Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 87/2014-T
Data da decisão: 2014-12-09  IRC  
Valor do pedido: € 29.392,91
Tema: IRC - Encargos Financeiros; Não dedutibilidade; Art.º 23.º do CIRC.
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 87/2014 – T

Tema:IRC – Encargos Financeiros; Não dedutibilidade; Art.º 23.º do CIRC

 

Os árbitros José Poças Falcão, árbitro presidente do Tribunal Colectivo, Paulo Lourenço e João Menezes Leitão, árbitros vogais, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para constituir o presente Tribunal Arbitral, acordam:

 

I. RELATÓRIO

 

1. “A”, SA, pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua …, …, … andar, sala …, …-…, Porto (a seguir “Requerente” ou “A”), apresentou em 04.02.2014, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), pedido de pronúncia arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, “Requerida” ou “AT”), relativamente à liquidação adicional de IRC n.º 2013 …, respeitante ao exercício de 2009.

 

2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo o Senhor Juiz José Poças Falcão, com as funções de Árbitro Presidente, e os Senhores Drs. Paulo Lourenço e João Menezes Leitão, como árbitros vogais, que aceitaram o encargo.

 

3. Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 07.04.2014.

 

4. No requerimento de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), a Requerente formulou os seguintes pedidos:

“i) Ser o ato de liquidação anulado por vício de violação da lei, ao não se permitir a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros em crise, ou, subsidiariamente,

ii) Ser o ato de liquidação anulado por desconsiderar a totalidade dos prejuízos fiscais apurados no exercício de 2008 e devidamente reportados para o exercício de 2009 e

iii) Em qualquer dos casos, ser a Requerente restituída do montante de €359.190,00 indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios e de mora até integral restituição”.

 

5. A AT apresentou resposta, em que peticionou que o pedido de pronúncia arbitral fosse julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a AT de todos os pedidos formulados, bem como, no que concerne ao pedido subsidiário, julgadas procedentes as exceções invocadas de impropriedade do meio processual e de incompetência material do Tribunal, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida da instância.

 

6. Por despacho de 30.05.2014 foi dispensada a reunião do Tribunal com as partes (artigo 18.º do RJAT), sem oposição destas, dado se verificar: “a) que se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais; b) que não há exceções a apreciar e decidir antes de conhecer do pedido nem necessidade aparente de correção de peças processuais e c) que a prova apresentada é de base documental e está já incorporada no processo”. As partes apresentaram, subsequentemente, alegações escritas sucessivas. Por despacho de 05.09.2014, o Tribunal designou o dia 07.10.2014 para a prolação e notificação do acórdão, tendo ulteriormente prorrogado, ao abrigo do n.º 2 do art. 21.º do RJAT, o prazo e data previstos nos artigos 18.º-2 e 21.º-1, do RJAT.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

1. Objecto do processo e questões a decidir

 

7. Atento o pedido de pronúncia arbitral deduzido, o presente processo tem como objecto a pretendida declaração de ilegalidade e a consequente anulação da liquidação de IRC n.º 2013 …, na parte em que resultou de correções à matéria colectável da Requerente no exercício de 2009 que assentaram na desconsideração da dedução fiscal de juros relativos a financiamento incorrido pela sociedade “B”, SA, incorporada por fusão na Requerente, para aquisição de participações sociais da sociedade “C”, SGPS, SA, sociedade que foi titular, até ao ano de 2009, de uma participação social, inicialmente de 85% e depois de 100%, no capital da Requerente.

Nestes termos e mais concretamente, a questão essencial a resolver, em atenção à regulação fiscal objecto do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) aplicável ratione temporis[1], é a seguinte:

- os encargos financeiros no montante de €1.615.252,30 deduzidos fiscalmente pela Requerente no ano de 2009 relativos a financiamento incorrido para a aquisição das indicadas participações sociais, devem ser considerados como comprovadamente indispensáveis nos termos do art. 23.º do CIRC?

 

8. Para além disso, pretende a Requerente, a título subsidiário, que seja anulado o ato tributário impugnado por desconsiderar a totalidade dos prejuízos fiscais apurados no exercício de 2008 reportados para o exercício de 2009.

Tendo em conta que um pedido subsidiário é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior (art. 554.º do CPC 2013), a sua apreciação só pode ter lugar na sequência do julgamento do pedido principal, caso não tenha ficado prejudicado pela decisão deste.

 

9. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, é competente para apreciar as questões suscitadas em sede de pedido principal, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). O processo não enferma de nulidades.

 

2. Factos essenciais

 

10. Em sede factual, analisada a prova documental produzida, não impugnada, e o processo administrativo tributário junto relativo à reclamação graciosa deduzida (a seguir PA), consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

I. A Requerente é uma sociedade comercial anónima que tem como atividade a prestação de serviços na área da patologia clínica (análises clínicas), encontrando-se coletada para o exercício da atividade de “A” (…) e enquadrada, para efeitos de IRC, no exercício em causa de 2009, no regime geral de determinação do lucro tributável (cfr. Relatório de Inspeção Tributária, a seguir abreviadamente RIT, junto como doc. n.º 3 à PI e constante a fls. 35 e seguintes do PA, respectiva pág. 6).

 

II. A Requerente foi objecto de inspeção tributária relativamente aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, a qual foi credenciada pela Ordem de Serviço OI2012….

 

III. Em 30.12.2005, a sociedade de direito neerlandês “B”, BV, subsidiária da sociedade de direito suíço “D”, SA (pertencentes ao Grupo empresarial “D”), adquiriu a totalidade do capital da “C” SGPS SA (abreviadamente, “C”), sociedade esta que detinha 85% do capital da Requerente, cujos 15% restantes pertenciam à “Família E”, bem como adquiriu 85% das participações sociais da sociedade “F” -Sociedade de Gestão e Informática Médicas, SA (a seguir “F”) – cfr. RIT, p. 7 e arts. 16.º e 18.º da PI.

 

IV. Em 2007 foi constituída a “B”, SA, cujo capital social era detido na sua totalidade pela sociedade de direito neerlandês “B” BV - cfr. RIT, p. 7 e art. 20.º da PI.

 

V. Ainda em 2007 a “B” BV vendeu à “B”, SA, pelo preço de 87.000.000,00 francos suíços (à data €52.409.640,00), as participações financeiras detidas nas seguintes sociedades (cfr. RIT, p. 7 e art. 22.º da PI):

- 100% da “C” (titular de 85% do capital social quer da Requerente quer da “F”);

- 100% do “G” SA;

- 100% da empresa “H” SA;

- 100% da “I” Lda.;

- 100% da sociedade “J” SA;

- 100% da empresa “K” SA;

- 85% do “L” SA.

 

VI. No contrato de aquisição das participações sociais ficou definido que o valor a pagar pela entidade compradora (“B”, SA) era objecto de empréstimo pela entidade vendedora “B” BV (cfr. RIT, p. 7 e art. 23.º da PI).

