juros indemnizatórios.
Valor do processo:
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) fixa-se ao processo o valor de € 5.316,30, nos termos apresentados pela Requerente e não contestado pela Requerida.
Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 612,00, a cargo da Requerida (AT).
Lisboa, 30 de julho de 2022
O Árbitro
(Amândio Silva)