 

 VII. Em Julho de 2008, no âmbito de financiamento efectuado junto do Royal Bank of Scotland, a “B” SA obteve o montante necessário à liquidação da quase totalidade do valor em dívida à “B” BV pela aquisição das participações financeiras (ficaram em dívida CHF 24.943,05, à data €15.294,04), bem como um empréstimo adicional no valor de €5.600.000,00 (cfr. RIT, p. 8).

 

VIII. Este montante de €5.600.000,00 foi canalizado pela “B”, SA, a título de prestações acessórias, para a participada “C”, a qual o utilizou para a aquisição, pelo mesmo valor, das participações representativas de 15% do capital da Requerente e da “F” que ainda se encontravam na titularidade dos anteriores acionistas, a família “E” (cfr. RIT, p. 8 e arts. 25.º e 26.º da PI).

 

IX. Em consequência, a partir desta data, a “C” passou a ser detentora da totalidade do capital da Requerente e da “F” (cfr. RIT, p. 8 e art. 26.º da PI).

 

X. Em Setembro de 2008, foi efectuado um refinanciamento junto de um consórcio bancário liderado pelo Nordea Bank, o que incluiu os montantes de que beneficiou a “B”, SA acima referidos em VII (cfr. RIT, p. 8 e art. 27.º da PI).

 

XI. No final de 2008, o grupo “D” decidiu proceder à reorganização da estrutura das suas participações em Portugal, com o objectivo de concentrar na Requerente (sociedade que, no seio do grupo em Portugal, assumia a posição financeira mais consolidada e que detinha a marca com maior visibilidade e reconhecimento) as diversas participações sociais, bem como o endividamento externo (cfr. RIT, p. 8 e arts. 28.º e 29.º da PI).

 

 XII. O referido processo de reorganização passou pelo seguinte (cfr. RIT, p. 8 e arts. 31.º a 33.º da PI, bem como projeto de fusão junto como doc. n.º 6 à PI):

i) Em primeiro lugar, alienação, por contrato assinado em 5 de dezembro de 2008, pela “C” (detida a 100% pela “B” SA) à “B” BV da participação detida na Requerente (100% do capital), pelo montante de €29.862.000,00;

ii) Em segundo lugar, aquisição da “B” SA pela própria Requerente, mediante a entrada em espécie da totalidade do capital da “B” SA para efeitos de aumento do capital da Requerente, no montante de €200.000,00, por parte da sua acionista única “B” BV;

iii) Em terceiro lugar, aquisição pela Requerente de outras participações detidas pelo Grupo “D” em Portugal, mas que estavam fora da esfera da “B” SA;

iv) Por fim, incorporação por fusão da “B” SA na Requerente, o que se concretizou em 29 de Dezembro de 2008, com efeitos a 1 de Janeiro de 2008.

 

XIII. Com a fusão, no final do ano de 2008, entre a Requerente e a “B” SA, com efeitos a 1 de Janeiro de 2008, através da incorporação desta naquela e a correspondente transferência global do património, a Requerente passou a ser titular da totalidade das participações sociais então detidas pela “B” SA (excluindo a participação indireta relativa a 100% do capital social da Requerente, conforme referido em XII, i)), e integrou a totalidade das responsabilidades decorrentes dos financiamentos utilizados para a aquisição das participações sociais pela “B” SA, com os seus resultados a ser afectados pelos encargos relativos ao serviço da dívida (cfr. RIT, pp. 8-9 e art. 34.º da PI).

 

XIV. Os financiamentos e respectivos encargos encontram-se relacionados com o seguinte (cfr. RIT, p. 9):

i) A aquisição, em 20 de Dezembro de 2007, pela “B” SA à “B” BV, detentora da totalidade do seu capital, das participações financeiras que seguidamente se discriminam, pelo montante total de €52.409.640,00, o qual, face à contabilização adoptada e às informações fornecidas quanto aos critérios seguidos pela Requerente, se reparte como segue (tendo em conta uma correção derivada de a Requerente não ter tomado em consideração que a “C”, à data, não possuía a totalidade, mas apenas 85% do capital da Requerente e da “F”):

 

% de participação

Entidade participada

Valor

100%

“C”

€26.196.512,24

85%

“A”

€24.994.022,92

85%

“F”

€1.202.489,32

100%

“G”

€12.817.691,14

100%

“H”

€3.161.697,14

100%

“I”

€2.155.271,02

100%

“J”

€655.126,43

100%

“K” SA

€.4.688.901,30

85%

“L” SA

€2.734.440,77

TOTAL

€52.409.640,00

 

ii) A aquisição, em 21 de Julho de 2008, por parte da “C”, participada da “B” SA, da participação de 15% do capital da Requerente e da “F” que ainda se encontravam na titularidade dos antigos acionistas (Família “E”), pelos valores de €5.546.000,00 e €54.000,00, respectivamente, totalizando o montante de €5.600.00,00.

 

XV. Em resultado da fusão ocorrida em 2008 entre a Requerente e a “B”, SA, os gastos contabilizados pela Requerente com os juros relativos aos referidos empréstimos ascenderam, no exercício de 2009, a € 2.842.202,56 (cfr. RIT, pp. 9-10).

 

XVI. Em 27.11.2012, a Requerente foi notificada para discriminar os gastos contabilizados, nos exercícios de 2009 e 2010, com os empréstimos contraídos para a aquisição das participações sociais, relativos, nomeadamente, a juros, nos montantes totais de €2.842.202,56 e €2.222.033,05 respetivamente, indicando-se na notificação que a discriminação dos custos deveria ser efectuada por participação social, designadamente, os relativos à aquisição da totalidade do capital da Requerente e os referentes à aquisição das restantes participações sociais, e conter indicação fundamentada dos critérios utilizados (cfr. RIT, p. 16).

 

XVII. Em resposta ao solicitado, a Requerente remeteu e-mail, em 20 de Dezembro de 2012, no qual enviava a discriminação dos gastos por participação social, e em que se indicava o seguinte em relação a 2009:

 

Exercício

Participações sociais

Encargos financeiros relativos à aquisição das participações pelo montante de €52.409.640

Encargos financeiros relativos à aquisição das participações pelo montante de €5.600.000

Total

2009

“C”

€1.436.099,97

€247.459,34

€1.683.559,31

OUTRAS

€1.158.643,25

€0,00

€1.158.643,25

TOTAL

€2.594.743,22

€247.459,34

€2.842.202,56

 

No referido e-mail, o sujeito passivo referia, ainda, que:

 "(...) os critérios utilizados foram:

·      Afectação dos juros do empréstimo efectuado em Julho de 2008 à participação na “C”-SGPS;

·      Afectação dos restantes encargos referidos na proporção do custo de aquisição de cada uma das participações;

·      O custo de aquisição considerado para a afectação referida não foi o contabilístico uma vez que na sequência das conversações mantidas nos processos inspectivos em curso identificamos um lapso na afectação efectuada inicialmente” (cfr. RIT, p. 16).

 

XVIII. No Relatório de Inspeção Tributária referente aos mencionados exercícios de 2009, 2010 e 2011, notificado à Requerente pelo Ofício n.º …/…, datado de 12.09.2013, junto como doc. n.º 3 à PI e constante a fls. 35 e seguintes do PA, considerou-se, com relevância para os autos em relação ao exercício de 2009, o que a seguir se transcreve:

- “MOTIVO [da ação de inspecção]”:

“Necessidade de controlar encargos financeiros de montante elevado e com peso muito significativo relativamente aos rendimentos registados, que teriam origem em empréstimos contraídos para a aquisição de participações sociais a entidade relacionada” [p. 6];

- “ENQUADRAMENTO FISCAL DOS ENCARGOS FINANCEIROS RELATIVOS À AQUISIÇÃO DAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS”

- “Dos factos relatados (...) conclui-se que:

• A “A” SA contraiu empréstimo para comprar a “C” e as restantes participações sociais (...).

• No que concerne à “C”, esta empresa, enquanto sociedade gestora de participações sociais, valia pelas participações que detinha no “A” e na “F”. O mesmo considerou a “A” SA, já que contabilizou o valor da “C” como o somatório dos valores atribuídos às participações desta no capital daquelas empresas.

• O objetivo da compra da “C”. para a “A” SA era a aquisição do “A”, uma vez que a “F” possuía um reduzido valor intrínseco na perspetiva do investidor. (...)

• A “C” vendeu a participação social detida no “A” à “B” BV, esvaziando a “C” de conteúdo e colocando o “A” sob o domínio da empresa que detinha a “B” SA, o que veio criar as condições para a opção pela fusão destas duas sociedades (“A” e “B” SA)” – [pp. 13-14].

- “A determinação da indispensabilidade dos encargos financeiros relativos aos financiamentos contraídos, condição essencial para aferir da dedutibilidade fiscal dos mesmos, terá, necessariamente, de ter por base a análise da finalidade e do destino dos financiamentos.

Essa finalidade não pode ser entendida num sentido estrito, avaliando exclusivamente a aplicação direta e imediata dos financiamentos, devendo, pelo contrário, adoptar-se uma perspetiva mais lata e abrangente para determinação da finalidade última, ainda que indireta e mediata, dos mesmos.

Nesse sentido, a análise deve relativizar a aplicação direta dos financiamentos e o complexo de operações que se seguiram, relacionado, essencialmente, com a operação de fusão entre o “A” e a “B” SA, face ao resultado final decorrente dessas operações.

Assim, para aferir da indispensabilidade dos gastos, deverá ser determinada a afetação efetiva e concreta dos financiamentos relativamente aos quais os juros são suportados, ou seja, importa avaliar o destino ou uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo pretende deduzir fiscalmente os juros que suportou.

Tudo o que foi referido justifica a necessidade de se proceder a uma análise subordinada ao processo demonstrativo, internacionalmente utilizado, de tracing approach para apuramento e rastreamento do uso e destino do financiamento.

Aplicando o referido tracing approach ao caso em apreço, forçosamente se terá de concluir que os financiamentos contraídos e que, por via da fusão, ficam na responsabilidade do “A”, em termos substanciais, foram dirigidos:

- À aquisição das outras participações sociais;

- À aquisição da “C” pelo valor que corresponde à “F”;

- À aquisição do próprio “A” efetuado através da “C”” [p. 14].

- “ (...) o art. 23.º do Código do IRC estabelece a exigência de um nexo de causalidade entre o gasto e os rendimentos obtidos e a manutenção da fonte produtora. No que concerne aos encargos de natureza financeira, esse nexo verificar-se-á quando os correspondentes meios sejam aplicados na aquisição de bens suscetíveis de gerar rendimentos, ainda que futuros.

Por outro lado, para que o gasto seja considerado fiscalmente exige-se que seja indispensável, pelo que se torna necessário aferir qual o conceito de indispensabilidade. (...) os gastos indispensáveis corresponderão àqueles contraídos no interesse da empresa, sobretudo, porque visam o lucro” [pp. 14-15].

- “Não restando quaisquer dúvidas sobre o facto dos gastos contabilizados nos exercícios de 2009, 2010 e 2011, nos montantes de 2.842.202,56, €2.222.033,05 e €2.543.972,76, respetivamente, consistirem um encargo dos empréstimos contraídos inicialmente pela “B” SA e da responsabilidade do sujeito passivo por via da sua fusão com aquela sociedade, a questão a decidir prende-se exclusivamente com a indispensabilidade do “A” suportar a parte desses gastos que seja relativa à aquisição do próprio capital para que cumpra o desiderato de obtenção de rendimentos ou manutenção da fonte produtora.

(...) Certo é que a determinação do lucro correspondente à atividade do “A” ficou afetada, em resultado da incorporação por fusão da “B” SA, designadamente, pelos encargos decorrentes dos empréstimos contraídos por esta para efetuar a aquisição do próprio “A”..

O objeto social do “A” corresponde, basicamente, ao exercício da atividade laboratorial de análises clínicas, bem como a importação, exportação ou aluguer de materiais e equipamentos conexos.

Assim, restringindo-se a atividade do “A” à prestação de serviços de análises clínicas, não se identifica:

a) Qualquer tipo de rendimento que lhe possa advir diretamente por via desses gastos;

b) Ou qualquer outra forma de benefício para a atividade exercida pelo “A” sob a forma de melhoria do comportamento da empresa na prossecução dessa atividade, seja por via de um aumento do valor dos serviços prestados, de uma diminuição dos gastos incorridos ou qualquer outra, em resultado da aquisição efetuada;

o que leva ao enquadramento de tais gastos como não imprescindíveis” [p. 15].

- “Na avaliação da imprescindibilidade dos gastos não deverá colher qualquer argumento dirigido à demonstração que os encargos financeiros são de aceitar fiscalmente, em virtude de, por força da fusão efetuada, se terem tornado numa inevitabilidade a suportar pelo “A”.

De facto, o enquadramento fiscal desta matéria tem de ser encontrado em função do quadro definido para as empresas em causa e não face a quaisquer outras realidades que viessem a ser constituídas” [p. 16].

- “(…) verificando-se que parte dos gastos contabilizados com juros consistem encargos de empréstimos relativos à aquisição do seu próprio capital (contraídas inicialmente pela “B” SA e da responsabilidade da “A”,, por via da sua fusão com aquela sociedade), entende-se que, face à análise da natureza dos rendimentos obtidos pelo “A” (prestação de serviços na área das análises clínicas) e dos meios propiciadores do desenvolvimento desse atividade, tais gastos não poderão ser consideradas fiscalmente na determinação do resultado” [p. 16].

- “APURAMENTO DO VALOR DOS ENCARGOS FINANCEIROS RELATIVOS À AQUISIÇÃO DO “A””:

(...) O sujeito passivo não discriminou os gastos relativos à aquisição do capital da “A” (...), fazendo-o somente em relação às participações sociais detidas de forma direta, nas quais se inclui a “C”. Importa, assim, proceder a essa discriminação.

A “C”, enquanto sociedade gestora de participações sociais, valia pelas participações que detinha no “M” e na “F”. O mesmo considerou a “B” SA, ao contabilizar o valor da “C” como o somatório do valor atribuído às participações desta no capital daquelas empresas (...).

Assim, os gastos imputáveis a cada uma dessas participações (no “A” e na “F”) resultarão da divisão dos gastos imputáveis à aquisição da “C” por cada uma das participações na proporção do seu valor relativo, isto é, em função do peso relativo do valor de cada uma das duas participações no valor total da “C”” [p. 17].

- “Os encargos financeiros imputáveis à aquisição dos 85% do capital do “A” resultam de divisão do valor total dos encargos financeiros relativos à aquisição da “C” pelas participações detidas no “A” e na “F”, em função do peso relativo do valor dessas participações no valor total da “C”, conforme se encontra determinado no Quadro VII.

QuadroVII

Participações sociais

Valor atribuído à participação social

Peso relativo no valor da “C”

Encargos financeiros relativos à aquisição das participações referidas em B.2.1 pelo montante de €52.409.640

2009

2010

2011

“C”

€26.196.512,24

100%

€1.436.099,97

€1.124.956,56

€1.286.400,91

“F”

€1.2002.489,32

4,59%

€65.920,79

€51.638,49

€59.049,21

“A”

€.24.994.022,92

95,41%

€1.370.179,18

€1.073.318,07

€1.227.351,70

 

- “(...) A imputação dos encargos financeiros relativos à aquisição do restante capital do “A” e da “F” será efetuada em função dos valores efetivos de compra das partes de capital, os quais, recorde-se, foram de €5.546.000,00 e €54.000,00, respetivamente.

O gasto imputável à aquisição dos restantes 15% do capital do “A” é, assim, o determinado no Quadro VIII.

QuadroVIII

Participações sociais

Valor atribuído à participação social

Peso relativo no valor da “C”

Encargos financeiros relativos à aquisição das participações referidas em B.2.1 pelo montante de €52.409.640

2009

2010

2011

“C”

€5.600.000,00

100%

€247.459,34

€189.465,06

€219.705,57

“F”

€54.000,00

0,96%

€2.386,22

€1.826,98

€2.118,59

“A”

€5.546.000,00

99,04%

€245.073,12

€187.638,08

€217.586,98

[pp. 16 a 18].

- “CONCLUSÃO

“(…) Os encargos financeiros imputáveis à aquisição do capital do “A” determinados a partir dos valores indicados pelo sujeito passivo para a “C”, dos critérios definidos pelo mesmo para a valorização desta empresa e dos valores efetivos de compra dos 15% do capital do “A” e da “F”, ascenderam, nos exercícios de 2009, 2010 e 2011, a €1.615.252,30, a €1.260.956,15 e a €1.444.938,68, respetivamente.

Os gastos relativos à aquisição do “A”, ainda que efetuada através da “C”, não poderão ser considerados dedutíveis fiscalmente, por manifestamente não serem imprescindíveis à obtenção dos seus proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.

Assim, os montantes de €1.615.252,30, €1.260.956,15 e a €1.444.938,68, relativos aos encargos financeiros imputáveis à aquisição do capital do “A”, não serão aceites fiscalmente nos termos do art. 23.º do Código do IRC, pelo que deverão ser acrescidos para efeito de determinação do Lucro Tributável dos exercícios de 2009, 2010 e 2011, respetivamente(…)” [p. 19].

 

XIX. Na decorrência deste Relatório de Inspeção Tributária foram efectuadas correções meramente aritméticas à matéria tributável no exercício de 2009 no montante de €1.615.252,30, conforme nota de fixação da matéria colectável do exercício de 2009 também constante do Ofício acima indicado (cfr. doc. n.º 3 junto à PI e fls. 36 do PA).

 

XX. A Requerente foi notificada em 22 de setembro de 2013 da liquidação adicional de IRC n.º 2013 … relativa ao exercício de 2009, do qual consta o valor a pagar de €407.426,48, bem como da demonstração de acerto de contas com valor a pagar de €406.406,97, conforme doc. n.º 1 junto à PI que aqui se dá por reproduzido.

 

XXI. A Requerente deduziu reclamação graciosa contra a mencionada liquidação de IRC, conforme doc. n.º 4 junto à PI e processo administrativo junto, que não foi objecto de decisão por parte da AT.

 

XXII. A Requerente, ao abrigo do Regime Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de outubro, procedeu ao pagamento do montante de €359.190,00, com extinção dos juros compensatórios e de mora, conforme doc. n.º 5 junto à PI.

 

11. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

 

3. Fundamentação da matéria de facto

 

12. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos, não impugnados, juntos à PI, do reconhecimento de factos assumido na mesma PI, e dos relatórios e documentos incluídos no processo administrativo instrutor junto a estes autos, tudo conforme se encontra especificado nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

 

4. O Direito

 

a) Pedido principal

 

13. Decidiu a AT, em resultado de inspeção tributária realizada à Requerente,  que os encargos financeiros imputáveis à aquisição do capital do “A”, determinados a partir dos valores indicados pelo sujeito passivo para a “C”, dos critérios definidos pelo mesmo para a valorização desta empresa e dos valores efetivos de compra de 15% do capital do “A” e da “F” que ascenderam, nos exercícios de 2009, 2010 e 2011, a €1.615.252,30, a €1.260.956,15 e a €1.444.938,68, respetivamente, não são fiscalmente dedutíveis por “manifestamente” não serem imprescindíveis à obtenção dos seus proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do art. 23.º do Código do IRC.

Como tal, no que importa ao objecto dos presentes autos, que respeita ao exercício de 2009, o montante de €1.615.252,30, relativo aos encargos financeiros imputáveis à aquisição do capital do “A”, foi acrescido para efeito de determinação do Lucro Tributável do exercício de 2009 (cfr. RIT, p. 19), dando origem à liquidação oficiosa de IRC n.º 2013 … respeitante ao exercício de 2009.

Saliente-se, atento o que a Requerente invoca nos n.ºs 2 e 3 das suas alegações escritas e nos arts. 47.º e 48.º da sua PI, que o discurso fundamentador desta correção à matéria colectável, que está na base da liquidação oficiosa impugnada, se baseia nos três motivos essenciais seguintes (conforme se observa nas passagens do RIT acima citadas no n.º XVIII do probatório):

1)       em primeiro lugar, que “para aferir da indispensabilidade dos gastos, deverá ser determinada a afetação efetiva e concreta dos financiamentos relativamente aos quais os juros são suportados, ou seja, importa avaliar o destino ou uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo pretende deduzir fiscalmente os juros que suportou”, operando o “processo demonstrativo, internacionalmente utilizado, de tracing approach para apuramento e rastreamento do uso e destino do financiamento” [p. 14 do RIT], sendo que “o art. 23.º do Código do IRC estabelece a exigência de um nexo de causalidade entre o gasto e os rendimentos obtidos e a manutenção da fonte produtora” e “No que concerne aos encargos de natureza financeira, esse nexo verificar-se-á quando os correspondentes meios sejam aplicados na aquisição de bens suscetíveis de gerar rendimentos, ainda que futuros” [pp. 14-15 do RIT];

2)        depois, que “Aplicando o referido tracing approach ao caso em apreço, forçosamente se terá de concluir que os financiamentos contraídos e que, por via da fusão, ficam na responsabilidade do “A”, em termos substanciais, foram dirigidos: - À aquisição das outras participações sociais; - À aquisição da “C” pelo valor que corresponde à “F”; - À aquisição do próprio “A”, efetuado através da “C”” [p. 14 do RIT];

3)       por fim, que “a questão a decidir prende-se exclusivamente com a indispensabilidade do “A” suportar a parte desses gastos que seja relativa à aquisição do próprio capital para que cumpra o desiderato de obtenção de rendimentos ou manutenção da fonte produtora”, concluindo a AT que “restringindo-se a atividade do “A” à prestação de serviços de análises clínicas, não se identifica: a) Qualquer tipo de rendimento que lhe possa advir diretamente por via desses gastos; b) Ou qualquer outra forma de benefício para a atividade exercida pelo “A” sob a forma de melhoria do comportamento da empresa na prossecução dessa atividade, seja por via de um aumento do valor dos serviços prestados, de uma diminuição dos gastos incorridos ou qualquer outra, em resultado da aquisição efetuada; o que leva ao enquadramento de tais gastos como não imprescindíveis” [p. 15 do RIT].

Cabe, então, tendo presente esta fundamentação, apreciar a legalidade do juízo administrativo de não dedutibilidade fiscal dos juros relativos ao financiamento em causa e da consequente correção à matéria colectável, o que constitui a questão fulcral objecto dos presentes autos (vd. supra n.º 7).

 

14. Começa-se por referir, quanto ao quadro jurídico aplicável, que os juros suportados pelos sujeitos passivos de IRC como remuneração de empréstimos contraídos e demais encargos financeiros associados são dedutíveis como custos no apuramento do lucro tributável em conformidade com o disposto no art. 23.º, n.º 1, al. c), do CIRC, segundo o qual, na redação em vigor em 2009, “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, nomeadamente “encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração”.

Assim, nos termos desta disposição legal, a dedutibilidade fiscal dos juros suportados, tal como qualquer outro gasto, depende de um juízo quanto à sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (corpo do n.º 1), explicitando mesmo a al. c) do n.º 1 desta disposição que esses juros de capitais alheios são “aplicados na exploração”.

Este requisito da indispensabilidade dos custos/gastos para a realização dos proveitos/rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, estabelecido pelo art. 23.º do CIRC, tem sido objecto de devido tratamento jurídico pela jurisprudência em ordem à resolução dos casos concretos que tem de enfrentar, pelo que a solução que se vai dar ao caso sub judice se arrima diretamente na aplicação das diretrizes jurisprudenciais desenvolvidas neste âmbito, como, aliás, o impõe o princípio elementar constante do n.º 3 do art. 8.º do Cód. Civil.

Note-se, então, que, em síntese muitas vezes reiterada, o Supremo Tribunal Administrativo declarou quanto ao sentido e funcionamento do requisito da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais que: “o requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa” (cfr., por exemplo, os acórdãos do STA de 15.6.2011, proc. n.º 049/11, n.º III e de 29.3.2006, proc. n.º 01236/05, n.º 3.4; vd. ainda recentemente o acórdão do TCA Sul de 16.10.2014).

Pois bem, em atenção ao objecto destes autos, importa sublinhar a necessidade, para o juízo de indispensabilidade dos custos, de a “percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa” se ter de concretizar em relação ao “ente comercial em causa”. Com efeito, na relação de causalidade económica do custo com o interesse da empresa, o interesse empresarial que se afere é o da própria empresa que deduz fiscalmente o custo. Assim, o Supremo Tribunal Administrativo declarou no seu acórdão de 10.7.2002, proc. n.º 0246/02, que “os custos previstos naquele art. 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte, a se”, pelo que “para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que em relação de domínio”, reiterando nos seus acórdãos subsequentes de 7.2.2007, proc. n.º 01046/05, n.º III, de 20.5.2009, proc. 01077/08, de 30.11.2011, proc. n.º 0107/11 e de 30.05.2012, proc. n.º 0171/11, que: “os custos têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades”, pois, “[a] não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação”. Noutra vertente, encontra-se igualmente explicitado pela jurisprudência que é pressuposto exigível da aplicação do art. 23.º do CIRC “a consideração individualizada de cada empresa ou instituição pelo que não podem interferir aqui raciocínios daqueles em que se faz apelo a critérios de gestão do “grupo” ou mesmo dos financiamentos – ainda que gratuitos – dos seus sócios ou mesmo a vontade destes que nessa matéria é irrelevante, visto que se trata de um critério legal, sendo unicamente relevante a pessoa coletiva cujos custos estão em apreciação” (vd. os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 16.10.2007, proc. n.º 01276/06 e de 18.12.2008, proc. n.º 02515/08).

Deste modo, é estritamente em relação à entidade cujos custos estão em consideração para efeitos de determinação do respectivo lucro tributável que importa apreciar, tendo em conta a atividade empresarial que desenvolve, a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros.

 

15. Decorre do que se acaba de expor que o facto de os financiamentos com os encargos e as responsabilidades correspondentes terem sido objecto de transmissão no âmbito de fusão por incorporação (vd. o facto constante do n.º XIII) não implica que o seu tratamento fiscal na sociedade incorporante tenha que ser, sem mais, o exato espelho do que ocorria na sociedade incorporada.

Note-se, desde logo, que para chegar a alguma conclusão sobre a dedutibilidade dos encargos financeiros na sociedade incorporante nenhum elemento se obtém da concepção que se adopte, em termos gerais, quanto à natureza jurídica da fusão, quer se considere que se trata de um fenómeno de sucessão universal da sociedade incorporada para a sociedade incorporante quer se considere que se trate da modificação das sociedades envolvidas mediante transformação. É que a fusão constitui uma realidade que o Direito Fiscal trata com autonomia própria em relação ao Direito Comum, mediante soluções específicas, em atenção ao facto de tal operação constituir um ato de realização análogo a qualquer permuta de ativos, podendo envolver até, eventualmente, pagamentos em dinheiro (vd., à data dos factos, as referências nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 67.º do CIRC à atribuição de “quantias em dinheiro”). Aliás, de outro modo nem se compreenderia a consagração na lei fiscal, para além da regulação geral (art. 43.º, n.º 1 e n.º 3, al. d) do CIRC), de um “regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de partes sociais” (arts. 67.º e segs. do CIRC).

Mas também nenhuma conclusão se retira do próprio regime de neutralidade fiscal (a que se subordinou a fusão em causa nos autos – cfr. os pontos n.ºs XII, iv) e XIII do probatório e o projeto de fusão junto como doc. n.º 6 à PI) porquanto este regime não contemplava, em momento algum, a transmissibilidade para a incorporante do tratamento fiscal conferido aos custos na sociedade incorporada, centrando-se na prescrição, por um lado, de que, na determinação do lucro tributável da sociedade fundida, não é considerado qualquer resultado derivado da transferência dos elementos patrimoniais em consequência da fusão, não havendo, pois, lugar ao apuramento de mais-valias ou menos-valias realizadas por motivo da fusão, nem à consideração como proveitos ou ganhos, nos termos do n.º 2 do art. 34.º, das provisões constituídas na sociedade fundida que respeitem a créditos, existências e obrigações ou encargos objecto de transferência (n.º 1 do art. 68.º do CIRC); por outro lado, de que, na determinação do lucro tributável da sociedade beneficiária, o apuramento dos resultados respeitantes aos elementos patrimoniais transferidos é feito como se não tivesse havido fusão, as reintegrações ou amortizações sobre os elementos do ativo imobilizado transferidos são efectuadas de acordo com o regime que vinha sendo seguido na sociedade fundida, e as provisões que foram transferidos têm, para efeitos fiscais, o regime que lhes era aplicável na sociedade fundida (n.º 4 do art. 68.º do CIRC); prevendo-se, ainda, em certos termos, a possibilidade de dedução dos prejuízos fiscais da sociedade fundida nos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante (art. 69.º do CIRC). Assiste razão, pois, à Requerida quando nota nos arts. 132.º e 133.º da sua resposta que: “O regime da neutralidade fiscal no âmbito das fusões não abrange a temática dos custos/gastos que sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos, nos termos previstos no artigo 23º do CIRC”, não contendo “qualquer norma que, em virtude de uma qualquer fusão, elimine a necessidade de apurar o carácter de indispensabilidade dos custos na esfera da sociedade beneficiária”.

Do mesmo modo, não existe na atual Diretiva 2009/133/CE do Conselho de 19 de Outubro de 2009 relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferentes e à transferência da sede de uma SE ou de uma SCE de um Estado-Membro, nem na antecedente Diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações, regra alguma relativa à dedutibilidade de encargos financeiros na sociedade incorporante cuja interpretação se possa suscitar com utilidade para a solução do caso sub judice (cfr. os arts. 4.º, 5.º e 6.º da Diretiva 2009/133/CE).

Em suma, a dedução fiscal dos encargos financeiros incorridos no ano de 2009 tem que ser aferida no contexto empresarial próprio da Requerente, em atenção aos critérios normativos resultantes do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, que é, efetivamente, o quadro legal decisivo em face do qual se tem de resolver a matéria dos autos.~﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽cedia na sociedade incorporada, r a matnçe ser 69.º do CIRC)sibilidade de

Daí que, em cumprimento do disposto no n.º 1 do art. 23.º do CIRC, tenha perfeito cabimento verificar, como fez a AT na inspeção tributária ao exercício de 2009 a que procedeu e que aqui se encontra em apreciação, se os pressupostos de dedutibilidade fiscal dos custos com juros se mostravam satisfeitos em atenção à atividade da Requerente e ao período de tributação em causa (cfr. art. 18.º do CIRC), independentemente do que sucedia na sociedade incorporada.

Na verdade, como ainda recentemente entendeu o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 42/2014, n.º 16: “os juros que remuneram capitais alheios, mormente por operações de crédito, integram o conceito de encargos financeiros, de acordo com a exemplificação constante do artigo 23.º, n.º 1, al. c) do CIRC”; “Mas, de igual jeito, tais encargos não se afastam dos princípios gerais que regem a imputação de custos dedutíveis, mormente o princípio da especialização de exercícios (artigo 18.º do CIRC) e o princípio da homogeneidade entre custos dedutíveis e os rendimentos ou proventos sujeitos a imposto a que estejam ligados, de forma a que não seja atribuído um tratamento à causa (custo) e outro ao efeito (rendimento ou proveito), mormente no plano do âmbito de aplicação temporal do regime pertinente”.

Conclui-se, pois, que o facto de certos encargos financeiros serem fiscalmente dedutíveis anteriormente no âmbito da determinação da matéria colectável de uma certa sociedade não significa, só por si, que o sejam necessariamente nos mesmos termos no âmbito da sociedade que, por fusão, incorporou aquela.

Aliás, tanto é assim que a própria Requerente reconhece que a manutenção da dedutibilidade dos juros de um certo financiamento inicialmente contraído depende do pressuposto de que “o financiamento se mantém alocado à mesma finalidade” (cfr. arts. 43.º e 100.º da PI).

Ora, precisamente, é esta questão básica sobre a alocação do financiamento que suscitou a correção à matéria tributável determinada pela AT (vd. supra n.º 13): ao observar que “os financiamentos contraídos e que, por via da fusão, ficam na responsabilidade do “A” foram dirigidos” “à aquisição do próprio “A”, efetuado através da “C””, mas que as participações no próprio “A” não fazem, naturalmente, parte do seu património, a AT considerou que falece a indispensabilidade do “”A” suportar a parte desses gastos que seja relativa à aquisição do próprio capital para que cumpra o desiderato de obtenção de rendimentos ou manutenção da fonte produtora”, pois “restringindo-se a atividade do “A” à prestação de serviços de análises clínicas, não se identifica: a) Qualquer tipo de rendimento que lhe possa advir diretamente por via desses gastos; b) Ou qualquer outra forma de benefício para a atividade exercida pelo “A””.

Por isso, a matéria que efetivamente importa decidir para a solução do caso sub judice respeita à verificação no ano de 2009, em atenção à situação da Requerente, do nexo de causalidade económica entre a assunção dos custos financeiros em causa e a sua realização no interesse da empresa.

 

16. Tendo em conta esta diretriz, para proceder à aplicação ao caso em apreço do requisito da indispensabilidade dos custos, é decisivo averiguar, na base de todos os factos e circunstâncias relevantes, a afetação efetiva e concreta do financiamento de que os juros suportados são a remuneração ou, por outras palavras, importa verificar o destino ou uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo pretende deduzir fiscalmente, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, os juros e demais encargos associados que suportou.

Sufraga-se, assim, a este respeito e no essencial o entendimento da AT, exposto no RIT (vd. supra n.º XVIII do probatório) de que: “A determinação da indispensabilidade dos encargos financeiros relativos aos financiamentos contraídos, condição essencial para aferir da dedutibilidade fiscal dos mesmos, terá, necessariamente, de ter por base a análise da finalidade e do destino dos financiamentos”, sendo que: “Essa finalidade não pode ser entendida num sentido estrito, avaliando exclusivamente a aplicação direta e imediata dos financiamentos, devendo, pelo contrário, adoptar-se uma perspetiva mais lata e abrangente para determinação da finalidade última, ainda que indireta e mediata, dos mesmos”, mediante “uma análise subordinada ao processo demonstrativo, internacionalmente utlizado, de tracing approach para apuramento e rastreamento do uso e destino do financiamento.

Pois bem, conforme resulta dos factos acima provados, a totalidade dos financiamentos assumidos pela “B”, SA (vd. n.ºs VII e X do probatório) para a aquisição das participações na “C”, detentora de 85% do capital social da Requerente (vd. n.ºs V, VII e XIV, i) do probatório), e depois para realização de prestações acessórias para a aquisição pela “C” das participações representativas de 15% do capital da Requerente (vd. n.º VIII e XIV, i) do probatório), foram transferidos, por força da fusão, na sua globalidade, para a Requerente, que integrou assim “a totalidade das responsabilidades decorrentes dos financiamentos utilizados para a aquisição das participações sociais pela “B” SA, com os seus resultados a ser afectados pelos encargos relativos ao serviço da dívida” (vd. n.º XIII do probatório), mas já não foi objecto da mesma transferência a totalidade das participações sociais detidas, direta e indiretamente, pela “B”, SA, porquanto foi excluída a participação relativa a 100% do capital social da Requerente da titularidade da “C” (vd. n.ºs XII, i) e XIII do probatório).

Decorre, então, daqui que os financiamentos, transferidos por via da fusão, para a Requerente, que tinham sido incorridos pela “B”, SA para a aquisição das participações sociais na “C”, então detentora de 85% do capital social da Requerente, e, igualmente, para a aquisição subsequente pela “C” das participações sociais correspondentes à totalidade do capital social da Requerente (vd. facto provado sub XIV), participações sociais estas no capital da Requerente que faziam, pois, parte do património da “C”, não continuam alocados na esfera da Requerente exatamente nos mesmos termos às mesmas participações sociais, diretas e indiretas, a cuja aquisição tais financiamentos se dirigiram quando foram contraídos (vd. novamente o facto provado sub XIV).

Como tal, a Requerente suportou no ano de 2009 encargos financeiros em relação à totalidade dos financiamentos em causa (vd. n.º XV do probatório), mas as participações sociais relativas ao capital da própria Requerente, a que esses financiamentos também se destinaram (vd. n.º XIV do probatório), não pertencem, naturalmente, à Requerente, mas são sim da titularidade da “B” BV, que não suporta os correspondentes custos desse financiamento (cfr. n.ºs XII, i), XIII e XV do probatório).

 

17. Significa isto que os encargos financeiros suportados no exercício de 2009 imputáveis à aquisição do capital do “A” não encontram nexo de causalidade económica com o interesse e a atividade da própria Requerente, não tendo potencialidade para geração de lucros na esfera jurídica desta.

Essas participações sociais, na verdade, só podem gerar rendimentos tributáveis (dividendos em face da distribuição de lucros pela empresa participada, mais-valias em face da alienação das participações) na esfera jurídica da sociedade titular das participações (a “B” BV), não na esfera jurídica da devedora dos encargos financeiros (a aqui Requerente). Como tal, os encargos financeiros em causa não têm como destino o financiamento da atividade empresarial da própria Requerente, designadamente o investimento em participações sociais da sua titularidade, mas respeitam antes a participações sociais em titularidade alheia.

Ora, como acima se referiu (n.º 14), a dedutibilidade fiscal dos custos, por força do princípio da indispensabilidade previsto pelo art. 23.º do CIRC, pressupõe um nexo de causalidade económica entre os custos em causa e a sua realização no interesse da empresa.

É, pois, necessário, para efeitos da respectiva relevância fiscal, que os gastos incorridos com encargos financeiros possuam uma conexão de causalidade com a atividade empresarial desenvolvida, maxime sirvam ao desenvolvimento da atividade da sociedade deles devedora, em ordem à obtenção de lucros. Consequentemente, como observa MARIA DOS PRAZERES LOUSA, [O problema da dedutibilidade dos juros para efeitos da determinação do lucro tributável,” in Estudos em homenagem à Dr. Maria de Lourdes Correia e Vale, Lisboa, 1995, p. 349], não podem ser aceites como dedutíveis os juros suportados por uma empresa relativamente a empréstimos em que manifestamente se comprove que os fundos obtidos são “desviados da exploração e aplicados em fins estranhos à mesma”.

Nesta sequência, convoque-se igualmente o que se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.3.2013, proc. n.º 01393/06.1BEBRG: “só devem ser considerados custos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora mas da própria sociedade e não de um terceiro. Ou seja, os custos têm que ser reportados à atividade desenvolvida pela sociedade em causa e não por outra sociedade”.

Por isso, é correto o entendimento da AT, expresso no RIT (vd. supra n.º 13), de que: “restringindo-se a atividade do “A” à prestação de serviços de análises clínicas, não se identifica: - Qualquer tipo de rendimento que lhe possa advir diretamente por via desses gastos; - Ou qualquer outra forma de benefício para a atividade exercida pelo “A” sob a forma de melhoria do comportamento da empresa na prossecução dessa atividade, seja por via de um aumento do valor dos serviços prestados, de uma diminuição dos gastos incorridos ou qualquer outra, em resultado da aquisição efetuada”.

Explicite-se que esta conclusão não assenta em qualquer desconsideração da autonomia jurídica das diferentes sociedades do Grupo “D”, ao contrário do que a Requerente alega na sua PI, designadamente nos arts. 54.º e seguintes. Do que se trata é, sim, como acima se referiu no n.º 16, do apuramento, mediante a aplicação de um método de tracing approach, do uso e destino substanciais do financiamento relativamente ao qual se suportam encargos financeiros.

A este respeito, tendo presente que a Requerente não discriminou os gastos com juros do financiamento relativos à aquisição do capital da “A”, fazendo-o somente em relação às participações sociais detidas de forma direta, nas quais se inclui a “C” (vd. os factos objecto dos n.ºs XVI e XVII do probatório), sufraga-se a análise da AT, exposta no RIT (vd. n.º XVIII do probatório), segundo a qual:

“(…)A “C”, enquanto sociedade gestora de participações sociais, valia pelas participações que definha no “A” e na “F”. O mesmo considerou a “B” SA, ao contabilizar o valor da “C” como o somatório do valor atribuído às participações desta no capital daquelas empresas (...).

Assim, os gastos imputáveis a cada uma dessas participações (no “A”e na “F”) resultarão da divisão dos gastos imputáveis à aquisição da “C” por cada uma das participações na proporção do seu valor relativo, isto é, em função do peso relativo do valor de cada uma das duas participações no valor total da “C”.

Os encargos financeiros imputáveis à aquisição dos 85% do capital do “A” resultam de divisão do valor total dos encargos financeiros relativos à aquisição da “C”, pelas participações detidas no “A” e na “F”, em função do peso relativo do valor dessas participações no valor total da “C” (...).”.

 “(...) a imputação dos encargos financeiros relativos à aquisição do restante capital do ”A”e da “F” será efetuada em função dos valores efetivos de compra das partes de capital, os quais, foram de €5.546.000,00 e €54.000,00, respetivamente”.

“Os encargos financeiros imputáveis à aquisição do capital do “A” determinados a partir dos valores indicados pelo sujeito passivo para a “C”, dos critérios definidos pelo mesmo para a valorização desta empresa e dos valores efetivos de compra dos 15% do capital do “A” e da “F”, ascenderam, nos exercícios de 2009, 2010 e 2011, a €1.615.252,30, a €1.260.956,15 e a €1.444.938,68, respetivamente”.

Efetivamente, à luz da metodologia de “tracing approach” [sobre este método e sua aplicação cfr. ARNOLD, General Report, in Cahiers de Droit Fiscal International, vol. 79A (1994), Deductibility of interest and other financing charges in computing income, pp. 498 a 500], retira-se, com evidência, da matéria de facto dada como provada que os encargos financeiros indicados possuem como finalidade, destino e uso a aquisição das próprias participações sociais da Requerente pela sociedade “C”, SGPS, pelo que, nessa parte, a afetação do empréstimo não se prende com a atividade nem com ativos detidos pela sociedade que é devedora desses encargos, a aqui Requerente, mas sim com ativos que passaram a ser detidos pela “B” BV, como sócia única da Requerente.

Nestes termos, o escrutínio que a AT efetuou do destino dos financiamentos e da afectação dos correspondentes juros é congruente e suficiente para que se deva concluir que tais custos financeiros não são potencialmente geradores de proveitos para a Requerente ou relevantes para a manutenção da fonte produtora. 

Daí que se tenha de concluir que, na situação dos autos, não tem lugar “o juízo positivo de subsunção na atividade societária” pelo qual “os custos indispensáveis equivalerão aos custos contraídos no interesse da empresa” (para citar o acórdão do STA de 30.11.2011, proc. n.º 0107/11).

Deste modo, independentemente da assunção do empréstimo em causa pela Requerente ter resultado de uma operação de fusão, impõe-se declarar que os custos contabilizados pela Requerente no exercício em causa com os encargos financeiros respeitantes a tal empréstimo, na parte em que se referem às mencionadas participações sociais na própria Requerente, não satisfazem o requisito da indispensabilidade dos custos/gastos imposto para efeitos fiscais pelo art. 23.º do CIRC, dado faltar a necessária afetação dos custos ao interesse empresarial e à atividade produtiva próprios da Requerente (cfr. o decidido no Acórdão Arbitral – CAAD – Proc 14/2011-T, in https://caad.org.pt/tributario/decisoes, que aqui se acolhe).

 

18. Nestes termos, os encargos financeiros suportados no ano de 2009 pela Requerente, no montante de €1.615.252,30, imputáveis à aquisição do capital do “A”, não podem ser considerados dedutíveis fiscalmente, por não serem necessários à obtenção dos seus proveitos ou à manutenção da fonte produtora, dado não possuírem nexo de causalidade económica com a atividade da Requerente ou com bens suscetíveis de gerar rendimentos para a Requerente.

Em consequência, atento o disposto no artigo 23.º do CIRC, não ocorre o vício de violação de lei imputado à liquidação de IRC de 2009 da Requerente no que concerne à correção ao lucro tributável respeitante aos encargos financeiros no montante de €1.615.252,30 fiscalmente desconsiderados pela AT.

Razão por que o pedido principal terá de improceder.

 

b) Pedido subsidiário

 

19. A título subsidiário, peticiona a Requerente a anulação da liquidação em causa “por não considerar os prejuízos fiscais declarados pela Requerente, no exercício de 2008, e devidamente reportados para o exercício de 2009”.

Mais especificamente, invoca a Requerente, nos art. 151.º e 152.º da sua PI – e a tanto se limita a fundamentação deste pedido – que “a título subsidiário, nos termos dos artigos 101.º e 124.º, n.º 2, alínea b) do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, que, na sequência da procedência do já referido pedido de pronúncia arbitral, relativo ao exercício de 2008, no âmbito do Processo Arbitral n.º 101/2013-T, deverá ser considerada a totalidade dos prejuízos fiscais apurados no exercício de 2008, conforme declarados e reportados pela Requerente para os exercícios seguintes (no valor de €3.205.014,99)”, pelo que “a presente liquidação, relativa ao exercício de IRC de 2009, está, também por esta razão, ferida de invalidade, ao considerar somente um prejuízo fiscal (fixado oficiosamente), relativo ao exercício de 2008, no valor de €287.949,91”.

A este respeito sustenta a Requerida (arts. 147.º e seguintes da resposta) que o que a Requerente realmente pretende é a execução da decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 101/2013, pelo que, para além da impropriedade do meio, o tribunal arbitral carece de competência para apreciar tal pedido, por tal competência material não resultar quer da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março, quer do artigo 2.º do RJAT.

Cumpre apreciar.

 

20. Muito embora a Requerente coloque a matéria em causa como um vício da liquidação impugnada respeitante ao ano de 2009, é manifesto que a decisão sobre o pedido assim formulado implica que este Tribunal se pronuncie, mesmo que na decorrência da decisão proferida no processo arbitral n.º 101/2013-T, sobre os prejuízos fiscais incorridos no ano de 2008 e sobre o consequente direito ao seu reporte para o ano de 2009.

Assim, estará em causa nesta apreciação verificar a execução oficiosa do julgado resultante daquele processo, em conformidade com o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 24.º do RJAT, que determina que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito” e “rever os atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os atos tributários objecto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente”.

Como tal, esta apreciação sobre execução do julgado relativo à liquidação respeitante ao ano de 2008, para além de não incidir imediatamente sobre a liquidação de 2009 que é objecto deste processo, mas depender da declaração do direito à dedução dos prejuízos fiscais incorridos em 2008 eventualmente resultante da execução oficiosa do julgado relativo à liquidação desse ano, não respeita diretamente à apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta ou de fixação da matéria tributável, que constituem, no que aqui importa, as pretensões cuja competência cabe aos tribunais arbitrais nos termos do n.º 1 do art. 2.º do RJAT.

Em consequência, declara-se a incompetência material deste Tribunal Arbitral para apreciar a dedução dos prejuízos fiscais declarados pela Requerente no exercício de 2008 para o exercício de 2009, absolvendo-se a Requerida da instância relativa ao pedido subsidiário.

 

III. DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a) julgar totalmente improcedente o pedido principal e dele absolver a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira;

b) julgar incompetente o Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido subsidiário, absolvendo-se a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.

 

Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 360.209,51.

 

Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.120,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente, “A” , SA.

 

Notifique-se.

Lisboa, 9-12-2014

 

Os Árbitros

 

José Poças Falcão

(presidente)

 

João Menezes Leitão

(vogal)

 

 

 

Paulo Lourenço

(vogal)

 

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 



[1] Observe-se que o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, que procedeu à renumeração do CIRC (art. 7.º, n.º 1), se aplica apenas aos períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de janeiro de 2010 (art. 9.º).